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A relação entre as necessidades humanas e os recursos naturais disponíveis, fundamental para compreender o enorme risco da urbanização contemporânea, é o tema deste artigo


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VENDRAMINI, Paula Raquel da Rocha Jorge; BRUNA, Gilda Collet; DI CESARE MARGINI MARQUES, Juliana. Fragilidade ambiental das áreas urbanas: o metabolismo das cidades. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 059.03, Vitruvius, abr. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.059/472>.

A ação antrópica, fortemente concentrada nas cidades e em áreas rurais, gera grande impacto no meio ambiente tanto local quanto global. O aumento da população associado à diminuição de recursos naturais conduz as cidades, e o planeta como um todo, a uma situação de esgotamento iminente. Esgotamento de recursos não renováveis e degradação que ocorre no solo, água e ar. As áreas urbanas precisam ser então repensadas, de forma a minimizar esses impactos negativos e os crescentes processos de degradação.

Os recursos naturais precisam ser conservados para garantir a possibilidade das próximas gerações suprirem suas necessidades. Desenvolver e conservar o meio ambiente foi o binômio que gerou o conceito de desenvolvimento sustentável, muito discutido na Conferência Internacional Rio 92 onde foi ampliado, incluindo várias facetas da vida humana, destacando-se nestas a variável social, uma vez que a finalidade do desenvolvimento e da qualidade ambiental é o ser humano. Passa-se então a falar em desenvolvimento sustentável ampliado que abrange as variáveis como: ambiental e ecológica; social; política; econômica; cultural; espacial; e institucional (2).

Para complementar o entendimento deste conceito, torna-se necessário focalizar e compreender o que é meio ambiente. O senso comum associa a problemática ambiental com a fauna e a flora (3). Realmente as plantas e os animais são uma parte importante do meio ambiente, mas este é composto por outras dimensões: meio ambiente natural – onde se encaixam as matas, rios, mares ou florestas, entre outros –, meio ambiente artificial – cidades, áreas agrícolas ou praças e parques onde houve modificação de suas características naturais. E, mais ainda, pode-se focalizar o meio ambiente cultural – patrimônio histórico, arquitetura vernacular ou processos de manejo, ou uma das outras facetas acima mencionadas em relação à sustentabilidade expandida.

O objeto deste trabalho é o meio urbano e neste a ocorrência de meio ambiente natural é extremamente reduzida, destacando-se o ambiente construído, ou, em outras palavras, encontram-se com mais facilidade exemplos de meio ambiente artificial ou cultural. Mas isso não reduz a importância do meio ambiente natural para a cidade e seus cidadãos. É neste meio ambiente natural que está o banco genético que pode proporcionar remédios para doenças atualmente incuráveis e também é onde são mais facilmente absorvidos os resíduos gerados pelas cidades. Além disso, diversas atividades urbanas só são possíveis pela existência de recursos que não são produzidos ou extraídos nas cidades, mas no campo,embora os cidadãos comuns muitas vezes não estejam conscientes de seus impactos. A produção de energia e de alimentos são exemplos deste tipo de atividade.

A natureza sempre foi considerada um bem inesgotável, e de certa forma ela realmente o era frente à quantidade de recursos disponíveis. Ocorre, entretanto, que esta inesgotabilidade estava associada a uma população reduzida e um estilo de vida em que suas necessidades eram facilmente atendidas e seus dejetos naturalmente absorvidos. Mas, como todos os ecossistemas, este também tem uma capacidade limitada de recarga. Por outro lado as necessidades humanas estão cada vez maiores, o tamanho da população também cresce e se concentra cada vez mais em cidades e as reservas de meio natural estão cada vez menores. Configura-se que no limite dessa situação, se as necessidades humanas consumirem mais recursos que a capacidade de recarga dos ecossistemas existentes este planeta entrará em colapso.

Paralelamente observa-se que as populações humanas se concentram fortemente nas cidades e por isso, apesar destas ocuparem apenas de 1 a 5% do globo, suas áreas urbanas são pontos “quentes”, consumindo cem vezes mais energia que o equivalente rural, em área (4).

Eduardo Neira Alva (5) compara o funcionamento das cidades à segunda lei da termodinâmica dizendo que quando maior e mais poderosa ela for, mais dependerá de recursos externos e mais gerará impactos no seu entorno.

Este pensamento reitera a necessidade de repensar as cidades de forma a garantir seu desenvolvimento sustentável, onde o desenvolvimento econômico, a qualidade de vida de sua população e o meio ambiente em suas dimensões de sustentabilidade são primordiais.

Segundo Crispin Tickell, a natureza presta serviços insubstituíveis para a existência humana, pois

“dependemos de florestas e da vegetação, de um modo geral, para cultivar o solo para mantê-lo coeso e para regular o fornecimento de água através da preservação de bacias de captação e dos lençóis freáticos. Dependemos de solos férteis para decompor os poluentes e dependemos dos nutrientes para a reciclagem e destino final do lixo. Não há substituto à altura desses serviços naturais, todos eles constituem partes do apoio e sustentação de um sistema urbano.” (6)

Ainda na visão de Tickell (7), “as cidades são como organismos que absorvem recursos e emitem resíduos”. E é sob este prisma que se considera o metabolismo urbano das cidades aqui analisado, como forma de compreender o impacto de seus processos no meio ambiente.

O metabolismo das cidades

A cidade precisa de insumos para manter sua população e seus processos produtivos: a energia em suas diversas formas, tais como elétrica ou combustível para os automóveis, os alimentos, sejam eles de produção agropecuária ou industrializados, produtos de consumo, tais como eletrodomésticos ou material de escritório, matérias primas e água. A produção ou extração de cada um desses insumos impacta de forma mais ou menos intensa na área onde está localizada. Essas áreas impactadas somadas formam uma parte do que é conhecido como a pegada ecológica da cidade.

Na outra ponta do processo, a cidade emite resíduos. A poluição do ar, os efluentes líquidos, os resíduos sólidos e os produtos químicos precisam de uma área natural capaz de assimilá-los. Estas áreas somadas formam a outra parte da pegada ecológica.

Então, o que vem a ser pegada ecológica? Em uma cidade, esta pegada é vista como a área impactada no processo de produção de seus insumos – necessários à vida humana – somada ainda à área necessária para a deposição e a assimilação de seus resíduos.

Na verdade, o conceito de pegada ecológica pode ser utilizado em diversas escalas, seja a individual seja planetária.

Sobre esta questão, a explicação dada pela equipe da organização “Urban Ecology Austrália” (8), da qual Hebert Girardet, é membro é a seguinte:

“A pegada ecológica é uma ferramenta muito simples para nos dizer quanta natureza temos, quanta usamos. Nós precisamos olhar para a pegada ecológica para olhar para a saúde dos serviços ecossistêmicos que suportam nossa economia. Nós podemos fazê-lo no nível global, no nível nacional, no nível municipal ou até no nível individual”.

Com estas considerações pode-se analisar o metabolismo das cidades do século XX como um metabolismo linear, onde são recebidos insumos e emitidos dejetos quase que indiscriminadamente. Pode-se então representar esse metabolismo graficamente tal como o fez Girardet (9).

Nestas, o consumo de energia é bastante elevado. A energia elétrica que abastece as cidades brasileiras vem majoritariamente de fontes pouco impactantes tais como hidrelétricas – embora produzam impactos nas áreas inundadas, com alteração de microclima, remoção de assentamentos humanos, perda de fauna e flora – mas, em termos mundiais, a maior parte da produção de energia utilizada nos centros urbanos – principalmente nos países desenvolvidos – é de origem termoelétrica, o que pressupõe a utilização de combustível, majoritariamente carvão e não raro, também com o uso de energia nuclear, com impactos previsíveis no habitat, como poluição atmosférica e perigo de contaminação nuclear.

Além da energia elétrica, a cidade consome combustível para abastecer os meios de transporte, nomeadamente o individual. A maior parte desse combustível é fóssil, logo não renovável, e seu consumo causa poluição que produz efeitos indesejados principalmente para o clima mundial, além de não ser renovável.

Os alimentos também são insumos importantes das cidades mesmo porque para a industrialização utilizam energia e matérias primas da agro-pecuária. A área agrícola, por sua vez, produz um impacto negativo que pode ser danoso para a biodiversidade e muitas vezes para a qualidade do solo – na medida em que usa agrotóxicos e elimina elementos das cadeias de flora e fauna – diminuindo a fertilidade e, no caso da pecuária, compactando o solo, tornando-o menos permeável e menos fértil. Áreas de floresta quando são desmatadas por queimadas, para darem lugar à pecuária ou agricultura, por vezes ficam com o solo quimicamente tão empobrecidos que passam a não ter mais condições de receber novas culturas ou reflorestamento.

Paralelamente, as trocas de mercadorias produzidas em outras partes do mundo são insumos importantes nas cidades e para a riqueza das nações e regiões. Esta com seus produtos de características específicas têm lugar certo no mundo globalizado em que estruturam cadeias de centros urbanos de diversos graus de importância. Estes produtos atendem às necessidades humanas e propiciam o desenvolvimento econômico e social. Em contrapartida, o modo de vida que valoriza o consumo fomenta maior necessidade de mercadorias para a satisfação dos desejos humanos, impulsionando o ciclo de produção, crescimento de bens e serviços e desenvolvimento.

Na cidade, enquanto insumos, estes produtos são metabolizados, isto é, absorvidos tanto por seus habitantes quanto pelos processos produtivos como elementos imprescindíveis ao funcionamento de um núcleo urbano, que precisa consumir em prol das atividades de seus sistemas de transporte, abastecimento, industrialização, dentre outros.

Como já mencionado, no outro lado deste processo de produção de insumos para as cidades encontra-se o processo de saída de resíduos: desde o lixo residencial – parte composto por resíduos orgânicos, parte por embalagens e produtos sem serventia – até o lixo industrial e hospitalar – por vezes químicos que demandam cuidados especiais no tratamento e disposição – e também os efluentes líquidos que não raramente são jogados in natura nos corpos d'água, sendo posteriormente absorvidos pelo solo com eventuais efeitos danosos aos organismos vivos, e ainda os resíduos gasosos que se dissipam no ar recolhendo gases tóxicos resultantes de todos esses processos e transformando-se em chuvas ácidas ou em bloqueios para a respiração da fauna e flora.

Aqui descrita, esta é a forma de metabolismo que ocorre nas cidades e que tem produzido a situação de insustentabilidade ambiental em que se vive hoje, embora muitos a desconheçam. Suas pegadas não se restringem ao seu entorno, mesmo porque as cidades se vinculam a outras cidades, formando sistemas que atuam conjuntamente, aumentando as trocas nos dois ramos deste metabolismo, tanto da produção como dos resíduos. Há assim uma rede de cidades que se vinculam a determinados pólos regionais e este sistema de metabolismo se alarga. Algumas destas regiões caracterizadas como metropolitanas geram problemas específicos em ambos os lados desta cadeia e demanda por isto especial atenção dos poderes públicos. Outras vezes estas regiões passam mundialmente a serem entendidas como mega cidades cujo metabolismo é projetado como efeito de um único centro urbano de escala gigantesca, tanto em termos de população – em torno de 20 a 30 milhões de habitantes – como em termos de extensão de área ocupada. Embora reconhecidas em pequeno número – como Cidade do México, São Paulo e Tóquio – são suficientemente produtoras de resíduos e de impactos ambientais negativos também no lado da cadeia produtiva de insumos, como mencionado.

Esta ocupação urbana, como se vê, deixa traços no território que podem ser reconhecidos por alguns de seus efeitos, como a fumaça oriunda de queimadas para preparo de território para algum tipo de ocupação, ou nuvens cinzentas mostrando o acúmulo de poluição industrial no ar, ou áreas plantadas danificadas por chuvas ácidas, dentre outros. Estão ocorrendo assim alterações profundas no mecanismo de vida sobre este planeta Terra, as quais vêm lentamente produzindo um aquecimento da temperatura média global, principalmente por meio da introdução constante de gás carbônico no ar, como resultado desse metabolismo ecológico.

Será então que cada cidade deve buscar corrigir essa situação? Há quem ache que esta correção vem atrasar seu desenvolvimento econômico. Mas, o fato é que estudiosos acham necessário que todos os países adotem medidas que possam corrigir essa situação de aumento de resíduos e decorrentes impactos negativos. Por isto foram realizadas várias reuniões por entidades internacionais liderados pela Organização das Nações Unidas, propondo medidas a serem adotadas pelas nações que participaram desses encontros. Mas nem todos os países concordaram em assinar as convenções propostas, como ocorreu com a Convenção sobre o Clima assinada na cidade de Quioto no Japão.

Assim, há dificuldades enormes para gerir o controle dessa poluição e talvez seja importante dar espaço para que soluções possam ser adotas em algumas cidades, originando efeitos em cadeia e se estendendo pelo planeta. Este é o argumento desenvolvido por Hebert Girardet (10), propondo um metabolismo circular em que aquela entrada de insumos feita linearmente no modelo anterior, possa ser diminuída por meio de controle de entrada de energia e maximização de reciclagem, conseqüentemente reduzindo a produção de resíduos. Este mecanismo ecológico circular é representado no esquema abaixo.

Analisando este esquema acima pode-se focalizar várias etapas do processo de entrada, como suas conseqüências na saída do modelo. Verifica-se assim, em primeiro lugar uma procura de redução acentuada no uso de energia, procurando um aumento da eficiência energética, de forma que as perdas sejam menores, os aparelhos eletrodomésticos e máquinas de produção consumam menos, além de, necessariamente o cidadão adotar um modo de vida mais adequado, consumindo menos energia. Se o cidadão estiver consciente do valor dessa modificação, é sempre possível iniciar o processo que, se acompanhado por indicadores, mostre as vantagens em termos de diminuição de impactos negativos. De uma certa forma, uma experiência similar foi feita há dois anos no Brasil quando, devido à escassez de chuvas teve-se que reduzir o consumo de energia – basicamente gerada em hidrelétricas. Outra forma de conseguir uma diminuição deste impacto negativo pode ser encontrada quando as nações adotem uma matriz energética diferente, ou seja, em que haja um balanço entre a quantidade de energia produzida por hidrelétricas, termoelétricas, solar, eólica e assim por diante, procurando maximizar a produção mais limpa e renovável de energia, ou seja, com menor geração de efeitos poluidores.

Outras possibilidades de alterar essa entrada no modelo de metabolismo circular podem, por exemplo, estar associadas aos tipos de transportes urbanos que venham a adotar combustíveis mais limpos e veículos com novas tecnologias renováveis e menos poluentes, contribuindo assim também para se vivenciar um desenvolvimento mais sustentável. Este pode ser melhorado com maior utilização de transportes públicos em relação ao individual e com um sistema urbano de centros locais que minimizem a necessidade de grandes percursos trabalho-residência, consumo de conveniência e oferta de serviços locais como educação e saúde. Um sistema de transporte mais fluído, onde o número de freadas e acelerações diminua e o tempo de viagem seja reduzido também diminui o consumo de combustível, a emissão de resíduos, aumentando o conforto do passageiro e permitindo estabelecer as adequadas ligações entre cidades, regiões e nações.

Em termos urbanísticos pode-se associar ainda o próprio desenho das cidades que podem ser pensados para terem um papel importante, por exemplo, melhorando a insolação e reduzindo gastos com climatização, gerando caminhos de ventos adequados para manter um equilíbrio climático, e assim por diante.

Em termos de alimentos também é possível alterar o metabolismo tornando-o circular. É possível procurar diminuir o desperdício como uma forma mais imediata de conseguir tal redução. Também, o transporte, o armazenamento e a distribuição de alimentos são etapas onde o desperdício bastante acentuado pode ser alterado e o mesmo pode se dar com o consumo. De grande auxílio nessas mudanças comportamentais pode ser a legislação de 1998 que institui a obrigatoriedade de Educação Ambiental que pode ser uma ferramenta muito eficiente ao promover a conscientização do indivíduo e a conseqüente mudança de postura – do cidadão e da família – frente à produção, consumo e descarte de alimentos. A mudança de hábitos de consumo pode ainda contribuir para alterar a extensão das áreas necessárias para a produção de alimentos, ou mesmo para uma seleção do que produzir seja em tipos de grãos, culturas, dentre outros.

Ainda neste modelo metabólico pode-se focalizar a necessidade de diminuir a quantidade de mercadorias que entrem em uma cidade, diminuindo a pegada ecológica e tornando o metabolismo circular. Inúmeras são as formas que poderiam ser usadas para atingir tal objetivo. A mudança de valores que decorre naturalmente da conscientização ambiental pode levar o cidadão a repensar sua necessidade de consumo de determinados bens, re-valorizando uma outra postura. A utilização de produtos até o final de sua vida útil também é outra forma de diminuir tanto a necessidade de entrada de mercadorias, quanto à quantidade de resíduos gerada. A reciclagem de produtos e de embalagens por sua vez, pode tornar menor a quantidade de matéria prima necessária para a indústria, diminuir a mineração e a extração de materiais da natureza, diminuir a quantidade de energia necessária e diminuir ainda a poluição gerada no momento da produção.

Por sua vez, uma política de incentivo ao aumento da durabilidade dos produtos pode reduzir a necessidade de novas aquisições e alterar a quantidade de resíduos gerada, o que, em última instância está associado à adoção de determinado tipo de sistema “do berço ao túmulo” (11), onde a empresa que produz é responsável pelo recolhimento e destino correto dos produtos por ela fabricados.

Do outro lado – saída – do metabolismo circular, observa-se que os resíduos da cidade, conseqüentemente à redução na entrada, também sofrem reduções significativas, obtendo-se redução de poluição por inúmeras medidas.

A poluição do ar em cidades pós-industriais é produzida na maior parte pelos veículos movidos a combustíveis fósseis. Diminuir essa poluição, como explanado acima, passa pela substituição de combustível por outro menos poluente e renovável e, pela melhora da eficiência nos transportes. As indústrias têm um papel menor nesse impacto, porém, legislações que estimulem o controle da poluição seja por meio do uso de novas tecnologias, seja pela adoção de filtros no processo de produção, pode contribuir grandemente para a qualidade do ar.

A poluição da água por vezes é decorrente do descaso com relação aos efluentes. Estes precisam ser recolhidos e tratados de maneira apropriada, antes de serem devolvidos aos corpos d'água. Outra forma muito comum de contaminação da água é a transferência para esta, da poluição do ar e do solo, muitas vezes só sendo medida pelos estados de morbidez ou outros processos infecciosos que se alastrem pelos assentamentos humanos. Observa-se que a atmosfera ácida é “lavada” pela chuva que carrega essa acidez para os corpos d'água e para o solo, atingindo construções e a natureza. Ocorre ainda outro tipo de poluição hídrica quando a água carreia resíduos e produtos químicos industriais do solo para lugares distantes da fonte poluidora, gerando os conhecidos brownfields. A associação de duas ferramentas – legislação e educação ambiental – pode ser muito útil para amenizar o problema da poluição da água e suas conseqüências.

Os solos urbanos também passam pelo problema da poluição ao se tornarem brownfields, que Sánchez (12) define como edifícios ou terrenos desocupados e freqüentemente contaminados; estes são o “passivo ambiental” de poluição dos solos mais significativo das cidades que tiveram ou ainda têm industrias. Alguns países entre os mais desenvolvidos têm programas especiais para a redução do número e da periculosidade desses terrenos degradados. De todo modo, além de se tratar do problema dos brownfields existentes, deve-se desincentivar o aparecimento de outras áreas com este tipo de problema.

Não se pode esquecer ainda outra importante fonte de contaminação dos solos que são os dejetos, sejam na forma dos esgotos – que muitas vezes correm ao ar livre ou são acumulados em fossas construídas de forma inadequada ou em terrenos que não as comportam – ou dos lixões que ocorrem em terrenos sem preparo algum para recebe-los e contaminam a terra com seu chorume e o ar com os gases que produz.

Mas, diante das desigualdades sociais crescentes, há países que destacam enfatizando um outro tipo de poluição, como fala a ex Primeira Ministra da Índia, Indira Gandhi, que esteve presente na convenção de Estocolmo em 1972: “O pior tipo de poluição é a miséria”. PLA AMB 158

No Brasil os esforços mais recentes para o controle da poluição estão se orientando pelo princípio do Poluidor Pagador (Lei nº 9.433/97). Ou seja, as atividades que não respeitarem as legislações ambientais e continuarem poluindo devem pagar por essa quantidade de poluição que geram. Desse modo vê-se essa legislação ao mesmo tempo como controladora da poluição à medida que a coíbe e educadora, à medida que obriga aquele que a produziu a ressarcir sua má ação arcando com os custos da limpeza de sua poluição.

Para completar esse metabolismo circular, é preciso ainda falar dessa parte circular. Pode-se visualizar no esquema a idéia que prevê que parte do resíduo que deixa as cidades no metabolismo linear seja reaproveitada no metabolismo circular, servindo-lhe de insumo, ao mesmo tempo em que compõe uma componente cíclica do sistema.

Nesse sentido, por exemplo, os efluentes líquidos, que são resíduos, podem gerar vários insumos para as cidades se devidamente tratados. Este é o caso da geração de água para reuso – em sanitários, rega, limpeza – ou para ser devolvida sem causar impacto negativo a cursos d'água. Ainda, algumas formas de tratamento de esgoto permitem a coleta de gás combustível e a separação do lodo que é um nutriente facilmente utilizável na agricultura.

Os resíduos sólidos por sua vez, também são passíveis de serem transformados em elementos úteis. O lixo orgânico se devidamente separado pode, através do processo de compostagem, tornar-se terra rica em nutrientes. Os quatro materiais clássicos de reciclagem – vidro, plástico, papel e metais – quando separados apropriadamente geram empregos nos processos de coleta e seleção, além de reduzirem a necessidade de mineração e extração de matéria prima, e, como já citado, reduzem também a necessidade de energia que seria despendida nos processos produtivos e diminuindo simultaneamente o volume do lixo urbano.

Já o lixo inorgânico que não pôde ser aproveitado na compostagem ou na reciclagem pode ser incinerado em um processo altamente assistido, onde se controle a emissão de poluentes e se utilize o calor produzido para gerar energia elétrica. Este recurso já é realidade em algumas cidades de países desenvolvidos onde os resíduos se reduziram praticamente à cinzas inertes.

Pode-se ainda utilizar um incentivo à criação de bolsas de resíduos como outra forma de se reduzir a saída de dejetos e a entrada de materiais numa cidade. As aparas, sobras ou subprodutos de alguns processos produtivos, que seriam lixo, através do processo de divulgação e disponibilização, passam a serem tratados como insumo em outro processo produtivo, diminuindo a pegada ecológica das duas empresas.

Observa-se que já ocorre que, em alguns casos, o projeto dos produtos de empresas que têm uma visão mais abrangente da problemática ambiental deve e acaba por se adaptar à nova tendência em que se pensa o produto “do berço ao túmulo”, ou seja, a partir de sua produção até seu recolhimento, desmontagem e reuso ou reciclagem total ou de componentes. Sob esta mesma ótica, cabe incentivar o aumento do tempo de vida dos produtos associado à uma mudança de valores da população que privilegie a manutenção e o reuso dos bens.

Considerações finais

As cidades tais como são hoje têm pegadas ecológicas muito grandes. A produção de energia, alimentos e mercadorias causam um impacto negativo intenso em uma área extensa de meio ambiente natural. Os dejetos produzidos no interior das áreas urbanas também são muitos e são despejados na natureza na maioria das vezes sem cuidados, aumentando os impactos negativos e as pegadas ecológicas das cidades.

Porém existem ferramentas para a redução desses impactos. Existem tecnologias disponíveis para produção de insumos de forma mais limpa e para disposição de resíduos de forma a impactar menos o meio ambiente, tanto pelo isolamento ou neutralização do que poderia ser tóxico, quanto pelo tratamento e reaproveitamento de energia nutrientes e materiais contidos no “lixo”.

Para que se transforme o funcionamento das cidades em um metabolismo circular é necessário que haja um movimento por parte do Estado, dos empreendedores e do cidadão no sentido de buscar o conhecimento de tecnologias e know-how que mitiguem ou até anulem os impactos das atividades existentes nas cidades.

notas

1
Este trabalho foi apresentado no workshop Clusters Urbanos, organizado pelo curso de pós-graduação em urbanismo na Universidade Mackenzie, 2 e 3 de agosto de 2004, em São Paulo. Os artigos desta série são os seguintes:

2
Cf. BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; RIBEIRO, Luiz Alberto de Leers Costa (coord.). Infra-estrutura e Integração Regional. Brasília, Ministério do Meio Ambiente / Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais / Consórcio Sodontécnica/Crescente Fértil, 1999, p. 50

3
Cf. TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século XXI. Rio de Janeiro, Sextante, 2003, p. 76.

4
ODUM, 1988. In: FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo, Anablume / FAPESP, 2001, p. 65.

5
ALVA, Eduardo Neira. Metrópoles (in) sustentáveis. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1997, p. 60.

6
TICKELL, Crispin. “Introdução”. In: ROGERS, Richard. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona, Gustavo Gili, 2001, p. VI.

7
Idem, ibidem, p. II.

8
URBAN ECOLOGY AUSTRÁLIA. Disponível em: www.urbanecology.org.au (acesso em outubro de 2004).

9
GIRARDET, Hebert. Apud ROGERS, Richard. Op. Cit., p. 30.

10
Idem, ibidem, p. 30.

11
SÁNCHEZ, Luis Enrique. Desengenharia: O passivo ambiental na desativação de empreendimentos industriais. São Paulo, Edusp., 2001, p. 160.

12
SÁNCHEZ, Luis Enrique. Op. Cit., p. 25.

sobre os autores

Paula Raquel da Rocha Jorge Vendramini, Arquiteta e Urbanista, mestranda no Programa de Pós em Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie

Gilda Collet Bruna, Arquiteta e Urbanista, Mestre, Doutora e Livre-docente, Coordenadora e Professora do Programa de Pós em Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie

Juliana Di Cesare Margini Marques, Arquiteta e Urbanista, mestranda no Programa de Pós em Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie

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