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português
Trata-se de uma análise do contexto e da importância do livro Breve história da arquitetura cearense, do professor arquiteto Romeu Duarte para a escrita da história da arquitetura no Ceará.

english
This is an analysis of the context and importance of the book Brief History of Architecture in Ceará, by the architect architect Romeu Duarte for the historiography of architecture in Ceará.

how to quote

PAIVA, Ricardo Alexandre. História da arquitetura cearense: breve, mas profunda. Resenhas Online, São Paulo, ano 17, n. 201.01, Vitruvius, set. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/17.201/7099>.


O lançamento do livro Breve história da arquitetura cearense aconteceu no Festival Vida&Arte em junho de 2018, um evento multicultural importante da cidade, que acertadamente incluiu na sua programação o debate sobre a cultura arquitetônica local e contou, além da participação do autor e a minha, com a mediação do jornalista Humberto Pinheiro e do arquiteto Ricardo Muratori.

O lançamento de um livro é sempre uma celebração e, invariavelmente é pertinente discorrer sobre o criador e a criatura, mesmo que as vezes um represente e se confunda como o outro. Assim, minhas impressões, inquietações e interpretações não irão fazer necessariamente esta distinção.

Saliento a pertinência do livro, a sua existência por si só é um avanço no miserável quadro editorial sobre o tema da arquitetura no Ceará. De início, já é um grande mérito, pois traz ao grande público um panorama da produção da arquitetura em nosso Estado. Ademais, o alcance não é só local, mas contribui para historiografia da arquitetura brasileira, na medida em que ela é concentrada e tende a ignorar o que é periférico, ou melhor dizendo, regional.

Residência Universitária da Universidade Federal do Ceará, anos 1960, arquiteto Ivan Brito
Foto Arlindo Barreto

O termo “breve” presente no título, ao contrário do que supostamente remeter a algo superficial, na verdade indica a capacidade que o Romeu Duarte possui de sistematizar e sintetizar de maneira clara e objetiva um conjunto significativo de obras em um longo período de tempo.

Para dar conta disso, o enfoque se restringe a oferecer ao leitor uma degustação da arquitetura profissional, por tanto eminentemente erudita, produzida em nosso meio. O autor produz toda a genealogia da arquitetura culta, desde Silva Paulet, passando por Adolfo Herbster no século 19, passando pela geração de arquitetos de formação moderna, até os nossos dias, resgatando do fundo do poço do esquecimento, para além das obras, que bem ou mal ainda resistem ao tempo, importantes personagens desta história. Assim, como lembra Walter Benjamim (1) rememorar significa render, ressuscitar os excluídos da escuridão, iluminar a história. Como a arquitetura e a cidade são uma das dimensões mais importantes da memória, a pertinência desta publicação se impõe.

As periodizações e os recontes temporais são bem delimitados e devidamente fundamentados na relação entre a produção do espaço e o contexto histórico-social, auxiliando a compreender os porquês, a conjuntura em que os arquitetos e a arquitetura se inserem no processo de modernização contraditória do Ceará.

O enfoque do Romeu mostra, conforme eu tenho defendido, a importância da erudição na formação e atuação do arquiteto. Erudição no sentido de que se deve almejar um conhecimento generalizado.

Edifício J. Lopes, primeira metade do século 20, arquiteto húngaro Emílio Hinko
Foto Arlindo Barreto

Para Fernando Vasquez:

“Afirmamos que [a erudição] é uma forma do conhecer, que se manifesta numa pessoa ou obra, pois, sem elas (pessoas ou obras, ou, em suma, pessoas), a erudição não existe. Entendemos que seja um tipo de “instrução vasta e variada, adquirida sobretudo pela leitura” Definitivamente, um conjunto de conhecimentos que se caracteriza por ser vasto e variado, ou seja, um tipo de conhecimento que se contrapõe ao de um especialista” (2).

Como aluno aplicado do autor aprendi que, como arquitetos e urbanistas, devemos perseverar este conhecimento geral, totalizante, ampliado, multi, intra e transdisciplinar.

O livro testemunha a erudição do Romeu, no sentido do conhecimento vasto e variado que ele detém sobre a arquitetura cearense, adquiridos pela leitura de livros, mas também e, sobretudo pela vivência e leitura da cidade e da arquitetura. Sim, elas são um texto, uma linguagem não verbal.

A gênese do livro, como ele mesmo explica, está relacionada a sua participação, a convite do professor Hugo Segawa da FAU USP, no seminário “Arquitetura Brasileira Contemporânea: a produção de uma patrimônio cultural”como parte das atividades da X Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2013, onde em coautoria com  a professora arquiteta Solange Schramm, apresentou a palestra “Panorama da arquitetura e do urbanismo no Ceará (1950-2010): uma visão patrimonial”. As reflexões presentes no livro também advêm de textos escritos para o Anuário do Ceará, além de depoimentos que coletou de arquitetos com atuação eloquente em nosso meio.

Museu do Ceará, antiga Assembleia Provincial, século 19, arquiteto Adolfo Herbster
Foto Arlindo Barreto

Como arquiteto e militante do patrimônio – saga que se iniciou quando ainda era estagiário no Iphan, até virar Superintendente – a leitura do Romeu sobre a cidade e a arquitetura vem também das andanças pelo sertão e litoral profundos, vivência que certamente contribuiu para qualificá-lo como um contador de histórias, ao acrescentar à sua narrativa erudita a sabedoria popular e a vida cotidiana, não é à toa que tem demonstrado grande talento para o estilo literário da crônica, outro canal de comunicação que ele se vale para incluir o debate da arquitetura e da cidade na cena cultural local, por meio, sobretudo de uma coluna no jornal O Povo.

Mas, o comprometimento do Romeu com a erudição está evidente na reverência que faz aos professores José Liberal de Castro (1926) e José Neudson Braga (1935) na dedicatória do livro, que legaram para diversas gerações de arquitetos uma formação sólida e assente no treino da acuidade visual. Aliás, como diria Octavio Paz – “perceber é conceber – águas de pensamento – sou a criatura do que vejo”.

Ainda como herança dos arquitetos modernos pioneiros do Ceará, o livro traz diversas referências e citações à obra escrita de Liberal de Castro. Não se pode falar da arquitetura e da cidade cearenses sem recorrer ao mestre. Ele inaugurou a escrita da história da arquitetura e da cidade no Ceará. Somos todos tributários desta inestimável contribuição do Liberal, parte do Romeu como arquiteto-historiador e de tantos outros colegas professores do Curso de Arquitetura da UFC nasceu desta tradição e ele tem consciência disso.

“A análise da arquitetura e urbanismo antigos no Ceará é um mérito indiscutível de Liberal de Castro, uma contribuição que ele transfere há décadas para os seus alunos e discípulos, até bem pouco tempo apenas por meio da sistematização deste conhecimento, servindo de base e, a posteriori, como incentivo para que também enveredem pelos caminhos da história da arquitetura e do urbanismo cearenses. Aliás, a produção escrita do arquiteto sobre o assunto é tão relevante, que de certa maneira eclipsou a atuação de outros arquitetos na produção de conhecimento sobre a matéria” (3).

Centro dos Exportadores, anos 1960, arquiteto José Neudson Braga
Foto Arlindo Barreto

O livro do arquiteto é uma obra aberta e abre espaço para complementações, enfoques, novos recortes espaciais e temporais. Isto fica claro quando ele afirma: “Face à sua posição preponderante no estado, Fortaleza continua centralizando quase a totalidade da produção da arquitetura culta, razão ainda da altíssima concentração dos profissionais arquitetos e das oportunidades de trabalho na cidade”. Assim, há um Ceará do tamanho do mundo a ser estudado, inventariado, discutido, divulgado, revisado, valorizado, inventado, projetado, desenhado, designado a ser[tão] mais e melhor. Neste panorama, o autor coloca a discussão da questão patrimonial como imprescindível e urgente.

Destaco ainda a produção gráfica, exaltando que os eloquentes “cinquenta tons de cinza” das imagens oferecem possibilidades incríveis de percepção e realce das nuances, dos detalhes e do valor dos exemplares apresentados, possibilitando ângulos e pontos de vista para os voyeres da arquitetura. Parabéns ao fotógrafo Arlindo Barreto que nos permitiu flertar com estes edifícios, vê-los a partir de um ponto de vista inesperado, quase brechando seus segredos mais velados.

Para fazer um contraponto, discordo da ideia de um “brutalismo cearense”, na verdade é quase uma implicância  minha com esta ideia, uma vez que uma influência brutalista na produção local não significa necessariamente a sua primazia como movimento, sequer como rótulo. A inexistência do “brutalismo cearense” está presente no próprio depoimento do arquiteto Marrocos Aragão.

É importante reconhecer que esta empreitada do Romeu representa a coletividade dos arquitetos cearenses e especificamente dos dedicados ao estudo da cidade e da arquitetura no Ceará à luz do campo disciplinar do Planejamento Urbano e Regional e da Arquitetura e Urbanismo no contexto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design (DAUD-UFC), além do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Design (PPGAU+D), que criado em 2015, ratifica o compromisso da antiga Escola de Arquitetura (de 1965) com o ensino, a pesquisa a extensão na formação de arquitetos e mais recentemente designers, professores e pesquisadores. Esta massa crítica provém dos trabalhos diários nos laboratórios, ateliers, nas pesquisas individuais e coletivas de vários docentes. Este coletivo tem produzido muito conhecimento sobre a nossa realidade socioespacial e, por meio da obra do Romeu e sua inserção na cena cultural de Fortaleza, espera-se que se amplie o canal para que os resultados de pesquisas e experiências dos colegas e mestrandos repercutam na sociedade na forma de publicações e projetos conjuntos com a Edições Demócrito Rocha e com o jornal O Povo. Para além do que está escrito é preciso divulgar. Publicar significa tornar o conhecimento público, útil, emancipador.

Por fim, resgato a pergunta e a provocação que o Romeu traz nas páginas finais do livro: “quando seremos capazes de conceber uma arquitetura e um urbanismo que expressem a nossa cultura, ao mesmo tempo tradicional e contemporânea, rural e urbana, de modo mais fiel e natural?” A resposta não tem gabarito, mas o Romeu faz um ensaio maduro sobre os desafios ao final da obra. Não vou revelar, é necessário ler o livro.

Assevero que o nosso tempo requer uma mudança no estatuto da profissão, motivada pelas transformações no campo da tecnologia, mas sobretudo na solução de antigas e novas demandas da sociedade. Para a função social da arquitetura se cumprir é necessário dar conta das contradições sociais em que ela se insere. Este é o nosso compromisso. Ele é técnico, mas é também político.

Palácio Progresso, anos 1960, arquiteto José Liberal de Castro
Foto Arlindo Barreto

No geral, no Ceará e sobretudo em Fortaleza é possível afirmar que a nossa arquitetura tem sido colonizada, por meio da absorção acrítica de influências externas hegemônicas que prevalecem sobre as idiossincrasias locais. Alguns momentos de potência se revelam quando ela busca brotar de uma síntese entre o universal e o regional. No contexto da arquitetura contemporânea aqui produzida, precisamos refletir como podemos descolonizá-la, resistir aos diversos processos de sua reificação, da sua transformação em mercadoria.

Para tanto, nos arquitetos não podemos abrir mão do nosso tesouro que é a sublime tarefa de intervir no espaço social, ratificando o que diz o mestre Paulo Mendes da Rocha, que “tudo é projeto”.

notas

1
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo, Brasiliense, 1994.

2
VÁZQUEZ RAMOS, Fernando Guillermo. Sobre a erudição (parte 1/4). Manfredo Tafuri e a historiografia da arquitetura moderna. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 182.06, Vitruvius, jul. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.182/5621>. Grifos no original.

3
PAIVA, Ricardo Alexandre; DIOGENES, Beatriz Helena Nogueira Diógenes. A contribuição do arquiteto José Liberal de Castro à escrita da história da arquitetura e do urbanismo no Ceará. Belo Horizonte. Anais do Seminário Iberoamericano de Arquitetura e Documentação, 2011, p. 12. Síntese do artigo presente em: PAIVA, Ricardo Alexandre; DIÓGENES, Beatriz Helena Nogueira . A contribuição de José Liberal de Castro à arquitetura no Ceará. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 154.04, Vitruvius, mar. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.154/4695>.

sobre o autor

Ricardo Alexandre Paiva é arquiteto (UFC, 1997), mestre e doutor (FAU USP, 2005 e 2011). É Professor Adjunto de Projeto Arquitetônico do DAU-UFC e do PPGAU+D-UFC, onde é coordenador. Coordena o Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e Urbanização –LOCAU – do DAU-UFC.

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Uma breve história da arquitetura cearense

Uma breve história da arquitetura cearense

Romeu Duarte Junior

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