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Ronaldo de Azambuja Ströher analisa a fachada frontal da Villa Stein, em Garches, nos arredores de Paris, projetada por Le Corbusier em 1927


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STRÖHER, Ronaldo de Azambuja. A fachada frontal da Villa Stein: um exorcismo corbusiano. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 065.05, Vitruvius, out. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.065/417>.

A fachada frontal da Villa Stein, em Garches, nos arredores de Paris, projetada por Le Corbusier em 1927, sempre me pareceu uma composição estranha: o jogo de elementos que a estruturam e a relação com a fachada de fundos deixam no ar uma inquietação que, certamente, justificaria um estudo aprofundado. Mas, como bem o sabemos, a quantidade de obras importantes por ele projetadas contribuiu, até pouco tempo, para distrair a atenção daquelas que pareciam mais difíceis de interpretar.

Escritos mais recentes de estudiosos como Colin Rowe (2) e Alan Colquhoun (3) foram, de certa forma, fundamentais para o estabelecimento de uma nova leitura sobre a obra corbusiana.

Ao fazer um trabalho sobre um texto escrito por Colin Rowe e Robert Slutzky intitulado Transparency: literal and phenomenal (4), o exame mais aprofundado da Villa Stein me forçou a reconhecer a potência da fachada frontal e, de certa maneira, acabou subvertendo o objetivo da análise a que eu me havia proposto.

E essa subversão viria, de certa maneira, confirmar os comentários feitos por Fernando Perez Oyarzun a respeito de conteúdos implícitos e não necessariamente evidentes que muitas obras suscitam e que, de maneira mais marcante nos prédios-manifesto de Le Corbusier, fazem com que eles sejam passíveis de múltiplas e continuadas interpretações – interpretações que, tal como a leitura de um campo magnético ou campo de forças invisíveis, extrapolam de maneira notável a simples observação e descrição dos elementos de arquitetura, de composição e da técnica, evidenciados na obra (5).

Ao longo da argumentação, Rowe/Slutzky salientam a importância da visão frontal que Le Corbusier concede às fachadas da frente e do jardim em Garches. Ressaltam, também, a imponência da fachada dianteira na qual a presença da fenêtre en longueur de lado a lado, em dois pavimentos e com pouca altura, rompe a rigidez do paralelepípedo fechado, possibilita a equivalência dos planos de vidro com os de alvenaria, e exacerba o efeito do jogo de planos e tiras, permitindo essa interpretação particularmente cubista.

Essa leitura do processo projetual que Le Corbusier emprega em Garches, considera o volume proposto como uma espécie de fatiamento de planos e porções de espaço, tanto vertical quanto horizontalmente. Os desenhos de Bernard Hoesli, com respeito a essa interpretação, mostram um comparativo do processo aplicado ao quadro purista de Le Corbusier e a sua utilização de planos/superfícies em Garches.

Mas por mais que se possa concordar com a intelectualidade dessa visão, parece impossível deixar de interpretar a proposta de Le Corbusier, recorrente em boa parte de suas obras, como um volume que, mais do que composto por planos e fatias de espaço, é constituído por uma caixa que ao ser escavada e, por assim dizer, decomposta, começa a perder sua integridade, sem que possamos, no entanto, ignorar sua natureza volumétrica, mesmo com o acréscimo de elementos tais como escadas, sacadas, marquises, etc. Esse processo fica claramente evidenciado ao examinarmos projetos como o de suas duas casas em Stuttgart, ou como o de sua paradigmática Villa Savoye.

A Villa Stein, vista dos fundos, apresenta também essa possibilidade de interpretação: uma interpretação onde se constata uma espécie de desmantelamento das partes e elementos a partir de uma caixa fechada, e como tal, nos permite a proposição de um outro desenvolvimento de planos e volumes.

Apesar de Rowe e Slutzky terem insistido no efeito planar da fachada, até pela constância com que Garches é fotografada ortogonalmente, uma das possíveis interpretações volumétricas da composição corbusiana, em que as fenêtres en longueur dobram-se nas laterais, parece sugerir a idéia de que as desconsideradas fachadas laterais têm um papel fundamental como superfícies de passagem para um novo estado edificado que encontraremos no fundo do prédio.

Dentro dessa hipótese, teríamos de considerar a fachada frontal como uma espécie de plano dobrado ou máscara que contêm e circunda, por três lados, uma complexa soma de espaços e elementos, permitindo, pelo quarto lado (isto é, pela fachada do jardim), a visão de toda essa complexidade interna.

Na verdade, no projeto em Garches, além da imponência e da tensão frontais, chama a atenção o inesperado contraste com a fachada traseira, a ponto de imaginarmos que se tratam de casas diferentes. E isto não acontece apenas pela estratégia de desmantelar a caixa. Na maioria dos casos, Le Corbusier realiza esse processo mantendo o lado fechado, ou aquele em que melhor se identifica o sólido, como uma figura neutra onde as inserções e as aberturas conformam-se a regras facilmente inteligíveis. Tal não é o caso de Garches.

Nos desenhos de fachada da Villa à Garches publicados na Oeuvre Complète (6), Le Corbusier preocupa-se em demonstrar a pureza geométrica do retângulo áureo onde elas estão inscritas, juntamente com seus tracés régulateurs. E é justamente nestes desenhos que ficará clara a falta de parentesco entre as duas fachadas.

Ao recorrermos, mais uma vez, a outro artigo (7) de Colin Rowe – The Mathematics of the Ideal Villa – veremos o paralelo que ele estabelece entre a Villa Stein e a Villa Foscari (Malcontenta), de Andrea Palladio, enfatizando as proporções adotadas em ambos os projetos. Embora o enfoque de Rowe esteja mais centrado na planta e na distribuição espacial do que nas elevações, ele não deixa de observar algumas características marcantes das fachadas de Garches onde “observa-se uma permanente tensão entre o organizado e o aparentemente fortuito”.

Considerando a contraposição entre uma fachada pública e propositadamente imponente, e outra, muito mais doméstica e coloquial, poderíamos – já que Rowe não o fez de maneira específica – equiparar Garches à Malcontenta, para enfatizar a diferença entre a fachada formal, com pórtico e munida com toda a imponência que convém à visão de quem chega pelo canal de Brenta, e a fachada oposta, voltada para a alameda, onde a rigidez é drasticamente diluída por conta de um frontão simplesmente aplicado sobre o reboco (quase rabiscado, poderíamos dizer) e interrompido pela curva da grande janela termal.

É claro que essa comparação exige a lembrança de pelo menos uma das diferenças entre os dois projetos, pois o terreno da Malcontenta é mais largo e o canal de Brenta faz uma inflexão que permite a completa visão de um dos lados da casa, o que não acontece em Garches, onde Le Corbusier, ao implantar o prédio retangular no sentido oposto ao retângulo do estreito lote, quase bloqueia o terreno e privilegia o “fachadismo”.

Nesse gesto de quase fechar o terreno, Le Corbusier possibilita que se interprete o prédio mais como uma residência urbana do que como uma Villa suburbana, já que o conceito da visão frontal seria pertinente num edifício colocado entre medianeiras, onde os futuros vizinhos provavelmente encostariam seus prédios nas laterais, destruindo qualquer tentativa de valorização dessas fachadas utilitárias.

Na Oeuvre Complète, Le Corbusier apresenta alguns croquis, feitos em 1926, onde didaticamente mostra um estudo anterior para o projeto de Garches, em que o edifício está colado a uma das divisas do terreno, além de estender-se para frente através de um corpo anexo transversal ao bloco principal. Talvez sua opção definitiva pelo objeto isolado possa ser explicada pela conscientização de que aquela fachada na divisa, ao contrário do que acontece nas cidades, dificilmente seria encoberta por alguma construção vizinha. De qualquer maneira, a atitude de contrapor o retângulo da planta do prédio ao do terreno até perto das divisas laterais, além das razões de orientação solar, poderia ser interpretada como a busca do objeto autônomo, típica da doutrina modernista. Além disso, as laterais livres seriam importantes para a qualificação das fenêtres, que mais do que as convencionais aberturas na parede maciça, dobrar-se-iam para ampliar a propaganda de um dos pontos básicos da doutrina corbusiana.

Não obstante muitas das casas de Le Corbusier serem urbanas e várias delas mostrarem a grande testa frontal, o resultado de Garches é completamente insólito, denunciando a formação clássica do arquiteto (8) com uma veemência que, acredito, dificilmente veremos em outro projeto seu. O fato da fachada frontal prestar-se muito bem como ilustração de um retângulo bem proporcionado, no qual estão inseridos outros retângulos menores, por vezes invertidos, com a mesma proporção, parece ultrapassar a importância da comprovação da fenêtre en longueur. No entanto, estaríamos errados ao afirmar que essas listas horizontais são pouco importantes, já que, somadas ao balcão central superior, conferem ao prédio toda a imponência e majestade que poucos edifícios do mesmo porte, incluídos os clássicos, alcançaram. Esse balcão/tribuna, que parece querer transformar a Villa num ciclope, age como um elemento que puxa a composição para cima e é fundamental para o estabelecimento da metade clássica superior, que é contestada pela desordem inferior, onde além dos elementos – pequena sacada e marquise – que perturbam a fenêtre do primeiro pavimento, as cinco aberturas do pavimento térreo são diferentes e, de certo modo, conflitantes.

A fenêtre do lado direito obedece à regra de suas irmãs superiores até o ponto em que precisa ceder espaço para a nova regra que Rowe assinala, isto é, a alternância da proporção 2:1:2:1:2. A faixa vertical representada pela parede, que pretende implantar a nova regra onde o lançamento estrutural (em vez do espacial) poderá aparecer, acontece de maneira um pouco frustrante, posto que a porta de acesso, bastante larga, não chega a afirmar a verticalidade mas, ao contrário, por ter sua verga coincidente com a da fenêtre, acaba ressaltando a linha horizontal. Essa sensação é também reforçada pela marquise que sobressai corajosamente do edifício e que marca, com sua base, uma nova linha horizontal que caracterizará a esquadria central, em rigoroso alinhamento vertical com a tribuna.

Essa esquadria central, definida como um retângulo equivalente ao da tribuna superior, parece ter sido planejada justamente para compor uma nova ordem, dessa vez, vertical. No entanto, a colocação de uma outra esquadria, com as mesmas proporções, na extremidade esquerda do prédio, distrai a possibilidade de centralização e acaba por tornar mais clara a continuidade da linha horizontal da base da marquise. O balcão individual que pretende equilibrar a marquise, não obstante definir-se num quadrado, também ajuda a reforçar a horizontalidade.

Mas as novas linhas horizontais, definidas pelas vergas das esquadrias e base da marquise e do pequeno balcão, são desafiadas por mais três pequenos elementos que encerram a composição. Trata-se da porta de serviço, rebaixada e de duas esbeltas janelas superiormente alinhadas com a verga da porta. O rebaixamento da entrada, pelo que nos mostra o exame da planta, parece limitado pela altura da escada interna e pela condição de passagem sob ela. E embora não seja a intenção deste trabalho questionar a tortuosa planta da Villa Stein, acredito que não passaria pela cabeça de qualquer crítico duvidar da capacidade de Le Corbusier para resolver os problemas funcionais com que se defrontou. Assim, mesmo que nos vejamos tentados a pensar que aquele trio de pequenas aberturas foi o resultado de uma fadiga do esforço de composição e o conseqüente abandono, ou então, uma intervenção posterior, execrada pelo arquiteto, ele parece estar em perfeita consonância com a estratégia de redução do classicismo superior.

Mais do que isso, esses três elementos incômodos da Villa Stein parecem querer dizer que a composição global admite e, propositadamente, tira partido da contradição e da pluralidade dos elementos. Assim, ao forçar a desarmonia dos elementos da fachada frontal, negando as possibilidades modernistas que a tranqüila fachada de fundos oferece, Le Corbusier parece querer afirmar que aos arquitetos de sua geração, a tentação do classicismo precisa ser exorcizada.

notas

1
O trabalho destinava-se a comentar aspectos abordados pelo prof. Fernando PÉREZ OYARZUN, em palestras proferidas em junho de 2000, no PROPAR/UFRGS

2
ROWE, Colin. The mathematics of the ideal villa and other essays. Cambridge, 1995; ROWE, Colin e SLUTZKY, Robert. Transparence reele et virtuelle. Paris, Éditions du Demi-Cercle, 1992

3
COLQUHOUN, Alan. Essays in architectural criticism. Cambridge, The MIT Press, 1991

4
O artigo foi escrito em 1955, quando os dois autores eram professores da Universidade do Texas, e publicado pela primeira vez em 1963, na revista Perspecta, da Universidade de Yale. Esse artigo, posteriormente reeditado no livro de Colin Rowe, The mathematics of the ideal villa and other essays, teve sua publicação inicial adiada em virtude da resistência dos editores anglo-saxãos (tendo sido, inclusive, recusado pela Architectural Review, que já havia publicado outros artigos de Rowe), provocada pela comparação desfavorável entre o prédio da Bauhaus em Dessau, de Walter Gropius, e dois trabalhos de Le Corbusier – a Villa Stein em Garches e o projeto não executado para a Liga das Nações em Genebra. Traduzido para o francês, na forma de livro, esse artigo ganhou comentários interpretativos de Werner Oechslin e Bernard Hoesli em textos presentes em ROWE, Colin e SLUTZKY, Robert. Op. cit.

5
PÉREZ OYARZUN, Fernando. Citações em palestras proferidas no PROPAR/UFRGS. Porto Alegre, jun. 2000

6
LE CORBUSIER e JEANNERET, Pierre. Oeuvre complete – 1910-1929. Zurich, Les Éditions d’Architecture Erlenbach, 1946

7
Artigo esse que, bem mais famoso, dá nome ao livro em que está publicado o texto ao qual me referi anteriormente

8
Richard Padovan, depois de lembrar que Le Corbusier foi o único dos pioneiros do Movimento Moderno “que coloca os sistemas de harmonia e proporção no centro de sua filosofia projetual”, lembra que não obstante o princípio dos traçados reguladores já ter sido anteriormente aplicado, em prédios como as casas La Roche-Jeanneret, a Villa Stein é o único prédio dentre os cinco exemplos de sua obra inicial, que o arquiteto usa para ilustrar seu livro Le Modulor. PADOVAN, Richard. Proportion. London, E & FN Spon, 1999, p. 317-320

sobre o autor

Ronaldo de Azambuja Ströher, arquiteto, mestre e doutorando pelo PROPAR/UFRGS.

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