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architexts ISSN 1809-6298


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português
Artigo traz a produção e uso da azulejaria nas fachadas de edificações da cidade do Porto no séc. XIX, destacando a participação dos “brasileiros” – como eram conhecidos os emigrantes portugueses que retornam ao país natal depois de um período na colônia


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BACKHEUSER, Luiz Alberto Fresl. Os “Brasileiros” e a azulejaria exterior portuense do século XIX. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 069.05, Vitruvius, fev. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/379>.

“Andados, pois, mil passos na quebrada da ramalhosa encosta, nos sai de rosto uma casa de dous sobrados, caiada, azulejada, com suas colunas pintadas de verde e como de papelão grudado à parede, com as bases amarelas e os vértices escarlates. Vão-se os olhos naquilo! Esta maravilha arquitectónica devem-na as artes ao gosto e génio pinturesco de um rico mercador que veio das luxuriantes selvas do Amazonas, com todas as cores que lá viu de memória, e todas aqui fez reproduzir sob o inspirado pincel de trolha, o qual se havia ensaiado num S. Miguel de retábulo de alminhas com uma fortuna digna de Itália." (Camilo Castelo-Branco, O Senhor do Paço de Ninães)

Portugal é o país do mundo onde o azulejo está mais intrinsecamente relacionado com a cultura nacional. Embora os tenha importado nos primeiros séculos de utilização, teve uma produção importante e contribuiu com a propagação desse material por outros continentes através de suas colônias ultramarinas. Dentre essas colônias foi certamente no Brasil que o azulejo melhor se enraizou, sendo amplamente utilizado e absorvido pela identidade nacional. Hoje o azulejo é tão brasileiro quanto português, isso fica patente a partir das trocas de influências, quanto à utilização do material, que essas duas nações irmãs tiveram. Pelo menos dois foram os grandes momentos em que o Brasil influenciou Portugal na utilização do azulejo. No século XX, quando arquitetos modernos de Portugal visitaram o Brasil e se encantaram com a utilização dos azulejos na arquitetura modernista brasileira (1); e anteriormente, no século XIX, quando os portugueses retornados do Brasil, após a independência do país, começam a por em prática um hábito mais comum na antiga colônia do que na capital européia, a utilização do azulejo como revestimento exterior. O azulejo como proteção para as fachadas dos edifícios trouxe conseqüências muito significativas para as paisagens urbanas das cidades portuguesas nomeadamente para a cidade do Porto, da qual este texto trata.

A utilização do azulejo em Portugal começou por volta do século XIII, descendendo diretamente de uma tradição islâmica que se expandiu pela orla mediterrânica. Mas ao contrario dos povos muçulmanos, em Portugal o azulejo teve durante cinco séculos uma vocação para revestimentos de ambientes internos, sendo poucos os exemplos de sua utilização no revestimento de fachadas. Os casos conhecidos, como os exemplos no jardim do Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa, são exceções que confirmam a regra (2).

A produção de azulejos decorativos em Portugal começou no mesmo período da expansão marítima, por volta do século XVI, com a utilização da técnica Majólica. As fábricas portuguesas souberam tirar proveito do momento histórico para ganhar mercados e escoar sua produção. Entre os séculos XVII e XVIII, os navios que partiam vazios das terras lusitanas, para voltarem carregados de produtos locais, costumavam levar grandes quantidades destes azulejos para servir de lastro. Mas eram levados não só azulejos decorados como também peças brancas, sem decoração, mais fáceis de negociar (3). Sendo assim, o Brasil não chegou a conhecer os azulejos antes importados de Espanha por Portugal, mas já o que era produzido nas terras lusas.

Se no princípio do século XVI, Portugal ainda estava mais interessada nas colônias de África e Ásia, logo o Brasil torna-se o alvo principal das atenções políticas e da cobiça dos mercadores. Assim, começa a existir uma grande disponibilidade de azulejos na colônia, o que poderia justificar a utilização deste material pelos construtores brasileiros como revestimento exterior, contrariando o modelo português. Santos Simões, um dos grandes estudiosos portugueses dos azulejos, defende que sua utilização como revestimento exterior no Brasil se deu também graças às suas qualidades mecânicas de proteção contra às intempéries somadas à carência de matérias de acabamentos disponíveis (4).

Não houve, entre os séculos XVI ao XIX, uma produção de azulejos específica destinada às colônias, o que era adquirido nos territórios ultramarinos era o mesmo produto consumido na Europa. Se existiram diferenças, elas eram vantajosas para o Brasil (5).

O envio de azulejos para o Brasil teve um fluxo relativamente constante, mas no principio do século XIX o fluxo sofre uma interrupção, quando Portugal não consegue atender a demanda brasileira por azulejos, que então passaram a ser fornecidos por outros paises, notadamente Inglaterra, França, Holanda e Itália (6). Só em 1840 (até a primeira guerra mundial) Portugal voltaria ser o principal fornecedor brasileiro (7).

O século XIX foi muito conturbado para a história Portuguesa. Logo no seu início o país foi invadido pelas tropas de Napoleão, o que antecede a perda da maior e mais lucrativa colônia: o Brasil. Como se não bastasse, o país ainda passa por uma devastadora guerra civil entre 1832 e 1834. A cidade do Porto ainda sofre com bombardeamentos miguelistas e com a proliferação da cólera na parte mais antiga. Mas, paralelamente a esses acontecimentos, há um surto construtivo na cidade com a inauguração de edifícios públicos, aberturas de ruas e uma intensa atividade fabril. Esse século caracterizará o Porto com a definição do que hoje é reconhecido como a típica casa portuense. Os lotes estreitos e compridos, com largura inferior a 10 metros, são ocupados por edifícios de dois, três ou quatro pavimentos, além do porão (cave), caracterizados por três aberturas verticais definidas por padieiras, lintéis e ombreiras em granito aparente. A planta dessas casas contará com uma escada central iluminada por uma clarabóia. Nesse contexto, a figura dos brasileiros, como eram conhecidos os emigrantes portugueses que retornam ao país natal depois de um período na então colônia, será determinante para a cidade.

Após a independência do Brasil em 1822, mas principalmente entre os anos de 1830 a 1850 verificou-se um importante fluxo de retorno de Brasileiros endinheirados, retorno, este, provocado em seqüência aos acontecimentos políticos que então abalaram o Brasil, muitos dos quais geraram tumultos antiportugueses. O regresso é, na maioria dos casos, resultado da insegurança, fruto da independência. Muitos negociantes e comerciantes de nacionalidade portuguesa retornam então a Portugal, uns definitivamente, outros a espera por uma calmaria. A segunda metade do século ainda testemunhara o retorno de mais brasileiros, porém não tão ricos, cujo retorno não estava relacionado a problemas político-sociais, mas a projetos pessoais. Desde o principio, entretanto, a cidade do Porto se tornou o local de maior atração.

Muitos desses Brasileiros chegaram dispostos a investir suas fortunas. Além de abrirem negócios próprios compram fábricas, hotéis e estabelecimentos comerciais já existentes. Mas foi através de suas residências que buscaram uma afirmação social como parte da elite burguesa.

Construíram em bairros densos e consolidados, acrescentando novas “tiras” à malha urbana existente, mas também em bairros de densidade mais rarefeita, onde puderam erguer edifícios mais suntuosos e destacados.

Aproveitaram-se da extinção das ordens religiosas para adquirirem antigos conventos, como é o caso do Convento de S. Elói, comprado por Manuel Cardoso dos Santos Junior, súdito brasileiro. Ainda hoje o passeio adjacente é conhecido como passeio das “Cardosas” pois sua esposa e filhas costumavam por lá passear.  Também adquiriram palácios da antiga nobreza como o Palácio do Freixo, comprado pelo industrial do sabão Afonso Vellado (8). Mas foram certamente as casas construídas de raiz, as que mais influenciaram a paisagem urbana do Porto.

Se a principio essas casas foram referidas em tom pejorativo pelos portuenses, como “casas penico”, “casas de brasileiros” ou “casas de azulejo”, aos poucos, passadas as primeiras impressões, foram caindo no gosto dos portugueses. Essas casas foram responsáveis pela criação de novos postos de trabalho, pois trouxeram o hábito da utilização de novos materiais e o incremento de hábitos de construção já praticados.

Quanto aos azulejos, a produção na cidade do Porto se iniciou provavelmente no século XVII, contribuindo por parte da exportação para o Brasil a partir de 1688 (9). Mas durante dois séculos, suas técnicas de fabricação não sofreram grandes evoluções, e seus padrões e motivos decorativos eram menos eruditos, consistindo em cópias ou fortemente inspirados nos outros grandes centros produtores, principalmente Lisboa. Foi no século XIX que os azulejos portuenses conhecem uma fase de glória quando os brasileiros não só aplicam azulejos em suas novas casas, como adquirem algumas fábricas reativando as que estavam já desativadas, trazendo novas técnicas de fabrico e aumentando a produção.

Entre os fins do século XVIII e meados do XIX, as cidades do Porto e Vila Nova de Gaia contavam com seis fábricas que se dedicavam à produção de azulejos semi-industriais. Eram elas as fabricas de Massarelos, Miragaia, Carvalhinho, Devesas, Cavaquinho e Santo Antonio de Vale da Piedade. Sabe-se que as fábricas de Massarelos e Miragaia tiveram sua reativação no século XIX promovida por um brasileiro entre 1830 e 1840, e que outros foram responsáveis pela fundação das fábricas de Carvalhinho, de 1840, e Devesas, de 1865 (10), sabe-se ainda que a fábrica de Santo Antonio de Vale da Piedade, embora tenha sido fundada pelo genovês Jerônimo Rossi, teve sua produção impulsionada por capitais brasileiros. Essas fábricas do Porto e V.N de Gaia foram provavelmente as primeiras de Portugal a desenhar padrões de azulejos especificamente para fachadas.

Logo não apenas as casas dos brasileiros, mas quase toda a cidade do Porto estava coberta de azulejos, e a sombria cidade do granito e do clima chuvoso ganhava cores e brilhos próprios.

A produção oitocentista portuense apresenta três tipos básicos de azulejos: lisos (de estampilha e de estampagem), de relevo (alto-relevo e meio relevo) e biselados (de aresta). Esses azulejos são hoje conhecidos por semi-industriais porque embora sua produção contasse com máquinas, ainda dependiam da ação da mão humana no processo de fabrico.

Os azulejos lisos são caracterizados pela chacota (placa de barro previamente cozida) fina e lisa normalmente com dimensões que variavam dos 14,5 cm aos 15,5 cm. Geralmente apresentavam padrões baseados em quatro azulejos iguais compostos de forma a criar um padrão seguindo a formula 2x2/1.

A maioria das fábricas usava o barro amarelo como matéria prima para a chacota, que depois de uma primeira cozedura recebia uma camada de vidrado estanífero, opaca e de cor branca. Algumas fábricas produziam azulejos a partir de uma pasta de pó-de-pedra, usada na Inglaterra para manufatura de louças. Essa matéria prima dispensava o vidrado estanífero, pois a pintura podia ser aplicada diretamente sobre a chacota, uma vez que essa era branca. Depois de pintada recebia uma camada de vidrado incolor de óxido de chumbo. No Porto, foi principalmente a fábrica de Carvalhinhos a que mais usou essa técnica.

Duas técnicas de aplicação de cores e desenhos caracterizaram a produção desses azulejos, a estampilha e a estampagem.

A decoração pela técnica da estampilha era feita a partir do uso de máscaras, ou estampilhas, que eram moldes feitos em papel encerado e cortados de acordo com os motivos desejados. Para cada cor deveria haver uma máscara diferente. No início apresentavam apenas uma cor sobre o fundo branco, mas depois a técnica foi se desenvolvendo aparecendo cada vez mais e mais cores numa mesma peça. Freqüentemente a decoração era completada com desenhos pincelados à mão-livre.

Com a evolução do processo de mecanização surge uma outra técnica que tornou o processo de fabrico mais ágil e barato, trata-se da estampagem.

A estampagem era baseada na impressão, através de prensagem mecânica, de uma estampa de papel sobre a face do azulejo. Essas estampas eram obtidas a partir de matrizes em metal ou zinco importadas de outros paises europeus. As cores podiam ser aplicadas antes ou depois da camada de vidrado, mas, se aplicadas antes, a peça deveria ser cozida para queimar os óleos utilizados na estampagem. No entanto, essa técnica se mostrou vulnerável às intempéries, principalmente à água da chuva.

Os azulejos de alto-relevo começaram a ser produzidos no século XIX, principalmente na fábrica de Massarelos, sob influencia da faiança moldada. Utilizou-se a mão de obra acostumada a produzir peças decorativas de cerâmica que adaptaram suas técnicas ao fabrico dos azulejos. Os azulejos de alto-relevo eram feitos manualmente, aplicando-se a argila num molde e comprimindo-se as partes mais grossas da placa de barro com os dedos. Eram caracterizados por um grande rosetão central e quatro ramagens nas diagonais ou nos cantos do quadrado. Eram peças absolutas que não compunham combinações.

Com o avanço da industrialização, os azulejos de alto-relevo são substituídos pelos de meio-relevo (11), muito mais finos e prensados mecanicamente com auxilio de um molde e contra-molde. Muito menos expressivos que os de alto-relevos, os meio-relevados foram característicos da fábrica de Devesas.

Em ambos os tipos a superfície recebia uma pintura externa esmaltada ligeiramente branca e, posteriormente, recebia uma pintura opaca que cobria ora o fundo ora as figuras relevadas (12).

Os Azulejos Biselados ou de arestas são retangulares, na proporção de 1:2, e chanfrado nas extremidades. Mais espesso que os outros tipos de azulejos, são monocromáticos, mas a incidência da luz produz variações de cores e sombras entre as partes planas e os chanfros.

Muito comuns pela cidade, eram assentados com as juntas desencontradas ou alinhadas, com as peças na horizontal ou vertical.

Foram muitas as fábricas que produziram o azulejo biselado, não só no Porto, mas em todo o país.

A azulejaria oitocentista também se caracterizou por uma mudança significativa quanto à sua utilização social. Até então o azulejo era um material característico das construções da nobreza e da Igreja, tornando-se, no século XIX, um material eminentemente burguês. Essa reviravolta coincide com a derrota da França napoleônica nos campos de batalha e com sua vitória ideológica em Portugal, o que acabou por influenciar a maior parte dos grandes acontecimentos que abalaram o país nesse século.

Na passagem do século XIX para o século XX os tipos se mantiveram, porém se adaptaram à novas tendências artísticas e técnicas. O material surge com motivos historiados, tardo-românticos, art-nouveau e art-decô, e muitas igrejas antigas têm suas fachadas cobertas de azulejos (13).

Mas a azulejaria novecentista merece uma atenção à parte, o que importa para este trabalho é que a valorização do azulejo como revestimento exterior no século XIX permitiu que o século XX já se iniciasse aberto a eles.

Embora o assunto ainda mereça mais atenção, a influência brasileira é admitida unanimemente pelos estudiosos portugueses, mesmo pelos mais cautelosos. A figura dos brasileiros foi muito importante para o desenvolvimento da cidade tripeira e sua presença ainda é muito viva, seja nos antigos cafés (A Brasileira, O Guarani), nos casarões ou até mesmo na literatura. O impacto se deu não apenas nos capitais que movimentaram a economia, mas numa efetiva transculturação e numa curiosa inversão de influências na utilização de um material de construção tão português que também se provou muito brasileiro.

notas

1
Em 1950, durante Congresso Internacional de Arquitetura no Rio de Janeiro um grupo de profissionais, entre eles Fernando Távora, Keil do Amaral e José Carlos Loureiro, travam contato com a produção moderna brasileira, encantando-se não só com a nova arquitetura, mas também com a utilização dos azulejos nesses edifícios. Deve-se destacar a influência dos painéis de Candido Portinari na igreja da Pampulha e no antigo Ministério da Cultura no Rio de Janeiro.

2
Havia sim a utilização exterior em fontanários, bancos, coruchéus, imagens sacras, alminhas etc. Mas sempre em áreas pequenas e não fachadas inteiras.


3

VELOSO, A. J. Barros; ALMASQUÉ, Isabel. Azulejaria de exterior em Portugal. Lisboa, Edicões Inapa, 1991.


4

SIMÕES, João Miguel dos Santos. Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822). Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1963.


5

Idem, ibidem.


6

VELOSO, A. J. Barros; ALMASQUÉ, Isabel. Op. cit.


7

SIMÕES, João Miguel dos Santos.Op. cit.


8

ALVES, Jorge Fernandes. “Os brasileiros, emigração e retorno no Porto oitocentista”. Porto, edição de autor, 1994.


9

Sabe-se que a fábrica de Massarelos fabricou no século XVIII os famosos azulejos de figura avulsa inspirados nos enkele tegels holandeses.


10

MECO, José. “O azulejo em Portugal”. Lisboa, Publicações Alfa, 1989.


11

Encontram-se designados em algumas fontes bibliográficas como azulejos Baixo-relevados.


12

MECO, José.Op. cit.


13

No Porto deve-se destacar a Igreja do Carmo, com azulejos pintados por Mario Branco a partir de desenhos de Silvestre Silvestri (1910), a Capela das Almas, com azulejos de Eduardo Leite (1929), Igreja de Miragaia e Igreja de São Nicolau, ambas com azulejos de fins do século XIX, entre outras.

sobre o autor

Luiz Alberto Fresl Backheuser é arquiteto e urbanista pela FAU Mackenzie (2002), especialista em intervenção no patrimônio arquitetônico pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto aonde conclui o curso de mestrado

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