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“O bota-abaixo – crônica de 1904”, romance clássico do escritor José Vieira, retrata as demolições no Rio de Janeiro e será reeditado em 2019.

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CASTILHO, José Roberto Fernandes. A reforma de Pereira Passos escrutinada pelo olhar arguto de José Vieira. Sobre o romance O bota-abaixo. Resenhas Online, São Paulo, ano 17, n. 203.02, Vitruvius, nov. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/17.203/7162>.


O romance O bota-abaixo – crônica de 1904, do paraibano José Vieira (1880-1948), publicado em 1934 pela editora Selma, será o menos lido dos romances clássicos brasileiros. Tomo o termo “clássico” com o sentido de muito citado e muito referido: todo trabalho de peso sobre a remodelação do Rio de Janeiro que marcou o começo do século 20 o refere e o cita. Entretanto, ele foi pouco lido porque o magro volume, de 215 páginas, com letras grandes e papel ruim, nunca teve reedição. Parece uma edição apressada, que apresenta dois capítulos V, além de várias gralhas evidentes – que só poderiam ser totalmente corrigidas numa edição crítica.

No entanto, numa análise material, o livro será, de fato, uma verdadeira história do fim da Monarquia e começo convulsionado da República. No meio de barões e viscondes e ávidos capitalistas dispostos a tudo para ganhar dinheiro, traça um panorama amplo da vida carioca que engendrou o “bota-abaixo” (demolição em massa de prédios antigos do centro da cidade) e a revolta da vacina, último motim urbano do Rio, com suas graves consequências sociais. Trata-se de um romance urbano de tese e, ao mesmo tempo, de um documento literário da mais alta importância sobre a “negociata das demolições” – que Émile Zola igualmente explorou em O regabofe, de 1871, livro que expõe as entranhas da remodelação de Paris.

Viera compõe mesmo uma crônica mas não no sentido de forma literária leve e ligeira e sim no sentido forte de “narração concatenada dos fatos, como história ou biografia baseadas no relato minucioso do acontecido, com pormenores pitorescos e a capacidade de os fazer falar” (1), nas palavras de Antônio Candido. É isto que faz José Vieira em relação aos eventos políticos de 1904, que se projetaram sobre a cidade do Rio. As grandes obras executadas durante o governo de Francisco Pereira Passos (1902-1906) é que dão substância às ações dos personagens. Elas, as grandes obras do Rio, eram também uma “carniça ardente”, como as de Paris. Embora distante no tempo de O cortiço, de Aluísio Azevedo, de 1890, coloca-se na mesma linha dele – bem como do Bom crioulo, de Adolfo Caminha, de 1895 –, exemplos de literatura social urbana brasileira, em que a cidade ou uma rua, um cortiço, um predinho específico, ganham relevância porque se integram de modo pleno à ação dos personagens. Mas, aqui, a própria cidade será matéria do romance.

Na trama, destaca-se o advogado Luiz Carlos Balsemão, formado em São Paulo e decidido a enriquecer por todos os meios, enquanto o Visconde do Serro Verde – seu sogro – retira-se para a Europa, como fizera (à força) D. Pedro II, não sem antes despedir-se da cidade, em cena significativa porque logo chegariam as picaretas da Prefeitura para cumprir sua função destruidora. As obras de demolição foram inauguradas com um martelinho de ouro usado pelo Presidente da República, o paulista Rodrigues Alves. Começava o “hino jubiloso das picaretas” (Olavo Bilac), desconsiderando que os casarões eram moradias para as pessoas pobres e que ficariam sem ter onde morar, indo, então, ocupar os morros – único espaço que lhes sobrou na geografia da cidade. Já os personagens de José Vieira irão antes fugir rapidamente do barulho dos ciclopes se aproximando, referência aos monstros gigantes da fábula grega com um olho na testa. Os fatos se concentram, especificamente, em novembro de 1904, em dias de “barricadas e incêndios, de sangueira e morticínio na capital”.

Na folha de rosto aparece citação de Gustave Flaubert: “o horizonte percebido pelos olhos humanos nunca está na margem porque, além deste horizonte, há outro e assim por diante”. A epígrafe aplica-se às inteiras ao romance, que vê muito além do fato concreto das demolições e da revolta do “populacho”, situando-as historicamente, politicamente e socialmente – e daí todo o principal interesse atual do livro, que acaba no carnaval, o primeiro carnaval da Avenida. Quem quebrava os lampiões e atacava a polícia em novembro de 1904, virava folião nos “folguedos de Momo”, em fevereiro de 1905. A obra permite, ainda, uma leitura jurídica porque o personagem principal é advogado, que entendia que “a profissão era boa” para os fins que pretendia, uma vez que ele “não levava a consciência para o escritório”. Como as demolições “distribuíam dinheiro a rodo”, há causas, processos, desapropriação, inventários, apólices, crimes e também grandes juristas citados como, por exemplo, o Conselheiro Lafayette.

Na obra de José Viera, o envolvimento com os acontecimentos históricos não surge por acaso: toda sua prosa tem nítido sabor brasileiro – no aspecto formal, pelo uso de termos e expressões da linguagem popular, embora com alguma sintaxe lusíada (o pronome antes do verbo, por exemplo) e o sentido social é marcante, aqui muito concentrado no personagem Plínio Arruda, que “encarna o revoltado”. Sertanejo, emigrado de cidade do interior paraibano, Plínio também concluíra, à duras penas, o curso jurídico, morando com o protagonista Luiz Carlos, em São Paulo. Ambos os personagens são apresentados logo no capítulo inicial. O livro irá comparar, então, a prosperidade do arrivista Luiz Carlos com a miséria do sério e estudioso Plínio (miséria que talvez tenha passado o próprio autor, no personagem emulado), que, nada obstante, trabalham no mesmo escritório, sendo um empregado do outro, que lhe “matava a fome”. No livro, os personagens terão fins muito diversos.

Cabe, por fim, observar que a data de 1934 não está na folha de rosto: está, por acaso, na capa, com a identificação do capista (“Correia Dias, Rio, 1934”). Na capa não aparece o subtítulo. O desenho de Correia Dias é eloquente: numa rua estreita, de sobrados antigos, uma enorme picareta negra avança sobre casas antigas e sai correndo, tampando os olhos para não ver, um negro, talvez morador de uma delas. Mas as divindades da platibanda (“Diana de faiança”), que a tudo assistem, não poderão correr – e logo tombarão. Na transversal, o nome do romance vai escrito em grossas letras, também negras, e irregulares, que funcionam na notável composição quase como uma pichação – ou um grito. Pioneiro do modernismo gráfico, Fernando Correia Dias (1892-1935) foi um pintor, caricaturista e desenhista português que se mudou para o Brasil em 1914, onde se casou com Cecília Meireles em 1922, tendo sido o primeiro marido da poeta. Fez muitas ilustrações para livros e para revistas e jornais. Depressivo, ele cometeria suicídio em 1935.

notas

NA – Este texto é parte da apresentação do livro, que deve voltar às livrarias em 2019.

1
CANDIDO, Antonio. Prefácio. Ensaios da mão canhestra. São Paulo/Brasília, Polis/Instituto Nacional do Livro, 1981, p. 7.

sobre o autor

José Roberto Fernandes Castilho é professor de Direito Urbanístico na graduação em Arquitetura e Urbanismo da FCT/Unesp. É autor do livro O arquiteto e a lei (3ª edição, 2017).

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O bota-abaixo

O bota-abaixo

Crônica de 1904

José Vieira

1934

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