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architectourism ISSN 1982-9930


abstracts

português
Fernando Estévez González discorre sobre a aparente banalidade dos souvenires, objetos de consumo turístico que, na realidade, carregam uma poderosa carga simbólica

english
Fernando Estévez González talks about the apparent triviality of souvenirs, objects of touristic consumption that, in fact, carry a powerful symbolism

español
Fernando Estévez González discurre sobre la aparente banalidad de los souvenirs, objetos de consumo turístico que, en realidad, cargan una poderosa carga simbólica


how to quote

ESTÉVEZ G., Fernando. Souvenirs e turistas. Arquiteturismo, São Paulo, ano 02, n. 014.05, Vitruvius, abr. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/02.014/1414>.


Os mais ubíquos objetos de consumo turístico, os souvenirs, escondem uma poderosa carga simbólica atrás de sua aparente banalidade. Estes artefatos que abundam em todos as paisagens e cenários turísticos, de naturezas muito distintas em materiais e uma enorme variedade de conteúdos e estilos, ocuparam no entanto um lugar marginal nas agendas dos estudiosos do turismo. Em geral, seu interesse se reduziu a apontar sua importância enquanto indicador do comércio turístico. Mas os souvenirs são, se couber, mais interessantes como materialização da natureza e subjetividade do turista. Por um lado, constituem metonímias de passados e lugares distantes e, por outro, metáforas de narrativas pessoais e coletivas de viagem e apropriação cultural. Incrustam-se plenamente nos processos de formação das identidades sociais e culturais, envolvidos em nossas memórias de lugares, pessoas e coisas, e adquirindo diferentes "regimes de valor" em função de seus possuidores. Mas, no fundo, a materialidade dos souvenirs remete, inevitavelmente, à impossibilidade para o turista de escapar à permanente oscilação entre a sedução do exótico e os impulsos de posse e apropriação do Outro e, no outro extremo, à nostalgia por sua morte e desaparição.Apesar de sua onipresença, ninguém repara, ou quer reparar, nele. Talvez porque o souvenir é a encarnação do "gasto improdutivo", do gasto inútil, do esbanjamento. Seguimos sem considerar a penetrante observação de Bataille de que o "gasto improdutivo" é a razão principal da economia, sendo incapazes de assumir a contumaz presença da "parte maldita". Na parafernália do consumo turístico, nesse reino do kitsch e da bugiganga, os artesanatos parecem representar vestígios de tempos passados que resistem à degradação imposta pela indústria turística. Mas a tradição esquece que pende do turismo, e o turismo esquece que sua fascinação pela tradição tem sua origem numa apropriação. Nessa amnésia, o artesanato convertido em souvenir e o patrimônio cultural em recurso turístico, criam um passado que nunca foi presente, uma realidade ilusória que adquire uma paradoxal existência na materialidade do souvenir. Mas como em todo ato de recordar sempre há uma adequação do passado ao presente, nós modernos acreditamos que houve uma época com tradições genuínas e artesanatos autênticos que, perdidos, os procuramos hoje em outros lugares e em objetos que não possuímos.

Mas tradições genuínas e artesanatos autênticos não são senão oximoros e, certamente, não são anteriores ao consumo turístico. A tradição não representa o passado e o turismo o presente; não correspondem a uma sucessão cronológica na história. Um e outro são, antes e agora, constitutivos do aglomerado cultural do capitalismo. Não há tradição sem modernidade, nem artesanato sem turismo. E esta imanência é a que está contida no souvenir, mesmo dentro de sua provocadora futilidade. O souvenir é, sem dúvida, o principal recurso econômico e simbólico do turismo, mas isso não pode camuflar sua insidiosa condição de objeto banal. Por isso, se ocupar do souvenir não tem de consistir em sua elevação, apesar da banalidade, até convertê-lo em algo "sério", mas aceitar que a banalidade é uma condição de nossa atual existência, o que é sim uma coisa muito séria. Que os turistas de "alto capital cultural", num alarde de cinismo cultural, comprem uma cafona torre eiffel fosforescente não converte a bugiganga em algo sério, mas sim nos obriga a levar a sério estas novas formas de consumo.

O souvenir, que para Walter Benjamin é o que a modernidade faz da mercadoria, é emblemático do estranhamento ou alienação do mundo e do desejo de autêntica presença que caracteriza o sujeito moderno. Próximo ao fetiche e ao presente em suas camuflagens das relações sociais e econômicas, o souvenir é a forma de mercadoria que mais efetivamente nega seu status como tal mercadoria; é um objeto que proclama seu caráter único e exclusivo – inclusive se é produzido em massa – através de narrativas de uma produção autêntica e das histórias pessoais de sua aquisição. O souvenir, um insignificante vestígio de algo ou de algum lugar, é insubstancial – uma lembrança, uma memória – ao mesmo tempo que material – mostra de algo que lembra a uma pessoa, lugar ou evento. Faz presente algo que está ausente, efetua a sistemática transformação do objeto em sua própria impossibilidade.

Susan Stewart, numa das mais perspicazes interpretações do souvenir, revelou algo básico do consumo turístico, no qual o trabalho se converte em abstração, a natureza em arte, e a história em natureza morta.

As bolas de neve, os mais populares dos souvenirs, condensam este sutil mecanismo. Nelas se eterniza um ambiente, fechando-o à possibilidade da experiência vivida. Em sua ingênua presença negam o momento da morte impondo a estase de uma morte eterna.

O turista, que não quer saber nada dos impactos do turismo, almeja desfrutar dos lugares, das pessoas e das coisas tal e como eram antes da chegada do turismo. Para conseguí-lo, para que a nostalgia seja satisfeita, tudo tem que ser reduzido à ficção. Daí a tendência à miniaturização na "arte turística". Na miniatura – um mundo encerrado dentro de outro mundo – desaparecem magicamente o trabalho e o sofrimento humanos; qualquer coisa se converte num brinquedo, num objeto infantil. E, ademais, ocupa pouco espaço na mala.

Em qualquer caso, parece inegável que os souvenirs tornam tangíveis as experiências intangíveis da viagem. A materialidade do souvenir contribui para definir e localizar num tempo e espaço ordinários – ao regressar à casa e ao trabalho – uma experiência efêmera vivida num tempo extraordinário.

Assim, no consumo turístico o turista não só se limita a adquirir souvenirs, mas também é agente antes e depois da compra, influenciando em seu desenho e atribuindo-lhe significado. Por esta razão, o souvenir nos diz mais do turista que do lugar à que supostamente representa. Não estamos ante turistas que levam consigo distintos tipos de souvenirs; temos souvenirs que encapsulam as subjetividades, os sentimentos, as emoções de diferentes tipos de turistas. Comprando o souvenir o turista satisfaz sua demanda, não da cultura local, mas da cultura local tal e como ele a percebe. Assim, uma coleção de souvenirs não constituiria nunca uma coleção de objetos de outros lugares e culturas, mas justamente uma coleção de turistas.

Certamente, tudo parece indicar que o turista é um dos principais atores da sociedade contemporânea e que o souvenir é seu correlato material mais proeminente. Mas talvez seja ao revés, talvez seja o souvenir – como um dos principais atores do consumo turístico – o que constitua ao turista que o compra e o consome.

sobre o autor

Fernando Estévez González es profesor de prehistoria, antropología e historia en la Universidad de La Laguna. Artigo publicado originalmente no jornal El País, em 18 de agosto de 2007

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