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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O autor trata do conceito de arquitetura seca, abordado por Juan Mascaró em seu mestrado "O custo das decisões na Arquitetura", com quem desempenhou a função de auxiliar de ensino, que aponta no sentido de agregar à economia na arquitetura um outro viés


how to quote

DEFFERRARI, Mauro. O decálogo da arquitetura seca. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 101.04, Vitruvius, out. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.101/103>.

Em 1992, na produção da proposta de mestrado para o programa de pós-graduação da faculdade de arquitetura da UFRGS, reuni e compilei alguma experiência do convívio com o prof. Juan Mascaró, autor de “O custo das decisões na Arquitetura”, com quem desempenhei a função de auxiliar de ensino. A proposta de dissertação apontava no sentido de agregar à economia na arquitetura um outro viés, senão novo, ao menos colaborador. Uma visão que trouxesse alguma conciliação da magnífica teoria de Mascaró com a experiência cotidiana, tão complexa e variada, que passa por muitos tipos de programas (após a vivência de alguns anos no exercício simples do labor arquitetônico e alguns milhares de metros quadrados de projeto depois, o olhar nos é contaminado pela perspectiva de realizar o estado-de-arte com a simplicidade e transcendência silente do artífice devotado ao ofício que lhe dá extensão aos membros).

Na época, assim como hoje, seria necessário um título simples para um conceito tão complexo como a visão econômica da arquitetura, traduzindo-a para arquitetos habituados a compreendê-la culturalmente.

Gerald Thomas, dramaturgo emergente no início dos anos 90, utilizou a expressão ópera seca - uma visão cenográfica despojada do estofo bufo que sempre caracterizou a ópera tradicional - no sentido de apresentar o conteúdo dramático através da simbólica de alguns movimentos das artes plásticas expressionistas. Em outras palavras, imagens auto-suficientes, já significativas na memória coletiva, funcionando como paráfrases e epígrafes, montadas a partir de colagens de outros campos da expressão artística, substituindo as imagens do script tradicional da obra. Evidentemente, uma experiência dramática. Algo como utilizar elementos de outras áreas da expressão técnica e cultural para enriquecer o discurso subliminar do texto dramático. A idéia era uma economia de texto. Um minimalismo conceitual. Sua permanência talvez tenha esbarrado na popularidade escassa do repertório operístico. Mas sua idéia a transcendeu.

Ao deparar com o manifesto desta experiência, sua similitude com a idéia de uma economia oriunda da possibilidade de reciclar e estabelecer o criativo não só pela presunção da originalidade, mas também pela interassociação de originalidades aceitas, entendi que poderíamos falar de uma Arquitetura Seca. Uma arquitetura que se alimenta do conceito da diversidade sob um “coordenador” simples e com um mínimo de autofagia – a realimentação quase incestuosa do historicismo e do culturalismo como parametria santa – na busca de um resultado comprometido com a sua responsabilidade social, eficiente na sua viabilidade. Em outras palavras, uma adequação aos conceitos de qualidade do século XXI.

Na estréia da coluna, apresentando o panorama no qual os conceitos se articulam, propus a exposição em dez princípios que considero básicos para estruturar o processo arquitetural, em títulos crônicos. Assim como são identificados a um conceito-síntese, podem ser apresentados individualmente, o que, além de tornar mais palatável sua compreensão, reproduz um deles, o da conectibilidade.

A seqüência em que serão apresentados não é hierárquica. Sua importância é homogênea.

O fato de serem dez não tem nenhuma alusão a mandamentos morais ou de exigência religiosa. Este número surgiu de reflexões decantadas ao longo de 10 anos. Também não significa que cada uma demandou um ano para ser discernida e processada. Apenas, foram dez anos de preparação e espera pela oportunidade de pô-las em prática e realiza-las. Dez anos para descobrir que poderíamos resumir um método de projeto em dez princípios intercombináveis, prescindindo de outras abordagens para prover um resultado satisfatório.

É muito importante lembrar que, mesmo apresentando o método como algo pensado e testado, estamos longe de tê-lo pronto. Também acho que, a despeito de suas apresentações teóricas parciais prévias, em seminários e sala de aula, é oportuno expô-lo à experimentação e debate com meus pares profissionais.

Como todo método que se proponha a ser um “modelo de utilidade”, a Arquitetura Seca possui um corolário simples alicerçado em conceitos teóricos, nem sempre, entretanto, compartilhados por todos que venham a encontrar utilidade em sua aplicação. Boa parte das fundações teóricas dos alicerces procedurais não são, definitivamente, convencionais à teoria da arquitetura e, dada esta aquisição de conceitos em searas alheias, a pertinência deste fundamento teórico pode ser, ao longo da existência desta retranca, objeto de discussão. Para isso, é necessário que os futuros interessados em rebate-la, discuti-la ou mesmo desmonta-la, a tenham lido em sua completude, a qual, em títulos pode ser apresentada da seguinte forma:

Cada princípio contemplado pela presença dos outros nove nas proporções adequadas e indicadas pelas características específicas do programa de atividades.

1. Montabilidade, conectibilidade, sustentabilidade: a) intrínseca – sistemas fechados; b) sistemas abertos – montabilidade por conectibilidade; c) composição de sistemas – interface na tecnologia de organização.

2. Economia geométrica: a) índice de compacidade (1) em todas as escalas do processo; b) densidade / complexidade de continentes / contidos; c) proporcionalidade / equilíbrio entre permanência e transitoriedade.

3. Planejamento e processo intrínsecos ao projeto arquitetônico – economia de processo: a) arquitetura como revestimento de processos e eventos (percursos, eventos, procedimentos e tempo); b) output arquitetural como relato lógico das razões e das condições (heurística e sistêmica); c) planejamento de realização; d) cpm/pert – o caminho crítico como relato de compacidade; e) curva tempo/dispêndio – economia financeira

4. Arquitetura como Tecnologia de Projeto – O Meta- Projetado: a) preliminares; b) metaprojeto – metodologia de constituição estratégica; c) anteprojeto; d) desenvolvimento de conceitos; e) projeto; f) desenvolvimento de percurso técnico; g) realização.

5. Arquitetura como dramatização poética do programa de atividades e eventos: a) impermanência x essência; b) atividade – ativitema e sua métrica; c) matriz afetiva x matriz simbólica; d) percursos e violência – movimento, impacto e rumo; e) estética – percepção, ética e criatividade; f) ética e harmonia.

6. O projeto como planejamento estratégico (2) vertical: a) técnica construtiva x técnica de projeto; b) bias (parcialidade e tendenciosidade); c) sistemas de controle; d) metaprojetação e metaconstrução; e) processamento de atividades em simulação modelada.

7. Processo Executivo como Estratégia* Horizontal de Qualidades: a) técnica construtiva – qualidade componível; b) bias; c) sistemas de controle; d) integridade entre projeto e qualidades específicas; e) somatória das qualidades como resultante da somatória das expertises.

8. Abordagem Escalar como Transientes Infinitos: a) as escalas intra e extra-ordem de grandeza; b) a interatividade permeante das características dos processos;c) a escala do tempo; d) a escala estética; e) a escala ética.

9. Produção de Significado através de Significantes Culturais: a) sintaxe tipológica; b) sintaxe simbólica; c) sintaxe tecnológica; d) bias.

10. Apropriação do Ambiente como Articulação Espacial. Projeto como manipulação topológica (toposófica – arquitetura), por exemplo: a) relações (contigüidade, alternância, proximidade e distância); b) dos atributos do espaço (“largo” x “estreito”, “espaçoso” x “apertado”, “luminoso” x “sombrio”, “denso” x “rarefeito” e “acelerado” x “estático”).

Montabilidade, conectibilidade e sustentabilidade

Elegi começar por um dos princípios mais estratégicos (outros são mais táticos) e que ao mesmo tempo evoca preocupações que transcendem o exercício do projeto arquitetônico. São as questões pertinentes ao conceito da sustentabilidade.

O tripé da economia de processo

Para eleger este trio de habilidades como princípio de operação de projeto, é necessário compreender seu corolário – o que se monta, para mudar, se desmonta. O que se constrói, a princípio, para mudar, se destrói.

Nesta frase se apresentam os três elementos e sua inter-relação.

Montar pressupõe associar partes em alguma configuração complexa, mantendo-se algo da identidade prévia dos elementos em situação manifesta, com a possibilidade de retorna-los a esta mesma identidade em caso de reconfiguração.

Para que uma montagem seja possível em sua definição, é inextricável a capacidade das partes de serem conectadas umas às outras, ou por uma característica física do próprio elemento ou por uma terceira parte, um catalítico mecânico, que lhe empresta a capacidade de conectar com outros semelhantes ou mesmo diferentes.

A fim de focar, neste momento, este princípio, evitarei aqui a utilização de exemplos de força monumental – nossa perspectiva é a produção cotidiana, que ao longo dos anos de vida útil do promotor e produtor será de muitos milhares de metros quadrados.

A idéia subjacente de que montar difere de construir pela ausência de destruição, na hipótese de modificação, é, evidentemente, bastante discutível, o que pode ser positivo. Poder-se-ia dizer que desmontar destrói o objeto, destituindo-o de sua “construção” original. Por outro lado, o grau de conectibilidade é indicador da capacidade do objeto de ser reconstituído em suas características iniciais ou intrínsecas. Uma barraca de camping (se aceitarmos a impermanência como ator na arquitetura) é o objeto exemplar deste aspecto.  Suas características estruturais e seu processo de realização representam a síntese deste princípio – sustentabilidade, como vértice de um tripé baseado em movimento – desmontar para montar de novo, onde for necessário – reciclar e dar nova vida a um sistema que tem esse grau de liberdade.

Para esta barraca realizar esta vocação, suas peças devem ser desenhadas com a conectibilidade adequada a tantos movimentos. Tanto maior a durabilidade destas conexões, maior sua utilidade. Tanto mais durar o sistema, melhor sua amortização de investimento inicial. Por outro lado, se os materiais que compõem o sistema forem muito duráveis, sua inserção no âmbito macro-econômico será escassa. O ciclo da macro-economia exige durabilidade bem mais curta do que a arquitetura que não se propõe a produto (discussão do prof. Edson Mahfuz, em sua preocupação com o esvaziamento do conteúdo transcendente da arquitetura ao transformar-se em produto – uma abordagem fundamental na discussão destes conceitos).

Então, qual a relação entre esta montabilidade e sustentabilidade? Se, para o sistema produtivo encontrar equilíbrio entre realização e demanda é necessário um paradoxo – a durabilidade não pode ser maior do que a utilidade – como fazer frente a esta condição quase contraditória?

Chegamos aqui ao centro da questão. Para esta abordagem, a sustentabilidade é muito mais um ato de integração entre programa de atividades e sistema realizatório, mais do que um ato econômico oriundo da amortização dos recursos ou sua capacidade de impactar pouco o ambiente. Arquitetura sustenta-se em sua utilidade em todos os âmbitos – funcional e simbólico. Seu caráter é um funcional simbólico. Sua permanência depende de valores agregados a esta funcionalidade simbólica.

A possibilidade de exercitar uma manutenção não destrutiva, uma reconfiguração dos cascos de acordo com a reconfiguração das atividades, é tanto mais sustentável quanto maior a flexibilidade desta mesma estrutura em sua projetação inicial – desde o conceito espacial até o construtivo. Mas aí voltamos ao conceito chave da Arquitetura Seca – é no projeto que aplicaremos o operador desta sustentabilidade – o programa de atividades pode ser tão “montável” quanto o sistema construtivo, pois a inextricabilidade dos processos assim o exige.

Assim, então, chegamos à possibilidade de costurar de maneira mais organizada o arcabouço do propositivo teórico – o tripé é, então, útil em todas as escalas de operação projetual. A identidade dos ativitemas (se me permitem um neologismo para a fração mínima de atividade reconhecível como constituinte de um programa arquitetônico) pode ser mantida suficientemente intacta para que seus conectores, ou inteligibilidade de trama, possam agir sob as mesmas regras em circunstâncias modificadas pelo tempo.

A identidade das atividades se apresenta e se reconhece em partículas mínimas, representando em si o complexo de seu próprio universo, que podem ser administradas por elementos conectores, que neste caso, são estratagemas de reconhecimento – de inteligibilidade.

Em resumo: o tripé montabilidade, conectibilidade e sustentabilidade é operacional em todos âmbitos do processo, desde a constituição do programa, funcional e quantitativo, passando pelo projeto (projetos, amplo senso), materializando-se na obra e realizando-se na vida útil do objeto-arquitetura. Sua manifestação mobiliza o sistema de articulação possível do programa de atividades e apresenta-se como tecnologia adaptativa para o desenvolvimento da entidade individuada que a edificação representa. Ao mesmo tempo resgata a materialidade das micro-ações individuáveis como entidades transcendentes, vivas.

Sua ação instrumental, sob as condições de aplicação, promove qualidade porque incorpora adaptabilidade e reconhece a matriz individual das soluções combinatórias – ativitemas e sua riqueza de combinações – compreensíveis em uma sintaxe própria, exposta na teoria dos percursos e da arquitetura. É a chave de reconhecimento que nos auxilia a encontrar a ordem das razões e das condições – um sub-tema dos dez princípios arrolados.

Antes de ir adiante, parece-me interessante traduzir essa complexidade teórica em uma imagem menos árida.

As atividades humanas consignáveis ao espaço arquitetural são em número finito. Suas combinações, entretanto, podem conter significados novos, oriundos da própria combinação. É o caso da palestra. O número de interlocutores a ser acomodado pode modificar o conteúdo simbólico para uma atividade em essência a mesma – a conversa, o diálogo, a fala.

Uma sala de reuniões com uma mesa redonda representa o mesmo conteúdo de um anfiteatro, em outra escala. Essa mesma mesa de reuniões, em nossa cultura, pode suportar de maneira confortável a função de base da refeição familiar – comer em grupo é uma reunião – desde que tenha a dimensão adequada ao programa refeição – pratos, copos e talheres – uma outra camada de atividades a combinar com a primeira. O anfiteatro é uma reunião de foco comum, onde um dos participantes, o ator, encarrega-se da apresentação de um conteúdo a ser apreendido pelos restantes. Como o comensal na cabeceira da mesa em seu discurso de graças à vida. A diferença entre esses eventos, no caso, não é só a quantidade de ativitemas, mas a inter-relação entre eles e sua quantidade. A inteligibilidade do evento é resultado da graduação correta do quantitativo de atividade versus o agregado simbólico que se estabelece nas diferentes escalas de crescimento desta equação de conexões que eles necessitam para funcionar. Por outro lado, a resultante desejável da aplicação de todos os elementos instrumentais necessários à realização plena é a qualidade do fenômeno, tanto funcional como técnica e espacial – traduzida em realização das expectativas emocionais dos usuários e em economia de meios.

Na realização construtiva, sob um olhar superficial, expõem-se diferenças maiores, o que, aparentemente, acarreta uma des-economia na aplicação de conceitos projetuais que se proponham sintéticos. Entretanto, à medida que consideramos o tripé em pauta, estaremos novamente de frente para soluções semelhantes, diferidas apenas por escalas dimensionais. Se, para conter uma sala de reuniões pequena basta uma construção de técnica proporcional à sua complexidade, poderíamos supor que um grande anfiteatro nos exigiria grande esforço técnico, desproporcional à pouca diferença de conceito funcional (de ativitema) entre ambos programas. Sob nosso tripé, a tecnologia execucional não depende de decisões tópicas à complexidade dos programas, mas de decisões típicas. A mudança de escala ocorre também no âmbito técnico – a construção é tecnologia adaptativa representado-se em todas as direções nas quais aponta o vetor da complexidade ou da simplicidade. Ou seja, edifica-se montando a partir de elementos semelhantes, grandes ou pequenos mecanismos de conter espaço e simbolismo, e desta forma a dinâmica de processo é a mesma – se para montar um espaço de 30 metros quadrados são utilizados elementos conectáveis pela força humana, um espaço de 30.000 necessitará de força multiplicada, mas não diretamente proporcional, uma vez que os elementos podem ser os mesmos – barras de aço de peso manipulável por duas pessoas, conectáveis por parafuso, por exemplo. Podemos dizer que é um método redutor de desperdício em ação. Neste caso, de adaptação como atividade típica e não-residuante.

Aplicabilidade

A industrialização é um processo necessário à economia de escala. Essa afirmação, a despeito de excessos ou acertos, é universalmente aceita. Para a construção, a asserção é simples e direta, mas para a área de projeto, fica um pouco mais difusa a sua idéia.

É possível, entretanto, dizer que o projeto é uma atividade segmentável em momentos de aquisição e constituição de massa de dados (as pesquisas iniciais, legais, topológicas, sociais, psicológicas e anamnéticas), processamento de informação via abstração (constituição de programa e dimensionamentos), criação intuitiva (a estratégia essencial e suas táticas tópicas), reavaliação e ajuste (as inúmeras alternativas testadas), seguidos de processamento adaptativo intenso da informação transformada e elaborada pelo salto criativo, representado aqui pelo desenho técnico, topográfico e “seco” de aspectos emocionais. A partir desta estrutura relacional entre “inputprocessooutput”, aproximamos o processo projetual da execução, uma vez que sua atuação, a partir da área de criação, demanda uma linha de produção tão temporal quanto a complexidade de seus elementos.

Em outras palavras, são necessários pouco mais de 10% do processo de projetação para o segmento “criativo”, mesmo que seja, de longe, o mais importante, enquanto a transferência da informação essencial percorre uma possível metodologia quase industrial de produção.

 Dentro do trecho da produção onde ocorre a metabolização criativa, poderíamos também relacionar momentos distintos. É fato reconhecido ser mais fácil projetar com eficiência quando lidamos com idéias já elaboradas e referenciadas por experiências decantadas, bem como por posições psíquicas ou sociais adotadas. A dificuldade maior reside na proposta em áreas indefinidas, onde pisamos pela primeira vez. Ora, se aceitamos a operacionalidade maior de administrar o processo criativo onde estamos mais familiarizados, podemos inferir que este processo se dá com elementos instrumentais que já tenhamos  “aprendido” a usar. Como manipular ferramentas. Ferramentas são o manifesto mais operacional dos ativitemas!

Esta é a chave da tríade. A partir da adoção de um ferramental procedural, o que consiste na montabilização e conectibilização de ativitemas,  até mesmo o segmento criativo da projetação, a princípio o “rebelde”, pode ser “domesticado” a favor de um processo controlável e quantificável.

A pergunta pode ser – qual o aperfeiçoamento real agregado pela quantificação e controle naquilo que difere essencialmente a produção qualitativa do simples processo reprodutor?

Acredito, assim como quase todos, que a criatividade é entidade superior, incontrolável e surpreendente. Mas, criar em condições adequadas de tempo e “ambiente” é método reconhecido como favorável em todas as artes e processos que dependam disso. Mesmo que não sejam condições suficientes, são necessárias.

 Assim, constituir um ferramental adequado à atividade de projeto é semelhante em conceito a fazê-lo com os elementos constituintes de uma obra arquitetônica. O planejamento (o meta-projeto) e a administração (a organização do sistema) dos serviços e técnicas não constituem em si a garantia de qualidade do resultado, mas apóiam a sustentabilidade do processo. Coadjuvam na efetividade. Rentabilizam os recursos e, por sinergia, retroajem na qualidade da atitude de projeto.

Um caminho para eficiência qualitativa (por uma arquitetura sem resíduos)

Uma das dificuldades da arquitetura é orçar com precisão seus próprios custos. Como avaliar uma boa solução? Haverá tempo para alcançá-la? Como saber de antemão o valor do projeto como processo técnico, com a margem de lucratividade que os tempos da economia globalizada (muito competitiva) exigem? E nossa atuação? Tem sido realmente uma contribuição à eficiência ou apenas um ritual de obsessões estéticas e conceituais?

Será possível continuar trabalhando (e cobrando por isso) sem uma reflexão profunda e crítica sobre nossa real capacidade de colaborar com resultados? E o que significa comprometimento com resultados? Os caminhos estão mais sinalizados e claros do que nunca, mas nossa ação ainda tem um componente intensamente intuitivo, desejável no âmbito das escolhas simbólicas e imaginárias, mas, sob a intuição, basicamente mágica, que margem de acerto podemos contar no universo técnico?

Uma arquitetura que resulte econômica, confiável, estável, cultural e esteticamente significativa, que se traduza em realização plena para todos os envolvidos, tem sido o objetivo transcendente do saber, desde sua mais ancestral aparição. Ao longo dos milênios que amparam a massa de conhecimento associada ao projetar, desenvolveram-se muitas escolas e tendências, cada qual com a Verdade. Infelizmente, sempre aquela do momento. Talvez seja um limite intransponível. Para as épocas onde o relevo estava no simbólico, contra apresentaram-se fases de racionalização. O cômputo mantinha-se estável, já que, através do tempo (dos séculos), e não do espaço, era possível perceber a dualidade equilibradora do processo. Com a arquitetura moderna, em seu mais lúcido momento, racionalidade e imagem adquiriram status equilibrado. Esta escola, ao redor do mundo, adquiriu inteligência acumulada e maturidade notável.

Curiosamente, a compreensão de um procedimento complexo como projetar imagens e volumes à luz da razão, não só no espaço, mas também no tempo, parece ter, ao longo dos anos, perdido a consistência em algumas regiões.

Observando nosso entorno, vemos a procedência dessas perguntas. Em geral, nos vemos movimentando uma semi-indústria de soluções copiadas indiscriminadamente, numa pálida compreensão das soluções originais, sob a ilusão da intuição, em quase todos os momentos do edificar. São edificações executadas em processos fragmentados, com divisões arbitrárias (até onde vai a responsabilidade do projetista de arquitetura e onde começa a do cálculo estrutura, por exemplo) e, pior, nenhum método completo para assegurar-lhes a consistência entre estrutura de projeto e projeto final. Copiamos formas finais, mas não os processos que conduziram a elas. Reproduzimos detalhes, mas não os contextos que os justificam. Aplicamos conceitos à solução espacial, mas esquecemos da solução do tempo. Temos uma participação importante no processo como um todo, mas não nos é peculiar compreendê-lo. Acreditamos ainda em projeto sem projeto.

Um olhar arquiteto é a proposta desta reflexão.

A fim de tornar nítido o contorno do quadro e possamos compreender eficiência, temos buscado uma síntese para descrever arquitetura praticada sob o desperdício. Em primeiro lugar, não há processo de transformação (construir é transformar, na acepção plena) sem resíduos. Viver é produzi-los. Entretanto, a sobra de qualquer atividade deve ter um corolário próprio, uma lógica própria. Produzir material transformado, tal como aço usinado, cimento, adubos e alimentos, depende de elementos marginais, tanto químicos como mecânicos. Uma vez completo o ciclo, alguns se transformam em lixo. Seria concebível ter cimento como lixo da produção de cimento? Mas, a mais pertinente (e impertinente) sobra da projetação é composta da mesma coisa com o qual se elaborou – o espaço. E, mais assustador, na obra, também os materiais sobram!

Essa indústria da forma tão ancestral, em nosso contexto, tem seu lado obscuro. Aprendemos a moldar o espaço como resultante da presença dos materiais, reservando-lhes papel protagonista. Projetamos a solução das demandas funcionais, relato da conexão viva entre seres vivos, usando matéria sólida. Acreditamos na permanência dos materiais e esquecemos a impermanência dos seres vivos. Dedicamos infindáveis horas na busca de soluções técnicas para tornar perenes os volumes em suas formas. Mas o que realmente fica para a história? São os restos do Coliseum que nos tocam? Ou de Pompéia? Ou da Sagrada Família? Qual o valor de um fragmento desses monumentos na nossa sala? É cultural ou afetivo? Como as sombras que Platão projeta na caverna para ilustrar o mundo ilusório que vemos (mal), é a idéia de façanha relatada nestes restos que nos toca realmente. É a idéia e sua forma, entidade abstrata, insensível à erosão, transcendente, que eles nos permitem vislumbrar. A compreensão dessa complicada fantasia, onde os materiais, simples materiais, são guindados a um plano superior enquanto projeto, e, por outro lado, levados à condição de relíquia quando não passam de ruínas, talvez nos ajude a entender o conflito que esconde as origens do produtor de resíduos.

Ao continuar o passeio pela rua, acompanhando nosso Olhar Arquiteto, inevitavelmente nos perguntamos – que razões escondem-se por trás do uso insidioso de concreto armado, quase como panacéia, para resolver formas cenaristas, não estruturais? Quanto de seu uso foi induzido pelos que o produziam? Porque ainda usamos, mais simbolicamente do que inteligentemente, madeira de lei como constituinte da edificação? Não é o mesmo que preferir caça a alimentação cultivada? Com que lucidez projetamos materiais que sabemos resultado de destruição e devastação? Seríamos capazes de defender o consumo da floresta amazônica em uma bienal de Arquitetura, em nome da “nobreza” em madeiras?

Quem de nós já não intuiu a doença da construção? Falhas na mão-de-obra são acidente ou recorrência de uma conivência maligna entre projeto inconsistente e escolhas inconseqüentes? Todo planejador sabe da margem de erro. Lixo é previsível. Mas quem decide quanto? Nossos projetos têm levado em conta o tempo como componente de custo? E sua sobra, ou falta, têm sido compreendida como lixo?

Como interpretar essas distrações?

Recentemente, em um seminário promovido por uma instituição de estudos psicanalíticos, ocorrido em Porto Alegre, reunindo arquitetos e psicanalistas, trocaram-se idéias interessantes sobre caos no espaço edificado, sobre manifestos afetivos nas formas e até mesmo o que seja boa arquitetura. Profissionais de excelente produção intelectual, de renome nacional, discutiram questões relacionadas com a lucidez relatada no ambiente edificado. Houve unanimidade em constatar relação profunda entre a organização de nossa vida e nossa “casa”. Falou-se bastante em espaços interiores e exteriores, do indivíduo e das construções – metáforas mútuas. Depois desse encontro, ficou mais difícil não reconhecer no espaço nossos medos, inseguranças e obnubilações e esperanças.

Descobrimos Arquitetura com autoconsciência e a certeza de haver um modo de produzi-la mais plena e satisfatória. A humildade, entretanto, pergunta-nos insistente: quanto vale realmente nosso trabalho, presumidamente inteligente, para o cliente? Quanto do que projetamos é realmente aproveitado? Se houvesse como medir nossa eficácia, a diferença seria o desperdício?

Quando os primeiros manifestos a favor da Arquitetura Moderna surgiram, eram panfletários e tinham a presunção de serem a cura para a humanidade. Através de seus conceitos, os seres humanos adquiririam nova perspectiva da vida, metaforizada por novas perspectivas espaciais, num novo modo de projetar. Até certo ponto estavam certos. Mas a história os deixou órfãos. Legaram a visão oriunda de um momento especial da história. O mecanismo de mudança nas relações humanas e, evidentemente, em suas manifestações, foi a Industrialização.

Entretanto, o processo de produção industrial resguardou-se às obras. Muito estudo foi desenvolvido para torná-las mais eficientes. Processos construtivos brotaram. Mas, os projetos de arquitetura foram produzidos com que modelo de qualidade? Da pré-modernidade resgatamos formas e soluções de gestão espacial; na modernidade, adaptamo-las ao paradigma do movimento. Introduzimos o fator tempo. A teoria da relatividade, na época, nos garantiu integralidade da forma com o seu tempo.

Mas, como se relata isso na nossa produção atual?

Será que podemos continuar sob o guarda-chuva dos conceitos da era industrial? Serão os paradigmas ainda viáveis? Acredito que, sob um olhar desapegado, são importantes, mas não suficientes.

Os últimos cem anos assistiram mudanças estruturais profundas. De acordo com Eric Hobsbawn, autor de “A Era dos Extremos – O Breve Século XX”, nenhum outro século foi tão curto se comparado à quantidade de modificações introduzidas pela técnica. A arquitetura do começo do século foi feita por mentes brilhantes, apoiadas em conceitos inovadores, eclodidos dentro de uma época onde a produtividade e a racionalidade eram esperadas como lenitivo para todos os males – indústria e a ciência em franca aliança.

Os cinco pontos essenciais da arquitetura moderna são uma espécie de álibi à utilização dos conceitos industriais, que, se por um lado funcionariam como nova ordem, responsabilizaram-se pelo crescimento caótico e traumático das urbi à época. Janelas horizontais, plantas livres, fachadas independentes e estruturas racionais são respostas a uma construção tradicional, artesanal e custosa, mantida pela inércia de sociedades conservadoras, incapaz de garantir os novos conceitos de saúde pública, definitivamente industrializados! A modernidade aos oitenta anos de existência – um paradigma bem intencionado sob o perfeito discurso de arquitetos geniais. Mas na década de 80, Paolo Portoghese cita a demolição (dinamitação) de Pruyt-Igoe como o marco da consciência de uma geração sobre os limites daquela que se julgou livre deles (o Plan Voisin é tão corajoso quanto inconseqüente...). Mas, seria sensato reinventar uma arquitetura? Estava claro que a perda da espacialidade tradicional mostrava-se nefasta. Não seria mais razoável buscar na história a solução? Resgatar uma arquitetura figurativa que reconhecesse principalmente o imagético das urbi, não seria mais vantajoso? Certamente. O chamado pós-moderno reconheceu a mudança e foi buscar soluções no passado. Sem abandonar totalmente os paradigma da modernidade, os pós-modernos pressentiram a pós-industrialidade.

Quando a exaustão do resgate histórico se apresentou, pairava ao seu lado a imagem de uma nova visão universal, trazida à nossa compreensão por Mandelbrot – a teoria do caos. Imediatamente, seus efeitos apareceram na arquitetura – o deconstrutivismo e a imagem do caos se relataram em projetos e obras impactantes de Zaha Hadid e Koop Himmelblau. Mas como adotar sem culpas esta arquitetura tão retórica?

Ainda não foi por aí que nos encontramos com a humildade das soluções silenciosas e eficientes.

A busca

Há alguns anos, um arquiteto de prestígio em Porto Alegre, durante uma palestra, avisou aos seus alunos – “é necessário tirar a água de cima do prédio. A água é o inimigo. Sua presença provoca a desagregação dos materiais e nada mais incômodo do que a umidade...” para trazer-lhes consciência e alertá-los sobre os efeitos das coberturas planas e impermeabilizadas.Independentemente dos motivos, a frase contém uma verdade – a água, tão essencial à vida, na edificação torna-se o inimigo.

Numa outra oportunidade, um outro colega, num momento amoroso aos princípios da modernidade, comentou – “se os aviões fossem projetados como projetamos arquitetura nesses tempos de pós-modernidade, talvez voássemos em biplanos de fuselagem feita com tecnologia aeroespacial e formas jônicas, retoricamente ineficientes...”.

No anedótico dessas frases, estavam dois princípios extremamente interessantes. A presença esquizofrênica da água em nossas obras, que de solvente passa a inimiga, numa clara fantasia de “fazer do barro” a criação de um novo ser, que logo após comete o pecado de ser frágil. Por outro lado, o apego à forma, no detrimento dos outros componentes, mesmo que tão simbólica a ponto de agregar valor por isso mesmo, pode estabelecer um desvio de conseqüência no procedimento do edificar.

A forma como metáfora da imagem, perseguida de maneira tão narcisista na arquitetura de gênios da virada do século vinte, merece de Mies uma reflexão:

"Não sabemos de nenhum problema formal, somente problemas construtivos.
A forma não é meta, mas sim o resultado de nosso trabalho.
A forma, por si mesma, não existe.
A verdadeira plenitude da forma está condicionada, está estreitamente ligada com a própria tarefa, sim, é a expressão mais elementar de sua resolução.
A forma como meta é formalismo, e isto rechaçamos.
Tampouco buscamos um estilo.
Também a vontade de aspirar um estilo é formalismo.
Temos outras preocupações.
Precisamente nos interessa liberar a prática da construção dos especuladores estéticos, para que volte a ser aquilo que unicamente deveria ser, isto é, CONSTRUÇÃO” (3).

Daí surgiu uma expressão simples, que passou a acompanhar a idéia de uma construção que viabilizasse baixos orçamentos com bons resultados. Construção a Seco. Mas, de que adiantaria uma construção a seco se não houver uma “arquitetura seca”?

Uma arquitetura seca

A Arquitetura que se pretender seca, ao reconhecer-se assim, deverá aceitar suas falhas e transferir sua fragilidade para onde parece realmente estar – no projeto.

Dessa abordagem, podemos extrair um debate interessante. Frente à proposta de uma construção de grande resultado com baixo orçamento, a preocupação com a técnica poderia desviar o foco do principal – a gestão do espaço. Mas como esquecer Corbusier exortando nossos colegas do começo do século a voltarem seus olhos ao trabalho dos engenheiros, pressentindo o poder, imenso poder, que emanava dessa associação. Técnica e arte em mútuo apoio. Sem prevalências. Ele, entretanto, foi mais fundo – sugeria aos arquitetos aprenderem a técnica dos engenheiros para agregá-la em seus projetos. Pouco tratou dos materiais – era claro para ele que a mais sofisticada arquitetura não está nos materiais de ponta, nem são eles que determinam a qualidade dos resultados. Nem mesmo são as “técnicas”, convencionais ou alternativas que contém a responsabilidade dos resultados. É a tecnologia. Tecnologia de projeto!

O encontro

A arquitetura que se pretende fazer sob um conceito “seco”, reconhece a tecnologia como sua água. A expressão State-of-Art é fundamental: usando-a, consentimos à tecnologia a possibilidade de transcender seus próprios limites. Quando o faz, o faz transmutada em Arte. É um conceito enraizado de interpretação estética. Talvez um pouco démodé, mas inevitável em um campo tão aplicado como a Arquitetura. A visão de arte contemporânea contém uma dose de narcisismo bastante mais notável do que as que lhe deram ombros de console. São milênios de Arte aplicada e menos de um século de expressão Kantiana. Mesmo que inexoravelmente reconheçamos seu valor, o juízo estético desinteressado só pode ser simétrico a um fazer na mesma proporção. Mas a qualidade na arte tem uma tradição de transcendência da técnica. Grandes obras contêm grande técnica. Não há grandes artistas sobre obras rudimentares. O projeto arquitetônico como agregador de valor ao processo construtivo é uma supracamada de arte e técnica sobre o extrato inferior da matéria e das técnicas de processá-la. Que também podem conter sua própria arte. Assim, o projetar estende-se sobre a gestão de diversas camadas de técnicas, mas a ele cabe a unidade. Sem uma baliza sensível, temos a organização. Sem organização, entretanto, temos a experimentação estética, não a realização. É uma maneira de podermos entender o projeto como o maior responsável por resultados. Não há intermediários. Não há uma técnica disso ou daquilo. Não há engenharia como antagonista. Há uma tecnologia de projeto. Complexa, densa, completa, relatando luminosamente Forma, Função e Técnica e encontrando nesses primordiais a síntese.

Construir com adobe pode ser, para arranha-céus, tecnologicamente ultrapassado. Para os deserdados de Hassan Fathy, a tecnologia exata. Para quem tinha pouco mais do que areia e esterco como materiais que pudessem ser transformados, o relato de soluções tão elaboradas, sob técnica milenar, à luz de uma tecnologia refinada, é a definição de Arquitetura. Com pouquíssima água...

Um corolário

Talvez seja interessante registrar que a arquitetura que se pretende seca, tem na sua própria tecnologia sua água. Reconhece no projeto, como plano de ação, lógico, tecnológico e estético, a responsabilidade total pelo desempenho posterior de sua realização.

Mas como essa realização se manifesta? Como distinguir tecnologia de projeto de tecnologia de suporte (técnicas e materiais)? Onde encontramos componentes adequados em todos os âmbitos, incluindo soluções espaciais, também componentes.

O conjunto de soluções eleitas para determinado problema é uma ação conciliadora, desde a estratégia de abordagem, passando pela composição, até a escala dos detalhamentos executivos. É justamente onde as teorias do espaço encontram as teorias dos materiais e das técnicas.

A composição (que transcende a escala dos componentes)

Sob a ótica tradicional, pode ser entendido como a relação parte x todo.

Nesse caso, é reconhecer que as condições e leis físicas estão presentes em todas as escalas. Desde as materiais até as funcionais.

Os mecanismos físicos que regem nossas ações são fruto das condições cósmicas sob as quais nos criamos e desenvolvemos, e, criamos e desenvolvemos neste espaço porque é o que nos oferece as condições adequadas para os mecanismos sob os quais a arquitetura é possível! É uma condição anular. Não há um sentido único, assim como não o há em nenhum fenômeno que possamos constatar no universo que somos. Reconhecer esta asserção é fundamental para entender como os recursos urbanísticos são os mesmos do detalhamento de um mancal. Economia e inteligibilidade podem ser traduzidas como reconhecimento humilde e incondicional da interação entre as escalas através dos mesmos conceitos. A peça que ajusta o apoio de um poste pode ser compreendida como constituinte de um espaço que se proporá à inteligibilidade. A soma das micro-inteligências contidas nas partes deverá ser um resultado inteligente, não necessariamente aritmético, mas possível e desejavelmente mágico. A mágica é o universo do afetivo, não mensurável. Classicamente, composição também é o resultado não mensurável, afetivo (Kant faz uma longa discussão sobre esta questão em sua Crítica do Juízo) da associação das partes – as regras são as mesmas em todas escalas.

Assim, podemos dizer que –projetar sob a condição de eficiência pressupõe o reconhecimento da transcendência das escalas em que se encontram as partes componentes, mesmo que diferidas em mais de uma ordem de grandeza.

Esclarecendo a expressão “partes componentes”, será que temos todos o mesmo conceito de partes componentes? Quais são para o projetista habituado às obras do dito mercado imobiliário? Quais para o arquiteto de interiores?

Para este texto, componentes também são as seqüências temporais de atividades. O tempo e a realização determinam partes que normalmente são interpretadas como elementos independentes. Estudos preliminares, projeto e desenvolvimento, de um lado, execução e obra de outro, são partes do processo de realização. Podem ser desdobradas em várias outras – estudos de viabilidade, pesquisas históricas, avaliações climáticas, por exemplo, são preliminares ao(s) projeto(s). Projetos, incluindo-se aí estrutura, instalações mecânicas, instalações hidro-sanitárias, elétricas, de comunicação, e assim por diante, são a parte preparatória para a execução, composta de elementos materiais, recursos técnicos (mão de obra) e planos de trabalho, onde se incluem orçamento, planejamento, cronogramas e contabilidade. Encaminhadas essas atividades, segue-se a utilização. Sua duração é resultado da articulação sintônica das partes anteriores. Jamais de apenas uma delas. O processo da realização é multidirecional.

Como uma matriz estatística, onde diferentes direções de leitura poderão produzir resultados diferentes, mas ainda coerentes sob a mesma abordagem, sabemos que é justamente a diversidade de seus prováveis resultados que compensarão desvios em outras seqüências. No âmbito do projeto, significa considerar o amplo espectro de fatores relacionados à equação etiológica do objeto em pauta.

Reconhecer, com a maior objetividade possível, as condições dessa equação. Suas ambigüidades e contradições, inclusive. Seu tempo. A transcendência das escalas contempla o tempo e que este tende a organizá-las segundo sua própria lógica.

Às edificações prontas, são apresentadas avaliações que levam em conta o resultado existente, independentemente do custo financeiro e social que as geraram. Evidentemente, não há outra forma de fazê-lo. Para as que estão ainda em execução, é possível agregarem-se parâmetros de qualificação que, sob sua custódia, agregarão qualidade ao processo, como parte inextricável ao todo. Como corolário desta eficiência, também podemos falar em uma arquitetura do processo. O momento “construção” deste evento, também passa ao âmbito da arquitetura. É a fase “pupa” da vida útil da edificação. Aplicando os mesmos conceitos com que contemplamos a sua vida útil, poderemos restabelecer um equilíbrio há muito solicitado por nossa realidade. É muito comum vermos a obra resultar em algo completamente diferente do projeto. Ou porque nossa participação na execução foi dispensada a favor de uma engenharia executora, ou porque foi mais confortável legar ao mestre de obras a decisão de soluções construtivas. É comum, ainda, sermos apontados como “engenheiros” quando nos responsabilizamos por garantir a qualidade de uma construção. Faz parte de uma cultura popular a noção de arquitetos burocráticos e aparteados do desenvolvimento de seus “desenhos”. Nossa imagem externa ainda é a de desenhistas. A relação estabelecida entre os “desenhistas” e seus clientes é a de mínima intervenção possível. Arquiteto é “custo”. Sem a cultura de desenvolvimento de produto, temos sido relegados à condição de custo...

Em síntese – é necessário pensar a obra também como arquitetura, reconhecendo-a como tal, apenas em outro estágio. O objeto edificado, em seus menores componentes, tanto dimensionais como temporais, o faz relatando uma inteligência de processo. Já antiga no design, a idéia de que produzir bem agrega valor, justamente por viabilizar o acesso irrestrito à qualidade, na nossa arquitetura está invertida – o processo nem sempre diz respeito aos arquitetos. O que pensar de designers que não saibam desenvolver a produção de seus designs?

Nossa primeira proposta, a partir deste texto inicial, é discorrer, nos próximos dez artigos, sobre os dez princípios que julgamos mais significativos para o enfrentamento das novas circunstâncias da arquitetura nos próximos anos, de forma a realizá-la em sua integralidade qualitativa. Como diz Edgar Morin, repensar a inteligência da complexidade é aprender a conviver com ela em paz e frutuosamente. Mostrarei porque acredito ser possível agregar o moderno conceito de eficiência (em todos sentidos) à arquitetura, mantendo seu caráter cultural, significativo e, principalmente, afetivo.

notas

1
Ver MASCARÒ, Juan. O custo das decisões arquitetônicas. São Paulo, Nobel, 1985.

2
Licenciosidade semântica – Estratégia, em sua etimologia, tem caráter marcial. Conf. o dicionário Michaelis - s. f. 1. Arte de conceber operações de guerra em planos de conjunto. 2. Ardil, manha, estratagema. Entretanto, no jargão profissional, está adotado como conjunto de atitudes e atividades que sintetiza a inteligência do processo de enfrentamento ao bias da mediocridade.

3
"Bauen". Revista G (Zeistschrift für Gestaltung) n. 2, set. 1923, p. 1.

sobre o autor

Mauro Defferrari é arquiteto formado em 1983 pela FAU/UFRGS. É professor responsável pela disciplina de Economia da Construção na FAU/UFRGS; desenvolve consultoria junto ao SEBRAE e FAURGS para projetos de novos produtos com tecnologia específica da arquitetura e do design.

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