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architexts ISSN 1809-6298


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Refletir hoje sobre o ensino do projeto supõe necessariamente considerar o que o mesmo Argan chamou a “crise da ciência européia”, e com a ela a possibilidade de colapso do modelo brunelleschiano de projeto, ou seja, da noção moderna de projeto


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LEONIDIO, Otavio. Teoria e prática do ensino de Projeto: breve comentário. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 070.04, Vitruvius, mar. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.070/370>.

A primeira questão que, quase que imediatamente, se colocar quando se trata de discutir o ensino do projeto de arquitetura (e considero que isso inclui a idéia de projeto urbano em sua diversas modalidades) é sua definição institucional. É o que, na ementa do Projetar 2005 (1), aparece sob o título de “Delimitação do Projeto Arquitônico como campo disciplinar”. Bem entendido, não me refiro apenas à questão de uma consolidação institucional, por assim dizer prática, vinculada à própria existência institucional/burocrática de algo como um “ensino de projeto”, ou seja, que se insere na normalidade das práticas acadêmicas – nas graduações, nas pós-graduações, nos sistemas institucionalizados (estatais ou não) de financiamento e fomento à pesquisa. Penso, antes, na necessidade – espécie de pré-condição para qualquer reflexão ulterior – de se definir as especificidades de uma disciplina acadêmica que, ainda que não entendida como dotada de total autonomia, pode ou deve ter especificidades básicas. Trata-se, repare-se, não apenas de um esforço de definição, mas de um esforço de auto-definição, com tudo o que há nisso problemático – desde logo na medida em que os agentes diretamente – porque institucionalmente – implicados (quer dizer, interessados) são aqueles que se colocam o problema da definição.

É a partir desse esforço de auto-definição que, salvo engano, quase que automaticamente, colocam-se as questões mais diretamente ligadas à prática do ensino: são questões de “avaliação” (“da concepção ao produto”); de inserção “na graduação e na pós-graduação”; de formação de “professor do projeto” etc. Ainda que pertinentes, são questões sempre adstritas às práticas institucionalizadas relativas a algo chamado “ensino de projeto”, e não é por acaso que, quase que naturalmente, o debate mobiliza um certo vocabulário corrente, um certo jargão, o qual corre sempre o risco de ser empregado sem que seja necessariamente problematizado. “Concepção” e “produto”, são apenas dois dos termos imediatamente mobilizados, mas creio que, no limite, por força do enviesamento da reflexão (na medida em que se parte de uma pré-condição para a pesquisa) é a própria noção de projeto que tende a ficar de fora do esforço de autodefinição. Creio que isso também vale para questões referentes a algo como “metodologias”, “abordagens” e “procedimentos” (instrumentos de “concepção” e de “representação”, no vocabulário corrente): dá-se por suposto que essas são coisas ou práticas que existem, resta apenas compreendê-las melhor (2).

Ora, ainda que se possa conceber outros caminhos para a reflexão sobre o ensino de projeto, não vejo como uma reflexão crítica (conceitual, teórica, mas não necessariamente levada a termo enquanto “pesquisa acadêmica”, nada impedindo, por exemplo, que seja empreendida no âmbito de uma projetística) sobre o ensino de projeto possa bypassar a própria definição, histórica e atual, da noção de “projeto”. Numa palavra, não parece possível refletir sobre o ensino do projeto de arquitetura sem procurar responder à questão primordial: o que é, exatamente, a idéia de projeto arquitetônico? Historicamente, trata-se de identificar como e em que contexto tal idéia foi concebida, e quais eram, então, as suas condições de possibilidade. Contemporaneamente, trata-se de responder à questão de como, hoje, essa mesma idéia de “projeto de arquitetura” é concebida; quais suas diversas versões; seus eventuais vínculos com um conceito histórico (quer dizer moderno) de “projeto”.

A esse respeito, cabe destacar, a partir de Argan, que, mais do que identificar o o gesto inaugural de Filippo Brunelleschi ao surgimento de uma noção moderna de projeto, é preciso destacar que, no limite, o que emerge com tal gesto é uma certa subjetividade – a subjetividade moderna. O projetista Brunelleschi é antes de mais nada uma espécie de tipo ideal (em germe) do sujeito cognoscente moderno no universo da arquitetura; o sujeito que, através da razão, concebe um dispositivo chamado “projeto de arquitetura”, dispositivo que concentra e sistematiza todos os procedimentos necessários à construção de uma edificação. Não por acaso, como destaca Argan, ao fazê-lo, Brunelleschi usurpa o poder de todos aqueles que detinham um controle apenas setorial da empresa construtiva. Ao usurpar competências limitadas e as concentrar em suas mãos, através de um dispositivo chamado projeto (dotado de uma lógica própria, de ferramentas próprias, desde logo de elementos de representação próprios, sintetizantes e globalizantes), Brunelleschi inaugura um novo modelo de concepção e execução das edificações, modelo crucial para a definição dos conceitos modenos de arquiteto e de projeto.

Não por acaso, uma das expressões máximas desse modelo se dá no âmbito do Iluminismo. Como afirma Argan, se há algo de verdadeiramente fundamental na projetística dos arquitetos revolucionários do século XVIII é a própria idéia de “projeto” – um projeto desde logo entendido como “resposta conceitual”, como “traço que traduz o dado empírico em fato intelectual”. Um projeto cujo “desenho” é antes de tudo “síntese entre idéia e coisa” (3). Ainda em termos históricos, merece destaque o caso da chamada arquitetura funcionalista. Pois esse vínculo muito particular entre idéia e coisa, entre conceito e edifício, subsumido na noção moderna de projeto, encontrou na arquitetura funcionalista uma tradução muito particular – uma versão sui generis da projetística racional moderna. Para lançar mão de uma fórmula sintética, talvez pudéssemos afirmar que, em certa medida, a estética funcionalista é também (e talvez sobretudo) uma estética do diagrama – este instrumento crucial desenvolvido no âmbito da projetística moderna.

Ora, refletir hoje sobre o ensino do projeto supõe necessariamente considerar o que o mesmo Argan chamou a “crise da ciência européia”, e com a ela a possibilidade de colapso do modelo brunelleschiano de projeto, ou seja, da noção moderna de projeto. Ou seja, supõe considerar a possibilidade de exaustão de um dispositivo (o projeto, como o entendemos historicamente) fundado na existência de uma certa subjetividade; de um sujeito cognoscente sem o qual, pelo menos em termos históricos, a própria noção de projeto não faz nenhum sentido (vale notar a propósito que, se algum dia a noção de desconstrução foi corretamente aplicada à produção arquitetural contemporânea, isso só ocorreu quando referida à projetística que tencionava a noção moderna de projeto, vale dizer, o projeto como representação do sujeito cognoscente.)

O quanto esse tipo de questionamento tem sido feito no campo teórico e, mais ainda, acadêmico, é algo que merece ser investigado. Em todo caso, mesmo não tendo acompanhado o radicalismo que muitas vezes marcou o debate no campo das artes plásticas (4), cumpre reconhecer que, no universo da prática, não são tão raros os exemplos de arquitetos que, através de sua própria projetística, manifestaram a consciência, senão de uma crise, dos problemas e dos eventuais limites da própria noção de “projeto”. Em certa medida, sua projetística pós-funcionalista, é uma meta-projetística: enquanto procuram dar conta de questões programáticas, técnicas etc, seus projetos, de maneira mais ou menos explícita, “falam” do próprio ato de projetar, e da(s) subjetividade(s) nele envolvidas. Mais do que pós-modernos ou pós-racionalistas, creio que tais arquitetos são neo-racionalistas: sem romper de todo a tradição moderna, perscrutam os limites de uma arquitetura racional fundada justamente na noção moderna de projeto. Entre eles, destacaria os arquitetos Louis Kahn, Aldo Rossi, Rem Koolhaas e Peter Eisenman. A definição exata do que, exatamente, caracteriza cada uma dessas práticas é algo que demanda desenvolvimentos ulteriores. De modo sumário, mencionaria apenas a distinção entre “form” e “design” proposta por Kahn; a prevalência do desenho em detrimento da construção em Rossi; a meta-projetística de Koolhaas; a real desconstrução intentada em alguns trabalhos apor Eisenman.

notas

1
O presente texto foi escrito especialmente para o seminário Projetar 2005 (PROARQ FAU-UFRJ).

2
Um outro tipo de enviesamento, igualmente vinculado ao universo institucional, ocorre quando se dá por suposto que o ensino de projeto deve de algum modo responder ao projeto de arquitetura como prática social, como algo que ocorre no âmbito do métier, vale dizer, no mundo do trabalho, da construção civil, do mercado. Uma vez mais, trata-se de uma reflexão oportuna e necessária, mas que não pode colocar-se como uma pré-condição para uma reflexão crítica sobre o ensino de projeto.

3
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 25.

4
No universo das artes plásticas, foi justamente a consciência da crise dessa subjetividade que, a partir dos anos 50 pelo menos, moveu a melhor parte da produção. Foi a partir de uma descrença ontológica na viabilidade do sujeito moderno (da consciência européia, de todo um sistema cultural fundado nesse sujeito) que movimentos como a Pop e o minimalismo definiram suas agendas.

sobre o autor

Otavio Leonídio, arquiteto, doutor em história (PUC-Rio),coordenador acadêmico e professor associado do Curso Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, professor do Programa de Pós-Graduação em Design da mesma instituição.

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