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Ivan Fortunato, em sua resenha do livro “Cidade & alma”, de James Hillman, comenta que a psicanálise não poderia ter surgido em outro lugar senão na cidade, pois a vida urbana é a catalisadora de distúrbios, desajustes e doenças emocionais e psíquicas.

como citar

FORTUNATO, Ivan. Cidade & alma, cidade & amor, alma & amor.... Resenhas Online, São Paulo, ano 16, n. 182.03, Vitruvius, fev. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/16.182/6418>.


Há alguns anos, quando envolvido em pesquisas diversas sobre o tema “cidades”, tratando de planejamento urbano, memória, patrimônio, desenvolvimento sustentável, educação, comunicação... fui apresentado ao livro Cidade & alma, de James Hillman. Lendo-o, uma das coisas que mais me marcou foi a hipótese de que a psicanálise não poderia ter surgido em outro lugar senão na cidade, pois a vida urbana seria a catalisadora de distúrbios, desajustes e doenças emocionais e psíquicas...

“Ainda assim, é precisamente a rua aquilo que adentra o consultório: a próspera mãe preocupada com suas planta, a matrona suburbana deprimida, o delinqüente, o fugitivo, o viciado, o executivo obcecado pelo sucesso, correndo entre aeroportos, perseguido pela idéia de suicídio. Nosso trabalho é com pessoas da cidade, e a cidade está na alma de nossos clientes, de forma que, claro, você nos encontra, analistas, nas grandes cidades. Você não vai encontrar muitos de nós em Cheyenne ou Bismarck. Os fundadores de nosso campo de trabalho tiveram suas escolas nomeadas a partir de suas cidades: Paris, Nancy, Viena, Zurique, como que para confirmar que o trabalho com a alma pertence a cultura da cidade” (p. 37).

Como ansiedade, depressão, pânico (etc. etc.) são sintomas recorrentes e até bastante comuns de quem vive nas cidades, praticamente em qualquer cidade, temos indícios de que Hillman estaria correto, e o consultório do analista somente poderia existir em lugares citadinos. Assim, diante tal síndrome da urbanidade, parece mesmo que a cidade carrega nossa alma que, perdida, não encontra alento em nenhum outro local que não seja no pessimismo e na languidez de sentir-se triste ou sufocado ou, pior, nada sentir e, atônito, apenas sobreviver ao longo das extensas horas de trabalhar, estressar, voltar para casa, estressar, olhar para algum dispositivo audiovisual, comprimidos, dormir, despertador, trabalhar...

Mas, a alma não quer ceder. Ela insiste e persiste, de modo a não permitir o fim. Daí que vem a falta de vontade, sendo que tal falta evidencia que, ainda que mínima, existe vontade de manter-se vivo. A própria cidade – por estranho que possa soar esta frase – contém todos os elementos necessários para “animar a alma”. Isso porque a cidade não é o fim da saúde psíquica, pois ela pode oferecer balizas muito salutares para uma vida feliz. Ver com o “coração” pode ser uma forma saudável de se cuidar na cidade, abrindo-se à poesia dos lugares urbanos.

"Com o coração, entramos imediatamente na imaginação. Quando o cérebro é considerado o centro da consciência, procuramos localizações literais, ao passo que não podemos considerar o coração com o mesmo literalismo fisiológico. O movimento para o coração já é um movimento de poesis: metafórico, psicológico" (p. 18).

Embora não existam regras para esse encontro com verossímil sentimento de plenitude, restando a ninguém mais senão ao sujeito permitir seu próprio júbilo, há uma optação que pode colaborar com a junção entre o “eu” e minha própria alegria. Reitero: na cidade. Assim, caminhar pelas ruas da cidade em que se vive, com nenhum outro propósito além de nela estar, configura-se como terapêutico e catártico, pois permite reconhecer e conectar-se com o coletivo histórico. Ao fazer isso, o ego deixa de ser exclusivo, permitindo e possibilitando compreender o “eu” como um elemento que é parte de uma complexidade muito maior, amplificando os significados de estar no mundo... de estar no “meu” lugar no mundo.

Para deixar isso mais claro, compartilho parte de minha própria vivência sobre este encontro com os lugares. Uma das experiências mais marcantes aconteceu na ciclópica São Paulo quando, flanando pelo aparente caos de seu velho centro, me deparei, ao acaso, com o Pateo do Collegio – o qual chamo apenas de Pateo. Esse lugar é o sítio urbano mais antigo da capital, mas isso eu não sabia. Esse lugar contém uma construção da década de 1970, que é réplica de uma edificação jesuíta do século 17, destruída nos anos 1880, mas isso eu também não sabia. Aliás, nada sabia sobre o lugar, mas me cativei com sua paisagem contrastante com o exagero vertical do Centro Histórico, e com o excesso de gente apressada, correndo contra si mesmo naqueles calçadões...

Chamei o momento de me deparar acidentalmente com o Pateo de “súbito encanto” (1), pois foi isso mesmo: um instante capaz de serenar a alma, dando a sensação de paz, mesmo no centro agitado, confuso, irrequieto... Esse encanto sentido foi suficiente para que me apaixonasse pelo lugar, pela cidade e pela vontade de querer conhecer, cada vez mais, todos os lugares que me acolhem nessa vida. Parte da experiência do Pateo foi retratada, poeticamente, aqui na revista Minha Cidade, disponível online para leitura (2). Fica o convite para conhecer o Pateo do Collegio, mas, principalmente, para conhecer os seus próprios lugares.

Por isso, minha proposta é: saia por aí. Não caminhe como forma de lutar contra a obesidade ou o sedentarismo. Não caminhe como forma sustentável de mobilidade. Não caminhe para economizar. Caminhe pela cidade em que vive, como uma das possíveis maneiras de seguir em direção ao seu próprio “eu”. Isso porque toda rua, toda construção, toda paisagem possui sua própria poética que sempre fala conosco em sua linguagem própria, capaz de alimentar a alma com o que ela precisa: afeto, emoção e paz. Eis uma passagem que, para mim, esclareceu a importância (e o sentido de) conhecer (intimamente) meus lugares:

“Lugares são fusões de ordem humana e natural e são importantes centros de nossas experiências imediatas do mundo. São definidos menos pela unicidade, paisagem e comunidades, do que pelo foco de experiências e intenções na intimidade do indivíduo. Os lugares não são abstrações ou conceitos, mas são fenômenos diretamente experienciados do mundo vivido e, portanto, estão cheios de significados, com objetos reais e atividades em curso. São importantes fontes de identidade pessoal e comunitária, e são muitas vezes, centros profundos da existência humana com os quais as pessoas têm vigorosos laços emocionais e psicológicos. Na verdade, nossas relações com lugares são tão necessárias, variadas e, às vezes, tão desagradáveis como nossos relacionamentos com outras pessoas” (4).

Assim, fui aprendendo a reconhecer, em outros lugares, diversos significados fundamentais para a existência mais viva. Isso foi ratificado graças a todos os alentos que encontrei, desde 13 de janeiro de 2016, em Itapetininga (5), interior do estado de São Paulo, onde, feliz, posso afirmar que James Hillman estava certo: a alma contém a cidade, e a cidade anima alma, que engrandece a vida...

Ao final, então, fica a dica: caminhe pela cidade!

notas

1
FORTUNATO Ivan. O Largo Pateo do Collegio e o súbito encanto com o lugar. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, 2017 (no prelo).

2
Série de cinco artigos publicados na revista Minha Cidade do portal Vitruvius: FORTUNATO, Ivan. Geopoética no centro histórico de São Paulo. A primeira pausa do Pateo do Collegio. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 186.01, Vitruvius, jan. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.186/5868>; FORTUNATO, Ivan. Geopoética no centro histórico de São Paulo. A segunda pausa do Pateo do Collegio, a Praça Ilhas Canárias. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 187.02, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.187/5923>; FORTUNATO, Ivan. Geopoética no Centro Histórico de São Paulo. A terceira pausa do Pateo do Collegio, os sobrados da aristocracia. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 188.04, Vitruvius, mar. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.188/5974>; FORTUNATO, Ivan. Geopoética no Centro Histórico de São Paulo. A quarta pausa do Pateo do Collegio, a Igreja Anchieta. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 189.03, Vitruvius, abr. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.189/5983>; FORTUNATO, Ivan. Geopoética no Centro Histórico de São Paulo. A quinta pausa do Pateo do Collegio, o Largo Pateo do Collegio. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 190.02, Vitruvius, maio 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.190/6024>.

3
Trecho retirado da página 141 do livro RELHP, Edward Place and Placelessness. London: Pion Limited, 1976. Tradução livre de: Places are fusions of human and natural order and are the significant centres of our immediate experiences of the world. They are defined less by unique locations, landscape, and communities than by the focusing of experiences and intentions onto particular settings. Places are not abstractions or concepts, but are directly experienced phenomena of the lived-world and hence are full with meanings, with real objects, and with ongoing activities. They are important sources of individual and communal identity, and are often profound centres of human existence to which people have deep emotional and psychological ties. Indeed our relationships with places are just as necessary, varied, and sometimes perhaps just as unpleasant, as our relationships with other people.

4
Esse encantamento por Itapetininga tem sido registrado bimestralmente na Revista Top da Cidade, publicação impressa local, em ensaios nomeados “Passeando pela poesia das paisagens Itapetininganas”.

sobre o autor

Ivan Fortunato tem pós-doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC. Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro. Coordenador do Núcleo de Estudos Transdisciplinares: Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente (NuTECCA). Líder do Grupo de Pesquisas Formação de Professores para o Ensino básico, técnico, tecnológico e superior (FoPeTec). Pesquisador do Laboratório de Estudos do Lazer (LEL). Editor da revista Hipótese e coeditor da Revista Internacional de Formação de Professores e da Revista Brasileira de Iniciação Científica. Membro da Academia Itapetiningana de Letras, cadeira 27. Ocupante da cadeira 37 do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga (IHGGI). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Campus de Itapetininga.

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resenha do livro

Cidade & alma

Cidade & alma

James Hillman

1993

182.03
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182

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