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architexts ISSN 1809-6298


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Esse texto pretende compartilhar algumas reflexões e indagações sobre o diálogo entre desenho e modelagem – como meios de suporte para o diálogo entre idéia e materialidade – nas disciplinas de projeto nas faculdades de arquitetura e urbanismo


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ROZESTRATEN, Artur Simões. O desenho, a modelagem e o diálogo. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 078.06, Vitruvius, nov. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.078/299>.

M.C. Escher comentou certa vez que o desenho lhe permitia comunicar “imagens de pensamento” impossíveis de serem traduzidas em palavras (1). A comunicação desses pensamentos exigia uma visibilidade, uma imagem, um grafismo que o desenho poderia auxiliar a criar.

El Lissitzky costumava dizer que Gerrit Rietveld não era um estudioso da arquitetura, mas “um carpinteiro que só sabia desenhar planos de uma maneira rudimentar. Trabalha com maquetes, sentindo a casa com suas mão, por isso seu produto não é abstrato”. Seu produto é concreto, sensível, como a casa Schroder (2).

Nesses comentários, desenho e modelagem colocam-se como meio de diálogo entre as “imagens de pensamento” – formas mentais, internas – e as imagens visuais – formas materiais, externas – que poderiam ser percebidas (vistas, tateadas, percorridas) pelo próprio autor e também por outras pessoas.

Não se trata de uma simples tradução, exteriorização ou materialização de uma imagem mental preexistente. Afinal a concepção da forma sensível não poderia preceder a sua execução ou fatura, posto que o processo formativo é, necessariamente, a gênese de sua materialidade (3). Ou seja, o ato de desenhar ou modelar é indistinto da criação, e como tal é aberto: sujeito a críticas, revisões e alterações.

Desde que a computação gráfica trouxe à tona o debate sobre os novos meios de representação da arquitetura há um esforço pedagógico para investigar novas maneiras de relacionar os meios tradicionais com os meios eletrônicos dialeticamente. Esse esforço, cada vez mais, aponta a necessidade de interações complementares entre os vários meios disponíveis para a comunicação de idéias arquitetônicas. Reconhecendo as possibilidades e as limitações de cada um dos meios em foco, a interação complementar entre o desenho, a modelagem material, as simulações eletrônicas, a fotografia, o filme e o texto pode compensar as restrições de cada meio isolado, e ampliar as possibilidades de diálogo sobre o projeto.

Esse texto pretende compartilhar algumas reflexões e indagações sobre o diálogo entre desenho e modelagem – como meios de suporte para o diálogo entre idéia e materialidade – nas disciplinas de projeto nas faculdades de arquitetura e urbanismo.

Sobre o desenho

O exercício de desenho do mundo sensível – objetos, pessoas, lugares – constitui um campo experimental para o diálogo consigo mesmo, e com os outros, que é fundamental para subsidiar o desenho do arquiteto que projeta. O hábito desse desenho das coisas visíveis pode amparar o desenho das idéias arquitetônicas ainda abstratas. Comparativamente ao desenho das coisas do mundo, o desenho de projeto se dá às avessas, pois ao invés de riscar no papel uma realidade externa visível, esse desenho dá forma visível a uma realidade interna: uma idéia.

É curioso constatar que há resistência – especialmente entre os alunos – quanto à importância do exercício desse desenho “do mundo” para aprimorar o diálogo interno-externo e facilitar o processo de elaboração e comunicação de idéias arquitetônicas. Já entre os artistas plásticos as resistências ao desenho são mínimas.

Quais são as relações entre o domínio do desenho e a capacidade de comunicação e diálogo das intenções plásticas, espaciais e construtivas? Como se coloca o desenho como meio de diálogo entre o pensamento e a matéria?

Em um depoimento em vídeo apresentado na retrospectiva de sua obra em exposição na Pinacoteca em São Paulo, o escultor Henry Moore dizia que o hábito do desenho rompe a inércia e a preguiça do olhar. Para Moore, desenhar é uma reação à indolência desse olhar passivo que tende a se acomodar, e enxergar sem ver o mundo.

Mais do que o resultado gráfico do desenho o que parece interessar a Moore é a ação intencional de romper essa acomodação displicente do olhar articulando-o dialeticamente ao pensamento e à mão. Esse diálogo entre o olhar, o pensar e o fazer, integrados no processo de desenho, inicia uma relação dinâmica e interativa entre imagens mentais internas (idéias, memórias, fantasias) e imagens visuais externas (as coisas desenhadas e o próprio desenho).

O ato de desenhar ao romper a passividade do olhar aproxima-se então de uma ação subversiva, contrária à aceitação de uma realidade dada, e a favor da criação de uma realidade outra: imaginada.

O desenho exige um tempo para que o olho percorra o que é desenhado. Esse tempo de construção do desenho é necessário para a apreensão da forma visível e para a construção da forma gráfica. O ato de percorrer com o olhar o que se desenha, enquanto a mão constrói a imagem, modifica profundamente a compreensão da existência material das coisas, pois essa concentração necessária ao desenhar constitui uma situação reflexiva que reinaugura a forma das coisas.

Parece que é sobre esse olhar de quem desenha que fala Fernando Pessoa, como Alberto Caeiro:

“E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...”

Ao desenhar os carneiros que via da janela de seu atelier em Perry Green, Moore lhes conferia uma densidade existencial completamente diferente da que possuíam antes. Desenhar os carneiros era como reinventá-los, dar-lhes forma: matéria, peso, volume, textura. Ao dar à luz uma nova forma gráfica, o processo do desenho é capaz de resignificar o olhar e a coisa desenhada inaugurando uma nova compreensão sobre o mundo.

Desenhar é uma ação criativa e imaginativa: cria imagens, inventa, sempre, mesmo quando parece apenas reproduzir o mundo.

Como já disse Vilanova Artigas: “desenho – designa” (4). É um risco que significa. Desenhar-designar é introduzir uma nova forma simbólica no universo semântico. Todo desenho é, inevitavelmente, a invenção de novos signos que comunicam novos conteúdos artísticos.

Há vários tipos de desenho de arquitetura, dentre eles, o croqui que é uma maneira bastante peculiar de desenhar. O croqui é um esboço, um desenho esquemático, sem acabamento. Um desenho que se pretende mais uma forma em construção do que uma forma acabada. Desenho do pensamento em processo, aproximativo, tateante, registro de um traço reflexivo que experimenta possibilidades.

O croqui é o desenho que acompanha o pensamento de quem projeta, no diálogo gráfico consigo mesmo, e com os outros. É o desenho que se faz enquanto se fala e se pensa, e o registro plástico de um pensamento em curso.

Essas considerações conduzem a algumas questões:

Como anda a prática do croqui entre os alunos nas faculdades de arquitetura e urbanismo? E como os croquis participam do diálogo sobre projeto nos ateliês?

Em que medida a falta de intimidade dos alunos com esse tipo de desenho reflexivo não dificulta a subversão crítica de uma realidade de formas arquitetônicas valorizadas pelas revistas de arquitetura e/ou pelo mercado imobiliário resultando em projetos imitativos, pouco criativos?

Até que ponto a super valorização de produtos finais – como pranchas plotadas ou imagens impressas – não distancia os alunos do croqui, do desenho de estudo, como meio de reflexão?

Sobre a modelagem

No processo de projeto arquitetônico as “imagens de pensamento” a serem elaboradas e comunicadas são idéias tridimensionais ou ambientais.

O desenho é um dos meios disponíveis para a materialização dessas idéias e sua comunicação. Mas, enquanto o desenho simula a profundidade com recursos de perspectiva, a modelagem compartilha com a arquitetura a própria tridimensionalidade.

Constant Nieuwenhuis, que concebeu a utopia urbana da Nova Babilônia – o mundo do homo ludens – reconhecia que certos problemas topográficos e a complexa sobreposição de níveis interligados de seu projeto só poderiam ser investigados e comunicados por meio de maquetes. Afinal o processo manual da modelagem possibilita, por meio de uma experimentação tátil e visual direta, aproximações em escala das qualidades espaciais e construtivas da arquitetura proposta.

A modelagem de estudo pode constituir um laboratório de experimentação por meio do qual as características (qualidades e deficiências) do projeto se revelam de maneira mais rápida, direta e completa do que no desenho. Integrada ao processo de projeto desde o início, a modelagem pode ser usada para gerar modelos esquemáticos, como croquis ou esboços tridimensionais, que interajam e complementem os desenhos de criação.

Essa modelagem experimental, ou modelagem de estudo, pode ser feita rapidamente, com materiais de ocasião (papelão, isopor, cola, massas, arame, etc) no ateliê sobre a própria prancheta ou mesa de trabalho. É uma modelagem limpa, não necessita de maquinário e praticamente não deixa resíduos.

Como croqui tridimensional, os modelos assim produzidos podem ser efêmeros, transitórios, sujeitos a intervenções que os alterem. Nesse enfoque a noção de modelagem amplia-se da simples confecção de maquetes – geralmente vista como uma etapa final de projeto – a um procedimento experimental de investigação espacial e construtiva, que subsidia e enriquece o diálogo imprescindível ao processo de projeto arquitetônico.

A partir dessas premissas, cabem aqui algumas indagações:

Em que medida a modelagem de estudo tem participado do diálogo sobre projeto nos ateliês das faculdades de arquitetura e urbanismo?

Como a modelagem manual tem sido integrada ao desenho feito à mão e aos recursos digitais?

Até que ponto as simulações tridimensionais eletrônicas não têm sido utilizadas como substitutos da modelagem material quando poderiam desempenhar um papel complementar no processo de diálogo projetual?

O diálogo

No livro do Gênesis a torre de Babel colocava-se como um projeto humano factível até o momento em que a interferência divina interrompeu a comunicação entre os povos. Enquanto todos falavam a mesma língua e a comunicação era plena, nada os impedia de “executarem todos os seus empreendimentos”. Interrompido o diálogo, não havia mais compreensão do projeto e a obra arquitetônica tornou-se uma confusão, um sonho impossível de ser concretizado.

Dentre outras significações, o mito da torre de Babel trata da compreensão das intenções espaciais e construtivas, da passagem entre idéia e materialização, do diálogo e da comunicação indispensável entre projeto e obra.

No processo de projeto nas faculdades de arquitetura essa comunicação envolve diferentes interações: a interação do aluno consigo mesmo, do aluno com seus colegas, e dos alunos com seus professores. Na prática profissional, esse diálogo estende-se ao cliente, ao corpo técnico da equipe de projeto executivo e aos profissionais envolvidos no canteiro de obras.

O eixo dialético é o tema de projeto – o desafio proposto como exercício – em torno do qual gravitam as diversas soluções possíveis em processo de elaboração, sujeitas à crítica e alterações. O projeto, pensado como previsão (antevisão, visão antecipada), demanda a visibilidade de suas conjecturas, a representação gráfica de suas possibilidades, a materialização de suas hipóteses, para fundamentar avaliações comparativas que conduzam o aluno a uma escolha, uma seleção, uma definição final que encerra o projeto.

Nesse diálogo, a comunicação dos conteúdos de projeto demanda meios gráficos e tridimensionais. A palavra ampara, mas não é suficiente para o diálogo arquitetônico. O desenho e a modelagem são imprescindíveis para uma comunicação clara da forma plástica, da organização espacial e das soluções construtivas previstas. É somente a partir de uma apresentação gráfica e espacial completa da proposta arquitetônica que a crítica pode ser construída. Uma comunicação imprecisa e incompleta só pode fundamentar uma crítica igualmente inconsistente.

Quando a questão do diálogo coloca-se como foco do processo pedagógico nas disciplinas de projeto, as condições de trabalho no ateliê, o formato das aulas, e os procedimentos didáticos também exigem uma revisão reflexiva. Nesse sentido, sugerem-se aqui algumas práticas que poderiam estimular essa dialética projetual:

  • A retomada do “projetar no ateliê” de modo a otimizar o tempo e o espaço da disciplina não apenas para dialogar sobre o que já se fez, mas para fazer e dialogar enquanto se faz. O projetar no ateliê possibilita uma proximidade maior dos professores com o processo de pensamento do aluno, e pode evidenciar percursos, expor dificuldades, e estimular a prática do croqui.
  • O estímulo à exposição dos trabalhos “em andamento” nas paredes, de maneira a criar o hábito da comunicação de idéias ainda em processo, inacabadas, revelando suas limitações e suas possibilidades. O hábito da exposição de desenhos e modelos de estudo em processo valoriza a representação das etapas intermediárias de projeto e reduz a ênfase em apresentações “acabadas”: pranchas plotadas, desenhos impressos. Assim, ao longo do semestre, o tempo investido pelos alunos concentra-se mais nas soluções de projeto do que na montagem de apresentações.
  • A aproximação do processo de projeto ao conceito de Luigi Pareyson (5) de formatividade: “um certo modo de “fazer” que, enquanto faz, vai inventando o “modo” de fazer: produção que é, ao mesmo tempo e indissoluvelmente, invenção”.
  • A adequação do ateliê à prática da modelagem de estudo com bancadas de corte, reutilização de materiais e estrutura para guarda e exposição (prateleiras, armários, etc). Essa adequação não exclui a necessidade de uma maquetaria com maquinário adequado à fatura de protótipos e maquetes de apresentação.
  • A inserção de aulas expositivas – rompendo a seqüência, muitas vezes exclusiva, de atendimentos ou assessorias – que aproveitem as questões que se formam ao longo do semestre, e procurem integrar de forma teórica e prática conhecimentos das frentes de tecnologia, história, comunicação visual, urbanismo e paisagismo.
  • A integração dos recursos eletrônicos no ateliê rompendo com o isolamento das “salas de informática”. Esta integração envolveria a instalação de alguns computadores em sala de aula, de maneira a abrir espaço às tentativas de relações complementares entre os recursos manuais e as possibilidades digitais.

As reflexões, indagações e sugestões aqui apresentadas são desdobramentos do diálogo sobre as questões em torno da representação e do ensino de projeto. São formulações dialéticas em processo, inquietações em aberto, que pretendem se colocar para o debate, acreditando que a exposição de opiniões, o diálogo e a troca de experiências podem conduzir a uma prática pedagógica mais consistente que certamente terá reflexos na postura profissional e na arquitetura praticada pelos futuros arquitetos.

notas

1
M.C.ESCHER, Gravuras e Desenhos. Paisagem Distribuidora de Livros Ltda, 2004.

2
BROWN, T. The work of Gerrit Rietveld, architect. Utrecht, A.W.Bruna & Zoon.

3
Contra o idealismo ingênuo que supervaloriza o diálogo interno-interno e afirma que “o projeto está pronto, só falta desenhá-lo”.

4
ARTIGAS, J.B.V. Caminhos da Arquitetura. São Paulo, Fundação Vilanova Artigas, Pini, 1986.

5
PAREYSON, L. Teoria da Formatividade. Petrópolis, Vozes, 1993.

sobre o autor

Artur Rozestraten é arquiteto e urbanista (FAUUSP, 1995); Doutorando no Depto de História da Arquitetura e Estética do Projeto (FAUUSP). Professor no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Moura Lacerda em Ribeirão Preto, SP.

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