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Leia no artigo de Emanoel Araújo, curador do Museu Afro Brasil, o texto curatorial para a nova exposição "Negros Pintores", uma visita ao acervo de pintores negros da Academia de Belas Artes dos séculos XIX e XX


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ARAUJO, Emanoel. Negros pintores. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 100.00, Vitruvius, set. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.100/107>.

Esta nova Exposição do Museu Afro Brasil é uma visita ao acervo de pintores negros da Academia de Belas Artes, século XIX, incluindo mais três outros artistas já do século XX, mas que – de certa maneira – traduzem em suas obras laços profundos com a tradição acadêmica, mais em espírito do que na complexidade técnica da produção pictórica. São eles Benedito José Tobias, Benedito José de Andrade e o gaúcho Wilson Tibério.

Os dois primeiros são de São Paulo e viveram aqui no resquício da prática figurativa de pintar; o outro trabalhou e viveu por longos anos na França, onde morreu. Talvez o distanciamento da pátria fez com que Tibério se dedicasse a uma arte voltada à representação de aspectos da cultura afro-brasileira. Seria nostalgia do exílio ou uma posição política por ele adotada para evidenciar suas mágoas e sua condição de revolta com as injustiças do mundo? Ele próprio já havia experimentado certo fracasso no Senegal quando se envolveu num movimento de revolta dos mineiros lhe valendo a expulsão daquele país africano. A inclusão de suas obras nessa exposição, longe está de uma representação ideal, mesmo porque pouco se conhece da sua produção mais recente, antes de seu falecimento na França. Contudo, as cinco obras do acervo do museu, representam uma homenagem póstuma à sua vida longe do Brasil.

Quanto a Benedito José Tobias e Benedito José de Andrade, pouco se investigou sobre suas obras. De Tobias, além do que se conhece – os pequenos retratos de negros e negras executados a óleo sobre madeira ou a guache sobre papel, com maestria e com uma certa tensão expressionista – há algumas pinturas de paisagens, de onde surgiria um belo pintor perdido pelas agruras da vida de severos tempos.

Sobre ele, disse José M. Silva Neves: “Numa vida inquieta e estabanada, desperdiça seu talento e a fortuna em imóveis e terrenos que herdara dos pais, passando então a viver exclusivamente de sua arte. Nessa quadra de sua existência, sentiu toda a dolorosa beleza da vida. Sentindo as harmonias do pobre, do barato, a beleza dos atos vulgares, conhecendo as pequenas e as grandes misérias, olhava tudo com olhar compassivo, tendo pelas fraquezas dos outros suma tolerância sem igual. Estava embriagado com o licor da vida. Mas a pintura era sua preocupação dominante. Por ela sofreu humilhações e duras desilusões.”

Quanto ao Andrade, seus trabalhos se notabilizaram pela representação animalista de verdadeiras parábolas para armar situações como esta descrita pelo Jornal do Brasil de 1951. “A cena é pitoresca. O papagaio (tão vivo) parece um daqueles louros amazonenses em plena selva. Do alto grita, vozeia. Os habitantes do terreiro aplaudem enquanto que o galo surrado, desolado, deposto, jaz sujo e sem força para discutir. Um quadro real. Idéia. Técnica. O papagaio como qualquer. O dos papagaios homens, vence a parada pelo verbo, pela retórica, astuciosamente. Galo também como qualquer mandão homem, sofre no orgulho abatido, na queda inesperada... Que cena, Sr. Andrade! Que concepção filosófica e que modelos condescendentes! Muito bem, sim senhor.”

Desde A Mão Afro Brasileira, quando começamos a tratar de mostrar esses pintores, uma espécie de arqueologia vem se processando na descoberta de novas obras e sua devida valorização no mercado de arte, apesar do ostracismo, dos maus-tratos, da ignorância e insensibilidade com que se trata no Brasil a história e a memória iconográfica da arte do século dezenove e do primeiro quartel do século vinte.

Durante muito tempo pouco se sabia sobre esses pintores, pouco se conhecia de sua produção artística, aliás, até os dias atuais essas obras ainda surpreendem quando aparecem no mercado de arte, sendo que muitos desses artistas continuam congelados nos acervos ou nos depósitos dos museus sem que uma política de revisão e de novas aquisições se faça para resgatar em profundidade essa produção artística.

Nessa visita à coleção do Museu Afro Brasil vamos, sobretudo, celebrar as novas aquisições dos Irmãos Timótheo – João e Arthur, que chegaram ao século XX. Esses dois pintores merecerão um dia, uma grande exposição que revelará a força de seus talentos e o requinte técnico de suas obras. Algumas delas como “Alguns Colegas”, de 1921, do acervo do Museu Nacional de Belas Artes e “Carnaval”, de 1913, são obras memoráveis da feitura de Arthur Timótheo da Costa assim como algumas obras do Museu Afro Brasil do período do novecentos, mas são as pequenas paisagens ue revelam a sensibilidade atenta de João Timótheo da Costa. Em ambos se percebe o nascimento de uma pintura vigorosa, densa, texturada, nervosamente grafada com liberdade e exuberância colorista. Se a morte não tivesse ceifado tão prematuramente suas vidas, eles, por certo, seriam os primeiros artistas modernos do Brasil. Dos negros pintores, veremos a obra de Rafael Pinto Bandeira, fluminense que se matou, atirando-se da barca que fazia a travessia Rio - Niterói. O Museu Parreiras detém uma coleção apreciável de suas obras, assim como o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. São paisagens intimistas e bucólicas que mostram o caráter introspectivo do artista. Algumas figuras, paisagem e retratos, inclusive do aluno Conceição, que aparece recebendo aula com o pintor quando este lecionava no Liceu de Artes e Ofícios de Salvador, em rara fotografia do final do século XIX – pertencem ao Museu Afro Brasil.

Firmino Monteiro, outro raro pintor de belas e luminosas paisagens, pintou também temas históricos e de costumes; seu famoso quadro “Fundação da Cidade do Rio de Janeiro”, mereceu este comentário de Machado de Assis: “Não faltou quem levasse consigo um pouco de receio – o receio de uma desilusão - mas ninguém desceu que não se desse por bem pago do tempo e do esforço. Com efeito, o quadro do Sr. Firmino revela qualidades reais de artista: é bem desenhado, bem composto, bem colorido, a impressão geral é excelente. Não entramos, por falta de competência, no inventário das belezas técnicas do trabalho, ou ainda dos senões, se os tem; damos uma impressão de espectador.”

Outro artista surpreendente, há pouco tempo descoberto pelo marchand Rafael Kastoriano é Emmanuel Zamor, nascido na Bahia e levado ainda muito jovem para França, onde viveu e tornou-se pintor. Suas obras foram mostradas pela primeira vez no Museu de Arte de São Paulo, em 1985 e, depois, na Fundação Armando Álvares Penteado, em 1990. O nome de Emmanuel Zamor começou a ecoar nos ouvidos do marchand em 1984 quando um tio seu, antiquário, comentou em família que havia feito uma grande descoberta. Durante um leilão, ele se viu frente à obra de um curioso artista do qual nunca tinha ouvido falar, mas que lhe pareceu muito interessante. Ao saber que o pintor era brasileiro, arrematou as 37 telas – algumas feitas sobre madeira de caixa de charuto – que estavam à venda e, de quebra, levou uma foto do artista atribuída ao parisiense Maurice Nadar, fotógrafo que registrou as imagens dos mais famosos intelectuais e artistas da França do final do século XIX. Zamor é considerado um pré-impressionista, suas paisagens feitas ao ar livre, naturezas mortas ou ainda recantos bucólicos são o fascínio desse artista revelado pela astúcia de um descobridor.

A Europa sempre foi o fascínio dos artistas do século XIX e esse foi o destino do sergipano de Laranjeiras, Horácio Hora, que morreu muito moço – com 37 anos, deixando uma obra muito pequena e hoje no acervo do Museu Histórico de Sergipe, em São Cristóvão. Pintor cuja carreira desenvolveu-se quase toda na França, Horácio Hora pode ainda ser reclamado como artista de nítidas preocupações brasileiras, pois fiel aos postulados românticos que o fizeram criar, por exemplo, Peri e Ceci. Comenta José Roberto Teixeira Leite: “A exposição apresenta apenas uma paisagem delicada e de múltiplos planos e de requintada e minuciosa pincelada do pintor.”

A vida de cada um desses artistas será uma interminável batalha, um grande esforço pessoal e de uma tenacidade inimagináveis pela afirmação e reconhecimento de suas obras. Só o fato de seus nomes terem permanecido na história da arte brasileira já credenciaria a raça negra ao reconhecimento da nação pela sua contribuição à construção da cultura brasileira. Entretanto, há algo mais. Estevão Silva pode ser tomado como caso exemplar da busca de uma expressão. "Descendente de africanos, conservando ainda traços profundos e radicais, era o que se pode chamar um belo tipo, retinto, forte, fisionomia insinuante, onde havia o quer que fosse de franco e bom.". Assim o crítico Gonzaga Duque descreve Estevão Roberto da Silva. Apesar das convenções de estilo de uma época, apesar do preconceito, a alma negra ultrapassa os limites que a aprisionam e encontra um modo de manifestar-se em pujança. Como os demais artistas acadêmicos, Estevão Silva não toma o negro por tema ou modelo, atendo-se, ao contrário, a uma temática tradicional, sobretudo pelo gênero em se especializa – a natureza morta. "Quem como ele vem de uma rude raça oprimida e vem sofrendo, e vem lutando, não tem a nebulosidade grisata, dificultosa, meândrica, enovelada dos finos; vê sempre sangüíneo, vê sempre desesperadamente amarelo. Repare-se agora o contraste brusco das sombras cuja cor nunca conseguira perder, apesar do tom pesado, algumas vezes muito violento que punha nos seus quadros. É negro sem leveza, sem transições. O colorido quente, intenso, gritalhão de seus frutos reunidos á escuridão das sombras, dão aos quadros, mesmo aos menores, um aspecto de rudeza que domina e destrói a macieza aveludada, a delicadeza voluptuosa com que tratava alguns espécimes da natureza dos trópicos.". Mas sua obra tem uma integridade ímpar pela qualidade de suas invenções, pelas cores sedosas e quentes de seus frutos tropicais e sensuais. “Ninguém pintou frutos iguais ao de Estevão”, observou um outro critico de arte. Ninguém foi como ele em sua inteireza como artista, soberbo aquele Diamante Negro, gritando: “Recuso!” – uma insubordinação diante do júri de premiação, imperdoável atitude, perante o Imperador D. Pedro II quando se sentiu injustiçado com seu prêmio como aluno da última turma da Academia Imperial de Belas Artes.Valente esse Estevão, grande sua agonia, brilhante o seu gesto.

nota

1
Texto curatorial da exposição “Negros Pintores”, em cartaz no Museu Afro Brasil desde 23 de agosto de 2008.

sobre o autor

Emanoel Araújo, artista plástico, é curador do Museu Afro Brasil.

 

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