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arquitextos ISSN 1809-6298


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AGUIAR, Douglas Vieira de. Alma espacial. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 022.07, Vitruvius, mar. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.022/804>.

A noção de violência em arquitetura descreve a sistemática intrusão de indivíduos – as pessoas – na controlada ordem da arquitetura (1). Nessa linha conceitual, as pessoas e, mais especificamente, o movimento dos corpos tenderia a perturbar a pureza da ordem arquitetônica; "os corpos não apenas se deslocam mas geram espaços através de seus movimentos". Dessa constatação o autor deriva a conceituação relacionada de espaço, evento e movimento. O conceito de evento seria uma espécie de espacialização do programa; especificada pelo deslocamento dos corpos no espaço. A violência na arquitetura decorreria da permanente tensão – uma incompatibilidade natural – entre o espaço e o movimento dos corpos na realização da arquitetura. Esse modo espacial de ver a disciplina se contrapõe a um outro, virtualmente generalizado, explicitamente baseado na manifestação estilística. O presente ensaio reúne conceitos que por um lado especificam e por outro buscam operacionalizar a noção de evento em arquitetura traduzida no sistemático e recorrente deslocamento dos corpos no espaço arquitetônico. O argumento especula sobre as possibilidades descritivas e analíticas dessa dimensão invisível da disciplina; a assim denominada "arquitetura do movimento, do encontro e do diálogo entre objetos, paisagem e pessoas" (2).

Arquitetura do espetáculo

Duas atitudes antagônicas com relação ao fenômeno arquitetônico tem dividido arquitetos, críticos e o público de arquitetura ao longo dos séculos; uma é a apreciação dos edifícios como objetos de desejo e objetivos últimos em si próprios, outra é a consideração dos edifícios como instrumentos de aquisição de valores mais elevados – valores simbólicos e de utilização associados – vindos do modo de fruição no espaço. É a arquitetura de fotos e espetáculo versus a arquitetura do desfrute espacial. Atualmente muito embora o modo acadêmico de ver, compreender e conceber arquitetura pressuponha atenção simultânea e equânime à forma, à função e à técnica, o aspecto mais expressivo e mesmo predominante do fenômeno arquitetônico parece ser o formal ou plástico. Tanto para o público quanto no meio profissional, pode-se dizer que o modo mais direto e difundido de se tomar contato com a arquitetura seja a partir do aspecto visual, a assim chamada dimensão de espetáculo do fenômeno arquitetônico; dimensão esta que freqüentemente decorre de manipulação estilística inconseqüente.

Portanto apesar da necessidade ser o gerador ou desencadeador natural da arquitetura – fato já evidenciado nas organizações espaciais produzidas pelo homem das cavernas – a predominância do modo de abordar e perceber a arquitetura a partir da dimensão estética – de representação – parece ter origem ainda na antiguidade simultaneamente ao surgimento da noção de estilo. No templo grego moram os deuses e o edifício é concebido a partir do modo como é visto desde o exterior. Na Roma antiga a monumentalidade das ordens representa e exacerba o poder estatal. A escala humana, dada na dimensão de utilização, é secundária. E ao longo da história da arquitetura parece haver um permanente processo de acomodação do uso à uma necessidade, superior, de representar. No edifício modernista a representação da tecnologia – imagens de meios de transporte em Le Corbusier – ou a representação da natureza – curvas e transparências em Niemeyer – são em geral predominantes sobre o modo de utilização da edificação. O fato de uma edificação pertencer ou não a um determinado estilo está relacionado essencialmente à adoção de um repertório de formas – uma linguagem – mais do que ao modo como essa edificação distribui espaço e organiza a vida. A história da arquitetura é mais uma história de estilos mais do que de arranjos espaciais.

Em síntese a humanidade utiliza tipos de arranjos espaciais assemelhados e recorrentes em diferentes períodos da história, incluído aí o período do movimento modernista e o que veio após. O argumento é ambíguo, especialmente se considerarmos que o manejo do espaço é o atributo mais específico da profissão do arquiteto. Se para o médico a matéria profissional específica é a saúde, assim como para o advogado é o direito, para o arquiteto o manejo do espaço – de modo a contribuir de modo positivo na vida das pessoas – parece ser o mais específico. De fato nas outras dimensões do trabalho do arquiteto – seja a técnica seja a estética – a sobreposição com outros domínios disciplinares é recorrente. Os engenheiros são em geral mais equipados que os arquitetos no que toca ao específico das técnicas. Assim como o artista plástico, o decorador e, mais recentemente, o programador visual tem na dimensão de representação dos objetos – a construção da imagem – o específico dessas profissões. Não há no entanto outra categoria profissional que se ocupe de modo sistemático, disciplinar, do tema da distribuição espacial e, mais especificamente, com a dimensão de fruição do espaço arquitetônico; condição de suporte para a sucessão de eventos que constitui a vida das pessoas.

Esses são temas inerentes à profissão do arquiteto, ou pelo menos deveriam ser, nas mais variadas escalas, desde o arranjo espacial mais compacto de um estabelecimento comercial ou habitação popular até a concepção da estrutura espacial de bairros inteiros ou cidades. E está pois aí a ambigüidade; muito embora o manejo do espaço seja o mais específico da profissão do arquiteto – razão maior de projetos arquitetônicos corresponderem ou não ao previsto – a noção corrente, vox populi, de arquitetura é predominantemente associada à imagem, uma imagem arquitetônica, a aparência do objeto, a dimensão de representação. Esse predomínio da dimensão estética da arquitetura sobre a espacialidade é ainda exacerbado nos tempos atuais, onde espetáculo e consumo associados dão as cartas.

Efeitos invisíveis

Nesse contexto, pode-se dizer, espetacular a dimensão espacial da arquitetura -impossível de ser apreendida e sintetizada como imagem total – parece estar, desde o ponto de vista de crítica e público, condenada a um permanente papel secundário, apesar de seu papel preponderante no modo de vida das pessoas. As publicações de arquitetura contribuem drasticamente nessa tendência. Matérias sobre obras arquitetônicas são em geral ancoradas em fotos espetaculares e as descrições são em geral de fachadas e técnicas de construção. Muito embora as plantas freqüentemente acompanhem o material fotográfico, o fato é que a planta – principal descrição de distribuição espacial utilizada por arquitetos – é, isoladamente, um desenho de complexa percepção e só pode ser adequadamente analisado pelo expert; aquele que consegue depreender de sua leitura o modo de utilização gerado pela mesma. Essa dimensão comportamental, essencialmente produto da distribuição espacial, é uma espécie de dimensão invisível da arquitetura. Que ela existe todos sabemos, no entanto seus efeitos são freqüentemente surpreendentes. Ao contrário da dimensão de espetáculo – que é facilmente antecipada pela maquete eletrônica – os efeitos de uma determinada distribuição espacial são em geral aferidos ao longo da vida da obra e freqüentemente na presença de imprevistos, algumas vezes negativos quando não desastrosos. Diz-se aí que o edifício, apesar de belo, não funciona; ele é incapaz de sustentar eventos por si próprio, através de sua configuração espacial, em síntese o edifício é ruim de uso.

Ordem, geometria e topologia

Quais seriam então as categorias de fundamento na concepção espacial? Ou, de outro modo, quais seriam os elementos a ser levados em conta para que um determinado modo ou tipo de organização espacial tenha sucesso? A resposta à essas questões transita por algumas conceituações, começando pela noção de ordem em arquitetura. A busca de uma arquitetura implica por definição na busca de uma ordenação, mais simples ou mais complexa, mas em qualquer caso, na busca de algum tipo de ordem mesmo em meio à fragmentação do ambiente contemporâneo. Ao longo da história da arquitetura o conceito de ordem é quase que invariavelmente associado à geometria e mais precisamente às noções de regularidade, repetitividade ou coordenação modular. A utilização desses elementos de geometria muito embora possa produzir uma aparência de ordem não implica necessariamente na obtenção de uma ordem espacial.

Tal ordenação transcende à ordenação geométrica e se refere ao modo de utilização da edificação. Trata-se de fato de uma ordem topológica. Entende-se, no contexto disciplinar arquitetônico, topologia como o estudo de relações espaciais que independem de forma e tamanho. Topologicamente o que conta é a condição relacional, a articulação ou inflexão, a proximidade ou distanciamento, enfim, o modo como espaços se relacionam ou se articulam. A descrição de ordem, desde um ponto de vista topológico, implica na descrição do modo como os espaços de uma edificação se articulam, o que por sua vez evidencia o modo como a edificação é utilizada ou apreendida, tanto pelo usuário regular, seus habitantes, quanto pelo usuário ocasional, os visitantes. Enquanto a ordem geométrica é de descrição direta – através de plantas baixas, cortes e fachadas – a ordem topológica é invisível na sua totalidade. Sabe-se pela experiência no entanto que a ordem topológica determina características espaciais que tornarão o espaço arquitetônico – mais ou menos inteligível por parte de quem o usufrui.

Ordem e percurso

O conceito de ordem, desde um ponto de vista topológico é dado pelo modo como uma determinada distribuição espacial em planta é utilizada, em amplo senso naturalmente ou seja, percebida, visualizada e percorrida pelas pessoas. Se por um lado a descrição do modo como o espaço é percebido é bastante subjetiva, por outro o modo como o espaço é percorrido é obviamente passível de descrições sintéticas baseadas essencialmente nos percursos evidenciados pela distribuição espacial ou, de modo mais direto, na pura e simples descrição diagramática do movimento dos corpos no espaço. Nessa linha, seguindo Tschumi, “se a seqüência espacial inevitavelmente implica no movimento do observador, então tal movimento pode ser objetivamente mapeado e formalizado seqüencialmente” (3).

Essa descrição implica basicamente na visualização da edificação ou meio urbano como um sistema de percursos, sendo o percurso é uma porção dinâmica de espaço. Edifícios ou cidades são sistemas espaciais ordenados na essência pelo posicionamento de barreiras e passagens. A posição das barreiras define o posicionamento das passagens e em conseqüência o sistema de percursos que permeia e nutre os espaços. E nesse contexto “os corpos não apenas se movem adiante mas também criam espaços produzidos por e através de seus movimentos" (4). Esse movimento é a vida espacial das pessoas e constitui a essência espacial da arquitetura. O fenômeno é idêntico tanto na escala da edificação, onde a partir do posicionamento de paredes e mobiliário – as barreiras – resulta naturalmente um sistema de rotas, quanto na escala urbana onde o posicionamento da forma edificada – os quarteirões – determina o posicionamento do sistema de percursos – as ruas. O princípio de ordenação é o mesmo variando tão somente a escala, o que mostra a fractalidade nas estruturas espaciais produzidas pelo homem. Em síntese, à toda e qualquer organização planimétrica corresponderá um sistema de percursos ou rotas que dá suporte aos eventos que constituem a vida humana. Nesse sentido, por sua dimensão espacial e de movimento, o conceito de evento inclui e transcende o conceito de atividade.

Integração e segregação: gradações de acessibilidade

A descrição sintética do sistema de rotas informa, mais que a própria descrição de planta, o modo como a edificação é percorrida. Apesar de sintética – e de aparência banal – a descrição da planta como um sistema de rotas permite a análise de características de utilização da mesma a partir do modo como o arranjo espacial dado em planta é percorrido. A comparação de plantas ao lado mostra, para uma mesma situação de programa e sítio, diferentes modos de distribuição espacial que correspondem a sistemas de movimento radicalmente distintos (5). O primeiro apresenta linhas de movimento agrupadas em forma de árvore; a continuidade de percurso é evitada e todas as rotas terminam em cul-de-sac. O segundo apresenta linhas de movimento agrupadas em forma de anel, o qual integra todas as partes do sistema. Já o terceiro caso mostra uma situação intermediária onde o arranjo espacial é dotado de um anel integrador que articula as demais rotas, estas atendendo a espaços mais segregados. A distinção entre árvore e malha, no que diz respeito aos arranjos espaciais, pertence a Alexander, cunhada em A cidade não é uma árvore. Hillier em A lógica social do espaço usa o termo anelidade (ringyness) na descrição de característica similar.

O conceito de acessibilidade é central nesse tipo de análise. Acessibilidade, senso comum, é uma característica ou condição inerente a qualquer distribuição espacial. Desde o ponto de vista arquitetônico acessibilidade é o potencial, ou capacidade, que os espaços tem de ser alcançados pelas pessoas em decorrência de seu posicionamento relativo dentro de um sistema de rotas qualquer, edifício ou cidade. O modo de arranjo em planta, qualquer que seja, determina um sistema de percursos naturalmente dotado de gradações de acessibilidade. Nessa linha Hertzberger sugere que “marcando as gradações de acessibilidade pública das diferentes áreas e partes do andar térreo de uma edificação, uma variedade de mapas mostrando as diferenciações territoriais serão obtidos. Esses mapas mostrarão claramente que aspectos da acessibilidade existem na arquitetura e que demandas ocorrem com relação à áreas específicas”. É da natureza espacial.

Plantas são portanto, nessa linha descritiva, instrumentos naturais de distribuição de acessibilidade. E, desde o ponto de vista das pessoas, o movimento através da planta é um permanente fruir através de gradações de acessibilidade. Barreiras e passagens produzem, naturalmente, uma hierarquia de acessibilidades, um ranking espacial natural, essência da ordem topológica em arquitetura.

As porções de espaço ou posições no espaço mais utilizadas, aquelas mais percorridas, estão naturalmente no topo deste ranking de gradações de acessibilidade. Toda e qualquer planta possui, naturalmente, um núcleo de integração espacial. Esse núcleo se configura, se materializa, ao longo das rotas mais integradoras ou conjunto de espaços mais integradores. O núcleo de integração tende a ser o conjunto de espaços mais utilizados na planta; espaços com o mais alto grau de acessibilidade. Ali estão as rotas mais utilizadas; como passagem e também como parada ou estar. Na outra ponta do ranking estarão as rotas menos vezes passagem em decorrência de sua condição de segregação espacial. Núcleos de integração em cidades são em geral áreas dotadas de alto grau de acessibilidade, assim como devem ser os espaços de uso mais coletivo em edificações. E assim é a vida nas suas diferentes escalas espaciais; ela requer aqui integração lá segregação (espaço), agora integração depois segregação (tempo) e a arquitetura existe, ou existiria idealmente, para espacializar adequadamente essas necessidades humanas. Numa organização espacial qualquer, os espaços dotados de maior grau de acessibilidade tendem a abrigar atividades dotadas de maior grau de coletivização ou publicização. Ao contrário, espaços dotados de menos acessibilidade tendem a propiciar um maior grau de privacidade ou segregação. Em arquitetura, tout court, esse degradê de acessibilidade deve ocorrer de modo sintônico à distribuição espacial do programa de necessidades. Programas arquitetônicos carregam em si a ambição de ordenar espacialmente atividades humanas. As atividades, por natureza própria, são mais ou menos demandantes de acessibilidade. Não é incomum que experienciemos edificações onde a lógica da distribuição das atividades contraria a lógica do percurso; a lógica de distribuição das gradações de acessibilidade. Isso pode ocorrer e amiúde ocorre tanto em edifícios comerciais quanto residenciais ou institucionais; edifícios bem dotados de tecnologia e estética mas que não funcionam adequadamente. E aí começam as reformas... e é o trial and horror... A condição de acessibilidade ora descrita tem natureza eminentemente espacial; independe de função, atividade ou atratores. É só forma, formato topológico, configuração. Uma forma que não segue a função. Tudo é forma e as formas, no andar da carruagem, terminam ditando a natureza do evento. Funções ou atividades posicionadas em espaços cuja condição de acessibilidade seja desconforme com a natureza daquela função em geral não sobrevivem naquele posicionamento, seja na escala do edifício ou da cidade. A natureza espacial comanda a natureza comportamental, a natureza dos eventos, seguindo automaticamente o mecanismo topológico das gradações de acessibilidade.

Linhas de movimento

Muito embora a prática, a experiência humana, indique claramente que as gradações de acessibilidade orientem a cada momento o comportamento espacial das pessoas, a operacionalização do conceito é complexa. A preocupação com a descrição desse aspecto da arquitetura não é recente. Ainda no século passado a noção do percurso como elemento de estruturação espacial é de fundamento no método de ensino e análise da Escola de Belas Artes francesa que herda do barroco o modo seqüencial de ordenar espaços; o percorrer da seqüência espacial é a marcha e a análise implicava em identificar se o edifício teria ou não uma boa marcha ou seja, se o percorrer daquela seqüência espacial resultaria uma experiência espacial prazerosa, seja isso o que for. No movimento moderno o conceito de promenade arquitetural é elemento base na estruturação espacial em Le Corbusier bem como em outros mestres. O conhecido diagrama de Alexander Klein mostra ainda em 1928 uma descrição dessa condição de percurso do espaço arquitetônico através de notações sintéticas que representam as linhas de movimento. E ao longo do tempo diversos autores trabalharam e vem trabalhando nessa linha. Esse é o caso de Pikionis (6) com o conceito de arquitetura do movimento, Cullen (7) com a assim chamada visão serial, Appleyard e Lynch (8) com os diagramas de seqüência, Anderson (9) com os grafos de base, Hertzberger (10) com as gradações de acessibilidade, Kohldorf (11) com a pauta seqüencial, entre outros.

O mapa axial (12) estende os limites dessa linha de pesquisa oferecendo uma descrição sistêmica; o conjunto de linhas de movimento que cobre a totalidade da planta é descrito com um sistema espacial. Essa descrição da planta como um sistema de percursos – um sistema de linhas de movimento – propicia que o espaço arquitetônico seja analisado com base nos diferenciais de acessibilidade. Uma peculiaridade, nesse procedimento o conjunto de rotas geradas pela planta – a partir do posicionamento de paredes e mobiliário – será decomposto em segmentos de reta; entidades espaciais discretas e dinâmicas. São linhas de irrestrita visibilidade e acessibilidade. E é justamente a decomposição da continuidade da rede de percursos na descontinuidade do mapa de linhas axiais que propicia a aferição quantitativa das gradações de acessibilidade. Cada linha axial é uma porção de percurso e simultaneamente uma porção de espaço. Percursos – como espaços – se articulam através de inflexões. Desde um ponto de vista espacial a maior ou menor presença de inflexões é o elemento essencial na descrição dos diferenciais de acessibilidade. O longo eixo evidencia integração; cruza natural de acessibilidade e visibilidade. As inflexões, ao contrário, distanciam, segregam, passo a passo. E esse parece ser o moto continuo das organizações espaciais humanas.

Alma espacial

Alguns pontos são essenciais numa síntese dos conceitos contidos no presente ensaio. O primeiro deles é que o conceito de evento em arquitetura tem nas linhas de movimento que lhe dão suporte uma espécie de alma espacial, um cerne. A descrição da planta através das linhas de movimento por ela geradas permite a visualização sintética do modo de fruição permitido pela mesma. Esse modo de fruição é natural do arranjo espacial e, na arquitetura adequadamente concebida, a função usa os diferenciais de acessibilidade para mostrar-se, evidenciar-se. Todo e qualquer edifício carrega informação social e cultural em sua configuração espacial e no edifício adequadamente desenhado o sistema de rotas deve articular uma distribuição de atividades com ele compatível. A função do edifício deve ser evidenciada naturalmente no arranjo espacial das linhas de movimento; são as seqüências espaciais. Diz-se aí que o espaço funciona, é inteligível, tem fácil leitura.

Sabe-se por experiência, e por pesquisa, que diferenciações configuracionais afetam o padrão de movimento dos espaços, tanto arquitetônicos quanto urbanos. Dessa dimensão configuracional do sistema de linhas de movimento depende a intensidade de uso dos espaços – porções de espaço – e em última instância o sucesso da edificação desde o ponto de vista do uso dos espaços; “não se trata aí de um efeito do edifício sobre os indivíduos mas de um efeito de sistema vindo da estrutura espacial do edifício sobre uma provável distribuição de pessoas’” (13). O estado mental ou perceptual das pessoas não está em questão nesse caso. Trata-se aqui das leis do objeto pondo em prática uma espécie de movimento natural baseado simplesmente em economia na seleção de rotas.

O conjunto de conceitos apresentados não pretende constituir um guia da eficiência espacial. Objetiva no entanto lembrar aos profissionais do espaço essa dimensão invisível do espaço arquitetônico freqüentemente sublimada – dimensão que determinará em última instância o real modo de utilização do espaço e o quão sintônico esse modo é com as intenções de programa. Quando essas características da arquitetura são precocemente avaliadas – ainda em fase de projeto – podem ser operadas as correções de rumo necessárias ao melhor desempenho espacial da edificação.

notas

TSCHUMI, Bernard. Architecture and Disjunction, The MIT Press, London, 1995.

TZONIS, Alexander, 1999.

TSCHUMI, Bernard. Architecture and Disjunction, The MIT Press, London, 1995, p. 162.

TSCHUMI, Bernard. Op. cit.

Diagramas derivados de trabalhos de alunos da disciplina de Projeto Arquitetônico 1 da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, durante o primeiro semestre de 2001.PIKIONIS, 1937.

CULLEN, Gordon. Towscape. Londres, Architectural Press, 1961

APPLEYARD, D.; LYNCH, Kevin; MYER, J. The View from the Road. Cambridge, MIT Press, 1964

ANDERSON, 1978.

HERTZBERGER, Herman. Lessons for Students of Architecture, Uitgeverij 010 Publishers, Rotterdam, 1991.

KOHLDORF, 1996.

HILLIER, Bill; HANSON, J. Social Logic of Space. Cambridge, Cambridge Univeristy Press, 1984.

HILLIER, Bill. Space is the Machine. Cambridge, Cambridge University Press, 1996, p. 132.

sobre o autor

Douglas Vieira de Aguiar é arquiteto formado na UFRGS (1975); Doutor (University College London, 1991) e responsável pelas disciplinas de Projeto Arquitetônico 1 (graduação) e Sintaxe Espacial (pós-graduação) na UFRGS. Pesquisador CNPq.

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