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architexts ISSN 1809-6298


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A autora aborda a passagem do que chama arquitetura corporativa para a cidade corporativa, momento em que, do edifício isolado, símbolo do poder das classes dominantes, passa-se a pensar na paisagem urbana e no processo de planejamento da cidade


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VARGAS, Heliana Comin. Da arquitetura corporativa à cidade corporativa. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 040.06, Vitruvius, set. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.040/655>.

Pode-se dizer que duas fortes correntes dominaram os argumentos da produção da arquitetura e urbanismo, durante o século XX e, conseqüentemente, do conteúdo necessário para o seu desenvolvimento e para a sua crítica.

Uma delas, liderada por Lewis Munford, vê a arquitetura através de uma argumentação regionalista, acreditando que a arquitetura deva favorecer a absorção da sociedade, da cultura e o do ambiente do lugar. A outra corrente, capitaneada por Henry Russel Hitchcock, considera a arquitetura como monumentos, a pedra de toque com imagens formais poderosas que dispensam o entorno urbano e o momento, ressoando como objetos descontextualizados. Juntamente com Alfred Barr, Hitchcock recusava aceitar a visão de Munford, complexa e cultural, defendendo que os edifícios deviam ser avaliados estritamente por critérios formais (2).

No entanto, qualquer que seja o conceito adotado, o objeto edifício é um signo, como de fato o é qualquer objeto que representa algo para alguém. Assim, a história da arquitetura estabelece relações definidas entre a forma dos edifícios e a época ou as características das sociedades que os construíram, considerando-os como obras de arte mais do que como utilidades. Como, no geral, é a questão simbólica que se questiona e não a utilitária, as mudanças nas formas arquitetônicas se explicam em função das mudanças sociais. Além da mudança na forma, o seu caráter simbólico e a visibilidade inerente à própria arquitetura a tornam mais atraente como instrumento de demonstração de poder.

Como a obra do arquiteto tem alta visibilidade, ao inserir-se no espaço urbano apresenta-se espontaneamente ao olhar público. Logicamente, que os arquitetos preferem as obras singulares, monumentais que lhes permitam o destaque. E, na atualidade, quando estas obras podem ser vistas no mundo inteiro através dos meios de comunicação, a visibilidade do arquiteto se confunde com a visibilidade da empresa, da cidade ou do país. Ë isto que torna a arquitetura refém do libido dominandi (desejo de poder).

Os clientes mais significativos da obra arquitetônica sempre estiveram entre os representantes do Estado ou do grande capital, servindo a todos os partidos. Todos clientes no exercício do poder. Poder, o único capaz de desencadear os acontecimentos excepcionais que permitem a arquitetura surgir. A história mostra claramente este envolvimento do arquiteto com o poder (3).

Para caminhar nesta discussão, trazemos inicialmente à cena a relação cliente-patrão, onde os dois atores são o arquiteto e aquele que o contrata, seja ele seu cliente corporativo, o empreendedor imobiliário ou o Estado.

Isto nos ajudará a compreender a passagem do que consideramos como arquitetura corporativa, aquela do edifício isolado que passa a ser utilizado como símbolo do poder das classes dominantes, que se inicia em tempos remotos da história da humanidade chegando até a arquitetura como representante do grande capital nos seus mais diversos formatos, para a cidade corporativa. Esta cidade corporativa que inclui a gestão urbana, onde o cliente é o Estado aliado ao capital imobiliário, aliados estes que se utilizam da paisagem urbana e do processo de planejamento da cidade, (ambos redutos do arquiteto e urbanista), como forma de expressar sua atuação e reforçar seu posicionamento com finalidades político-eleitoreiras.

O cliente e o patrão (patrocinador)

Patrão deriva do latin Pater, pai e patronus significa protetor de clientes, aquele que o defende e advoga em sua causa. Mudando de sentido através do tempo, somente no final do século XVIII assume o significado comercial de mantenedor ou cliente regular (4).

Cliente deriva do latin cliens ou cluere, que significa ouvir, escutar e, literalmente, alguém que atende o chamado de outrem. No início do século XVII incorpora o significado atual de cliente, ou seja, aquele que usa seus serviços (5).

Ainda segundo Johnson, permanece, no entanto, uma ambigüidade na compreensão da relação arquiteto-cliente. Atualmente, o cliente é o usuário dos serviços do arquiteto conforme entendido desde a Idade Média, e o arquiteto, como ouvinte nesta relação age, também, como cliente no sentido antigo. Ao mesmo tempo, o cliente atual é o patrão no sentido de definir e decidir sobre os seus serviços, ao mesmo tempo em que patrocina e encoraja o interesse do outro (o arquiteto).

Na verdade, todos os arquitetos consideram que têm clientes e poucos consideram que têm patrão. A relação equilibrada entre eles depende da força e do nome do arquiteto. Assim, se consideramos o termo Patronage (patrocínio), como uma forma de poder para ambos, ao mesmo tempo em que é divergente é cooperativo, nascido do mútuo respeito ao calibre e talento de cada um. Na história, vários empresários transformaram-se em patronos de arquitetos e fizeram as idéias destes arquitetos se concretizarem (6).

Neste sentido, é interessante lembrar que este patrono, hoje, está representado, muitas vezes, pelo empreendedor imobiliário ou incorporador. Este termo, empreendedor imobiliário em inglês developer, provém do francês antigo desveloper (disvelop), derivado de dis, mais, volup. Ou ainda, velup do francês voloper, envelop, e do italiano viluppare, wrap up, embrulhar. Portanto, disvelop or develop significa descobrir, desembrulhar, desdobrar, revelar o que está contido. Curiosamente, em relação a conotação negativa que o termo developer adquiriu, existe uma segunda raiz latina vel e vol que significa rasgar, recusar bruscamente (7). Pode, portanto, ser entendido como um rompimento ou oposição ao existente, que a arquitetura, muitas vezes, tem realizado.

Os sentimentos negativos contra incorporadores é, no entanto, uma atitude que acusa a rendição da arquitetura às torres de vidro das multinacionais e aos arranha-céus que destroem a humanidade refletindo apenas imagens. Neste momento, a "comodificação" dos edifícios (visto como mercadoria) onde procura-se pela sua alta liquidez de mercado (marketiabilidade) através da universalidade exige, constantemente, certas feições e qualidade comuns a todo homem e a toda empresa. Mas, esta repetição sucessiva de tentativa de se sobressair, leva novamente a uma uniformidade onde as identidades se perdem. Assim, a arquitetura corporativa dos edifícios altos, ao construírem cidades iguais na forma, quando adentram a década de 1970, passam a buscar a diferenciação através de uma arquitetura mais complexa. A Arquitetura retorna o seu olhar para edifícios institucionais como os museus e centros culturais mas, agora, no âmbito do setor privado.

Para agravar esta situação, a presença de arquitetos e urbanistas nos quadros da gestão urbana, também reforçam esta função de visibilidade da arquitetura e do desenho urbano, numa associação de notoriedade do arquiteto e do poder público. Assim, não apenas a arquitetura mas o projeto urbano e o planejamento urbano, têm sido usados como instrumentos de divulgação e promoção pessoais e político-eleitoreiras. O cliente é, então, o poder local que patrocina as obras do arquiteto urbanista e não a cidade entendida como o conjunto de seus cidadãos.

A arquitetura corporativa

Começando pelos tempos mais remotos, na civilização egípcia (3400-900 a.C.), as pirâmides, foram obras monumentais construídas em pedra para durar para sempre, que segundo Garnider, transmite estabilidade pela clareza das linhas e amplitude da base.. Segundo French (8), foram simbólicas quanto a importância devotada pelos egípcios à vida após a morte, reforçando a importância atemporal da alma comparada à natureza temporária do corpo É interessante observar a força desta geometria, que posteriormente, passa a ser utilizada por obras modernas voltadas ao consumo da cultura através dos museus, como a Pirâmide do Louvre, museu do Rock in Roll em Cleveland, Shopping Center Eldorado, em São Paulo.

Embora em outro contexto, a arquitetura grega (850-297 a C) refletia a natureza da sua sociedade que buscava a liberdade, igualdade e o amor às artes, acreditando no bem da humanidade (ainda que para poucos), dando ênfase aos edifícios ou espaços públicos que se sobressaíam, tanto o Paternon, como os teatros ou a Ágora. Como acontece nos bares e cafés da sociedade atual ou nas praias brasileiras, lá, na Grécia antiga, os encontros aconteciam na Ágora. Assim, o foco da organização urbana tinha como ponto central os lugares públicos.

Já no império romano, quanto mais ambicioso o esforço arquitetônico, mais se sobressaíam os romanos. A abóbada, a cúpula e o arco cuja construção o concreto tornou possível, combinaram-se para dar à arquitetura romana sua magnitude, e logicamente reforçar a imagem do poderio de seu império. (9)

No que se refere à Arquitetura Gótica (1100-1250), suas proezas abrem uma página nova na evolução espiritual do homem e da vida das formas. Segundo Gardiner (10), a catedral gótica não estava projetada para acomodar-se ao lugar. O lugar deveria ser escolhido para acomodá-la. Sua grandeza e dissonância com o lugar lembram alguns dos museus e centros culturais da atualidade.

No Renascimento (1420-1550), o gosto pela rivalidade artística era incentivado pela riqueza dos novos mecenas que buscavam o grande projeto através de concursos, buscando a influência na antiga Roma, para marcar presença.

Nas questões urbanísticas, segundo French, o Town Planning teve origem na antiguidade com a invenção da grelha retangular para as ruas. Na França de Henrique IV (1553-1610) o foco esteve mais no projeto da cidade do que na construção de castelos, adotando um plano viário radial com a criação de praças na interseção das ruas. A Place de Vosges, originalmente Place Royale, foi o primeiro destes espaços cercados por casas. Séculos mais tarde, Haussmmann reorganizou as ruas de Paris baseado nas mesmas idéias. Boulevard circulares e vias radiais tinham como intenção criar grandes visuais assim como controlar seus habitantes (11).

A proteção pela monarquia, igreja e nobreza foi substituída pela classe de mercadores durante o século XVIII. A revolução industrial 1760 -1830 assistiu ao aumento das manufaturas e os melhoramentos na tecnologia industrial gerar novas indústrias e criar novos edifícios. Este fato resultou numa massiva proliferação de edifícios que trouxeram no seu bojo uma dramática mudança nas escala e nos volumes (12). A construção de vias de comunicação, estradas de ferro, canais e pontes, ou seja, infra-estrutura básica para o desenvolvimento industrial e a distribuição de seus produtos, será um dos setores de atuação, embora, a princípio, restrito ao campo da engenharia. O estilo industrial, então, relaciona-se com os negócios, adotando estruturas que necessitavam finalizar-se rapidamente e que se encontravam completamente fora do mundo do gosto e da moda. Somente quando o espírito da nova era industrial começa a participar do repertório dos arquitetos, pela possibilidade de grandiosidade que pode imprimir em sua obras, é que eles o assumem de fato. A adaptação da linguagem tradicional às novas exigências, amadurecendo entre as novas experiências, segundo Benévolo (13) levaria ao movimento moderno.

Instalações públicas também refletiram o aparecimento da necessidade de uma administração urbana materializada através de seus edifícios. Os mercado cobertos foram os grandes representantes desta fase. Em Paris, o programa de renovação implementado por Haussmann criou uma grande quantidade de facilidades para estes mercados (14). O maior deles foi o St Martin projetado pelo jovem Perye, entre 1811-1816 e o St Germain, por Blondel, 1813-1816. Segundo Pevsner (15), arquitetonicamente superiores aos mercados de Paris, foram o Alexander Paris’s Granite Quincy Market, em Boston, de 1824-36.

Concomitantemente à construção destes mercados cobertos cuja grandeza pretendia marcar a atuação dos novos governantes, e que assumiam a característica de locais públicos, o setor privado, cria os Grands Magasins, cujo mais famoso, foi o Bom Marché e também o Printemps, em Paris. Outro espaço monumental, criado pelos mercadores (burgueses), algumas vezes em parceria com o setor público, para o comércio varejista, foram as galerias ou arcadas comerciais. Estas vão adotando tamanhos, cada vez maiores, para mostrar o seu poder. A Galeria Vittorio Emmanuele, em Milão, construída pelo estado Italiano pretendia mostrar a força de um Estado em processo de unificação (16).

Ë interessante observar, que após a revolução francesa, os 400 hectares de bens nacionais recuperados do clero e dos emigrantes, foram distribuídos, gratuitamente, ou vendidos pela melhor oferta. Esta privatização da terra urbana cria, assim, a empresa urbana, na primeira metade do século XIX, que passou a ser governada pela especulação imobiliária, mais do que pelo Estado. Foi a intervenção dos primeiros capitalistas e homens de negócios que modificaram, consideravelmente, a fisionomia de Paris (17). Apoiada nas teorias econômicas liberais e a necessidade de aumentar as divisas públicas, a prática de privatização das propriedades faz surgir uma clara divisão entre o edifício e o terreno no qual se implanta, desaparecendo o caráter de relação permanente e fazendo nascer o mercado imobiliário (18).

As galerias comerciais, então nascidas, têm esta característica de empreendimento imobiliário, associado ao capital mercantil, que antecede em mais de um século o nascimento dos Shopping Centers, símbolos claros da sociedade de consumo em meados do século XX. (19)

Outro espaço terciário onde estas estruturas de vidro e ferro começaram a ser utilizadas foram os centros de exposição. Na França, havia uma tradição não adotada na Inglaterra, de organizar com frequência, exposições para a indústria nacional (talvez por analogia as grandes feiras da Europa na Idade média). Mas, o primeiro grande destaque arquitetônico ficou a cargo de Joseph Paxton, com o projeto do Crystal Palace, construído para receber a Grande Exposição de 1851, no Hyde Park e considerado o ponto de inflexão a partir do qual o interesse arquitetônico por estes materiais iniciou-se (20).

Estas grandes estruturas, como o Crystal Palace, demonstravam o orgulho da nação e identidade com relação à sua habilidade e poder construtivo, levando a uma continuada produção arquitetônica com este caráter, desencadeando uma série de outros projetos.

Na Exposição, em Paris, de 1889, saiu a mais largo vão e a mais alta estrutura da época, A Galerie des Machines, com enormes esquadrias e vão de 120 metros. A mais alta era a torre Eifell (21) Percebe-se aqui a importância ao nível nacional expressa pela arquitetura/engenharia.

De alguma forma nasce aqui uma tentativa de marcar imagem do País. As exposições, que hoje se repetem através dos grandes centros de convenções, são um novo momento que buscam marcar a cidade dos negócios.

De posse desta nova tecnologia, depois da destruição do incêndio, em 1871, em Chicago e ao período de depressão que se seguiu, a escassez de áreas disponíveis, o aumento do preço do solo e a pressão para atender as demandas por mais espaço, conduziu ao desenvolvimento dos edifícios altos (22).

Estes os primeiros arranha-céus tinham 15 andares e foi necessário mais uns 30 anos antes do surgimento da competição pela construção dos edifícios mais altos (23).

Por volta de 1920, arranhas céus tornaram-se crescentemente viáveis em termos de custo-benefício e clientes corporativos decidiram investir. As torres de vidro concebidas como a personificação da visão social foram, finalmente, construídas como monumentos ao capital (24).

A partir de 1930, surgem as peles de vidro e os edifícios passam a ser notados somente quando assumem a posição de mais alto do mundo (25).

Ë interessante observar que foram as corporações norte americanas que fundaram o Museum of Modern Art (MoMA), e asseguraram o rápido sucesso do International Style e seus clones. A partir de então, patrocínio, na América do Norte, significava formar uma imagem de si mesma que, até hoje, apesar de mudanças na ênfase e na moda, dita a face aceitável da arquitetura contemporânea. O que tem sido a arquitetura atual senão um edifício corporativo?

Tão significativo tem sido esta questão de imagem da arquitetura e tão grande a sua visibilidade que foi alvo do ataque de 11 de setembro, símbolo do capital e do imperialismo.

Quanto ao papel do arquiteto neste processo, já lembrara Tom Wolfe em From Bauhaus to our House (1981) sobre a dificuldade dos arquitetos americanos em trabalhar com a questão do poder corporativo e os direitos do cliente corporativo em face ao ego do arquitetos. É importante notar que as financeiras apenas concedem empréstimos para edifícios facilmente comercializáveis, em caso de quebra de contrato. Os edifícios, portanto, devendo ter uma amplo mercado de usuários desconhecidos, só assumem personalidade depois de preenchidos por um dono (26). Desta forma, a imagem do edifício passou a constituir um aspecto de extrema importância em termos de relacionamento da empresa com o contexto empresarial e com a própria clientela.

Neste sentido, o que conta é a imagem da empresa, transmitida pela qualidade da obra arquitetônica, em termos formais, construtivos e tecnológicos.

A obra arquitetônica, no seu aspecto formal, marca e identifica o negócio e o edifício, em locais onde a proliferação de grandes obras é uma constante, agindo como propaganda do próprio negócio (27).

A cidade corporativa

Nesta fase da economia mundial, diminuídas as vantagens locacionais devido ao grande desenvolvimento tecnológico dos transportes e comunicação, as grandes cidades e mesmo as cidades médias, passam a concorrer entre si, procurando gerar maior atratividade, quer para os investidores quer para os "consumidores de cidades" (28).

O poder local, segundo Harvey (29), começa a abandonar sua posição de gerenciador de cidades, característico dos anos 60, e assume posturas de empreendedor, visando a promoção do desenvolvimento econômico. Ë Aqui que o capital imobiliário vai assumir a parceria com o setor público.

Esta associação, sem dúvida, será decorrência do sucesso de empreendimentos de uso misto, num processo de retorno ao centro, promovido inicialmente pelo setor privado, cujo mais significativo exemplo foi o Rockfeller Center (30). O conceito de uso misto recupera a noção de diversidade urbana então fortemente reconhecido por Jane Jacobs (31).

Os empreendimentos muito grandes, ao concentrarem atividades variadas (como os Shopping Centers), ou um grande número de funcionários e atividades (como os conjuntos de serviços), oferecerem facilidade de estacionamento e outras vantagens e atrativos, passaram a viabilizar os seus negócios em qualquer área da cidade, criando suas próprias localizações privilegiadas. Representam, claramente, a ação do capital imobiliário, em associação com o capital mercantil e financeiro, em formas novas de acumulação (32).

Esta experiência, já reconhecida por Victor Gruen, em 1954 (33), será absorvida pelo poder local e, na década de 80, o uso do desenho urbano se intensificará como instrumento de divulgação da imagem da cidade numa competição internacional, não mais apenas entre países ou grandes empresas multinacionais, mas no âmbito do poder local, isto é, das cidades. Sem dúvida, reflexo da visibilidade dada pelos meios de comunicação, imprimem ao território (cidades) a condição de comodities. A localização pode ser criada e reproduzida, e os meios de comunicação serão capazes de divulgá-las.

Conforme salienta Harvey (34), alguns tipos básicos de estratégias podem ser apontados para vencer a competição inter-urbana ou apenas dinamizar a sua economia: a exploração de vantagens particulares para a produção de bens e serviços; disputa por funções de comando e de controle no campo das finanças, informação e governo ; a atração de consumidores através de inovações culturais, grandes equipamentos comerciais e de lazer, novos estilos de arquitetura e de urban design.

Neste sentido, os projetos de intervenção urbana contribuem, para mudar a Imagem da Cidade e aumentar a sua atratividade. As políticas de City Marketing (35), passam a agir como instrumento altamente importante nas questões de Gestão Urbana.

Portanto, os projetos de renovação urbana, principalmente de áreas portuárias, fortemente marcado pelo caso de Barcelona, com a construção da Vila Olímpica, trazem a tona esta questão, passando a agir também como elementos promocionais da administração pública com intenção eleitoreira. No Brasil, o caso mais paradigmático é a cidade de Curitiba.

Na verdade, no processo de competição entre cidades, os espaços privilegiados, bem desenhados, com arquitetura de qualidade funcionam como uma grande vitrine da cidade e como forte elemento promocional da sua imagem.

No entanto, segundo Zentes e Schwars-Zanetti (36), muitas cidades tem perdido o seu caráter individual ou, tem se tornado igual a tantas outras, devido a sua neutralidade arquitetônica. Isto significa que substitutas para elas podem ser encontradas em toda parte. Desta forma, a diferenciação se faz pela inclusão ou resgate de elementos culturais característicos do local ou região.

Neste sentido, pode-se perceber esta tentativa de reforçar questões de ordem temática como a cultura, que se inicia na França. A criação ou valorização de museus e centros culturais como o George Pompidou por Renzo Piano, e depois, a pirâmide do Louvre, foi uma maneira de conseguir a sensualidade do entorno, humor e surpresa, abandonando o funcionalismo e racionalismo do moderno e abraçando o histórico e vernacular.

Nesta busca, o espaço criado pelos computadores pode existir em qualquer lugar e não é limitado por nenhum contexto cultural ou físico. Com o software adequado e uma habilidade no teclado, qualquer um pode escapar do real no território da mídia. Ë difícil imaginar um mundo onde a experiência sensual e tangível é substituída pelo pensamento, um mundo onde o corpo é redundante. O Museu de Guggenheim em Bilbao é o exemplo mais expressivo desta nova onda. Agora, o mais alto é ultrapassado pelo mais complexo.

A associação do poder local e mesmo nacional com a arquitetura e desenho urbano, fruto da ambição deste novo capital, (da cultura de consumo, do turismo, da hotelaria, dos centros culturais e dos monumentos escultóricos), que pensa a cidade como produto para investidores e turistas, também tem uma intenção de promoção da gestão municipal com a finalidade político-eleitoreira. Tem usado a arquitetura, o urbanismo e o planejamento urbano, através de concursos e seminários, como forma de autopromoção. O caso de Santo André é paradigmático com relação à quantidade de seminários e eventos. Também no que se refere à arquitetura, a cobertura da Rua Oliveira Lima em Santo André, ou da Praça do Patriarca em São Paulo, são elementos escultóricos, que oneraram os cofres públicos de eficiência limitada na dinâmica urbana e de estética duvidosa enquanto obra arquitetônica na sua inserção urbana.

É interessante observar que o cliente (patrão/patrono), receptor mais interessado nos benefícios desta arquitetura, será o interesse público.

Recentemente, o que temos presenciado é o surgimento de uma outra estratégia, voltada principalmente às áreas de urbanismo e planejamento urbano, materializada através de reuniões científicas, nos seus mais diversos formatos. Estes eventos, a nosso ver, mais do que uma boa forma de angariar recursos financeiros para os organizadores, possibilitam a conquista de notoriedade por parte dos profissionais que deles participam enquanto conferencistas, coordenadores e debatedores (e que na sua maioria não recebem remuneração alguma para tanto) e mantém a visibilidade da municipalidade envolvida.

Conclusão

Para Dana Cuff (37), o surgimento de um edifício origina-se do encontro das demandas de três atores principais: consumidor/público; solicitantes/participantes do projeto e dos profissionais de arquitetura. A excelência desta arquitetura assim realizada é decorrência do acordo entre eles, cuja negociação se conduz através de sete princípios norteadores: Demandas qualificadas, ampla visão, simplicidade dentro da complexidade, fronteiras abertas, flexibilidade com integração, equipe com independência e superação dos limites.

Portanto, para Dana Cuff a excelência do projeto não provém de um talentoso arquiteto ou cliente excepcional, isoladamente, mas, de uma reação química entre os principais interessados. Assim, não podemos falar de excelentes firmas ou excelentes arquitetos. Temos que falar de um excelente projeto.

Uma tentativa de reconciliar esta contradição entre empresário-cliente querendo valor por dinheiro, o poder local votos por dinheiro, e o arquiteto desejando dinheiro por valor ou notoriedade, tem sido o movimento do arquiteto para vender seu trabalho como um produto ou mercadoria. Ë isto que tem tornado a aplicação dos recursos públicos improdutiva e transformado nossas cidades no local de experiências mal sucedidas.

notas

1
Artigo apresentado no 51º Congresso de Americanistas. Simpósio "A cidade nas Américas, perspectivas da forma urbanística no século XXI". Santiago, Chile, Julho de 2003

2
FENSKE, Gail. Lewis Munford, Henry Russel Hitchcock, and the bay region style. In: POLLAK Martha. Cambridge: MIT Press. 1997:37-86

3
STROETER, João Rodolfo. Teorias sobre arquitetura. Trad. Técnica Santiago Calcagno L México: Trillas. 1997.

4
JOHNSON, Paul-Alan. The theory of architecture. Concepts, themes, practices. New York: Van Nostrand Reihold. 1994, p. 120.

5
Idem, ibidem, p. 120.

6
Só para citar alguns: Jean Pierre Cluysenaar, o arquiteto das Galerias Saint Hubert, em Bruxelas, contando com as garantias financeiras do banco Hauman / De Mot e suporte da autoridade estatal (Rei Leopold I) em 1837 (JODOGNE, Cécile. (org) Three 19TH century arcades. Bruxelas: Solibel, [s.d.].).; Henri Frugès em Pessac, em 1925, com Le Corbusier; Frank Lloyd Wrigth e Hilla von Rebay, 1943-9, consultora de arte e curadora da Fundação Solomon R. Guggenheim (Johnson, 1994); Philip Jonhson, com Gerry Hines, incorporador da Transco Tower, in Houston, Texas (DIAMONSTEIN, Barbaralee. American architecture now II. New York: Rizzoli International Publication, 1985, p. 156. In: JOHNSON, Paul-Alan. The theory of architecture. Concepts, themes & practices. New York: Van Nostrand Reihold. 1994).

7
JOHNSON, Paul-Alan. Op. cit., p. 128.

8
FRENCH, Hilary. Architecture. a crash course. New York: Watson-Guptill. 1998, p. 14.

9
Idem, ibidem, p. 18.

10
GARDINER, Stephen. Historia de la arquitectura. Trad. Carmina V. Estrada C. México:Trillas. 1994.

11
FRENCH, Hilary. Op. cit., p. 39.

12
JOHNSON, Paul-Alan. Op. cit.

13
BENEVOLO, Leonardo. História de la arquitectura moderna. Madrid: Taurus Ediciones. 1963, p. 22-35.

14
GOSLING, David; BARRY, Maitland. Design and planning of retail systems. Londres: Architectual Press. 1976.

15
PEVSNER, Nikolaus. A history of buildings types. Londres: Thames and Hudson. 1976.

16
VARGAS, Heliana C. Espaço terciário. O lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: SENAC. 2001.

17
Idem, ibidem.

18
BENEVOLO, Leonardo.Op. cit., p. 40-79.

19
VARGAS, Heliana C. Op. cit.

20
FRENCH, Hilary. Op. cit.

21
Idem, ibidem.

22
Idem, ibidem.

23
Um dos mais significativo deles foi Schlesinger and Mayer store ( Carson and Pirie Scott Building 1899-1904), por Louis Sullivan . Depois veio o Flatiron, em Nova York, por Burnham and Root o mais alto do mundo quando foi construído em 1902, fica na esquina da Broadwy e 5th avenida. FRENCH, Hilary. Op. cit.

24
FRENCH, Hilary. Op. cit.

25
Empire State por Shreve Lamb, 1929-31; Seagram Building - por Mies Van der Rohe, 1954-58; John Hancock Center in Chicago, 1970, por Skidmore, Owings and Merrill; A Sears Tower, by de SOM team, 1974 ; The Word Trade Center, 1974, in New York, por Minoro Yamasaki. FRENCH, Hilary. Op. cit.

26
JOHNSON, Paul-Alan. Op. cit., p. 132-133.

27
VARGAS, Heliana C. Searching for a business architecture. Artigo apresentado na International Conference on Spacial Analysis in Environment-Behavior Studies. Eindhoven, Nov, 1995.

28
VARGAS, Heliana C. The architecture design as an efficient business advertisement: the case of São Paulo. Trabalho apresentado na 4TH Conference On Recent Advances In Retailing And Services Science. Scotsdale: EIRASS, 1997.

29
HARVEY, David. “From manageralism to entrepreneurialism: the transformation in urban governance in late capitalism”, Geografiska Annaler, 71 B:3-7. Estocolmo, 1989.

30
WHITHERSPOON, R. E.; ABBETT, J. P.; GLADSTONE, R. M. Mixed-use developments: new ways of land use. Washington: Urban Land Institute.1976

31
JACOBS, Jane. The death and life of great american cities. The failure of town planning. Londres: Penguin Books. 1994 [1961]

32
VARGAS, Heliana C. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização. Tese de Doutorado. FAUUSP, São Paulo, 1992.

33
WHITHERSPOON, R. E.; ABBETT, J. P.; GLADSTONE, R. M. Op. cit.

34
HARVEY, David. Op. cit.

35
O conceito de “city marketing” que se inclui dentro do conceito de “marketing do lugar”, segundo ASHWORTH, G.T. & VOOGD, H. Marketing and place promotion. John Wiley & Sons, Chicester, 1994, sendo freqüentemente, de responsabilidade do setor público, isoladamente, ou em conjunto com a iniciativa privada.

36
ZENTES, Joachim; SCHWARS-ZANETTI; Werner. Planning for retail change in west germany. Built Environment. v 14, n. 1, 1988, p. 38-46.

37
CUFF, Dana. Excellent practice: the origins of good building. In Architecture: the story of practice. Cambridge, Mass: MITPress.1991. In: JOHNSON, Paul-Alan. The theory of architecture. Concepts, themes & practices. New York: Van Nostrand Reihold. 1994, p. 166.

sobre o autor

Heliana Comin Vargas é arquiteta, economista, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Departamento de Projeto.

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