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architexts ISSN 1809-6298


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O artigo trata do conceito vazio e espacial de ma, cujo sentido dentro da tradição cultural, arquitetônica e urbana do Japão foi transplantado por Tadao Ando para o quotidiano da cidade norte-americana de Saint-Louis


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LIMA, Zeuler. The Pulitzer Foundation for the Arts: o vazio metafísico de Tadao Ando no vazio real de Saint-Louis. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 034.02, Vitruvius, mar. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.034/699>.

Toda tradução é um tarefa difícil.  Por exemplo, o vocábulo ma em japonês se refere ao intervalo experiencial que constitui um espaço ocupável, mas nas línguas ocidentais não há um termo específico para sintetizá-lo. Tadao Ando o usa com freqüência para descrever o espaço - vazio e preenchível - de seus edifícios, como no caso do projeto para a Pulitzer Foundation for the Arts (Fundação Pulitzer para as Artes).  A fundação, aberta em outubro de 2001, é o primeiro edifício público projetado pelo escritório de Ando numa cidade norte-americana.  Enquanto o conceito vazio e espacial de ma faz sentido dentro da tradição cultural, arquitetônica e urbana do Japão, cabe pensar como ele se transplantou para o quotidiano de uma cidade como Saint-Louis.

Descrever um espaço, seu vazio, seu sentido e a experiência dele também é tarefa difícil.  Com certeza, a melhor maneira de se experienciar uma o espaço de uma cidade, de seu dia-a-dia e de sua arquitetura ainda é estando de corpo presente.  Melhor ainda se nos aproximamos deles na lentidão do caminhar.  No entanto, chegar à Pulitzer Foundation a pé não é experiência para iniciantes.  Apesar de ser uma metrópole de mais de dois milhões de habitantes, Saint-Louis já não conhece mais o ato de perambular pela cidade.  A indústria se mudou, cresceram os serviços e a população se refugiou nos subúrbios, levando seus recursos e deixando para trás uma cidade empobrecida e quase baldia.  Não há um sistema de transporte coletivo eficiente, há poucos ônibus, não há táxis percorrendo as ruas porque tampouco há pedestres.

A única opção para se ir sem carro à Pulitzer Foundation é tomando o Metrolink, um sistema de trem leve que conecta o centro histórico ao aeroporto.  O trem pára na estação e o auto-falante anuncia: "Grand Avenue".  A voz gravada ressoa mais como desejo resignado do que como anúncio de verdadeira grandeza.  Do meio do silêncio da plataforma, uma escada de concreto escala o viaduto indicando a única possível saída.  Chega-se à grande avenida que, no esvaziamento da cidade, ficou só com a fisionomia de avenida grande.  A Pulitzer Foundation fica a menos de um quilômetro ao norte dali, no número 3716 do Washington Boulevard, numa área conhecida como Midtown ou Grand Center, área dos espetáculos e do divertimento noturno com maior vitalidade no passado do que hoje.  No caminho ao longo da Grand Avenue, passa-se por um drive-in jetsoniano que vende fast-food mexicano, pelo campus da Saint-Louis University, bastião jesuíta das humanidades, mais adiante pelo esplendoroso Fox Theater, antiga sucursal local da Broadway, e antes de se chegar ao Powell Hall, sede da Saint-Louis Symphony Orchestra, vira-se à esquerda no Washington Boulevard.

Entremeando esses eventos arquitetônicos isolados, há terrenos vagos, estacionamentos abertos e um pequeno número de edifícios comerciais, vários deles com vidros cobertos com papel ou chapas de compensado.  Pequeno também é o número de pessoas com que se cruza na rua.  Os olhares entrevêem a reminiscência incômoda da história das diferenças sociais e raciais que ainda ressoam pelo país.  Qualquer semelhança com tensões passadas não é mera coincidência.  O território ao norte do Grand Center é  African-american e pobre, o que lhe confere o estigma de fonte de insegurança e de problemas.  Não muito longe dali ficava o mal-fadado conjunto habitacional Pruitt Igoe, cuja implosão em 1972 foi usada ironicamente por Charles Jencks para demarcar o final do modernismo. No entanto, por aqui, poucos se aventuram por esse tema e por aquela região da cidade. 

Chega-se, nesse percurso, à Pulitzer Foundation.  De um lado da rua, ao sul, fica a fundação.  Do outro, um casarão antigo e um pequeno prédio comercial fechado que sobreviveram ao abondono das últimas décadas no meio de um quarteirão onde há uma antiga igreja de pedra abandonada depois de um incêndio e uma casa coberta por tapumes.  Enigmático em seu ensimesmamento e em sua simplicidade formal, o edifício da fundação abriga a coleção particular de Emily Pulitzer e de seu falecido marido, Joseph Pulitzer, magnata da imprensa, filantropo das artes e herdeiro do criador do prêmio que leva o nome da família.  A escolha do terreno veio de encontro ao desejo de se promover a recuperação paisagística e a reocupação imobiliária da região do Midtown, alterando os planos iniciais do casal para instalar a coleção no segundo andar de um prédio comercial na Grand Avenue.  Os esforços de recuperação da área, que têm somado interesses privados e investimentos públicos, estão em consonância com a retórica estratégica corrente de desenvolvimento urbano ancorada em instituições de caráter cultural e público.  No entanto, apesar da presença pioneira da fundação na nova paisagem cultural do Midtown, as suas impecáveis paredes de concreto, marcas do preciosismo construtivo de Tadao Ando, deixaram em aberto um espaço irreconciliado entre arquitetura e cidade.

A Pulitzer Foundation está no limiar entre uma galeria particular e um museu, que dá ao propósito de promotor estratégico de desenvolvimento urbano, ao seu sentido público e à prática da filantropia um caráter questionável.  Seu gesto cívico é mais retórico do que espacial ou funcional.  O intervalo de espaço ocupável promove, na sua tradução, as barreiras físicas e sociais que são marcas da experiência do quotidiano urbano de Saint-Louis.  A passagem da calçada ao edifício se dá por uma brecha escondida atrás de uma alta parede de concreto.  Ganha-se acesso ao prédio por um pequeno pátio externo que tem um caráter mais doméstico do que urbano.  Além disso, o horário de visitação da fundação é limitado a duas manhãs por semana ou deve ser feita com hora marcada, e a vigilância pelos empregados é sempre ostensiva. 

Uma vez passado o teste de admissão, podemos nos deleitar com espaços nobres e cerimoniosos.  O edifício obedece a um esquema horizontal em "U" com um pátio lateral que, no futuro, deverá ser compartilhado com o edifício vizinho do Forum for Contemporary Art, projetado pelo escritório de Brad Cloepfil e que está em construção. Os dois longos volumes com poucas aberturas, que formam o corpo do edifício, são mediados por um pátio interno.  Nele, um espelho d'água com seixos a céu aberto enquadra uma vista apenas acidental da cidade.  O volume a oeste é fechado e reservado à administração da fundação.  O volume a leste define um grande espaço de exposição que dá acesso a duas pequenas galerias ao fundo, uma no mesmo piso e outra no sub-solo, onde também se encontra um pequeno auditório.  Sobre o volume mais baixo, a oeste, descansam um terraço-jardim e um mezzanino que, fundidos num mirante, parecem não ter outra função que a de observar a cidade do alto e à protegida distância.

A economia formal, a iluminação controlada e a escala dos espaços das galerias abraçam serenamente parte do acervo que inclui obras de artistas modernos europeus e principalmente de artistas contemporâneos americanos com destaque para Ellsworth Kelly e Richard Serra, a quem Emily Pulitzer encomendou especialmente duas obras permanentes.  A de Kelly marca em contraste de azul e preto a perspectiva branca do espaço visual da grande galeria, enquanto a de Serra movimenta e mancha o pátio externo com a simplicidade inusitada de suas formas ondulantes e enferrujadas, como uma pedra na água irrompendo a aparente estabilidade do seu entorno.

Ao transpor a distância entre Tóquio e o meio-oeste americano, a ideologia minimalista das paredes ortogonais de Tadao Ando criou espaços acolhedores para as obras da coleção Pulitzer.  Enorme esforço foi colocado na construção impecável de concreto, uma técnica que pouco comum nos Estados Unidos.  No entanto, as paredes que pretendem traduzir os tradicionais shoji de papel lêem mais como uma fortaleza do que como um pavilhão.  Elas servem menos ao sentido de definir ordem numa morfologia urbana aleatória do que à demarcação de fronteiras.  No lado de dentro, encontra-se não o clímax de uma experiência cultural urbana, mas o distanciamento dela.  No lado de fora, encontra-se não a vitalidade aditiva da metrópole japonesa, mas o dilema histórico da subtração urbana que acompanhou a desindustrialização das metrópoles americanas e do qual a região do Midtown é testemunha. 

As barreiras, os intervalos e os vazios espaciais de Saint-Louis são reais e difíceis de se transpor e de se ocupar.  O rigor formal de Tadao Ando garante integridade interna ao edifício, porém enfatiza mais do que destabiliza a tensão vazia da cidade.  A Pulitzer Foundation é evidência de que conceitos abstratos e formas arquitetônicas não resistem à universalização.  A arquitetura, como todo artefato cultural, não tem um sentido inerente.  Seu sentido beira sempre o precário e depende da situação em que a arquitetura se manifesta. Ele é atribuído e percebido na experiência e na relação dos seus espaços.  Presenciar o edifício de Tado Ando é experienciar uma obra mais de transplante do que de tradução entre duas culturas urbanas e arquitetônicas. Em sua presença de esfinge, ele reapresenta para nós, arquitetos, o velho (desgastado, mas não inválido) desafio: como pensar o próposito do projeto como articulação de situações que vão além da esfera estética.

O que ficou sem resposta no caráter irreconcialiado da Pulitzer Foundation foi como promover, no mesmo projeto, a tradução do conceito de ma que permita preencher tanto os intervalos internos do edifício quanto promover novos paradigmas para o vazio e os intervalos de abandono e esquecimento que Saint-Louis tem vivido nos últimos 50 anos.  A arquitetura não pode resolver problemas de ordem social e urbana, mas ainda assim ela está inserida neles e tem um caráter público.  As escolhas formais que fazemos como projetistas não determinam esse processo, mas isso não quer dizer que elas possam ser neutras e descomprometidas.  Os pequenos vãos, aberturas e brechas que deixam passar luz para o interior protegido do edifício, também captam imagens acidentais incômodas da cidade ao seu redor.  Quem sabe estejam nelas algumas respostas, senão novas perguntas.

sobre o autor

Zeuler Lima se educou na FAU-USP da graduação ao doutorado e atualmente é professor da escola de arquitetura da Washington University. Trabalhou como arquiteto em São Paulo e com ensino e pesquisa na USP-São Carlos (Brasil) e nas escolas de arquitetura de Grenoble e Saint-Etienne (França), Michigan e Columbia (Estados Unidos)

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