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arquitextos ISSN 1809-6298


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Globalização e o agravamento da exclusão social e sua seqüela de marginalização, violência e desestruturação das coletividades

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Globalization and the worsening of social exclusion and its sequel of marginalization, violence and disruption of collectivities


como citar

JÁUREGUI, Jorge Mario. Megacidades, exclusão e mundialização. Do ponto de vista da América Latina. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 023.02, Vitruvius, abr. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.023/788>.

Imagens

“A cidade se define pelos seus contrastes; quer sempre explodir, não suporta estéreis regras... uma cidade inesquecível é um acervo imenso de imagens” (Win Wenders)

No Continente Latino-americano, um novo fenômeno vem se manifestando nos últimos vinte anos, provocado por um processo que tem dois componentes principais: de um lado a confluência de uma crescente interconexão e dependência dos movimentos de capitais (mundialização financeira) e do outro, a substituição de tecnologias produto da passagem do paradigma mecânico para o eletrônico, que afeta tanto a área de gestão e administração quanto os próprios processos produtivos. Este fenômeno tem suas claras conseqüências urbanas. Ele contribui tanto para a dispersão geográfica das atividades econômicas através da integração sistêmica que a interconexão dessas atividades provoca, quanto para uma renovação e ampliação das funções centrais urbanas. Simultaneamente provoca um agravamento da exclusão social de grandes setores da população, com a sua seqüela de marginalização, violência e desestruturação de pautas de convivência. Isto se manifesta na produção de uma cidade dividida entre os denominados setor “formal” (bairros) e o setor “informal” (favelas).

Este processo de integração crescente a nível mundial caracterizado pela formação de uma rede global de megacidades interconectadas, espalhadas por toda a superfície do planeta, que determina uma nova topografia, estabelece também uma nova condição de centralidade. Isto vale tanto no plano macro (continental), quanto no plano local (no interior de cada estrutura urbana). Nas duas escalas o que se percebe é a formação de novas geografias de centralidade; uma rede metropolitana de nodos num caso, e no outro uma configuração rizomática da cidade. Rizoma, no sentido de um tipo de estruturação que não implica uma relação sintética entre os elementos, que recusa a noção de ordem hierárquica; que possui a qualidade do patchwork, uma heterogeneidade radical.

Processo paradoxal

O paradoxo atual em evidência no plano do urbano é que, enquanto a telemática maximiza o potencial de dispersão geográfica, o processo de mundialização econômico impõe uma lógica que requer de lugares estratégicos dotados de enormes concentrações de infra-estrutura, de mão de obra e de edificações específicas. Mas a combinação de novas capacidades organizacionais, novas tecnologias e novos setores de crescimento, provocam, nos países da América Latina, tanto novas centralidades quanto um igualmente enorme incremento da marginalização. A variedade de processos em curso está relacionada à re-territorialização de pessoas, práticas econômicas e culturais, e tem seu sintoma urbano no aumento do mencionado “setor informal”, isto é, na ocupação de terras públicas ou em litígio, e das calçadas, praças e espaços residuais, por todo tipo de “clandestino”.

Assim, na atual economia crescentemente interdependente e extremamente “sensível às turbulências”, o “local” se internacionaliza (adotando pautas de conduta e consumo originadas em realidades muito distantes), e o “global” se localiza (aparecendo incrustações “anômalas” no meio do tecido local).

Isto cria a demanda, desde o ponto de vista das intervenções nas grandes cidades Latino-americanas, organismos altamente complexos onde se interceptam lógicas da mais variada índole, de um conceito de planejamento do desenvolvimento estreitamente vinculado ao desenho urbano, capaz de articular, desde o próprio momento da sua formulação, as questões físicas (urbanísticas, infraestruturais e as referidas ao paisagístico-ambiental) com as sociais (culturais, econômicas e existenciais) e as ecológicas (nas suas três dimensões: ecologia social, mental e do meio ambiente).

Políticas urbanas

A questão urbana, neste contexto, se inscreve no marco da formulação de políticas urbanísticas que devem ter como um dos seus componentes fundamentais, o combate à exclusão e a melhoria da qualidade de vida da população, o que exige a consideração da estrutura urbana como um todo, isto é, o problema das conectividades entre as suas partes “formais” e “informais”.

Nas cidades latino-americanas, o percentual da “cidade informal” em alguns casos é maior que o da cidade formal (como em Caracas, onde a relação é 60% cidade informal e 40% cidade formal), mas na maioria delas o percentual é alto, variando de 30 a 50% nos dois maiores países do sub-continente, México e Brasil.

Outro componente importante das políticas urbanísticas nas quais deve se enquadrar o Desenho Urbano, é o que se refere à contribuição que elas podem representar para a ativação da participação dos cidadãos, fato que exige a busca de integração, em primeiro lugar, com programas que promovam a impulsão de iniciativas capazes de gerar emprego e renda; como já são conhecidas, as políticas de urbanização são um dos meios mais diretos e eficazes para conseguí-lo.

É este cruzamento, esta amálgama do físico, o econômico, o cultural e o social, que se torna necessário pensar desde as interações entre planejamento urbano e desenho urbano considerados ao mesmo tempo como campo de interseção teórico-disciplinar, e como prática ordenadora de caráter estruturador. Para isto precisamos de uma forma de aproximação à questão urbana embebida de um espírito democrático, sensível às dissonâncias e à diversidade. Torna-se necessário começar desde as “emergências”, que remetem sempre a uma multicondicionalidade que impede a simplificação de uma “causa principal”; por isso, emergência, sobreposição de lógicas múltiplas, e incerteza, devem ser pensadas ao mesmo tempo. Neste contexto, os projetos de escala urbana devem poder funcionar como um modulador do intercâmbio entre cada setor específico e a cidade como um todo, pondo em evidência a importância das relações entre os lugares e os usos estabelecidos, fazendo com que as edificações animem o espaço, além de ocupar, bem ocupados, os lugares de implantação.

Nas atuais condições simultâneas de interconexão planetária, urbanização descontrolada e exclusão social as ações urbanas não podem renunciar a buscar projetar algum sentido, a especular a respeito de ordens e esquemas potenciais, a imaginar formas de direcionamento olhando a cidade contemporânea como um processo cuja ordem, complexa, sempre em mutação, demanda novos dispositivos, conceituais e instrumentais, para poder operar.

Espaços de fluxos

O desafio consiste em ter a capacidade de compor espaços de fluxos determinados pela inclusão nas redes mundiais, com a consolidação de centralidades existentes, visando melhorar o desempenho da estrutura urbana no seu conjunto. Isto implica a busca de níveis de coerência diferenciados, singularizados mediante o manejo das intensidades através das conexões a serem realizadas. Daí a importância que adquire o traçado das linhas de deslocamento constituídas pelas infra-estruturas, e sua função conectora. O que é característico deste meio condutor que são as megacidades, é a grande dinâmica do fenômeno urbano no novo marco do capitalismo, onde cada ponto do território se determina por uma superposição de lógicas cuja aparência é a da aleatoriedade, mas as quais são necessárias desvendar-lhes sua forma de incidência em cada caso.

Para poder operar neste meio, o que se demanda é a capacidade de leitura da estrutura de cada lugar específico, onde o que é relevante, mais do que as questões de escala e medida são o tipo de relações que os diferentes setores mantém entre si, bem como suas condições de centralidade, que serão necessariamente alteradas pelas intervenções. Nesta leitura é especialmente relevante a análise das condições de borda e de fronteira entre os diferentes setores urbanos reconhecíveis e entre as diferentes partes de cada setor; as distintas localizações e linhas de força, os padrões que organizam certas zonas com maior intensidade do que outras, as transições do espaço público ao privado, as passagens de espaços abertos públicos a espaços fechados semipúblicos, etc.

O “sistema” urbano de que se trata agora, é aquele onde se interceptam forças de origem e sentidos em conflito, inclusive antagônicas, e onde os equilíbrios são sempre instáveis. Isto define um “meio” urbano de tipo relacional, que exige lidar e interferir numa “trama de relações” muito sensível, caracterizada por movimentos e trajetórias, acaso e caos. Neste meio, os fluxos globais de capitais, informações e pessoas acabam produzindo fortes impactos locais onde se dissolvem as estruturas de segurança em que estava baseada a vida social. Mas há sociedades majoritariamente “conectadas” e outras em que somente um pólo dinâmico pertence a essas redes globais. A rigor, em toda grande cidade encontramos um setor globalizado onde se localizam as funções direcionais (centro financeiro interconectado), e extensas áreas desconectadas dessas redes globais, em que a maioria dos bairros e pessoas vive suas vidas locais. O que varia, segundo o contexto, é a proporção da sua parte “desconectada”.

Uma visão aérea de Rio de Janeiro, Caracas, São Paulo ou Cidade do México e suas áreas conexas, mostra-nos uma grande mancha, um tecido que se desintegra gradualmente, se decompõe e se espalha sem fim, salvo naqueles excepcionais lugares que são as bordas de rios, lagoas, florestas, ou a linha do mar. Os viadutos neste cenário são os rios artificiais de que falava Louis Kahn, e como tais, unem e separam, gerando novos equipamentos, desgarrados do resto enquanto os antigos centros locais se deterioram ou se renovam, segundo os casos, e surgem vazios internos por paralisação de atividades devido ao aparecimento de novas lógicas tecno-produtivas e às modificações nas condições de acessibilidade.

Nestas grandes cidades trata-se de buscar re-estruturar e consolidar tramas, realizar novas conexões, dar caráter às perturbações, fortalecer lugares com identidade, reforçar e/ou criar novas centralidades, incorporar os investimentos já realizados e dotar às periferias de equipamentos de prestígio, levando em conta que a imbricação das infra-estruturas circulatórias e comunicacionais, do tecido urbano e dos usos estabelecidos, só pode ser considerada desde uma perspectiva multidisciplinária.

A questão é como, atuando desde uma equilibrada consideração da relação custo-benefício, pode ser gerado desde a imbricação planejamento urbano-desenho urbano, um espaço de qualidade que não anule a inscrição das comunidades territoriais, e apontar as ações na direção da conectividade geral da estrutura de cada cidade.

Conflitos e coexistência

Hoje podemos verificar tanto uma tendência na direção da exacerbação dos conflitos, quanto, e ao mesmo tempo, uma “inevitabilidade da coexistência” neste “mar de signos” que são as megacidades, de três tipos de espaços urbanos diferenciados:

Espaços gerados por processos de acumulação e substituição tradicionais, onde podem se identificar algumas peças arquitetônicas sobre um fundo anônimo, chegando a constituir centralidades (quando atingem uma certa massa crítica) através do adensamento e empilhamento de funções e modos de vida. Nestes tipos de espaços, a imagem urbana é o resultado da ação de uma comunidade interagindo num determinado território ao longo de um período de tempo, segundo critérios e normas que estão permanentemente sendo adaptados e renegociados. Estes setores urbanos, identificados como “bairros”, apresentam características que os definem ainda como a imagem “visualizável”, registrável, e que pode ser “retida”, da cidade.

Espaços que escapam ao controle do poder público (ou onde este é muito frágil) e que ocupam grandes extensões da superfície dos municípios, constituindo “áreas de impunidade”, com suas próprias “leis” e “códigos”. Em alguns casos, a atuação nestes contextos pode demandar a utilização de uma “metodologia de guerra”, ou de “planejamento contra desastres”. Nestes espaços sem qualidade, o papel do desenho urbano na determinação de uma nova imagem é fundamental, tanto para contribuir à re-significação geral do sistema urbano, quanto para a melhoria da qualidade de vida dos que se vem obrigados a viver ali por falta de alternativas. O desenho urbano nestas circunstâncias tem por finalidade instaurar a dimensão do espaço público como âmbito de qualidade. Neste sentido, urbanizar as periferias significa forçar o caos buscando inscrever pontos de singularização com capacidade de produzir efeitos sobre o conjunto da estrutura urbana. Estes setores da malha urbana, em muitos casos sem “registro” nos mapas cadastrais “oficiais”, constituem a imagem “noir” da sociedade, aquilo do qual não se quer saber; não-lugares, intervalos, tempos a “sofrer” nos deslocamentos através da cidade. Mas, simultaneamente, são espaços para o novo, para novas possibilidades de “cidade”, buracos para a criatividade, para a inovação urbanística e a experimentação social. Lugares onde se imbricam o que está “em processo”, em devir, em experimentação permanente, com a riqueza de relações sociais e grande permeabilidade do comunitário e do individual, que fornecem a base, o material a ser trabalhado visando sua integração à cidade e a conformação de uma nova imagem urbana.

Espaços ligados a projetos “de autor”, demandados pelo poder de grandes corporações (nacionais ou multinacionais, públicas ou privadas), geralmente derivados de programas “temáticos” tais como parques de entretenimento, exposições internacionais, reciclagem de áreas portuárias, centros históricos, bairros “típicos”, etc. Eles ocupam pontos estratégicos do território e estão desconexos (voluntariamente ou não) da estrutura urbana, constituindo, em geral, “ilhas da fantasia” no arquipélago da cidade. Neste tipo de espaços, as imagens tendem a tornar-se verdadeiramente “commodities”, relacionado com o que Rem Koolhaas tem denominado “espaço lixo”.

Estes três tipos de espaços tendem a permanecer desarticulados entre si, mantendo apenas relações de contigüidade; não fazem “trama urbana”, não “constroem cidade”.

Ponto de vista filosófico

A cidade, do ponto de vista filosófico, pode ser entendida como fluxos dos mais variados passando: música, pintura, escultura, arquitetura, informações, o movimento, o tempo. Ela se compõe de inserções sucessivas, e o arquiteto-urbanista que trabalha nela se movimenta entre conflitos, compromissos, contaminações, interferências e transformações. Para Walter Benjamin, as cidades são o plural da humanidade, uma acumulação de existências e uma multiplicação da existência, e constituem um formidável passado fabricado em conjunto. Para ele, uma cidade nos chega pelos olhos e pelos pés, por isso sua compreensão exige atravessar os mistérios da sua superfície. O desenho urbano deve também, em grande parte, ser formulado mantendo os olhos e os pés muito próximos, tanto quanto possível, do local e das condições dos lugares onde é necessário intervir. Assim, captar o espírito e as circunstâncias de uma cidade ou de um setor urbano, implica saber sorver os seus traços, percorridos por todo tipo de tensões. Para Benjamin, a cidade contemporânea implica esta disseminação de todos “em conjunto”; há nela um gozo de todos e de si mesmo. Nela, os corpos, os espíritos e as coisas se misturam na sedução que provoca, uma sedução ao mesmo tempo de base utilitária e estética.

Tempo e espaço

Por isso, e a pesar de tudo, as grandes cidades ainda guardam em comum com a Polis originária o fato de constituírem uma totalidade, mesmo que fragmentada, que engloba a diversidade e que precede aos indivíduos, sendo mais do que o simples ajuntamento de pessoas. Elas têm a capacidade de acender as paixões, e, em teoria, é possível alcançar algum grau de racionalidade no seu controle. Sua lei é a realização de uma certa razão.

Estas grandes cidades constituem hoje o lócus da vida contemporânea: o que reúne, o que ata, o que faz nexo, e também o que angustia e o que potencializa. E a pesar de tudo, também, as grandes cidades incluem ainda a “posse em comum de determinados valores”, a consciência de um destino partilhado com os outros, e de que é nela que o cidadão pode encontrar uma condição de realização. E mais, é ainda nestes conglomerados de artifício e natureza que uma multidão, em nada homogênea, uma multidão de homens estão reunidos por compartilhar (ainda, a pesar de tudo) um certo “vínculo de concórdia” (os bens que amam como, por exemplo, uma tradição hospitaleira, uma paisagem, etc). Por isso, o Desenho Urbano deve ser capaz de articular esta condição de lócus, atuando como esse vínculo de concórdia através dos projetos concretos e das intenções para as quais eles apontam.

Assim, o conceito de desenho urbano envolve uma idéia do espaço-temporal, um esforço na direção de uma visão de totalidade da cidade. Ele implica um tipo de “escritura”; é uma escritura urbana e como tal assemelha-se a um palimpsesto, que pensa e desenha a cidade, pensando-se e desenhando-se a si mesmo.

O tempo é uma noção, e nas intervenções urbanas, uma variável que opera e é irreversível. Nos processos urbanos, os fenômenos são observados num continuum, numa duração, sem um começo ou um fim evidentes ou visíveis, e em desenvolvimento ou mutação permanente. Ele se assemelha a uma percepção que poderia ser associada com categorias tais como a consecutividade, a ordenação, a dedução, a seriação, etc.

O espaço é uma dimensão, e como tal, implica numa materialidade, numa realidade, numa configuração, numa estrutura, e está associado com operações tais como a disseminação, a fragmentação, a indução. Os processos no espaço implicam transformação evolutiva ou involutiva de uma materialidade. Mas o espaço é também dúvida, possibilidade, e continuamente é necessário designa-lo, marca-lo; nunca é dado, é necessário conquista-lo.

Neste sentido, o desenho urbano enquanto disposição espaço-temporal implica num tipo de ordenação que envolve uma configuração ou estrutura, isto é, uma especial disposição da matéria segundo agrupações do todo em partes; por isso, pensar o espaço urbano implica em estabelecer uma ordenação das idéias que responda a esta característica de extensão e duração, a partir de escolhas que implicam sempre um desafio.

Na América Latina, ele deve atuar como um ativador, no sentido de alimentar, especular e ajudar a raciocinar, a partir de um lugar concreto, sobre a necessidade de organização e construção de uma espacialidade que potencialize o lugar e sua região, ajudando a resolver seus mais graves problemas. Problemas que comportam sempre uma espacialidade objetiva e material, caracterizada pela cisão entre os setores “legais” e “ilegais”, pela necessidade de centros de convívio não exclusivistas, pela integração das áreas abandonadas e dos vazios urbanos, pela mobilização da universidade e dos centros de pesquisa, pela reaproximação com o continente europeu (origem dos modelos urbanos que se sucederam ao longo do tempo no nosso continente), mas, também, com as experiências e centros de pesquisa localizados no resto do mundo, fora dos eixos de poder estabelecidos, promovendo um autêntico diálogo e intercâmbio Sul-Sul.

Desta forma, a tarefa específica do planejamento e do Desenho Urbano na América Latina é a de ser capaz de articular as condições físicas com as sociais, culturais e econômicas, raciocinando paralelamente no nível pragmático, no nível conceitual e no nível plástico. Inclui o desafio de buscar uma estreita articulação entre “alta” cultura e tradições populares, entre os aportes e conteúdos de trabalhos de ponta a nível mundial, e a especificidade das determinantes locais.

Diálogo internacional

Ao mesmo tempo, é necessário também, enquadrar a problemática do desenho urbano no marco da busca de criação de condições para uma efetiva e produtiva colaboração internacional, opondo à mundialização da economia (que se tornou uma questão de manejo “globalitário”, um caminho de mão única, um campo de restrições, pré-definido e minado) uma mundialização  dos problemas (concebida como um campo de oportunidades que proporciona vias plurais) capaz de possibilitar a busca de uma nova descrição de nós mesmos e desses problemas.

Trata-se da busca de parcerias, inclusive internacionais, através de acordos, associações e colaborações envolvendo instituições, públicas, privadas e ONGs, com vistas a objetivos específicos, fazendo funcionar alianças estratégicas para levar adiante programas ambiciosos (tipo Favela-Bairro por exemplo) e contribuir ao controle da esfera pública, atuando como garantia da utilização adequada dos recursos.

O que nos interessa aqui é o papel que os projetos de escala urbana podem desempenhar na configuração de outras alternativas para o cotidiano dos habitantes; um ambiente físico não determinado apenas pela acumulação não prevista dos fatos, e sobre o qual, nos nossos países, o poder político atua quase sempre a reboque, para remediar.

Por isso o desenho urbano opera como uma cartografia multidimensional da produção de subjetividade (que entrou em crise histórica e coletiva com a modernidade), pois hoje as cidades funcionam como imensas máquinas subjetivadoras, tanto no plano do individuo quanto da coletividade, onde o que conta, junto aos aspectos de infra-estrutura, de comunicação e de serviços, é o fato de serem capazes de engendrar, por meio de equipamentos materiais e imateriais, a possibilidade de redirecionar o nosso devir urbano.

Através de projetos de desenvolvimento urbanístico, social e econômico, e da convocação geral de múltiplas disciplinas que eles envolvem para sua formulação, o arquiteto-urbanista pode, pelo projeto, e pelas intenções para as quais ele aponta, encaminhar para decisivas bifurcações da cidade democrática; ele deve ser capaz de anodar o ético (o que responde a princípios) com o político (o que se refere às ações necessárias) e o estético (o que implica sempre em desafios, o desafio da estética).

Concebidos como estratégias de singularização, estes projetos devem ser o resultado do cruzamento entre criatividade individual sustentada na interação multidisciplinar, e as múltiplas coações materiais e sociais com as quais se deve confrontar, e neste sentido, suas contribuições para a articulação da cidade partida podem ser decisivos.

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sobre o autor

Jorge Mario Jáuregui é arquiteto-urbanista, ganhador do Sixth Veronica Rudge Green Prize em Desenho Urbano da Universidade de Harvard, Graduate School of Design, do ano 2000, colaborador da Escola Letra Freudiana, Rio de Janeiro

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