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OLIVEIRA, Lêda Brandão de. A persistência da caixa. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 009.04, Vitruvius, fev. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.009/918>.

A caixa tão emblemática no começo do século, personificando mesmo a modernidade que hoje parece superada, persiste. Revive como uma fênix quando todos a imaginavam morta. Provavelmente porque sua forma simples remete a discussões centrais para arquitetura - discussões sem fim. Afinal, a arquitetura ao longo da sua história, pende ora para o orgânico, ora para o racional, em um momento se pretende mimética, em outro abstrata, remoendo continuamente o confronto entre o tipo e a geometria. E a contenda se prolonga para, em um momento, se acreditar que a forma segue a função e em outro se admitir que a forma resiste ao uso e teima em ter vida independente.

A caixa é a tradução mais cabal da arquitetura que opta pela pureza geométrica e busca a ordem na matemática. Rigorosamente abstrata, não se confunde com a natureza, mostra-se artificial, uma criação do homem orgulhosa de sua distinção. Uma arquitetura que quer ser clássica, cujas proporções são determinadas por fórmulas precisas como a seção áurea presente tanto nos templos gregos quanto nas obras de Le Corbusier. Um produto da regra matemática. Justamente aquela matemática que é apontada por filósofos, desde Galileu, como a invenção do homem que o equipara a Deus, porque ela concebe um mundo abstrato de formas e números, criado quase que do nada e que não encontra correspondência na realidade objetiva e concreta. Não é para menos, portanto, que Mies van der Rohe, o mestre da caixa de vidro, busque o sublime nesta ordem ascética.

Mas antes de chegar a Mies, vale a pena fazer uns poucos apontamentos para uma genealogia da caixa. Sua origem provável pode ser detectada no começo do século, tomando impulso radical com o movimento De Stijl que apostava nas linhas retas e nos volumes prismáticos como os verdadeiros símbolos da modernidade. As preocupações da arquitetura do começo do século já foram exaustivamente levantadas: a abordagem racionalista da construção; a expectativa de que a arquitetura contribuísse para a criação de uma nova moral que aliasse honestidade, integridade e simplicidade; a busca de imagens e soluções que sintetizassem a mecanização e industrialização; a criação de novos tipos que respondessem aos novos usos e atividades; a pretensão de criar soluções universais; etc... Mas, como diz William Curtis autor do livro Modern Architecture since 1900, sem a influência das artes plásticas e do cubismo em especial o vocabulário da arquitetura teria sido outro. Entre essas influências surgem o tema recorrente da purificação dos meios de expressão através da abstração e a rejeição das formas tradicionais, mortas, em busca de inovações trans-históricas e panculturais. De fato, as formas retilíneas pareciam possuir uma aplicação universal, apropriada tanto para as artes quanto para a arquitetura ou o desenho industrial por isso disseminaram-se rapidamente. Enfim, parecia uma verdadeira conspiração intensa e extensa, sempre em favor dos prismas regulares. O arquiteto holandês J. J. P. Oud é um dos primeiros autores de caixas arquitetônicas. Seu projeto de 1917 para as casas de praia em Scheveningen é exemplar, descreve-se como um conjunto de caixas absolutamente regulares empilhadas umas sobre as outras.

Desde logo percebe-se que aquilo que define a caixa arquitetônica não está apenas nas formas com a gramática reduzida aos termos mínimos, mas no tratamento de sua pele uniforme e na homogeneidade dos materiais que a constróem. Le Corbusier, outro mestre primevo desses contêineres habitáveis buscava a uniformidade nos volumes indiscriminadamente brancos, enfatizando suas proposições em favor de sólidos simples. O detalhamento de seus caixilhos transformava-os em vãos rasgados nas alvenarias. Le Corbusier insistia nas famosas fenêtres en longeuer (janelas em banda) certamente por que abriam-se para maior quantidade de luz, mas também pelos efeitos de transparência e de acentuação do plano que elas permitiam. Determinar claramente os planos era essencial para que a caixa sobressaísse inequívoca, distinguindo-se, soberba, da natureza a sua volta.

Mas, em Le Corbusier a simplicidade da caixa elevada que da forma à Villa Savoye (1928-31), para selecionar apenas um exemplo, esconde a complexidade dos incidentes pontuais e curvas elaboradas que passaram a ser possíveis graças à planta livre que tanto o encantava. A caixa que contém o pavimento principal, elevada sobre os pilotis mostra-se compacta e simétrica a primeira vista. Essa aparência é logo desmentida pela planta que pende para um lado deixando o outro vazio para dar lugar a um pátio descoberto. O arranjo torna-se ainda mais intrincado com a contribuição da rampa que reparte e recorta espaço enquanto ascende ao terraço.

Enquanto Le Corbusier pensava sólidos, Mies van der Rohe amava a transparência dos espaços. Suas caixas, de vidro naturalmente, já não se limitavam apenas à pequena escala da casa. Ao contrário, ampliavam-se para dar lugar a arranha-céus cujas plantas, como a do Lake Shore Drive (1948/51), arranjavam apartamentos de área variável de tal forma que resultassem em retângulos perfeitos. Aliás suas abordagens características dão ensejo a várias discussões interessantes da arquitetura como disciplina e método.

Mies costumava dizer que pretendia fazer: "o todo, de alto abaixo, com a mesma idéia". Seu projeto para o Crown Hall (1950/56), uma caixa de vidro suspendida por vigas transversais, sintetiza o conceito com sua austeridade geométrica e sintaxe homogênea elevadas a tal grau que o prédio se reduz a um vazio contido pela pele periférica. De fato, quando o arquiteto elege a forma de caixa para sua obra, está escolhendo ao mesmo tempo uma concepção radicalmente unitária do projeto. O partido define-se em torno desta idéia, dominando e depreciando a importância de demais critérios. Aqui vale uma comparação esclarecedora: Alvar Aalto encontra-se no extremo oposto do método miesiano, embora algumas vezes tenha desenhado prédios retilíneos, nenhum deles foi concebido como caixa. Aalto partia de um raciocínio oposto, ao invés de uma idéia dominante, deixava-se impregnar por várias idéias e critérios, por vezes conflitantes, e lutava por aproximá-los todos no mesmo projeto. Seu desenho, portanto, era híbrido, exigia formas compostas, era fruto de diferentes atitudes ordenadoras. Seu método tinha a predileção por garantir a autonomia de cada uma dessas atitudes procurando justificá-las pela conveniência e discriminação. Se Mies fazia uma escolha intransigente, Aalto conjugava um vocabulário extenso de formas e soluções.

Outra idéia que muitas vezes vem predefinida pela caixa é a da preponderância da forma sobre a função, que se evidencia no próprio Mies van der Rohe. Basta verificar que tanto para uma casa como a Farnsworth (1945/50) quanto para um edifício de escritórios como o Bacardi (1957/61) ou o teatro Nacional de Manheim (1952/53) a caixa rigidamente estabelecida se mantém, apenas a escala muda. Esse exemplo parece confirmar a afirmação de Luis Fernández-Galiano em matéria recente na revista Arquitetura Viva de que as formas teimosas em demasia insistem em ter vida própria e independente do uso para o qual foram concebidas. E, desta forma, paradoxalmente contradiz o dogma modernista de que a forma segue a função.

O fato é que a caixa, tão simples mas plena de significados, surpreende com sua perenidade. Hoje completamos praticamente um século de convivência com ela. Muitos de nós tiveram a oportunidade de morar ou estudar em uma delas, mas se ao longo desse tempo ela perdeu parte de seu impacto e frescor de forma inusitada, parece não ter perdido a atualidade e continua símbolo de modernidade.

Os arquitetos suíços Herzog e de Meuron que o digam. Vêem colecionando todo tipo de variações da caixa. Esse namoro começou com um conteiner projetado para abrigar um posto de sinalização na Basiléia (1992/95). O prédio de 5 andares que reúne escritórios e equipamentos, nada diz de seu interior, é uma caixa enigmática recoberta por uma pele isotrópica em lâminas de cobre de 20 cm de altura que anula até mesmo a divisão em pavimentos. A caixa de cobre justifica-se racionalmente já que atua como uma jaula Faraday protegendo o equipamento eletrônico em seu interior, mas evidencia ao mesmo tempo o apego ao prisma e a disposição a manipular sua característica mais definidora, a pele.

Outros projetos de Herzog e de Meuron ensaiam o mesmo tema explorando a materialidade da epiderme. Assim é com o projeto para a vinícola Dominus (1995/97) que se conforma em uma caixa comprida com paredes em gabião. Essas malhas de arame preenchidas com pedras novamente justificam-se por motivos funcionais já que garantem a estabilidade da temperatura e umidade. Ou com o projeto para o Museu Kunstkiste, 1996 (que assumidamente significa caixa de arte) cujos pisos, paredes, tetos e coberturas são todos em concreto sem costuras atingindo o máximo da homogeneidade. Uma sutileza garante a funcionalidade do conjunto, em cada situação o concreto é vertido em diferentes espessuras para atender às diversas necessidades térmicas e estáticas.

Mas o projeto mais interessante da dupla, do ponto de vista da análise da caixa é claro, é a casa Fröhlich (1995). Sua morfologia fica a meio caminho entre o tipo e a geometria do prisma, conciliando essas duas visões usualmente excludentes. A casa tem o formato do arquétipo com 4 águas, mas o recobrimento homogêneo em madeira deixando cantos vivos insiste na isotropia da caixa. Eles tiveram o cuidado, ainda, de não articular a transição entre as paredes e a cobertura e de recortar buracos retangulares para a entrada de luz indiscriminadamente, tanto nas paredes quanto no teto. O resultado é ambíguo ora se remete à casa tradicional igual às que a rodeiam, ora delas afasta-se parecendo um bloco abstrato, uma caixa sólida.

Já Oswald Mathias Ungers acaba de construir em Colônia a casa Kämpchensweg que lida com o volume puro e a simetria absoluta distante do protótipo tradicional, para o qual só concede ao admitir a necessidade de janelas. A geometria comanda a composição exaltando a norma acima do uso. As paredes têm sua qualidade de plano abstrato enfatizada pela ausência de qualquer linha demarcando a cobertura, apenas se interrompem em um dado momento para fazer uma interface direta com o céu. As fachadas repetem-se com absoluta autonomia, inconscientes do que há fora ou dentro; são igualmente perfuradas por vãos de mesmo tamanho e em mesmo número, independendo de suas funções de porta ou janela. Abstração radical, o projeto fala apenas da disciplina e da norma e desconsidera o desequilíbrio e o defeito também presentes no mundo. Até mesmo a planta força os serviços em espaços diminutos, em prol da simetria formal.

Seria possível seguir colecionando indefinidamente caixas e mais caixas e relacioná-las às questões permanentes da arquitetura, mas apenas mais uma bastará pela curiosidade que suscita por ser um verdadeiro conteiner como função, mas não querer se resignar ao prisma.

O NL Architects, um escritório formado por jovens arquitetos holandeses, projetou essa pequena e inconformada estação distribuidora térmica. Sua pele é homogênea como a de todas as caixas, mas sua forma inicial prismática, que responde às dimensões das tubulações que abriga, foi moldada para adquirir características orgânicas. Para que o paramento fosse contínuo utilizou-se o poliuretano que acompanha bem as curvas do projeto e se estende por paredes e teto com a mesma eficiência.

A caixa arquitetônica marca o começo e o final do século com sua presença constante talvez para lembrar que as discussões também persistem. Que formas e conteúdos podem ter vida autônoma e que a interdependência entre eles está sempre por determinar. Que não basta buscar a justificativa para as formas, é preciso encontrar a honestidade da própria justificativa. Que tanto o racional quanto o orgânico; o mimético ou o abstrato fazem sentido na arquitetura. Que métodos e resultados variam, mas não se excluem necessariamente, em especial hoje quando a diversidade é uma meta. Enfim, para lembrar que a arquitetura continua cheia de interrogações que a cada momento deve-se tentar responder.

sobre o autor

Lêda Brandão de Oliveira, arquiteta formada na FAU-USP, é titular do escritório Oficina de Arquitetura. Foi redatora das revistas Projeto e Design e Interiores e escreve regularmente para a Gazeta Mercantil sobre arquitetura e design.

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