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architectourism ISSN 1982-9930


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GUERRA, Abilio. Emoção e magia do futebol. Arquiteturismo, São Paulo, ano 02, n. 021.07, Vitruvius, nov. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/02.021/1479>.


O Estádio do Pacaembu, em São Paulo, foi inaugurado em 1940. De autoria dos arquitetos Ricardo Severo, português, e Arnaldo Villares, brasileiro, segue as linhas neoclássicas severas e anódinas, tão simpáticas aos regimes autoritários daquele período. Visto do ponto de vista dos valores atuais, sua maior qualidade é estar implantado em um vale natural, com parte expressiva das arquibancadas apoiada diretamente no solo. A exceção, considerando o projeto original, é sua fachada principal, disposta na parte baixa do terreno, e que se volta para vasta região que desce até o rio Tietê. A estrutura, de planta elíptica, se apresenta austera para a cidade, com colunata imponente sustentando a arquibancada postada atrás da trave sul do gramado. É justamente dentro desta estrutura frontal, ocupando áreas residuais típicas deste tipo de projeto, que foi inventado o Museu do Futebol. Inventar é o verbo correto. O que poderia ser a coisa mais aborrecida do mundo – uma coleção infinita de objetos de valor simbólico duvidoso, como as ataduras usadas por Pelé em um jogo Santos versus Comercial de Ribeirão Preto ou a caneleira de Leônidas da Silva quando inventou a “bicicleta” – surpreende pela invenção continuada ao longo dos espaços não muito espaçosos (afinal estamos “embaixo” das arquibancadas).

Há um feliz casamento entre a adaptação arquitetônica, de autoria do arquiteto Mauro Munhoz, e o conceito expositivo, concebido e executado pela equipe liderada por Daniela Thomas e Felipe Tassara. O volume a ser ocupado encontra-se interceptado pelo portão principal do estádio, portanto o museu encontra-se dividido em duas partes, que ganharam duas lajes sobrepostas para abrigar as salas expositivas.

Como há uma dificuldade natural em conectar um lado ao outro do museu devido às proporções monumentais do portão, o problema foi solucionado com um percurso fixo de se entrar por um lado e sair pelo outro, fazendo a conexão das partes por sobre o portão monumental.

O elo é uma ponte de madeira muito simples e singela, uma das melhores surpresas da visita: disposta ao ar livre, possibilita uma maravilhosa vista que se abre para a cidade.

O espaço relativamente exíguo talvez seja o motivo original para a hegemonia de suportes eletrônicos em detrimento de objetos físicos tradicionais. Esta opção, que muitas vezes é uma forma malandra de se ocultar um acervo precário – uma “enganação”, para usar uma linguagem mais compatível com o futebol –, neste caso mostra-se muito adequada, mesmo que haja alguns exageros e concessões, como é o caso de alguns jogos interativos para se bater pênaltis ou jogar futebol, algo como vídeos-game gigantes que distraem o contingente mais infantil, independente da idade.

Estes diversionismos tolos não empanam os grandes acertos no uso de traquitanas tecnológicas, produzindo imagens e sons em salas na penumbra, que se alternam com algumas outras mais iluminadas, que abrigam peças convencionais, como objetos e fotos antigas. Mesmo considerando a sofisticação de alguns suportes técnicos – caso da coordenação perfeita entre projeções e movimentação dos suportes dinâmicos na sala dos heróis –, a riqueza da solução tecnológica está no fato que ela libera a emoção e a magia do futebol.

Esporte sempre associado à evolução tecnológica, o futebol se dá muito bem neste ambiente. As histórias deste esporte e das transmissões de rádio e TV são paralelas e cheias de sobreposições, como é o caso da primeira transmissão colorida da TV brasileira, ocorrida na Copa do Mundo de 1970. Ao contrário da arbitrariedade ou inadequação que muitas vezes observamos em museus virtuais, há aqui uma simpatia que chega às raias da identidade entre o espetáculo efêmero do futebol e seu registro eternizado em sons e imagens dinâmicas.

A memória do futebol é explorada de forma interativa pelo público, que pode escolher em menus os lances marcantes de sua predileção. Lances irrelevantes para uns, são canonizados por outros, dependendo de sua filiação clubística, faixa etária e um sem número de idiossincrasias. Para além das predileções individuais há um conjunto de “peças museológicas” unânimes, como as jogadas de Pelé e Garrincha, as frases de João Saldanha e Nenê Prancha, ou a galeria de fotos que registram a histórica cultural do país, sendo o futebol uma de suas mais importantes materializações. Como tudo o que envolve o futebol, as dimensões do individual e do coletivo estão entrelaçadas o tempo todo.

A visita revela de forma aguda o quanto o “esporte bretão”, como diziam os antigos locutores das rádios, está incrustada no caráter nacional. Os depoimentos de diversos personagens ligados ao esporte e à cultura estão tão carregados de forte emoção, com vozes embargadas e olhos marejados, que contaminam os visitantes, que se esforçam para disfarçar as próprias lágrimas.

E por falar nos locutores das rádios, o espaço dedicado a eles é um dos mais sensacionais. Estão lá disponíveis vozes de épocas distintas, com pequenos trechos de Pedro Luis, Ari Barroso, Omar Santos, narradores que tinham em comum tornar emocionante a mais entediante partida de segunda divisão. E até a de Fiori Gigliotti, para quem os jogos eram como peças de teatro: “abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”, dizia ele ao começo de cada partida.

E se o conteúdo do futebol está dentro do gramado, seu continente é a arquibancada cheia de assistentes. O espaço dedicado à torcida não poderia ser mais adequado: uma área sem qualquer tratamento arquitetônico, com todas as vigas e pilares que sustentam a arquibancada expostos. Em meio a esse emaranhado de concreto mergulhado na penumbra temos a projeção contínua de cenas de torcidas dos grandes clubes, com tomadas suficientemente fechadas para perscrutarmos nas faces e gestos das pessoas suas angústias, raivas, felicidades e êxtases.

Momentos de solenes silêncios que antecedem a algazarra alucinante do gol. Ou os cânticos quase mântricos que parecem conjurar forças transcendentes para mudar o destino irrecorrível. Juntas, aquelas individualidades formam um ser coletivo, quase sempre visto como assustador por sua ameaça destrutiva. Mas o que estas imagens evocam dentro desta catacumba é a memória de todas as esperanças e sonhos irrealizados e a percepção da positividade desta potência coletiva.

Por fim, uma breve referência a sala que sintetiza o sentido profundo do futebol em nossa vida coletiva. Na sala “Anjos Barrocos” nos deparamos com a projeção das figuras de 25 ídolos da história do futebol brasileiro em telas transparentes. Estáticas, as imagens fotográficas demarcam um campo sagrado, alinhando jogadores de épocas muito distintas – Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Didi, Pelé, Garrincha, Rivellino, Jairzinho, Zico, Sócrates, Romário, Bebeto, os dois Ronaldos e outros tão formidáveis quanto os nomeados. Não estamos diante de uma pretensa seleção de todos os tempos, imbatível em sua excelência. Ali eles estão convertidos em símbolos, em valores transcendentes de um povo que tira sua grandeza das próprias impossibilidades, um povo que valoriza “o brilho inútil das estrelas”.

Dentre os anjos barrocos, uma das escolhas mais merecidas: o cafuso-mulato Rivaldo, que com suas pernas ridiculamente finas e desajeitadas fez reviver Garrincha em uma época já totalmente contaminada pelo marketing e pelos interesses do capital globalizado. Nem de longe homenageado como devia após a conquista de nosso quinto título mundial, ele se encontra agora eternizado neste céu de estrelas maiores.

Mesmo sendo o Museu do Futebol um típico equipamento de um período de cultura massificada, seu assunto é tão poderoso que consegue subverter a iniciativa que lhe deu existência e os limites exíguos que quase sempre a tecnologia impõe. Para além dos múltiplos logotipos de empresas multinacionais que coalham este e outros espaços culturais contemporâneos, são os símbolos de nossa potência criativa que impera neste memorial digno de nosso futebol.

Museu do Futebol
Praça Charles Miller, s/n
Estádio do Pacaembu
01234-900 São Paulo SP
Fone: 11 3663.3848
Email: contato@museudofutebol.org.br
Website: www.museudofutebol.org.br

Horário de funcionamento
Aberto de terça a domingo
Entrada das 10h às 17h (permanência até às 18h)
Fechado em dias de jogos no Estádio do Pacaembu
Ingresso: R$ 6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia)

sobre o autor

Abilio Guerra, arquiteto, professor da FAU Mackenzie, editor do Portal Vitruvius e do Arquiteturismo

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