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De recorte e materialidade precisos, “Três pavilhões de Sérgio Bernardes: a geometria da tensão” permite compreender claramente um raciocínio espacial e estrutural. Rico em ideias bem estruturadas, os originais na exposição não fazem a menor falta.

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QUEIROZ, Rodrigo. Três pavilhões de Sérgio Bernardes: a geometria da tensão. Resenhas Online, São Paulo, ano 18, n. 214.01, Vitruvius, out. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/18.214/7498>.


Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, curadoria Abilio Guerra e Fausto Sombra
Foto Rodrigo Queiroz

A assimilação autoral dos “cinco pontos da nova arquitetura” e o extravasamento dos elementos do período purista de Le Corbusier para o contorno do edifício em si, agora revestido pela superfície extraída de um referencial colonial (azulejo pintado, elemento vazado, parede caiada e pedra apicoada), identifica e caracteriza aquilo que conhecemos como Escola Carioca, produção realizada por arquitetos modernos radicados na então Capital Federal no período compreendido entre o projeto para o Ministério da Educação e Saúde Pública (1936) e o Plano Piloto de Brasília (1957/1960) e com ecos em diversas partes do país, sendo seus principais representantes Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Olavo Redig de Campos, Jorge Machado Moreira, Francisco Bolonha, Luis Nunes e os Irmãos Roberto.

As obras do arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919/2002) realizadas até a primeira metade da década de 1950 apresentam um inequívoco alinhamento à formalização e à materialidade características da Escola Carioca, identificável principalmente nos seus projetos de residências unifamiliares, como a Residência Jadir de Souza (Rio de Janeiro, 1951), com a cobertura em “V” côncava e assimétrica, e a Residência Guilherme Brandi (Petrópolis, 1952), com a cobertura inclinada e parcialmente sobre pilotis. Mas será a casa de campo de Lota de Macedo Soares (também em Petrópolis, 1953) um dos projetos residenciais mais conhecidos de Bernardes, seja pela notoriedade da proprietária, arquiteta e urbanista autodidata, idealizadora do Parque do Flamengo, até hoje o maior aterro urbano do mundo, seja pela decisão material e estrutural da sua cobertura, que já sinaliza o início da independência e da autonomia do arquiteto sobre a própria gramática corbusieriana da Escola Carioca. Refiro-me à cobertura em telha corrugada de alumínio sem forro sustentada por vigas treliçadas confeccionadas com vergalhões de ferro soldados em ziguezague, material comumente utilizado como armação de vigas e pilares de concreto armado.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, curadoria Abilio Guerra e Fausto Sombra
Foto divulgação [Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

A espacialidade contínua e gráfica que caracteriza o interior da residência de Lota, assim como o partido definido por blocos ortogonais entre si organizados em disposição centrífuga, em certa medida, aproximam Bernardes mais das Case Study Houses da costa oeste estadunidense do que da própria arquitetura moderna no Brasil via Le Corbusier. Se arquitetos como Charles Eames, Richard Neutra e Craig Ellwood idealizam o ambiente da vida doméstica moderna a partir da relação exponencial entre planos opacos, transparentes e linhas estruturais como a síntese entre elementos que expressam a típica combinação norte-americana entre o espaço de um cotidiano projetado, a cadeia produtiva industrial, o design e a sociedade de consumo, Bernardes, ao contrário, nesse projeto, lança mão de um pensamento estrutural cuja realização se dá graças à uma peculiar capacidade de convocar um saber paradoxalmente anti-industrial, como a confecção artesanal de uma estrutura metálica com um material feito originalmente para outra finalidade.

Poderíamos compreender a casa de Lota Macedo Soares como o momento de inflexão que coloca a obra e o pensamento de Sérgio Bernardes como um ponto fora da curva da Escola Carioca (desculpem o trocadilho). Contudo, vale lembrar que nesse instante essa nova visão estrutural do espaço submete seu desenho à uma forma ainda pertencente à lógica da abstração construtiva moderna, um prisma de proporção horizontal. Esse espaço contínuo, transparente e metálico pouco faz lembrar o ambiente doméstico da casa, aproximando-se mais da aparência de um galpão ou pavilhão.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, curadoria Abilio Guerra e Fausto Sombra
Foto divulgação [Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

Alguns dos projetos de Bernardes realizados a partir de 1953 revelam seu crescente interesse por soluções estruturais cujo perfil em catenária se constitui como a imagem da ação da gravidade sobre o material flexível, o cabo – feixe de filamentos de aço unidos – sob tensão. Tomemos como exemplo três importantes pavilhões projetados pelo arquiteto no curto período de quatro anos (1953/1957): o pavilhão de Volta Redonda (1954/1955), localizado no Parque Ibirapuera; o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Bruxelas (1957/1958) e o Pavilhão da Exposição Internacional de Indústria e Comércio, localizado em São Cristóvão (1957/1962), na cidade do Rio de Janeiro.

A leitura cronológica destes três pavilhões nos permite compreender com absoluta clareza o desenvolvimento de um raciocínio espacial e estrutural que tem como ponto de partida e característica comum o projeto de uma superfície de cobertura constituída pela relação entre cabos tracionados, cuja curvatura em parábola resulta da tensão exercida sobre um material flexível suspenso e ancorado em dois pontos. A imagem mais elementar desse sistema seria um varal de roupas ou a corda que desafia o equilibrista.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, maquete do Pavilhão de Volta Redonda / Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, 1ª Feira Internacional de São Paulo (1954-1955). Arquiteto Sérgio Bernardes
Foto Rodrigo Queiroz

No projeto para o Pavilhão de Volta Redonda, construído pela Companhia Siderúrgica Nacional no Parque do Ibirapuera, uma ponte metálica sobre o córrego do Sapateiro, Bernardes define a cobertura como uma tenda cuja superfície resulta da repetição de cabos biapoiados e paralelos entre si. Enquanto a secção longitudinal da cobertura é uma parábola rasa, a secção transversal é uma linha horizontal. Trata-se de um plano encurvado em apenas um dos seus sentidos.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, maquete do Pavilhão do Brasil, Exposição Internacional de Bruxelas, 1958. Arquiteto Sérgio Bernardes
Foto Rodrigo Queiroz

No caso do Pavilhão do Brasil em Bruxelas, a cobertura consiste no cruzamento ortogonal de dois tramos de parábolas cujas flechas aumentam de altura conforme se aproximam do seu centro, configurando uma superfície hiperboloide. Seu ponto mais baixo, no centro, é marcado por um orifício circular que ilumina o jardim central, implúvio cuja destinação de origem seria receber a água da chuva que escoa da própria cobertura côncava em parábolas cruzadas e de onde flutua um balão esférico à gás que, diante do local desfavorável do pavilhão brasileiro, cumpre o papel de anunciar para todo o parque onde ele está. Quando recolhido, o balão esférico veda o próprio orifício circular, protegendo este jardim central.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, maquete do Pavilhão da Feira da Indústria e Comércio / Pavilhão de São Cristóvão, 1957-1962. Arquiteto Sérgio Bernardes
Foto Rodrigo Queiroz

Assim como no Pavilhão de Bruxelas, no Pavilhão de São Cristóvão, a cobertura é constituída pelo cruzamento ortogonal de feixes paralelos de cabos em curvatura parabólica e variável, contudo, devido ao seu perímetro oval e sua altura variável (mais alta nas extremidades da largura, 32 metros, e mais baixa na extremidades do comprimento, apenas dois metros), a superfície da cobertura resulta em um paraboloide hiperbólico, consequência do cruzamento de parábolas variáveis côncavas e convexas (no caso, levemente convexa no sentido do comprimento e um tramo de feixes côncavos no sentido da largura) assemelhando-se à superfície da sela do cavalo, porém extremamente abatida.

Essas três construções são o objeto principal da exposição “Três Pavilhões de Sérgio Bernandes”, em cartaz em uma das salas de exposições do Centro Histórico Mackenzie (prédio 01), localizado no campus Higienópolis da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com curadoria de Abilio Guerra e Fausto Sombra, em cartaz até 18 de outubro (1).

O Centro Histórico Mackenzie é um típico exemplar da primeira geração de edifícios do campus, caracterizado pelo tijolo aparente, pela volumetria simétrica em composição de aspecto austero e solene e com um interior aconchegante, onde se localizam, no térreo, um convidativo café e um bem conservado piano de parede à disposição de qualquer pianista (ou não) mais desinibido. Duas das três salas de exposição encontram-se no pavimento superior, espelhadas pelo eixo de simetria do edifício, onde se localiza a escada. Na sala à esquerda há uma exposição permanente sobre a história do basquetebol no Mackenzie, certamente o esporte que deu mais glórias e visibilidade à esta instituição de ensino.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, planta, concepção de Abilio Guerra e Fausto Sombra
Desenho Fausto Sombra

A exposição “Três Pavilhões” localiza-se na sala à direita, um recinto de proporção retangular (9,34m x 7,72m), mas com espaço recortado em formato de “C” graças à presença de um elevador dentro da sala, cuja instalação é evidentemente posterior à construção deste edifício histórico. Das quatro paredes da sala, duas são repletas de janelas e outra recebe uma das faces do volume do elevador além da própria porta dupla de entrada, restando apenas uma parede inteira (7,72m), livre de interferências significativas. Trata-se de um espaço destinado à exposição, mas com poucos metros lineares de parede disponíveis para a fixação de painéis, pranchas, telas etc.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, painel do texto curatorial, concepção de Abilio Guerra e Fausto Sombra
Desenho Fausto Sombra

Há um painel de apresentação da exposição, localizado estrategicamente na parede oposta à da entrada, no maior vão entre duas janelas existente na sala e outro painel, maior, localizado na única parede inteiramente desprovida de obstruções onde os três pavilhões de Bernardes dialogam com destacados pavilhões projetados por arquitetos brasileiros, são eles os pavilhões brasileiros nas feiras mundiais de Nova York em 1939 (Lucio Costa e Oscar Niemeyer), de Osaka em 1970 (Paulo Mendes da Rocha e equipe), de Sevilha em 1992 (não executado – Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni e João Oswaldo Villela) e de Dubai em 2020 (projeto executivo em desenvolvimento – MMBB, José Paulo Gouvêa e Martin Benavidez), além do pavilhão brasileiro na XIII Trienal de Milão em 1964 (Lucio Costa) e uma das capelas da representação do Vaticano na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2018 (Carla Juaçaba).

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, painéis de fotos e desenhos, concepção de Abilio Guerra e Fausto Sombra
Desenho Fausto Sombra

Na mesma parede da porta de entrada, porém do outro lado do elevador, desenhos, fotografias de época e modelos tridimensionais digitais dos três pavilhões e de elementos construtivos dos mesmos são projetados em sequência que se repete de modo intermitente. Esse espaço configura-se como um pequeno recinto mais resguardado onde o visitante pode permanecer acomodado em um banco defronte à projeção.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, fixação dos painéis, concepção de Abilio Guerra e Fausto Sombra
Desenho Fausto Sombra

Os elementos protagonistas da exposição são as maquetes dos três pavilhões, cada uma instalada individualmente sobre base retangular. Logo na entrada o visitante se depara com a maquete do Pavilhão do Brasil na Feira Universal de Bruxelas (1958). Dos três pavilhões, este talvez seja aquele que desperta maior curiosidade, pois os outros dois pavilhões, o de Volta Redonda e o de São Cristóvão, ainda existem mesmo que parcialmente. No Parque Ibirapuera, a ponte metálica localizada à esquerda de quem entra no Palácio dos Estados (hoje Pavilhão das Culturas Brasileiras) é, na verdade, uma das duas pontes que sustentavam e davam acesso ao Pavilhão de Volta Redonda, cujo piso tangenciava o cume e apoiava-se sobre as laterais internas dessas duas pontes.

11. Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, bases das maquetes, peças e mesas, concepção de Fausto Sombra
Desenho Fausto Sombra

A cinta oval de fechamento do Pavilhão de São Cristóvão, medindo 250 metros de comprimento por 150 metros de largura, ainda está de pé e bem aos olhos de quem passa pela Linha Vermelha, importante conexão da Zona Norte com a região central da capital fluminense.  A cobertura original, em formato de paraboloide hiperbólico, entrou em colapso após uma tempestade em 1988. Hoje, no lugar da cobertura anterior (uma superfície única) há dezenas de coberturas menores e moduladas que preenchem quase todo o espaço do pavilhão, dividido em quatro quadrantes pelos seus eixos longitudinal e transversal. Hoje, tal estrutura abriga o Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, mais conhecido como Feira de São Cristóvão, dedicado, como o próprio nome já diz, à difusão da cultura nordestina, especializado em manufaturas, na culinária e na música desta região do país e aberto ao público de terça a domingo.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, maquete do Pavilhão do Brasil, Exposição Internacional de Bruxelas, 1958. Arquiteto Sérgio Bernardes
Foto divulgação [Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

Poderíamos dizer que a maquete do pavilhão de Bruxelas nos permite conhecer integralmente o próprio pavilhão, uma vez que o mesmo foi desmontado após o término daquela exposição universal e está representado na bibliografia mais conhecida por uma escassa documentação de não mais de meia dúzia de imagens, incluindo desenhos e fotografias que enfatizam  sua imagem exterior: a cobertura côncava com o orifício central de onde emerge o conhecido balão à gás esférico e vermelho. A partir da maquete percebe-se o desnível excessivo do terreno e toma-se conhecimento de um elemento praticamente desconhecido do projeto até então: uma plataforma, mais fechada e de contorno sinuoso, que serve de embasamento para a forma do pavilhão em si e que se afunila gradualmente na direção do ponto mais baixo do terreno, onde se localiza um auditório. Não fosse a maquete da exposição “Três Pavilhões”, esse importante projeto de Bernardes e da própria arquitetura moderna brasileira ainda seria reconhecido apenas pelo seu elemento mais alto, coberto pela superfície côncava nos dois sentidos e vazada no centro.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, caderno de projeto
Foto divulgação [Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

Em certa medida, a presença, agora devidamente visível, do binômio “forma livre sobreposta à plataforma-embasamento” revela um partido que alinha o pavilhão de Bernardes ao procedimento projetual que aproxima projetos tanto da Escola Carioca como da Escola Paulista: a separação do programa pelo corte e a localização dos ambientes mais compartimentados em um embasamento que cumpre o papel de corrigir e planificar o térreo e servir de piso destacado do chão natural para o elemento protagonista do conjunto e que caracteriza o projeto em si: uma forma de contorno e feição mais autoral e que abriga em seu interior espaços de grandes dimensões e quase sem compartimentação, como, por exemplo, salões de exposição.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, caderno de projeto
Foto divulgação [Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

Dado o tamanho exíguo da sala, as poucas paredes livres de janelas e a farta quantidade de material iconográfico levantado e produzido, a exposição coloca à disposição do visitante três cadernos, cada um dedicado a um pavilhão, que contêm registros de época como reportagens, fotografias e a reprodução de desenhos originais, assim como o redesenho digital dos projetos em 2D e 3D. Além dos cadernos e das maquetes, encontram-se na sala três elementos construtivos, um de cada pavilhão, refeitos em escala natural: as peças de articulação entre o cabo (cobertura) a coluna.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, projeção
Foto divulgação [Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

Assim como os desenhos e as maquetes revelam o gradual aumento de escala dos pavilhões, as peças expostas em escala natural apresentam o também crescente aumento do dimensionamento estrutural e os diferentes tipos de ancoragem móveis para cada um dos pavilhões. Esse convite ao deslocamento da percepção, da maquete para o elemento construtivo em escala real, faz o visitante compreender os projetos em profundidade quase que naturalmente. O contraste extremo entre a brutalidade siderúrgica das três grandes peças de ancoragem e a delicadeza e a alvura das maquetes à sua volta faz com que o visitante tente encontrar o nexo entre essas partes, ou seja, o lugar e o desempenho dessas peças, seja na maquete, seja nos desenhos, e assim compreender com clareza o funcionamento estrutural dos três pavilhões, representados nesse momento da exposição pelos elementos que revelam o instante de tensão máximo do conjunto: o ponto de contato, a conexão entre as coberturas tensionadas e as colunas ou vigas, como locais de articulação dessas duas partes, literalmente laços que amarram uma parte à outra.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, mesa com peças em escala real
Foto divulgação [Foto Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

No momento em que eu observava os cabos sob torção, seus sistemas de fixação, braçadeiras e ganchos, percebi que o tal elevador localizado dentro sala, envolvido por uma caixa de vidro, entrou em funcionamento. Curiosamente, o movimento dos cabos e das polias, assim como o próprio som do elevador me fez perceber o sentido da técnica e de seu funcionamento, tão bem apresentado pela exposição. Houve um instante de sintonia entre o acaso da realidade e a mensagem da exposição propriamente dita. Nesse mesmo instante, começou a ecoar pelo interior do edifício a introdução da canção “Clocks”, um dos principais sucessos do grupo pop britânico Coldplay, tocada impecavelmente ao piano por uma estudante que muito provavelmente ainda estava, no máximo, no primeiro ano do ensino médio do Colégio Presbiteriano Mackenzie. Devo confessar que a visita à exposição “Três Pavilhões” em um espaço contaminado pelas performances ao vivo da máquina símbolo da modernidade e da jovem instrumentista interpretando um hit do Coldplay fez da visita uma experiência muito mais rica, leve e estimulante. O ambiente expositivo tornou-se um espaço vivo, espontâneo, mesmo que pela curta sincronicidade entre tais personagens.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, Pavilhão Riposatevi, XIII Bienal de Milão, 1964. Arquiteto Lúcio Costa
Foto divulgação [Acervo Tom Jobim]

A exposição “Três Pavilhões” nos faz pensar sobre o papel e o caráter da extroversão do projeto de arquitetura para o grande público na atualidade. Dois aspectos chamam atenção e merecem destaque: a materialidade da exposição e o recorte temático.

Trata-se de uma exposição sem originais, sendo assim, sem a necessidade de procedimentos onerosos, desgastantes e de complexo desembaraço como seguro, laudos técnicos de conservadores, couriers, transportadora especializada, ambiente climatizado e a confecção de molduras especiais. “Três Pavilhões” demonstra que quando o conteúdo de uma exposição se organiza e se revela em um encadeamento preciso de ideias, os originais não fazem a menor falta. Que isso sirva de exemplo e inspire a extroversão de importantes acervos digitalizados ou em processo de digitalização, como o da própria biblioteca da FAU USP.

Trata-se de uma exposição de pequenas dimensões com um recorte específico: três pavilhões projetados pelo arquiteto carioca Sérgio Bernardes. O conteúdo da exposição em si poderia derivar para dois assuntos internos ao próprio objeto: a arquitetura de pavilhões e a arquitetura de Sérgio Bernardes. Entre contextualizar os três pavilhões à obra de Bernardes e ao panorama dos pavilhões projetados por arquitetos brasileiros modernos e contemporâneos, a curadoria opta, sabiamente, pela segunda via.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, maquete do Pavilhão do Brasil, Expo Sevilha 1992. Arquitetos Alvaro Puntoni, Angelo Bucci e João Oswaldo Villela (não construído)
Foto Nelson Kon

Os três pavilhões de Bernardes representam a fase de mudança de uma obra que se distancia gradativamente da gramática construtiva do modernismo brasileiro aproximando-se de soluções formais cujas decisões técnicas dialogam com correntes alternativas à plástica construtiva que caracteriza as vanguardas históricas. Os pavilhões de Bernardes e outros projetos que os sucederam revelam um diálogo, muitas vezes “avant la lettre” com a obra de arquitetos como o estadunidense Buckminster Fuller, o escritório inglês Archigram, ou mesmo o Metabolismo Japonês. Vale dizer que são justamente esses três pavilhões as obras construídas de Bernardes que melhor expressam essa espacialidade estrutural de escala monumental e que reaparecerá em realizações mais tardias e que também assumem o caráter de pavilhão, como o Centro de Convenções em Brasília (1979), uma versão agigantada do princípio formal e estrutural do próprio Pavilhão de Volta Redonda, e o Espaço Cultural José Lins do Rego (João Pessoa, 1982), uma imensa cobertura horizontal em treliça espacial que abriga sob sua projeção os mais diversos usos públicos.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, Pavilhão da Santa Sé, Bienal de Veneza, 2018. Arquiteta Carla Juaçaba
Foto Federico Cairoli

Aproximar os “Três Pavilhões” a outros pavilhões projetados por arquitetos brasileiros cumpre um duplo papel: equiparar os projetos de Bernardes a um conjunto de obras já devidamente reconhecidas e consagradas pela historiografia, como os pavilhões do Brasil em Nova York (1939) e Osaka (1970) e localizar o pavilhão como um tema fundamental para a constituição espacial, formal e a para própria razão de ser da arquitetura moderna. O projeto de uma forma muitas vezes efêmera, por isso experimental, que abriga um programa descompartimentado, livre do imperativo disciplinar do programa, é a estratégia de sobrevivência da forma moderna no tempo. Sua contundência formal e sua escala jamais se deixará sucumbir à especificidade de um uso, seja ele qual for.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, painéis com pavilhões de Sérgio Bernardes e da tradição brasileira
Foto divulgação [Foto Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

 “Três Pavilhões” demonstra que o impacto e o sentido de uma exposição não estão diretamente relacionados à sua escala. Trata-se de uma exposição de pequeno porte, desdobramento público de uma pesquisa de pós-graduação desenvolvida pelos curadores (Guerra orientador e Sombra orientando) no âmbito do Programa de Pós-Graduação da FAU Mackenzie. Diante de um cenário terrível, que exige dos pesquisadores e professores da área de Arquitetura e Urbanismo um produtivismo frenético, meramente quantitativo e endógeno, muitas vezes esvaziado de efetiva relevância e que privilegia a cultura cada vez mais naturalizada do carreirismo burocrático, uma pesquisa acadêmica como  ponto de partida e argumento para uma exposição como “Três Pavilhões” surge como uma perspectiva fundamental e alentadora para a difusão do conhecimento na área de projeto de arquitetura.

Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, curadoria Abilio Guerra e Fausto Sombra
Foto divulgação [Foto Centro Histórico e Cultural Mackenzie]

notas

1
Exposição “Três pavilhões de Sérgio Bernardes”, curadoria de Abilio Guerra e Fausto Sombra. Centro Histórico e Cultural Mackenzie, Ruas Itambé, 135 ou Maria Antônia, 307 – Prédio 1, Higienópolis, São Paulo SP. Helen Yara Altimeyer (coordenadora) e Luciene Aranha Abrunhosa (curadora). De 18 de setembro de 2019 a 18 de outubro de 2019, das 09h às 21h (segunda a sexta) e das 10h às 16h (sábados). Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Apoio à pesquisa Benefício Capes-Proex. Patrocínio de Bernardes Arquitetura, Practica Maquetes, Arali Móveis, Dix Arte & Metal e FEG Brasil. Produção de Fausto Sombra e Abilio Guerra

sobre o autor

Rodrigo Queiroz é arquiteto (FAU Mackenzie, 1998), licenciado em Artes (Febasp, 2001), mestre (ECAUSP, 2003), doutor (FAUUSP, 2007) e professor livre-docente do Departamento de Projeto da FAU USP. Curador de exposições de arquitetura moderna, tais como “Ibirapuera: modernidades sobrepostas” (Oca, 2014/2015), “Le Corbusier, América do Sul, 1929” (CEUMA, 2012), “Brasília: an utopia come true”, (Trienal de Milão, 2010) e “Coleção Niemeyer” (MACUSP, 2007/2008).

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