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architexts ISSN 1809-6298


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Eduardo Subirats discute a importância dos museus brasileiros a partir das impressões deixadas por uma palestra proferida na Bienal de Veneza por Olivia de Oliveira a respeito do Museu de Arte de São Paulo, projeto de Lina Bo Bardi


how to quote

SUBIRATS, Eduardo. O Brasil dos museus brasileiros. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 069.00, Vitruvius, fev. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/374/pt>.

Há um ano, na Bienal de Veneza, tive a oportunidade de ouvir uma emocionante conferência sobre a arquitetura e o projeto intelectual do Museu de Arte de São Paulo de Lina Bo. A numerosa audiência de arquitetos e estudantes ficou comovida com a riqueza da análise arquitetônica e iconográfica, e se deixou seduzir pela apaixonada identificação da conferencista, a jovem arquiteta e crítica paulista Olívia de Oliveira, com o projeto intelectual e artístico que Lina cristalizou neste monumento. Ao final da conferência, Olívia deixou no ar um delicado mas inequívoco protesto contra a desmoralizadora deterioração deste museu ou, melhor, contra sua voluntária destruição. O público ficou desolado.

O que aconteceu com os museus do Brasil, ontem tão imponentes em sua perfeita elegância construtiva, como o de Affonso Eduardo Reidy no Rio de Janeiro, romântico até o delírio como o Jardim Botânico do Museu Emilio Goeldi em Belém do Pará? O que aconteceu com os museus apaixonadamente inovadores, provocadores, pioneiros, reformadores e reveladores como o Museu da Arte Popular que Lina fundou na Bahia e que a ditadura militar fechou imediatamente depois com soldados e canhões? O que aconteceu com as Bienais paulistas, que em outros tempos eram um iniludível centro cristalizador da consciência artística mais consciente da América Latina?

Analisar as causas da decadência deste amplo leque museográfico brasileiro, desde seus pressupostos econômicos na maior parte das vezes miseráveis, até suas administrações intelectuais muitas vezes medíocres, é uma tarefa que não deveria demorar. Mas, o mais urgente, para começar, é reencontrar a lembrança destas memórias museológicas, é a discussão pública sobre a variedade de intenções, projetos, conceitos e acervos que reúnem os museus brasileiros. Uma riqueza, intensidade e variedade de concepções que não se encontra em nenhum país europeu, muito menos nos Estados Unidos e raras vezes na América Latina.

Um brevíssimo olhar evidencia seis ou sete conceitos marcadamente diferentes e vibrantes. O Museu Emilio Goeldi foi criado em 1866 e consolidado no começo do século 20 com uma nítida dimensão civilizatório, exploradora e cultural que foi renovado constantemente, e hoje segue sendo um centro intelectual e científico exemplar do ponto de vista das culturas amazônicas equatoriais, consideradas globalmente. Seus congressos e publicações tem tornado públicas problemas e perspectivas críticas de raivosa urgência. Em um extremo radicalmente oposto, as sucessivas versões de Arte-Cidade de Nelson Brissac abrem um conceito renovador e revolucionário de integração da arte e a megalópole tardo-industrial de São Paulo, revelam um novo sentido a uma criação artística que quer romper as barreiras acadêmicas e as limitações administrativas do museu tradicional, e não em último lugar, transforma os espaços degradados da cidade em um lugar de reflexão exemplar sobre o mundo contemporâneo. Também esta abordagem é única.

E entre estes extremos devemos considerar uma gama de experiências brasileiras não menos interessantes. O Museu de Arte Moderna de Rio de Janeiro deve ser lembrado, e não apenas pela clara beleza clássica de seus espaços. A importância destes espaços de Reidy é por si mesma, como os de Mies na antiga Nationalgalerie de Berlim, uma definição normativa das categorias formais da modernidade estética do século 20. E se deve contar naturalmente a história das Bienais paulistas porque constituem um universo por si mesmas. E é preciso também um trabalho de reflexão precisamente em uma era como a nossa, dominada pela incerteza e pelo medo, em que as administrações culturais tendem a optar por soluções fáceis e projetos estritamente burocráticos e comerciais. A história destas Bienais escrita por Francisco Alambert e Polyana Canhete (1) me parece uma mostra sincera e consistente do que deve ser feito neste sentido.

Outras duas concepções inovadoras de museus brasileiros devem ser lembrados neste contexto. O Museu Imagens do Inconsciente do Rio de Janeiro é uma coleção única no mundo, por sua historia, sua originalidade e seu volume. E, sem dúvida, é um projeto que sucumbe com recursos miseráveis e uma nula atenção intelectual. Outro caso de heterodoxia museográfica com acervos de uma imponente originalidade e força artística são os diferentes centros de arte popular criados por Lelia Coelho Frotta em várias capitais brasileiras. Seu dicionário de arte popular é por si mesmo um manifesto e um projeto museográfico que deveria ser realizado. Estes museus merecem também um debate público da maior atualidade e fascinante interesse. E não deixarei de mencionar neste contexto de extremos e contrastes um conceito clássico e conservador, e exemplar em todos os sentidos, como a Coleção Nemirovsky, elegantemente documentada e analisada por uma série de intelectuais de primeira grandeza, entre eles, Maria Alice Millet.

E se encontram os projetos de Lina Bo, com os quais quero acabar esta sucinta homenagem às memórias museológicas do Brasil. Lina Bo desenvolveu ao longo de sua vida três conceitos museológicos que não tem a menor vigência hoje pelo simples fato da insensibilidade e do provincianismo da geração pós-moderna, que lhe deu as costas.

O primeiro destes conceitos desenvolvidos por Lina é seu Museu de Arte Moderna da Bahia, de 1959, com o qual, seguindo a tradição aberta por Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Tarsila do Amaral ou Guimarães Rosa, apenas para citar uns poucos nomes, integra a chamada arte “popular” brasileira com a arte moderna, sob o programa de desenvolvimento das tradições e expressões autônomas do Brasil. Este projeto, que Antonio Risério tem trabalhado intensamente em uma enorme quantidade de obras de grande qualidade, se expande em uma série de manifestações artísticas da Vanguarda Tropicalista, cuja influência continua hoje vigente.

O segundo modelo desenvolvido por Lina é o MASP de São Paulo, como um projeto reflexivo de um museu metropolitano inspirado nos modelos clássicos da modernidade européia, mas concebido a partir de um olhar e dos determinantes econômicos e culturais de um país pós-colonial. De novo insisto na radical atualidade desta perspectiva renovadora e na triste constatação de que esse museu tem sido intencionalmente destruído em seu conteúdo e em sua forma, chegando ao vergonhoso estado que exibe hoje.

Contudo, Lina concebeu um terceiro modelo de “museu”, que é o que obteve mais êxito e tem conservado seu espírito originário até os dias de hoje: o SESC-Fábrica da Pompéia de São Paulo. Aqui nos encontramos com um projeto arquitetônico aberto à interação em muitos e intensamente lúdicos planos de atividades desportivas e ateliês artísticos, teatro e museografia, em um espaço concebido para a presença humana e a criação. Ninguém defenderá com suficiente valentia este projeto renovador e original em um mundo dominado pelo conceito corporativo, comercial e corrupto de museus reproduzidos como aeroportos da não-arte pelos Gehry, os Koolhaas ou os Calatrava da poderosíssima e vazia industria cultural global.

Refletir sobre esta diversidade de aspectos é hoje ainda mais importante diante da crise civilizatória na qual vivemos. Esta não se deve somente à negligência burocrática, muitas vezes fatal. Deve-se também aos agressivos modelos de uma concepção comercial da cultura como espetáculo que hoje se impõe, desde a administração dos bancos mundiais aos estudos culturais anglo-saxões. Trata-se de uma cultura concebida como fetiche administrativo e mercadoria comercial, e de uma cultura sem sujeitos, na qual se pode eliminar preventivamente – e se elimina efetivamente – qualquer forma de resistência ao tremendo projeto de colonização cultural que a bandeira da globalização arrasta consigo.

Hollywood, Disneylândia, Guggenheim e Las Vegas constituem hoje sistemas normativos de memórias e culturas desenhadas, produzidas e distribuídas comercial e mediaticamente como espetáculo global. Sua função última consiste na suplantação da natureza e das memórias culturais por réplicas arquitetônicas, representações icônicas e semiologias digitalizadas, intelectualmente empobrecidas e esteticamente degradadas. E o triunfo político de um novo colonialismo do espetáculo.

Preservar, resistir, restaurar e recuperar são as ações e estratégias necessárias diante deste processo de invasão, colonização e destruição ecológicas e culturais. É preciso resistir à invasão semiótica permanente dos espaços públicos e a vida privada por parte da indústria cultural, desde o turismo até as cadeias corporativas de televisão. Para isso é preciso abrir amplos espaços livres para a comunicação e a inovação sociais nos quais a criação de novas linguagens artísticas, os movimentos sociais autônomos, e o desenvolvimento de tecnologias ecológica e socialmente responsáveis desempenham um papel protagonista. Esta é a função específica do museu nas culturas do Terceiro Mundo.

nota

ALAMBERT, Francisco; CANHETE, Polyana. Bienais de São Paulo – da era do museu à era dos curadores. Coleção Paulicéia. São Paulo, Boitempo Editorial, 2004.

sobre o autor

Eduardo Subirats é autor de uma série de obras sobre teoria da modernidade, estética das vanguardas, assim como sobre a crise da filosofia contemporânea e a colonização da América. Escreve assiduamente na imprensa latino-americana e espanhola artigos de crítica cultural e social

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