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O desenho dos abrigos de ônibus em Salvador nunca levou em conta o ponto de vista do usuário, o que acaba refletindo sobre a qualidade ruim de um mobiliário urbano tão importante no cotidiano da cidade


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PAZ, Daniel. O cidadão ausente. A cidade do Salvador e os seus abrigos de ônibus. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 054.05, Vitruvius, nov. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.054/528>.

Dentro da classe de objetos do mobiliário urbano, os abrigos das paradas de ônibus, doravante chamados de “abrigos de ônibus” (embora metonímia evidente), correspondem ao mais elementar da arquitetura: o abrigo mínimo.

O abrigo mínimo é abordado na arquitetura com mais constância somente na historiografia, com a busca de uma arquitetura fundada em uma hipotética origem da construção ainda no século XVIII, cujo exemplo mais conhecido é o Abade Laugier. O abrigo mínimo em si fica como uma questão marginal, já que se enfoca os recursos discursivos utilizados e os seus desdobramentos nas vertentes arquitetônicas que vão dar nascente ao Movimento Moderno. Raramente é abordado nas disciplinas de projeto, quando muito como um exercício da habitação mínima. Os abrigos de ônibus são mais um caso da construção onipresente no cotidiano dos cidadãos (quantas horas passamos neles por dia?) e ignorados academicamente.

Salvador sofreu até hoje os males das descontinuidades políticas: seu sistema de transporte de massa é um apanhado de projetos incompletos, que afetou o desenho final dos abrigos de ônibus. A cidade mescla modelos recentes com resquícios de intentos anteriores. Em todas as substituições uma constante foi a falta de análise do ponto de vista do usuário sobre a qualidade dos abrigos. Nunca foi um insumo considerado nas decisões, seja de ordem política ou econômica, ou até mesmo construtiva.

Não se reconstituirá a longa trajetória dos abrigos. Interessa aqui um olhar sobre a situação atual, com breves contrapontos aos modelos anteriores, ainda vigentes pela cidade.

Ponto essencial foi transformação no programa dos abrigos de ônibus. Os primeiros abrigos empregados eram essencialmente uma cobertura. Hoje em dia as superfícies laterais são importantes, fechando três das quatro paredes possíveis (figura 1).

A razão é que as laterais são áreas de mídia. Para comunicar ao usuário quais as linhas disponíveis e o local na cidade, e para comunicar ao transeunte o conteúdo do informe publicitário. É a lógica publicitária nestes abrigos, e na totalidade do conjunto de peças de rua, incluindo aquelas que são somente anúncios, que torna viável o sistema terceirizado de produção e gestão do mobiliário urbano. Além de eliminar o custo, o torna lucrativo. Tornou-se imperativo uma transformação do abrigo – uma maior corporeidade dele no meio público.

Habitualmente os abrigos são incumbência das municipalidades. Em Salvador isso ganhou clareza e notoriedade com a experiência da RENURB (Companhia de Renovação Urbana de Salvador) em 1978, de pré-fabricação de equipamentos urbanos. Isso muda em 2000, quando a Prefeitura fez uma licitação para licenciar seu mobiliário, adotando um formato de gestão usado em várias metrópoles atualmente. Deixaria de ser sua responsabilidade a confecção e manutenção do mobiliário urbano, e passaria a ser da empresa contratada. A contrapartida é a exploração dos seus pontos comerciais, incluindo os abrigos de ônibus. Uma porcentagem, a ser negociada, seria repassada ao Poder Público.

Pela escala da produção (internacional) dos abrigos, as empresas terceirizadas têm a capacidade para desenhar peças mais refinadas, de acabamento sofisticado. O que a Prefeitura não conseguiu obter, nos momentos em que albergou esse processo (1).

A empresa, por sua vez, terceiriza o projeto do mobiliário, que vem sendo feito por celebridades do design mundial, como Phillipe Starck e Peter Eisenman. As cidades ganham, assim, o brilho de artefatos de produção apurada e design arrojado.

As operadoras que venceram a licitação foram a francesa JCDecaux e a espanhola Cemusa. Adotaram-se na cidade quatro modelos, dois de cada empresa. Da Cemusa, um modelo desenhado pelo arq. Nicholas Grimshaw, outro pelo arq. Martínez Lapeña, denominados respectivamente no catálogo de Abrigo Grimshaw e Abrigo Pal-Li (figuras 2 e 3). Da JCDecaux, um dos modelos é de autoria do arq. Phillip Cox (Abrigo Cox) e o outro foi resultado de uma parceria com a ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ –, que resultou no Abrigo ESDI (figura 5).

A cidade tem uma sobreposição de modelos de abrigos de ônibus. Mais visíveis, os novos abrigos de fino trato, e sobreviventes de sucessivas fases e experimentos da municipalidade, ainda funcionais.

Das permanências, temos o padrão RENURB, do arq. João Filgueiras Lima (figura 6). Depois, o chamado padrão CVL (figura 7) , da qual não temos informações. Existem ainda abrigos conjugados às passarelas confeccionadas também por Filgueiras Lima a partir de 1986 pela FAEC – Fábrica de Equipamentos Comunitários. (figura 8). Houve um experimento da DESAL (Companhia de Desenvolvimento Urbano de Salvador), abandonado logo depois, com alvéolos de argamassa sustentados por perfis metálicos – sobrevivem hoje como coberturas de quiosques espalhados pela cidade (figura 9). A SMTU (Secretaria Municipal de Transportes Urbanos) desenvolveu ainda uma linha de abrigos metálicos (figura 10). Estes modelos persistem, e são de responsabilidade do município. O Centro Administrativo da Bahia é atendido por um modelo próprio (figura 11), mas a encargo do Governo do Estado.

Curiosamente, os novos abrigos não se mantiveram dentro do modelo de dois painéis laterais, mas somente com um. Apesar da relutância das empresas estrangeiras, que não entendiam o motivo de um lado ficar aberto, e portanto da perda de um espaço publicitário. Dentro de sua visão, os ônibus parariam obrigatoriamente nos pontos, como acontece na Europa. O que não ocorre em Salvador – é preciso que o passageiro estenda o braço. Assim como ocorre o contrário: dos motoristas, em ato de gentileza, pararem onde se entendeu a mão, mesmo que fora da parada. Um painel cobrindo a visibilidade do passageiro do veículo que chega tornava-se inviável.

Distribuição espacial dos abrigos

Há um sentido por trás deste palimpsesto tecnológico nos abrigos de ônibus, embora todas pertençam ao mesmo sistema de transporte coletivo.

Nem todos os pontos foram licitados para a venda publicitária, por interessar às operadoras. Afinal, trata-se de um negócio. O que justifica o alto investimento com confecção – através de processos industriais mais avançados do que os disponíveis para as municipalidades – e sua manutenção é seu ganho de escala e seu retorno. O ponto é lucrativo enquanto for peça publicitária. Ele é antes dois painéis com um abrigo em anexo do que um abrigo com dois painéis laterais. Assim, há abrigos viáveis nesse esquema e outros não. Os viáveis são os lucrativos.

Milton Santos, em seu Espaço do cidadão (2), alerta para a diferença fundamental entre serviços públicos e privados. Os primeiros atendem à lógica do cidadão; não são lucrativos ou deficitários, mas um direito do cidadão intermediado pelo Estado e sua distribuição atende à carência concreta de seu uso. Há mais abrigos de ônibus onde há mais demanda – e no caso de Salvador, onde a largura da calçada, muitas vezes tão estreita, permite. O serviço privado segue os consumidores; sua distribuição é feita a partir de quanto mercado existe. As linhas de ônibus, nesta cidade, operam assim: existem onde há mais usuários pagantes, o que já acarreta distorções.

Os novos abrigos de ônibus são serviços viáveis somente se lucrativos. Nas áreas não-lucrativas, recorre-se ao padrão SMTU. Nas periferias, recorre-se ao padrão RENURB, que ainda existe em estoques, uma vez que ainda inteiros (!). A escolha se dá por sua robustez, principalmente contra vandalismos.

Os abrigos particulares têm ainda outro agravante. O que define sua locação são os consumidores em potencial. Muitos usuários de ônibus não definem a viabilidade do abrigo. Os consumidores em potencial andam de carro. Em uma inversão paradoxal, quem define se o abrigo de ônibus pode ou não ser sofisticado é o fluxo de veículos na via, e sua natureza.

Bairros com alta densidade ou demanda conhecida, como Boca do Rio, Liberdade ou Cajazeiras, não são contemplados com estes abrigos. Nem mesmo vias com grande carregamento de ônibus, como a Estrada da Liberdade, ou a Av. Afrânio Peixoto (Suburbana). Isso explica porque na Av. Luís Viana Filho, o grande corredor do centro financeiro da cidade até o aeroporto e o litoral norte, tem tais abrigos, apesar dos poucos usuários em muitas paradas.

Para a Prefeitura ainda é vantajoso. Desaparecem uma série de abrigos onerosos, e surge algum retorno financeiro. O restante da cidade, não atendido pelas operadoras, prossegue sob suas asas.

Mesmo nas áreas licitadas há uma estratificação de modelos por conta dos usuários, do seu poder aquisitivo. Há uma diferença significativa de acabamento de um modelo a outro; tanto no material, como nos encaixes, no desenho das peças, nas impressões e nos assentos. Embora sem um mapeamento mais rigoroso, é sintomático que os modelos mais elegantes estejam nas áreas de maior visibilidade, como o centro da cidade e a orla oceânica. O modelo Pal-Li, o mais simples de todos, é o destinado à Cidade Baixa, começo do Subúrbio Ferroviário e Av. Barros Reis.

Isso não significa que os usuários mais pobres estejam “condenados” a usar modelos piores, no caso o padrão SMTU e RENURB. Os modelos novos, chamados de “europeus”, não necessariamente são melhores.

A única conseqüência negativa daquela distribuição é na iluminação. A Prefeitura não tem capacidade de fiscalização e manutenção dos abrigos. Os dois modelos usados oficialmente têm soquete para luminária, sempre vazias, pois quebram as luminárias, caras, para roubo das lâmpadas. E das instalações elétricas fazem ligações clandestinas. Tem-se preferido, então, prover somente o abrigo, sem iluminação. Este problema não ocorre nos abrigos terceirizados.

Sol e chuva

O abrigo de ônibus pretende-se uma proteção mínima contra as intempéries. Isso em parte por causa do sistema de transporte de massa adotado. No sistema curitibano, por exemplo, a parada dos ônibus permite ter uma infra-estrutura maior, com ascensores para deficiente, catracas eletrônicas e um abrigo mais completo. O ponto é uma extensão mais qualificada do veículo, uma parte relevante no sistema (figura 12).

Salvador situa-se a 13º de Latitude Sul, e a 38º de Longitude Oeste, exposto à Massa Tropical Marítima, e por isso mesmo de clima tropical úmido. Empiricamente, sabe-se que o sol é inclemente, um dado essencial para qualquer abrigo de rua. No entanto, não foi uma variável considerada no desenho destas peças – elas são escolhidas em um catálogo. E não foi uma variável considerada nesse momento, supondo que a Prefeitura tenha exercido este seu direito e dever.

A irradiação solar não incide apenas na vertical. Em um abrigo de pequena proporção, a área de sombra é também pequena, e os raios em diagonal são determinantes. A inadequação de alguns dos modelos – especificamente os de cobertura translúcida, da Cemusa e da JCDecaux (figuras 13 e 14) – é patente. Observe-se que a fuga do sol acontece em um Abrigo ESDI, onde a cobertura é opaca (figuras 15 a 17). Isso acontece porque seu beiral é tímido e o pé-direito, elevado. Diferenças de centímetros em um e outro são significativas na área de sombra do abrigo. O comportamento se repete nos demais abrigos, agravados pela transparência da cobertura.

Dos novos modelos, dois têm um desempenho melhor: o Abrigo ESDI (justamente por ter um desenho pensado no clima dos trópicos) e o Abrigo Pal-Li. Em uma feliz ironia, o modelo mais simples, destinado ao uso dos quase-suburbanos, é mais confortável que os da área nobre da cidade.

Sem querer ser reacionário à “inovação”, os modelos anteriores à terceirização eram melhores nesse aspecto. Pela opacidade da cobertura, inércia térmica do material escolhido, extensão da área coberta ou ainda pela altura do pé-direito. O padrão RENURB, embora de outra concepção de mobiliário – sem assento e pré-fabricado – é mais confortável termicamente. Seu pé-direito relativamente baixo – com 2,05m de pé-direito na parte inferior – foi pensado para aumentar a permanência da sombra (3).

Uma outra característica da cidade são as chuvas, principalmente as “chuvas de açoite”, com precipitação levada por fortes ventos, no sentido diagonal. Os anteparos verticais conformariam um abrigo melhor do que as simples coberturas. Porém o pé-direito dos novos modelos é levemente maior que o dos anteriores, aumentando sua vulnerabilidade. Sua área coberta é menor, pois a projeção do beiral diminuiu – ainda mais com o recurso dos bancos, que barram a parte de trás da área protegida.

Os assentos e os transeuntes

Outro ponto de caráter duvidoso é o número de assentos.

Em um primeiro momento, os abrigos de ônibus na cidade eram somente cobertura. Depois tratou-se de prover assentos. Ou com assentos pré-moldados soltos dispostos na área do abrigo (figura 18). Houve até um intento engenhoso de um assento que apoiava-se nos pilares de duas unidades de concreto – um upgrade de um modelo anterior (figura 19).

Esperava-se que esse estágio atual, com peças sofisticadas de design elaborado e materiais mais caros e refinados, superasse essa questão. Não é o que ocorre. A extensão linear dos assentos é pouca, pouco mais de 1/ 3 do total do comprimento da cobertura – 1,45 em 4m de extensão (Pal-Li), cerca de 1,60 em 4,35m (Cox) e 1,70 em 5m (Grimshaw), e 1,75 em 4,15m (ESDI). Em metros é inferior ao dos assentos anteriores, providenciados por expedientes diversos. Nesse pecado incorrem todos os modelos novos.

Opta-se, em alguns casos, por assentos individuais – curiosamente, para os modelos mais “chiques”. Não é a melhor escolha, já que é a largura das pessoas varia, com casos comuns de obesos (nem é preciso ser muito para extrapolar os assentos existentes) como usuários de ônibus. Com assento coletivo, há somente um modelo. Soma-se a isso a vulnerabilidade ao sol, com exposição prolongada. É mais prático ficar em pé, atrás do ponto, do que sentado sob sua cobertura. Na melhor das hipóteses, o abrigo serve como obstáculo geral ao sol – todo ele, cobertura e vedações. Da mesma maneira como postes e outros elementos urbanos, em cuja sombra as pessoas se postam para se proteger minimamente da luz.

Uma consideração sobre as demandas de um abrigo: há menos “cuidado” no ato de sentar-se em equipamento público do que em um assento domiciliar. Os Abrigos ESDI, com bancos em balanço, registram casos de quebra mais freqüentes: eles não suportam a reiteração do sentar-se público (figura 20).

E, por último, a leveza dos painéis de vidro, especialmente do modelo Grimshaw. Tem sido uma tônica do mobiliário urbano a sua imaterialidade, o uso da tecnologia para adelgaçar o objeto e torná-lo invisível. Bom para a imagem da cidade, ruim para o usuário, que ganha mais riscos no trânsito na rua. A leveza dos objetos com o mínimo de apoio são sinônimo de obstáculos aéreo para os deficientes visuais. E os objetos semi-transparentes e repletos de arestas são riscos para grandes fluxos de transeuntes. Como é comum em Salvador em grandes eventos de massa, como o Carnaval. Nestes, a concentração de pessoas é tamanha que todo o quadro sensorial se altera – a visão perde muito de seu alcance (tornado a eficiência de comunicação dos painéis laterais dos abrigos duvidosa), e em oposição o tato é total, o olfato é intensivo, e a audição sobrecarregada. Um objeto inofensivo no dia-a-dia pode ser um risco nesta situação.

Os painéis laterais em muitos casos correspondem a obstáculos laterais ao livre fluxo de indivíduos, já que Salvador apresenta um caso crônico de calçadas estreitas, mesmo em áreas de urbanização recente.

Esta exposição tratou de ser analítica. Não abordou questões polêmicas, como a da internacionalização do design frente às manifestações culturais locais. Ou ainda o ponto que mais incentiva o Poder Público a adotar este modelo, que é a desoneração de seus custos com manutenção aliado à receita publicitária, e suas conseqüências na gestão terceirizada de elementos de uso público. Ou ainda a imagem da cidade e dos anúncios publicitários, ou a midiatização da arquitetura.

O que se averiguou foi a dimensão mais prática possível do artefato: a eficácia imediata em seu papel de proteger os passageiros de ônibus, para o clima de Salvador. Neste quesito, os modelos são ineficientes. Têm um desempenho inferior ao dos modelos “ultrapassados”. Acirrando esta contradição, do arrojado ser um contra-senso funcional, os modelos mais belos são justamente os que, no uso cotidiano, registram as cenas mais aberrantes.

O que é tecnologia? Uma anedota (provavelmente apócrifa) ilustra: os norte-americanos investiram uma fortuna para inventar uma caneta esferográfica para uso no espaço; nesse meio-tempo, os soviéticos usavam lápis. Onde está a tecnologia? Seguramente não na complexidade da confecção do objeto, mas na sua sintonia ao problema proposto. No caso das paradas de ônibus, ao abrigo e assento na espera do transporte de massa.

Isto redefine o problema. Trata-se, antes que produzir um abrigo barato ou resistente, um abrigo que de fato abrigue, como foco principal do problema, e que tenha baixo custo, resistência, facilidade de manutenção, e outras características mais. É nesta interface com o usuário que se deveria definir o objeto.

Entre os princípios e valores explicitados pela francesa JCDecaux em seu material oficial constam: a qualidade dos materiais utilizados; a qualidade da manutenção; estética dos mobiliários desenhados pelos maiores arquitetos e designers mundiais; a inovação permanente e o respeito pelo meio ambiente. A constatação prática está contida em seus princípios: um apuro com o design e com os materiais. Mas nada que remonta ao usuário. O ato falho é evidente. A mesma JCDecaux diz que dá “prioridade à transparência das superfícies, à pureza das linhas e à leveza das estruturas” (4). A Cemusa alardeia as mesmas qualidades de transparência. Acredita-se que a imaterialidade dos abrigos os acoplam melhor ao meio pré-existente. Questiona-se se em locais tropicais, de forte insolejamento, a transparência é bem-vinda ao usuário.

Há muitos casos e anedotas de elementos modernos aplicados em sociedades “atrasadas” onde a prática cultural dos usuários destoa do modo de usar o objeto. Como no caso real do uso das escadas drenantes em argamassa armada, do arq. João Filgueiras Lima, como escoamento do esgoto doméstico, com sérios problemas decorrentes disso. Estes são contrafluxos conhecidos na transferência mal sucedida de tecnologia.

Aqui não se trata disso. Os usuários sabem pegar ônibus, sabem esperar pelo mesmo, passam uma parte considerável de seu dia nos abrigos e no veículo. Não se trata de desajuste cultural. Ou de uma mentalidade diferente, provinciana, no manejo de artefatos modernos e importados. Não há uma defasagem cultural, nem se avaliou se havia algum confronto de ordem simbólica, que escapa sempre aos projetistas de elementos que se repetem pelo mundo afora, parte dos males inevitáveis da produção global de massa.

É um pouco pior.

Trata-se de um desenho inadequado em todos os sentidos à realidade mais material de Salvador, que é seu clima e a movimentação das pessoas. Ao descaso do Poder Público na escolha do artefato. Que resultou em um progresso do ponto de vista da confecção industrial e da gestão, e um retrocesso sensível naquilo que é mais importante – e na verdade o único que importa – para o usuário, que é a sua comodidade.

notas

1
Por sinal, uma experiência notável na RENURB (Companhia de Renovação Urbana de Salvador) em 1979 e depois na FAEC (Fábrica de Equipamentos Comunitários) em 1985, relacionada à pré-fabricação de mobiliário urbano, peças de infra-estrutura urbana e elementos para confecção de edifícios.

2
SANTOS, Milton. Espaço do cidadão. São Paulo, Nobel, 4ª edição.

3
Segundo depoimento do arq. Paulino Fukunaga, gerente de projetos da DESAL, que participava da equipe em 1979 que fez o primeiro ponto de ônibus pré-moldado.

4
Website oficial da JCDecaux do Brasil – www.jcdecaux.com.br.

sobre o autor

Daniel J. Mellado Paz é arquiteto e urbanista, formado pela Faculdade de Arquitetura da UFBA

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