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architexts ISSN 1809-6298


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Neste artigo, Luiz Fernando Janot assume a tarefa de comentar o que representa o "Caminho Niemeyer" nos dias atuais e a sua importância para a construção de uma nova face para a cidade de Niterói


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JANOT, Luiz Fernando. O caminho Niemeyer e a nova face de Niterói. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 095.00, Vitruvius, abr. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.095/146>.

Comentar o que representa o “Caminho Niemeyer” nos dias atuais e a sua importância para a construção de uma nova face para a cidade de Niterói é, sem dúvida, uma tarefa delicada, complexa e difícil de ser abordada, principalmente pelo reconhecimento da qualidade da obra do genial arquiteto Oscar Niemeyer. Torna-se também difícil esta tarefa pelo fato da apreciação ocorrer a partir de um evento comemorativo do centenário desse notável arquiteto. Entretanto, como a questão não se prende à especificamente à avaliação dos projetos arquitetônicos que compõem o Caminho Niemeyer, mas, pelo contrário, se volta para a maneira como os esses projetos estão inseridos no espaço urbano da cidade, decidi enfrentar o desafio como forma provocar um pensamento reflexivo sobre esta questão e, como corolário, sobre os desígnios das grandes cidades no mundo atual. Para nortear as minhas colocações optei por me ater, inicialmente, à perspectiva histórica para facilitar a compreensão de alguns aspectos que influenciaram e influenciam, a meu ver, determinadas intervenções arquitetônicas e urbanísticas em cidades contemporâneas. Em seguida procurei apreciar o projeto do “Caminho Niemeyer” sem perder de vista a sua inserção no contexto urbano da cidade de Niterói.

A conformação espacial de uma cidade costuma ser o resultado da estratificação das diversas estruturas morfológicas resultantes das sociedades que nelas se instalaram ao longo da história. Em outras palavras, poderíamos afirmar que a imagem da cidade costuma refletir em seus fragmentos espaciais o resultado das diferentes formas de organização política, social, cultural e econômica vigentes a cada época. Portanto, para se apreender espacialmente uma cidade exige-se de quem a analisa a percepção e a compreensão dos contextos históricos e espaciais que influenciaram e condicionaram a formação da morfologia urbana a ser estudada.

As cidades ocidentais contemporâneas, em sua grande maioria, fundamentaram o seu desenvolvimento urbano apoiado em princípios e expressões formais que despontaram na segunda metade do século XIX.  Londres, Paris, Barcelona, dentre outras, serviram como exemplos paradigmáticos para a renovação e adaptação das cidades identificadas com a emergente sociedade industrial. A indústria se tornava, naquela época, a principal protagonista do desenvolvimento das grandes cidades. O transporte coletivo passou a exigir novos meios de circulação viária. A cidade do Rio de Janeiro só veio conhecer, de fato, a influência européia desse período após o advento da República, durante a administração do Prefeito Pereira Passos no início do século XX. Naquela época, a Europa era quem dava as cartas. Somente na terceira década do século XX é que as metrópoles americanas emergentes – Chicago, Nova York – começaram a apresentar iniciativas inovadoras na sua estruturação urbana e morfológica. Os Estados Unidos ainda não haviam assumido de fato o papel de grande potência econômica, como viria acontecer efetivamente após a 2ª Grande Guerra Mundial (1939-1945) graças ao seu magnífico parque industrial e as relações de comércio exterior.

Mesmo timidamente, já despontava nas primeiras décadas do século XX o chamado movimento modernista que em seu processo de consolidação passou a “erguer e destruir coisas belas” (Caetano Veloso in Sampa) relegando ao passado o tradicional modelo europeu inspirado nos princípios “beaux arts”. O modernismo despontava pelo mundo afora e especialmente nos países emergentes introduzindo novas configurações urbanas e edilícias. O Estado e a iniciativa privada, afinados com estes princípios, sustentavam essa nova lógica de desenvolvimento urbano e introduziam paralelamente novos valores e padrões estéticos para as cidades. A nova mentalidade fazia predominar nos meios de produção profissionais e acadêmicos, a ideologia de se buscar a qualquer preço atributos racionais que tornassem as cidades mais adequadas à nova ordem urbana e aos modelos políticos vigentes. Nessa visão progressista, o Poder Público acompanhando, de uma maneira geral, arquitetos e urbanistas, passou a desprezar o passado de forma radical e tentar sepultar a história em nome de um desenvolvimentismo racional coerente com o seu tempo. Muitas vezes, esta atitude precipitada fez com que as cidades se distanciassem cada vez mais dos verdadeiros fundamentos humanistas contidos nos princípios ideológicos modernistas. Muitas distorções começaram a aparecer, inclusive, trazendo à tona uma série de contradições decorrentes da falta de planejamento quanto à expansão urbana das cidades. O vertiginoso crescimento das periferias urbanas, formando um cinturão de pobreza em torno da cidade considerada oficial, demonstra com clareza esta afirmativa. É importante salientar que rejeitamos o conceito de “formal e informal” aplicado na apreciação das cidades. Mesmo parecendo uma redundância, podemos assegurar que, na verdade, não existem duas cidades em uma mesma cidade. A cidade é uma só e é constituída através de seus contrastes, tensões e contradições.

Mais recentemente, com o fim das utopias urbanas modernistas e com a expansão desenfreada do capitalismo mercantilista pelo mundo globalizado, inclusive nas sociedades com perfil socialista, instalou-se nas cúpulas governamentais uma visão pragmática de tratar a cidade. O futuro passou a ser o “aqui e agora”. Ao creditar às cidades o caráter de “mercadoria” acirrou-se entre elas uma curiosa disputa que tem a “mídia” como principal catalisador e estimulador dessa tendência. A criação dos novos “produtos urbanos e arquitetônicos”, de aparência inovadora, deram para as cidades os signos de “status” que elas necessitavam para ingressar nessa rede de competição mercadológica. As grandes corporações internacionais se incumbiram de ativar e movimentar esse mercado promissor.

Nas cidades européias a renovação urbana passou a ser vista como palavra de ordem e a história voltou a ser reconhecida como um patrimônio a ser preservado. Em contraponto a esta tendência, na Ásia e no Oriente Médio são construídas grandes mega-estruturas arquitetônicas e urbanas por empresas multinacionais que se constituem, em alguns casos, em verdadeiros simulacros de cidades em territórios inóspitos desprovidos de qualquer vestígio de história. Estabelece-se, dessa forma, uma nova lógica cultural apoiada na aplicação do capital oriundo de operações financeiras e aplicações dos chamados “petrodólares”. O espírito colonialista do capital financeiro internacional se estendeu ao espaço urbano estabelecendo novos padrões edilícios independentemente das condições culturais e morfológicas do lugar escolhido. A imagem da cidade passou a estar associada à prosperidade econômica do ponto de vista da aquisição de bens de consumo e de mercadorias descartáveis. E como a “moda” se tornou uma expressão recorrente no mundo atual, as manifestações arquitetônicas e urbanísticas acabaram por se enquadrar nessa perspectiva “fashion”, o que, de qualquer forma, não deixa de ser um fato preocupante.

Na Europa, sobretudo em cidades como Paris, Barcelona, Londres e Berlim, foram realizados nos últimos anos diversos empreendimentos arquitetônicos e urbanísticos dentro dessa perspectiva. A arquitetura passou a adquirir o status de atração turística e símbolo de divulgação do poderio econômico da própria cidade. E com sucesso. Desde a inauguração do precursor Centro George Pompidou (1977) até o conjunto de edificações no entorno da Portzdamplatz em Berlim, passando pela “Pirâmide do Louvre” ou pelo Museu Gugheinhein em Bilbao, essa perspectiva mercadológica vem se consolidando no cenário internacional. Isso para não falarmos de cidades como Dubai, Hong Kong, Taiwan e outras que se tornaram expressões marcantes desse novo quadro da arquitetura e do urbanismo mundial.

É nesse contexto temporal, espacial e universal que gostaríamos de apreciar o “Caminho Niemeyer”. Depois do sucesso alcançado pelo Museu de Arte Contemporânea (MAC), do ponto de vista arquitetônico e como atração turística para a cidade de Niterói, o governo municipal tratou de tirar partido desse sucesso buscando iniciativas semelhantes para reverter o dito popular que de forma preconceituosa afirmava que Niterói só tinha de bonito a vista da cidade do Rio de Janeiro. E o que melhor poderia ser feito para reverter essa situação? E como conseguir simultaneamente elevar a alta estima da população niteroiense? Ora, nada melhor do que a construção de novas obras do genial arquiteto Oscar Niemeyer que, por si só, é reconhecido como uma referência mundial da arquitetura.

Partindo desse pressuposto, só restava à municipalidade encontrar os locais adequados na cidade onde pudessem ser construídos os projetos de Niemeyer, desde que, é óbvio, garantissem a visibilidade desejada para as novas obras projetadas pelo arquiteto como se deu com o MAC. Pensou-se, inicialmente, em criar uma seqüência formando uma espécie de “caminho” pela cidade onde despontariam os diversos projetos. Entretanto, além da ansiedade política de promover o mais rápido possível este intento e diante da dificuldade de obter meios para realizá-lo, especialmente do ponto de vista financeiro pelo alto custo das obras e pela valorização fundiária dos eventuais terrenos, não restou alternativa ao poder público senão a de concentrar a maioria dos projetos sobre aquele indefectível aterro abandonado junto à estação das barcas.

Cabe lembrar que 1971, através de um Decreto Municipal, o Poder Público pretendia fazer daquela área aterrada junto ao mar um parque semelhante ao recém construído “Parque do Flamengo” na cidade do Rio de Janeiro. Era uma forma de oferecer à população e ao Centro da cidade um espaço comunitário de lazer e entretenimento. Mas a idéia sucumbiu junto aos escombros daquele aterro que permanece abandonado até hoje, isto é, três décadas após a idéia apresentada. O “Caminho Niemeyer”, ao contrário do Parque do Flamengo, não teve o mesmo enfoque de abordagem. Enquanto que no Parque do Flamengo a arquitetura e o paisagismo nasceram juntos em decorrência da implantação de duas vias expressas, no “Caminho Niemeyer” a urbanização veio a reboque da arquitetura num arranjo que enfatiza primordialmente o aspecto de percepção visual dos edifícios de Niemeyer aparentemente colocados como objetos numa espécie de tabuleiro para exposição.

No Parque do Flamengo, o arquiteto Afonso Eduardo Reidy criou passagens subterrâneas e passarelas singelas em meio ao conjunto paisagístico concebido por Burle Marx destinado a envolver as pistas de alta velocidade e facilitar o acesso dos freqüentadores da praia e do próprio parque. Reidy projetou, além do Museu de Arte Moderna, diversas edificações de pequeno porte para as funções de estruturação do Parque do Flamengo. Marcos Konder projetou o Monumento aos Mortos na II Guerra Mundial e um belo restaurante a beira mar (2). Amaro Machado idealizou a sede da Marina da Glória praticamente imperceptível aos transeuntes. Todos tiveram a preocupação de não competir com a paisagem natural. No caso de Niterói, o que iria determinar a paisagem local, ao contrário do Parque do Flamengo, seria a percepção visual das obras de Niemeyer construídas naquela esplanada à beira mar.

Por uma decisão de caráter político, coube a Niemeyer projetar para aquela área pública um conjunto variado de equipamentos de ordem cultural e religiosa o que, a meu ver, independentemente da boa qualidade dos projetos arquitetônicos apresentados, esse fim se distancia das funções de interação daquela área com o entorno urbano da cidade, atualmente, em franco processo de decadência física e ambiental. Não acredito, portanto, que os projetos de Niemeyer possam, por si só, reverter esta tendência nem exercer o poder de contaminação que se espera como conceito para a renovação de áreas urbanas degradadas na cidade. Verifica-se, também, a total desconexão do antigo tecido urbano da área central da cidade com a área destinada designada como ”Caminho Niemeyer”. Entre ambos existe uma faixa de terreno inóspita, ocupada por um terminal de transportes coletivos, por um supermercado e por um estacionamento de veículos, que se apresenta como uma verdadeira barreira espacial estimuladora dessa ausência de comunicação com a cidade existente. Infelizmente, e ao que tudo indica este fator de agregação à velha cidade não foi considerado na implantação do projeto.

De tudo isso se depreende, independentemente da qualidade arquitetônica dos prédios idealizados, que o “Caminho Niemeyer” ao invés de se constituir num elemento de agregação urbana para a cidade de Niterói acabou se tornando um fim em si mesmo. A inserção das edificações, o arranjo espacial e a concepção da paisagem urbana local denotam apenas a preocupação de divulgar mercadologicamente a imagem de que Niterói é a cidade que, depois de Brasília, possui o maior número de projetos de Niemeyer. Para isso não era necessário agrupar praticamente todas as obras (exceto o MAC e a Estação de Charitas) num mesmo espaço urbano. Melhor teria sido distribuí-las pela cidade gerando um verdadeiro “caminho” ou mais “percursos” geradores de desenvolvimento em áreas significativas da cidade. A adoção política de um pragmatismo simplista eliminou o que poderia criar o fator surpresa que permearia os trajetos urbanos pela cidade através do “Caminho Niemeyer”. Considero que, em cidades estruturadas sob conceitos urbanísticos convencionais, a “descoberta” da obra arquitetônica é um fator preponderante para a valorização do entorno urbano que a envolve. Ao se valorizar os percursos pela cidade estaremos incentivando a circulação pela malha urbana existente e, simultaneamente, favorecendo a sua renovação. Esta é uma estratégia usual e reconhecida no planejamento urbano. Do jeito como foi realizado este plano de intervenção, valorizou-se apenas o tratamento de uma determinada “franja urbana” tornando-a uma figura de retórica mais rica do que o próprio tecido urbano a que ela pertence.

Entretanto, se a intenção política de realização do “Caminho Niemeyer” foi de apenas se fixar na perspectiva do marketing e de entender o desenvolvimento urbano da cidade pela lógica da produção de mercadorias, é possível que este projeto possa trazer os resultados financeiros esperados. Entretanto, se o objetivo da Municipalidade foi o de interferir no desenvolvimento urbano e social da cidade, numa perspectiva mais abrangente, asseguro que não tenho a mesma convicção quanto à concretização deste intento. Cabe, portanto, perguntar de que forma este investimento arquitetônico e financeiro poderá contribuir para a efetiva reversão do atual estado de decadência urbana do centro da cidade de Niterói? Cabe também questionar se a população niteroiense será diretamente – insisto, na expressão diretamente - beneficiada pelos possíveis “reflexos midiáticos” desse empreendimento? Deixo no ar estas perguntas instigando uma reflexão futura tanto dos niteroienses como de qualquer arquiteto urbanista que, de uma maneira geral, se interesse por refletir sobre os destinos das cidades no mundo contemporâneo.

notas

1
O presente artigo está baseado na exposição que tive a oportunidade de fazer no “Fórum e Mesas Redondas Oscar Niemeyer – 100 anos” promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil e Prefeitura de Niterói em 13 de dezembro de 2007 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC).
2
Projeto em co-autoria com o arquiteto Hélio Ribas Marinho.

sobre o autor

Luiz Fernando Janot é Arquiteto Urbanista pela FAU-UFRJ (1966), Mestre em Urbanismo pela PROURB (1998) e professor da FAU-UFRJ. Foi presidente do IAB/RJ.

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