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architexts ISSN 1809-6298


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português
O autor traz uma contribuição ao estado-da-arte sobre aquela arquitetura que se caracteriza pela impermanência, que é transitória ou efêmera. Busca-se entender este objeto, delimitar o que será estudado a seguir e discernir aquilo que é essencial


how to quote

PAZ, Daniel. Arquitetura efêmera ou transitória. Esboços de uma caracterização. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 102.06, Vitruvius, nov. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.102/97>.

1. O que são estes esboços

– Afinal de contas, o que é ciência? – quis saber a moça da roça.– Ciência? – exclamou o doutor – Bem, ciência é simplesmente classificação. Ciência é apenas dar um nome a tudo.
Charles G. Finney, As Sete Faces do Dr. Lao (1)

Após um certo tempo estudando o tema e seus correlatos, acreditamos que é possível uma contribuição ao estado-da-arte sobre aquela arquitetura que se caracteriza pela impermanência, que é transitória ou efêmera. O esforço inicial será o de entender este objeto, delimitar o que estudaremos a seguir e, a partir de seus inúmeros exemplos, discernir aquilo que é essencial e esboçar uma caracterização destes e de seus recursos.

Em um primeiro momento isso pode recair naquilo que o nobre Dr. Lao critica: no simples ato de nomear as coisas. Porém, dar nome as coisas, embora não seja em si um conhecimento, é conseqüência natural do processo do conhecimento. Em nosso caso, reflexo de um intento sistemático de enumerar os fenômenos, de classificar-lhes e aos objetos conhecidos.

Uma reação usual a este ato – já mais consistente que a mera nominação –, que compartilha do nosso mal-estar perante a sucinta declaração do chinês, reside na refutação da taxonomia como fim do conhecimento científico. A crítica, justificada, ao afã classificatório, que se compraz em criar categorias e sub-categorias, e que se encerra em distribuir dentro destas todos os fenômenos novos. Por um lado, uma ramificação excessiva invariavelmente sufoca qualquer operatividade que possa ter – recai-lhe o espectro do inútil.

A estas aversões, a resposta não poderia ser mais simples: uma classificação é meio, e seu fim é sempre um conhecimento que não se esgota na nominação. Quando ela se torna meio, esvai-se o risco de ser uma meta em si e um estorvo do espírito humano. Este e qualquer outro texto sobre arquitetura, por exemplo, serão sempre meio e não fim.

Desafio mais ostensivo se apresenta quanto à arbitrariedade de qualquer forma de reconstituir os fenômenos contínuos do mundo sensível em uma classificação qualquer, por mais sistemática que seja.

Esas ambigüedades, redundancias y deficiencias recuerdan las que el doctor Franz Kuhn atribuye a cierta enciclopedia china que se titula Emporio celestial de conocimientos benévolos. En sus remotas paginas esta escrito que los animales se dividen en (a) pertenecientes al Emperador, (b) embalsamados, (c) amaestrados, (d) lechones, (e) sirenas, (f) fabulosos, (g) perros sueltos, (h) incluidos en esta calcificación, (i) que se agitan como locos, (j) innumerables, (k) dibujados con un pincel finísimo de pelo de camello, (l) etcétera, (m) que acaban de romper el jarrón, (n) que de lejos parecen moscas.
Jorge Lís Borges, El idioma analítico de John Wilkins (2)

O conceito não existe no abstrato, mas sim se constrói como uma distinção entre coisas a partir de então tidas como diferentes. Conceitua-se não somente para dizer o que algo é, mas sobretudo o que algo não é, e assim torná-lo distinto das demais. Como o mundo não se apresenta assim, temos que a divisão do real é sempre artifício humano. O que não significa que seja sempre arbitrária (3). Evidentemente, o que determinará a qualidade do esforço classificatório é seu critério, e sua abrangência, teórica e de dados coligidos.

Para nossos fins, precisamos escapar às armadilhas da aparência, fundamental para as artes. A biologia classifica seus seres a partir do principio da diversificação de espécies oriundas de ancestrais comuns (4) – contrastando com a autonomia do mundo natural, que é por si, temos que os construtos humanos são sempre obra sua, e não entes autônomos que se reproduzem e transformam (5). Aquilo que é um pecadilho na biologia, para nós será o eixo, que é a maneira como tais objetos se devotam ao homem.

Porém, a utilidade rasteira não nos serve – à maneira da divisão em arquitetura hospitalar, industrial, residencial, etc.. Não acreditamos que, dessa maneira, conseguiremos algo além do já conhecido. Por isso, nossa classificação se fundará a partir da tecnologia, em um sentido mais amplo. A tecnologia não é algo em si, é sempre tecnologia para alguma coisa. Em função disso se define, na maneira como consegue solucionar um problema dado, estabelecido pelo homem.

Sobretudo, sem levar em conta a aparência, embora reflexo da técnica que o artefato representa. Esta é uma lenta e laboriosa construção, a de separar por princípios, no desafio de vencer a individualidade dos fenômenos e perceber suas semelhanças profundas (6). E estas semelhanças não são as semelhanças do poeta, não são as analogias sugeridas pelas sensações. O desafio se desdobra em perceber que fenômenos tão distintos como a queda de uma fruta madura e a órbita da lua são essencialmente a mesma coisa, corpos sob a gravitação, mudando apenas a escala. Ao passo que o astro pouca relação tem com a prata, analogia ubíqua de fácil reincidência.

Nesse sentido, que buscaremos entender aquilo que caracteriza uma construção qualquer como transitória no espaço, raiz do fenômeno da arquitetura efêmera. Compreender quando, como e quais procedimentos se empregam para que tal se realize.

O presente texto pretende apenas apresentar um possível ponto de partida, capaz de ser plenamente utilizado por outros pesquisadores e arquitetos, no estudo e projeto.

2. As estratégias do efêmero

Ao considerar a construção como algo provisório no espaço, precisamos redefinir alguns tópicos, como a própria idéia de arquitetura como espaço construído (7). Nas situações mais rotineiras, o construído funde-se com o lugar, constitutivamente. Isso não nos basta. Por isso propomos a diferença entre configuração e objeto.

A configuração inclui todos os elementos que compõem a cena: o entorno imediato, o edifício, o mobiliário e outros elementos no arranjo tal como se percebe. O objeto é o artefato projetado e construído, o edifício em si. Enraizado no solo, a partir de fundações, ou meramente pousando no lugar (8). O propósito do binômio configuração-objeto é evitar o uso corrente do termo ‘arquitetura’ como nomenclatura geral para o espaço construído, por ocultar estas relações.

Agora, uma ligeira inversão de ponto de vista, e de nomenclatura. O objeto, para esta linha de raciocínio, será um recipiente – espaço constituído onde o ser humano possa abrigar-se minimamente. Inclui-se aí desde o ponto de ônibus até um galpão. A configuração, para o usuário, será um ambiente – o lugar que não possa ser interpretado como um espaço fechado, fruto de composição de recipientes e artefatos diversos. Todos os ambientes são constituídos por elementos, de diferentes dimensões e naturezas, alguns dos quais são objetos arquitetônicos. Mais adiante isso nos será fundamental.

Para isso ainda é importante deixar de lado o truísmo que vincula inequivocamente a arquitetura ao arquiteto, que conduz às asserções tautológicas de que é arquitetura aquilo que o profissional arquiteto elabora, e de que tudo que é arquitetura, por uma definição qualquer, é atribuição sua. Sem entrar no mérito da qualificação necessária para seu projeto e construção, o que importa é o ambiente construído. Assim, dos objetos que o constituem, nem todos são do rol de fazeres do arquiteto em nossa sociedade. Alguns destes, apesar das pequenas dimensões, são determinantes para a qualidade ambiental do espaço. E alguns elementos não-arquitetônicos são a faceta mais expressiva do construído, no que diz respeito à percepção.

E que dizer do equipamento urbano, da iluminação, da publicidade das ruas, que constitui o rosto efêmero, porém mais vivo e mais aproveitado da cidade que hoje quer ser, ela própria, efêmera?
Giulio Carlo Argan, História da Arte como História da Cidade (9)

Com isso, fizemos uma pequena incisão no que entenderemos como alvo da transitoriedade. Precisamos, ainda, definir o que entenderemos por efêmero e, posteriormente, móvel, evitando que encontremos efemeridade e mobilidade em tudo. No sentido lato, não seriam mentiras. Porém, abrangentes assim, tais conceitos não nos auxiliariam em nada. Já que, grosso modo, toda construção é efêmera. Inútil é precisar o período de duração de algo para qualificá-lo como temporário ou não. Entendemos que quanto menor o tempo de estadia de uma construção no espaço, maior a sensação de sua efemeridade. No outro extremo, consideraremos que a órbita do período de um ano é crivo razoável para delimitarmos o fenômeno, sem usá-lo rigorosamente.

A partir de agora, tentaremos responder em linhas gerais quando se emprega a arquitetura efêmera. De modo geral, o apelo a uma construção temporária se dá quando se pretende melhorar a performance de um lugar para um fim igualmente temporário.

Chamamos tradicionalmente de funcionalidade a uma correspondência da forma construída com as ações a que se destina abrigar. Podemos ampliar isso a toda categoria de artefato, no que recaímos no conceito de hipertelia (10), que traz como seu corolário o reverso: a especificidade do arranjo, que lhe permite resolver melhor uma dada tarefa, lhe retira versatilidade em resolver outras tarefas (11). O emprego de uma arquitetura temporária visa justamente modificar a hipertelia de um lugar a dada atividade, e incrementar-lhe para outra atividade. O reverso da dedicação exclusiva é a abertura para outras possibilidades, aquilo que permite uma multiplicidade de ações. À essa possibilidade de desempenhos diversos Herman Hertzberger chama de performance (12).

Em nossos mapas de uso do solo, a edificação serve como metonímia das atividades humanas, apoiadas convenientemente por um substrato físico permanente. Desvelando o manto do hábito, vemos que um edifício que se presta a atividades bancárias só é um banco quando tais atividades acontecem. Sua forma pode indicar que realiza-se ali um banco diurnamente, não que ele seja um banco em si mesmo sempre e independente das gentes. A configuração do lugar pode favorecer o curso de tais atividades – aumentando sua hipertelia – mas não podem realizá-las per si nem determinar que aconteçam (13).

Assim sendo, uma rua deixa de ser via de tráfego de veículos e torna-se uma feira livre, com a eliminação dos primeiros, e a aparição da parelha de vendedores e compradores, bastando que assim se deseje. Isso é válido não somente para áreas urbanas. Um ermo pode se tornar um lar, por exemplo, no caso do nomadismo tradicional (14). De qualquer jeito, há a vontade de assignar a um dado espaço papéis distintos dos usuais, e o confronto com aquilo que a preexistência impede, permite, sugere e apóia (15). Por isso o recurso à arquitetura transitória, cujos artefatos realizam esse tento. Alguns já são uma arquitetura definida (objetos), outros ainda não são, mas em outra escala constituirão (configuração), como veremos.

Dito isto, quando uma arquitetura (configuração ou o objeto) é efêmera de fato? A resposta é um tanto desconcertante. A arquitetura de eventos, por exemplos, é efêmera não por ser arquitetura, mas por ser de eventos. Isto é, não por empregar esta ou aquela modalidade construtiva, mas por atrelar-se a algo temporário, a um uso – às vezes de envergadura urbana – que é transitório.

O critério definidor da arquitetura efêmera não é a durabilidade potencial do objeto construído, mas sua durabilidade real. Um assentamento rural pode ser precário, mas pretender a permanência, e assim sê-lo por conta de contínuas manutenções. Ao contrário, edificações sólidas podem ser demolidas por esgotar-se, em curto intervalo de tempo, sua finalidade. Eis o primeiro paradoxo do tema: uma arquitetura só se torna efêmera de fato quando se desfaz de um dado lugar. Conceitualmente, existe apenas quando cumprida sua efemeridade. Tudo o mais é incerteza. O segundo paradoxo é conseqüência deste: não há relação direta entre a tecnologia construtiva e a efemeridade real da construção.

Por isso, a tecnologia de construção não é critério válido para compreender a arquitetura efêmera. A tecnologia de desconstrução sim o será, como a construção deixa de estar no lugar. Então, dois artefatos produzidos pelo mesmo processo fabril – por exemplo, siderúrgico – podem ser muito distintos na maneira como se relacionam com o sítio, enquanto um deles ser muito próximo, pela sua lógica de desenrazaimento, com algo artesanal. Porque nosso critério não é a gênese da peça, mas a maneira como ele se constitui em algo temporário no lugar.

Estamos prontos para responder à pergunta como uma construção qualquer e torna efêmera Embora aparentemente simples, as respostas são profícuas.

Um ambiente é efêmero com a provisoriedade da situação de objetos significativos no espaço. Aqueles que, de fato, implicam em mudança de usos, independente de sua envergadura. Em uma feira livre o que transtorna o espaço rotineiro e o transforma em algo diferente, em um mercado, é o seu sem-número de tendas, cada uma de pequeno porte. Portanto, dentro de nossa conceituação, precisamos investigar as estratégias pela qual um objeto arquitetônico aparece e desaparece de um lugar.

Um objeto arquitetônico está temporariamente em um lugar quando ele é destruído pelo homem, quando ele se destrói por processos naturais ou quando ele é retirado do local. Então, para a configuração ser transitória, ou o objeto é provisório em sua própria constituição (para além de sua mera situação) ou ele é nômade.

As estratégias de desaparição do objeto no espaço são incompatíveis entre si. Cada objeto dispõe de apenas uma delas por vez, sendo, então, um princípio de classificação claro, e que conduz a caminhos inteiramente distintos no fazer projetual.

3. A demolição da arquitetura

A cidade de Sofrônia é composta de duas meias cidades. Na primeira, encontra-se a grande montanha-russa de ladeiras vertiginosas, o carrossel de raios formados por correntes, a roda-gigante com cabinas giratórias, o globo da morte com motociclistas de cabeça para baixo, a cúpula do circo com os trapézios amarrados no meio. A segunda meia cidade é de pedra e mármore e cimento, com o banco, as fábricas, os palácios, o matadouro, a escola e todo o resto. Uma das meias cidades é fixa, a outra é provisória e, quando termina a sua temporada, é desparafusada, desmontada e levada embora, transferida para os terrenos baldios de outra meia cidade.

Assim, todos os anos chega o dia em que os pedreiros destacam os frontões de mármore, desmoronam os muros de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento, as docas, a refinaria de petróleo, o hospital, carregam os guinchos para seguir de praça em praça o itinerário de todos os anos. Permanece a meia Sofrônia dos tiros-ao-alvo e dos carrosséis, com o grito suspenso do trenzinho da montanha-russa de ponta-cabeça, e começa-se a contar quantos meses, quantos dias se deverão esperar até que a caravana retorne e a vida inteira recomece.
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis (16)

Aqui parece que discorremos sobre o óbvio: que a demolição é um recurso para a finitude da arquitetura, para sua transitoriedade. O que nos interessa é a duração real do prédio, e como isso coincide na maior parte dos casos com uma programação original, com uma previsão de seu término.

Durante muito tempo, as grandes feiras e exposições levavam a construções de stands e pavilhões de alvenaria, com todas as condições para uma longa existência, sendo demolidos ao cabo do evento. Construiu-se sabendo do prazo de existência (não de validade, observe-se) daquela arquitetura. Os pavilhões construídos para o Centenário da Revolução Farroupilha, em Porto Alegre, embora de alvenaria, tinham demolição previstas, e foram quase todos destruídos. O mesmo destino teve a grande maioria das edificações das Grandes Exposições do séc. XIX. Em época não tão distante, na Exposição Universal de Osaka, em 1970, edifícios como o lírico Pavilhão do Brasil, de autoria de equipe encabeçada por Paulo Mendes da Rocha, foi construído com todo o rigor da técnica do concreto armado, para ser demolido posteriormente.

Por um motivo ou outro, a edificação pode permanecer no lugar – uma mudança nos planos. Tal aconteceu com o famoso Palácio de Cristal, de Joseph Paxton. Construído em 1851 no Hyde Park para a Exposição Universal de Londres, foi desmontado logo após o evento. Porém, tal foi sua popularidade que foi reconstruído em Sydenham Hill, em 1852, funcionando como museu, até incendiar-se em 1936. O edifício pioneiro na construção pré-fabricada, efêmero por excelência, cada parte concebida para rápida montagem com os materiais disponíveis, perdurou por 85 anos (17). Porque caiu ao gosto do público, encontrou-se para ele um novo papel, em outro lugar.

Mostramos antes que é a variação de finalidades pensadas para um dado lugar que leva a modificar os arranjos físicos para aquilatar sua performance. Tanto na realização do arranjo temporário, quanto em sua eliminação. O único ponto que torna este processo digno de estranhamento é a solidez do edifício, que obrigará a uma demolição, e na incongruência entre sua duração potencial e a duração real.

Nas Exposições, é preciso distinguir o que é de alvenaria e o que é feito de material leve, como madeira, e que imita a alvenaria: emula a imagem do estável, aparenta ser o que não é, e faz com que a durabilidade real permaneça como incógnita insolúvel.

Na demolição, os elementos de constituição estão amalgamados de tal jeito que a retirada se dá somente com sua destruição integral. Porém, teoricamente, o desmonte do prédio também é independente de sua constituição. O reaproveitamento de uma edificação depende mais da necessidade de uso de seus materiais que da sua confecção em si. Uma prova disso é o desmanche de navios de Alang, na Índia. Pela pobreza extrema dos trabalhadores ali, a penosa tarefa de desconstruir navios imensos é realizada integralmente. Mesmo o casco é retalhado para venda e uso posterior. Não é coisa que aconteça ainda na construção civil.

De todos os modos, constrói-se de modo convencional apesar de sua demolição previsível em curto período de tempo. Atualmente, é um recurso pouco empregado, e em grau decrescente, por conta do avanço tecnológico em estruturas temporárias mais leves.

O fundamento, como dito antes, é a mudança rápida do papel que se destina ao lugar onde está o prédio, uma forma de obsolescência acelerada. Difere da obsolescência previsível e de longo prazo, quando a vontade de atualização ultrapassa o aperfeiçoamento incremental e requer reformulação total. Embora superação previsível, ainda assim a arquitetura é feita para durar. A obsolescência é um dado inevitável, mas em futuro incerto, próximo ou distante. O mesmo vale para a lógica da arquitetura como mercadoria; ela será sempre feita para ser demolida (18), mas não consegue ter a velocidade que caracterizaria o estar transitório. Com estes dois casos, a obsolescência previsível e o descarte programado das edificações, temos uma parte considerável das demolições, que não se enquadram naquela estratégia de transitoriedade apontada no começo.

O caso da demolição nos é importante porque desfaz o vínculo potencial entre o modo como se concebe o projeto e seu destino final. Nos outros dois, o futuro invade o presente – o conhecimento prévio da deterioração do construto ou de seu deslocamento implica em fazer o projeto e a construção que viabilizem sua ocorrência. Conceitualmente, teríamos aí uma modalidade de construção relacionada com seu final, que se cumpre no seu final, como veremos adiante.

4. A arquitetura perecível

VII
El tiempo, inexorable, va fluyendo. Que ha sido de Bagdad y de Balk? Un leve roce puede matar la rosa. Bebe, y al mirar las estrellas medita en las culturas que se tragó el desierto.
Omar Kheyyam, Rubaiyat (19)

A Bagdad de Haroun al-Raschid, Balk, seis das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, também elas entraram no ciclo natural da matéria. Nenhuma obra humana é eterna. Os elementos sobre a terra fazem parte de cadeias de dissociação e recombinação, quando não transmutação em novas substâncias. Estes ciclos podem ser curtos (como o da vida de alguma criatura) ou longos (como a própria idade das montanhas).

O homem é a medida das coisas humanas, e assim entende por eternas aquelas coisas que transcorrem em escalas de tempo geológicas ou cosmológicas, já que suas transformações não acontecem de modo perceptível ao indivíduo, e nem mesmo à história da raça. Por isso, por uma arquitetura perecível entendemos aquela que se desfaz dentro da escala humana de tempo, de modo perceptível.

Obviamente, existe aquela que almeja outros limites de permanência. O processo entrópico aplicado à obra humana, embora inevitável, é aqui interpretado como seu maior inimigo. Constrói-se para que perdure, e se busca conservar e manter a edificação. A premissa da arquitetura perecível é a oposta: a de que a edificação será parte, um dia, do mesmo meio da qual vieram seus elementos. Isso implica em uma cultura que não concentra seus esforços de perpetuação na construção, sem a idéia de patrimônio edificado. É sintomático que muitas destas culturas realizem sua arquitetura em um patamar mínimo, na forma de abrigos e outros construtos menores.

As habitações guaranis, pela sua constituição, após o abandono de seus moradores, se biodegradavam. O mesmo acontece ainda com os habitáculos em terra dos lapões noruegueses, ou dos inuit, em neve compactada. Nestas sociedades, os materiais usados pelo homem ainda pertencem aos ciclos naturais preexistentes. São retirados destes, beneficiados e tornados arquitetura, e depois devolvidos, sempre no mesmo local. O tipo de beneficiamento do material não altera sua constituição a ponto de torná-lo de impossível absorção, nem em quantidade que sobrecarregue os fluxos naturais.

Esse perfil de construção era o usual nos primórdios da civilização. As construções desfaziam-se, sem a injeção contínua de esforço. Não era um princípio, uma escolha diante de opções à disposição, mas limitação real no domínio que o homem tinha de seus meios. Havia relativo escasso poder de transformação dos materiais que encontrava ao seu redor: palha, madeira e demais fibras vegetas, argila, pedra, e algumas fibras animais. A água e o calor, do sol e do fogo, eram formas de tratar estas matérias-primas. Não estava implícita uma preocupação com o destino final de seus componentes. Fazia parte de seu universo cognitivo porque não podia ser diferente. A arquitetura era perecível porque o homem não lograra escapar ainda do mundo natural, ao sabor da ação do tempo e dos intemperismos, ao alcance das forças naturais. As construções nordestinas em terra às margens do rio São Francisco, que se dissolvem a cada cheia do grande rio, são exemplo próximo disso.

O surgimento da arquitetura como disciplina, tal qual a conhecemos, representa o intento de escapar deste ciclo e almejar a eternidade. Controlar os rios, modelar o relevo, aumentando a estabilidade das construções e duração de sua matéria. Durante muito tempo a arquitetura perecível foi considerada como precária, a completa falta de técnica e conhecimento, e o último patamar possível do conforto no construído.

Desde a Revolução Industrial, não obstante, o homem tem ensaiado materiais diferentes. O metal na extensão com que trabalhamos é absolutamente incomum na natureza, o mesmo vale para o vidro. Ainda assim falamos de materiais “conhecidos” pela natureza. Já com o advento dos polímeros sintéticos (20), introduzimos uma série de substâncias para o qual nunca se ensaiou um ciclo de transformação no planeta. Não há formas de degradação biológica, nem os processos mecânicos habituais são conhecidos para estas. O que será do polietileno tereftalato (PET) daqui a cem anos? Sob que forma ele estará? Que ser vivo o decomporá em outros elementos? Que forma ele assumirá? Sem contarmos estes extremos, os processos produtivos atuais geram como subprodutos substâncias que, embora existentes, estão fora de lugar ou em quantidades desproporcionais ao normal, que constitui a poluição. Essas mudanças alteram o papel humano no ciclo de transformação da matéria.

A noção da transitoriedade da matéria da arquitetura voltou à tona no séc. XX, por duas vias, opostas em princípio e conclusão.

Em uma delas, a arquitetura era objeto produzido, mercadoria, e portanto sujeita à mesma dinâmica de obsolescência – real e induzida – dos produtos. A ânsia do novo e do melhor, somado à necessidade da cadeia produtiva de continuar ad infinitum a confeccionar o mesmo material com mudanças incrementais, criou a idéia do descartável. Mesmo os objetos que não são descartáveis de princípio (como o são lâminas de barbear ou canetas esferográficas), o são na prática (e dentro da lógica empresarial) (21). Embora, a lógica do capitalismo induza a uma velocidade real de melhorias (em ciclos médios), e mesmo de mudanças tecnológicas (ciclos longos) (22), o ônus a pagar é uma profusão de objetos descartados sem grandes melhorias de um a outro.

A outra vertente é diametralmente oposta. Nela a matéria como o objeto tem seu ciclo, e o meio ambiente é o “usuário” final de todo produto. A meta é que a arquitetura se encaixe dentro de seu próprio ciclo de degradação. Assim, a pretensão à eternidade é o que não se pode fazer. É preciso conhecer os caminhos da degradação, que dentro desta visão implica em transformação, em circuitos predefinidos de reaproveitamento da matéria. Ademais, procura-se compreender o objeto, no caso arquitetônico, em sua totalidade, contemplando sua origem (matéria-prima), seu tempo de vigência (insumos energéticos e outros) e seu final (despejo). As construções perecíveis, de fato, deixam de ser precárias e passam a ser modelos de construção sustentáveis. Importante salientar que, ao contrário de outros tempos e culturas, a construção perecível é uma opção aberta entre outras.

Qual o lugar então da arquitetura intencionalmente degradável, hoje, no mundo? Nada poderia ser mais díspar.

Por um lado, é recurso usado por sociedades de baixa tecnologia (low tech) por uma questão estrutural delas, que se desenvolveram dessa maneira (algumas datando do neolítico), e ainda operam por inércia, nas bordas do furacão da economia de mercado, resquício técnico de antanho, minguando. São povos como os uros no lago Titicaca, ou os remanescentes dos guaranis, no Brasil e Paraguay. Muitos levam vidas nômades, nas vastas áreas desérticas africanas (Sahara, Sahel, Kalahari, Danakil), asiáticas (Sibéria, Ásia Central) e do Círculo Polar Ártico.

Ainda está presente em modalidades exóticas de construção, que mais valem pelo seu inusitado do que por outra coisa, tal como hotéis de gelo (existem no Canadá e na Suécia, por exemplo). Esse material de construção não atende a uma eficácia construtiva (23), a ponto do uso de pesadas peles complementarem o papel de abrigo que o edifício tem. O hotel é feito desta maneira por ser diferente, não por ser melhor em si. E, por conta de sua singularidade, o empreendimento se mantém.

Complementar ao uso da arquitetura degradável como o das sociedades ditas “primitivas”, temos o uso por setores de vanguarda da sociedade ocidental. O procedimento de outros povos é adotado, calcado no baixo dispêndio energético e uso de material renovável, como estratégia de sustentabilidade do empreendimento. Em especial se for em preexistências selvagens. Pensamento similar é o que move o uso da terra como material de construção, ou de fibras vegetais, como o bambu – não só a sua origem, como seu rejeito. “Involui-se”, com o recurso cada vez menor a etapas de transformação da matéria-prima que interfiram posteriormente na sua decomposição no meio natural. Evidentemente, as construções perecíveis são mais “grosseiras” e homogêneas, com menos componentes e partes imbricadas – o oposto da parede de tijolos com cimento e revestimentos distintos e dutos de toda sorte, que dificultam o processamento de seus destroços. Tecnologia deixa de ser sinônimo de uso intensivo de energia e de conhecimento científico de última geração, mas sim o uso eficaz do conhecimento acumulado para o seu contexto preciso, independente de sua proveniência (24). Em um retorno da maré, o que era tido como uma marca do atraso pode ser, hoje em dia, a tecnologia do futuro.

A busca da ocupação não-impactante de uma área também aparece na arquitetura de emergência – campos de refugiados ou desabrigados de algum desastre natural – onde uma vasta área é subitamente comprometida com um uso intensivo mas que deve (ou deveria) extinguir-se em pouco tempo.

Vê-se que não há uma tipologia característica. Fundamenta-se na economia de recursos e/ou na abundância destes no local de estadia.

Como observamos, as choças primitivas se degradam no meio natural, selvagem. No meio urbano, isso ganha outra dimensão. Uma das características da cidade é a especialização dos lugares, e isso inclui um sítio até mesmo para a morte e a decomposição. O que apodrece no seu mesmo local de vida está fora de lugar, é um desvio e um erro. O objeto que na natureza se degrada, no meio urbano se descarta, e seu destino são os aterros sanitários e lixões (25). A geração, uso e fim de cada coisa se dá em pontos diferentes, em contínua movimentação. A outra extremidade do processo, o nascimento, também sofre mudanças. A arquitetura perecível historicamente se faz com material do entorno (26). Em nossa sociedade, ele vem de outro lugar – daí a preocupação da procedência do material ser não-impactante, e a enorme dificuldade de mensurar isso na miríade de elementos que usamos em nossas construções.

No ambiente urbano, há construções precárias, feitas de maneira similar às habitações degradáveis dos locais distantes do mundo: moradas de sem-teto e favelas em seus estágios iniciais. Mas distinguem-se por este fato – a durabilidade de seu material constituinte – e por uma pretensão à fixação (embora a remoção por parte de outros setores da sociedade, e de Poder Público, seja comum). Há, no entanto, uma série de construções com pouco tempo de vida útil, com localização que não permite a degradação natural em seu posto de origem, exigindo sua remoção e descarte em local apropriado. É o caso dos canteiros de obras.

Ambas as possibilidades, a degradação no local e o descarte, guardam em comum a deterioração do material de que se constitui. De toda sorte, lembrar que, para o que estudamos, interessam-nos as desintegrações mais céleres. Não basta ser perecível, tem de fazê-lo em um tempo dentro de nossos limites de efemeridade.

5. A mobilidade e suas táticas

Aqui vemos a necessidade da distinção entre configuração e objeto. Podemos chamar um trailer de arquitetura efêmera? Evidentemente, não. Temos a constância do construto, e, devido a sua mobilidade, configurações temporárias – um nome mais apropriado para tais objetos seria o de arquitetura móvel.

Existem hoje veículos capazes de transportar vastas estruturas, como plataformas de petróleo e pontes. Tais exemplos perfazem um fenômeno distinto, que não se aplica ao estar transitório como estudamos aqui. A distinção acontece na escala do objeto, para nossos fins, que definirá o que chamaremos de arquitetura portátil, recorte dentro do quadro mais amplo das construções móveis. Por uma questão operacional, e evitando rigor desnecessário, definiremos a portabilidade pela escala do veículo de transporte, capaz de percorrer sem transtornos uma área urbana – o que é somente a título de comparação, visto que muitos ambientes efêmeros acontecem em zonas rurais e mesmo naturais.

E aqui chegamos ao ponto deste tópico: como se dá essa capacidade, como o objeto arquitetônico é retirado de um lugar. Encontramos três táticas para fazê-lo: partição, compactação e rigidez.

Na partição, o objeto é dividido em peças menores, passíveis de transporte dentro da escala admitida antes. Na compactação, o objeto assume uma configuração mais compacta, sem os espaços vazios que constituem a área de vivência do homem. Na rigidez, o objeto ganha solidez, sendo peça inteiriça.

Estas táticas, longe de serem “puras”, na grande maioria das vezes são empregadas em conjunto: uma barraca de camping tem elementos que se desmontam, e outros que se dobram, por exemplo. E tampouco são radicalmente distintas entre si: a partição e a compactação assumem gradientes, soluções intermédias, de difícil definição. Não são, portanto, maneira de classificação dos objetos, mas dos recursos empregados para se obter a mobilidade da construção, à mão dos projetistas.

O exercício desta classificação, conquanto útil, traz também severas limitações. É uma ferramenta poderosa para organizar os casos esporádicos, tratados como projetos exóticos e incomuns. Confere-lhes um sentido, hierarquiza a pesquisa, e auxilia na proposição de novos modelos. No entanto, em muitos casos, não há um parentesco de fato. Nem sempre um mesmo elemento similar ao outro teve a mesma inspiração, mote ou propósito. Por exemplo, há uma similaridade de princípios entre os modelos plug-in do Archigram e os sanitários portáteis dito “químicos”, embora o primeiro tenha surgido de âmbito acadêmico com viés experimental, e o segundo, em função da demanda da construção civil.

6. O recipiente e sua desmontagem

A lógica por trás da montagem é a fragmentação dos componentes da edificação Invertendo o ponto de vista, é a confecção de unidades menores que comporão uma unidade maior. Este e um dos princípios da construção por pré-fabricação (28). A montagem ganha velocidade ao eliminar a etapa de confecção in situ das peças, minimizando as perdas no canteiro de obras, e a tarefa de conjugar uma à outra, já que são desenhadas umas às outras, encaixando.

Mas o que estudamos aqui vai além da montagem: passa pela des-montagem. O metal na estrutura e o vidro na vedação de uma construção se fazem por procedimentos de montagem, mas o resultado não será obrigatoriamente algo pensado para desmontar, e de fácil consecução desta, como a Glashaus de Bruno Taut, construída em 1914 para a Exposição da Deutsche Werkbund, em Colonia. Então, as peças recorrerão a junções não-solidárias, que não amalgamam a matéria nem deformam as peças. Assim, o estado de solidez não é dado por alteração das propriedades dos componentes iniciais, formando uma nova matéria.

Além da desmontagem, temos então a re-montagem. Por isso, tampouco o processo de junção pode danificar os elementos, ou alterar sua conformação de modo que inviabilize seu emprego novamente. Esta distinção é importante, porque há uma gama de construtos não-solidários que implicam em danos nas peças: é a diferença entre o parafuso e o prego. Ou ainda partes de estruturas desmontáveis feitas de material de baixa qualidade, a rigor descartáveis, que não são re-utilizados, ou o são em um período anormalmente curto. Com isto, vamos afunilando o objeto de estudo, definindo aquilo que é a característica desse gênero de construção. Ontologicamente, temos uma distinção fundamental: tal arquitetura não se cumpre enquanto não for desmontada (29) e montada novamente. Por mais eficiente que seja aberto, o guarda-chuva precisa ainda fechar a contento, e abrir-se novamente em eventualidade futura.

Em 1853, no alvorecer das Grandes Exposições, em seu momento de maior inventividade e ousadia com construções de grande porte e tecnologia de ponta, James Bogardus, para a Exposição das Indústrias de Todas as Nações, em Nova Iorque, projetou um pavilhão de aço e vidro que seria mais econômico que os anteriores ao se pensar no reaproveitamento das peças, já que todas seriam retilíneas, mesmo quando formando um grande anfiteatro circular (30).

Descartamos, para fins da pesquisa, aqueles sistemas construtivos de fácil montagem, como chamaremos de agora em diante, tal qual andaimes. Embora sejam portáteis, possuem outras características por serem sistemas construtivos. A arquitetura desmontável, dentro da gama das construções portáteis contempladas por esta pesquisa, perfaz um sistema isolado em si mesmo ou família limitada de construtos; o objeto final é projetado e subdividido. Em um sistema, houve uma concepção, individual ou coletiva, de um sistema e projetos ad hoc para seu emprego. Por isso, nele temos um número limitado de peças genéricas, que objetivam atingir a maior gama possível de formas finais. As peças perdem especificidade, e seu crivo é essa versatilidade. Em uma arquitetura desmontável, o mais comum é o oposto: que as peças sejam altamente específicas, desenhadas para cumprir exclusivamente sua função. Trata-se de reduzir as partes componentes da arquitetura em questão, para ganhar leveza e rapidez na montagem, por conta de sua simplicidade (31).

Obras como o Pavilhão comercial da União Soviética, de Berthold Lubetkin, 1926 e o Pavilhão Itinerante da IBM, de Renzo Piano, de 1982 foram concebidas como um conjunto fechado de peças, apesar de partir de elementos industrializados anteriores. Se não formassem uma unidade, as peças não seriam transportadas – o projeto, sim, que seria reconstruído a partir do disponível em cada lugar. Ao longo do século XX, as vedações tornaram-se mais diáfanas, e a própria idéia do insubstancial tornou-se uma poética usual; daí a segunda obra assumir com clareza e vigor seu caráter de espaço que se dissolve. Ambos, de todas as formas, são espaços maiores e mais ricos, e construções mais complexas, do que uma barraca de camping, mas a lógica é similar.

Grosso modo, há duas modalidades tecnológicas empregadas nestes artefatos. A primeira decompõe o espaço em vários elementos unitários: piso, teto, estrutura, janela. Preferencialmente em partes rígidas, mas podem empregar partes flexíveis, como empregado nos stands promocionais. A segunda adota o princípio do invólucro, do tecido dando a forma arquitetônica, ancorado em uma estrutura tênue. É o caso das barracas, circos, entre outros. As componentes flexíveis de uma estrutura desmontável podem assumir um papel exclusivo de vedação (ex.: toldos simples) ou ganhar ainda papel estrutural, colaborando com a estabilidade da edificação.

Observar que nem toda tensoestrutura é desmontável e portátil. E nem sempre empregam efetivamente tecidos, basta material com flexibilidade suficiente para compor as formas das linhas de força. Evoca-se o errante, pelas imagens poéticas onipresentes das tendas nômades e dos circos. O raciocínio construtivo é similar, mas pode ter suas fundações solidamente ancoradas. As edificações em lona tensionada têm sempre um aspecto leve: por sua esbelteza e pelas formas suaves que a superfície descreve. De fato, são mais leves, e seu maior inimigo não é a gravidade, mas o empuxo provocado pelo vento. Fixas, seu risco sempre presente não é cair, mas voar.

7. A compactação do recipiente

A essência da compactação é a máxima eliminação dos espaços vazios do objeto. A arquitetura não é composta somente de paredes, mas é também o espaço dentre estas (32). Mais do que este espaço, é o seu desenvolvimento em direção a esse vetor do tempo, capturado pela deambulação, como bem defendeu Bruno Zevi (33). Ora, este espaço, substância impalpável da arquitetura, é o elemento eliminado na compactação, restringido à pura materialidade da construção. No ato de compactar, deixa de ser um objeto arquitetônico. Nesse momento, conceitualmente, deixa de ser arquitetura.

Há duas táticas sancionadas pelo uso. Um é a dobradura, cujo exemplo mais evidente é o papel. E a inflação, como nos balões e bóias.

Na dobradura, temos duas variações conceituais. Uma é a da casca a dobrar, que é o caso mesmo do papel, onde o vinco da dobradura confere rigidez. Não nos interessam as superfícies rígidas, mas somente onde a espessura da casca permite o manuseio da dobradura, o que é caso mais raro. A outra variação é a da armação, que consiste em uma estrutura com peças que rotacionam e permitem sua compactação. É a mecânica dos sistemas pantográficos. Estas são situações teóricas. Na prática, difícil empregar tais técnicas para cobrir grandes espaços – na dobradura, pela rigidez das cascas e, na armação, pelo peso das partes.

Em todos os casos, a dobradura parte de um estágio a outro: o compacto e o armado, os dois momentos obrigatoriamente estáveis de uma cadeia sucessiva de configurações. Podem ser estágios extremos, das quais os intermediários sustentam-se somente na mudança de estágio, com o auxílio da mão humana. Podemos ainda imaginar outras configurações igualmente estáveis, em números maiores, como nas mandalas metálicas. E pode ainda, em sua transmutação, enveredar para mais de um estágio. Não raro um dano em pequena parte o conduz a outro ponto de estabilidade, distante do propósito original. Ainda a partir do exemplo do guarda-chuva, ventos fortes podem empená-lo, mas o faz como um todo, invertendo sua curvatura, e ganhando nova estabilidade, inútil para os propósitos iniciais da peça.

Surgem outras questões a partir disso. Quem confere a rigidez do sistema? Travas automáticas ou acionadas, por meio de lingüetas, chaves ou parafusos... de todos os modos, a mudança de um estágio a outro é pensada para ser algo comandado por alguém. Onde está a condição default da peça? Liberadas as travas que mantém a armação aberta, pode fechar-se de uma só vez. Ou pode ser que ela se abra, como acontece com os chapéus feitos de papel, onde uma peça elástica de bordo circular lhe dá a forma. Ou, em uma terceira hipótese, a condição default seja o sistema instável, como nos guarda-sóis de praia. Ao projetista, o desafio é complexo.

Comparando-se, o objeto desmontável permite maior sobriedade das partes, sem formatação fina dos desenhos dos estágios, com estabilidade estática, e não dinâmica. Porém, dão maior trabalho na montagem, porque a arquitetura compactável é “automática” em sua concepção.

A compactação por inflação é artifício mais recente. Materiais com as características de elasticidade e resistência para seus fins, e o controle do próprio ar, são conquistas recentes. No inflável, o que dá a rigidez? Sua estabilidade é ganha no todo – porque o vazio conceitual que existe no interstício das paredes, do ponto de vista físico, é um corpo que atua somado à matéria sólida. Todo o conjunto atua como um corpo, mais ou menos resiliente, cujas costuras da membrana permitem um nítido desenho final. O veículo da forma é o ar, e o que dá seu retoque final são as paredes. Portanto, o manejo é o do ar, com a tecnologia correspondente, como foles e bombas mecânicas.

Cabe dizer que à arquitetura portátil recaem incumbências mais severas que na arquitetura sedentária. Pois ninguém pode negar que o desgaste do material é maior com seu contínuo movimento. E que essa construção, ainda assim, não pode descurar daquelas qualidades elementares que buscamos no ambiente construído, perene ou temporário.

8. A rigidez dos recipientes inteiriços

O enrijecimento da casca construída fatalmente conduzirá a uma deseconomia em seu volume. As outras duas modalidades purgam a construção do espaço interior. Em ambas o volume é diminuído, e o transporte das peças raramente é determinante. Esta modalidade presente mantém o espaço interior, o que limita o porte do objeto. E transforma-o em uma carga, cujo formato passa a depender do meio de locomoção. O transporte é problema preemente, interferindo no projeto e na forma final da arquitetura (34).

Temos uma primeira classe de objetos cujo espaço construído se mescla com o próprio meio de locomoção, incluindo aí a classe dos veículos, que podemos considerar como arquitetura após certo limiar de tamanho. Os veículos de natureza capsular limitam-se a oferecer abrigo enquanto transportam de um lado a outro o passageiro, como o automóvel, habitáculos no sentido dado por Bruno Munari (35). No entanto, os vagões de um trem, com quartos e restaurantes, pertencem indiscutivelmente ao reino da arquitetura (36). No outro extremo, o transatlântico, que reproduz dentro de si uma enorme variedade de funções e atividades do meio urbano – fogem ao sentido que demos de portátil, embora o sejam, no rigor semântico da palavra. Bastante diferente daqueles que são mera carga, transladados por veículos à parte, especialmente desenhados para isso ou não. Geralmente pertencem àquele mundo de objetos de deambulação muito restrita, que mal consegue se distinguir do mais simples dos abrigos: caixas eletrônicos, quiosques, guaritas, cabines de revelação fotográfica. Essa distinção entre o veículo e a carga não é tão clara. Existem casos onde o transporte da carga aparece somente no momento do deslocamento, como caminhões-munck para a locomoção de sanitários químicos, sem uma relação imbricada entre um e outro. Pode ocorrer da peça portátil ser desenhada para remoção mais fácil, como no aproveitamento dos containers portuários. Há casos onde o objeto arquitetônico é claramente um anexo do veículo, porém operam juntos, à maneira do trio elétrico, onde são indissociáveis em sua operação.

Do ponto de vista da constituição física do objeto, o ideal é aproximar-se do monobloco automobilístico, a fim de ganhar maior resistência e de permitir-se manusear melhor.

A análise e proposição arquitetônica com estes objetos requer um conhecimento da operação do veículo – presente no objeto ou contíguo a ele, no transporte próprio, ou a conectar-se na locação e na retirada, para o objeto transportado. Coisas como área de manobra do veículo, acesso desimpedido nos momentos de deslocamento, a qualidade de seu leito de transporte, entre outros. E, em alguns casos, seu abastecimento.

9. O ambiente transitório e seus desafios

Encontramos o fenômeno do transitório e, incidindo sobre o objeto, vimos como ele se desvanece do lugar. Mas somente o estudo do objeto não será suficiente para explicar o ambiente transitório. O esforço analítico deve juntar-se ao sintético, em percurso ascendente.

Os ambientes efêmeros são constituídos por objetos – no sentido que demos ao termo, de edificações de porte variável – e ainda por elementos que não são arquitetônicos propriamente ditos, que não abrigam dentro de si atividades humanas. Tais ambientes são transitórios por inteiro, cada parte de diferente maneira. Em uma feira, a atração performática pode acontecer em um caminhão-palco; toldos desmontáveis e pantográficos, sucessivamente, cobrem stands, enquanto sanitários químicos em cabines rígidas são dispostos em uma lateral, com todo o perímetro cercado por folhas de madeira compensada, sobre uma preexistência fixa que apóia as novas atividades. Esse ambiente geralmente é uma mescla heterogênea de processos, de materiais, e mesmo de insumos tecnológicos.

O que temos, então, como recurso para a constituição desse espaço, além desses objetos antes dispostos?

Descartamos antes os sistemas construtivos de fácil montagem. No entanto, na configuração transitória, eles têm seu lugar. Tais sistemas podem ser de origem industrial (como os de perfis de aço, ou pré-moldados em concreto) e mesmo de origem na manufatura mais primária (ripas de madeira), com encaixes rudimentares e de baixa durabilidade.

O caráter aberto do sistema é fundamental para esta nossa conceituação. De um modo geral, permite construir diversos tipos de recintos fechados, abertos e mesmo elementos esparsos, como cercamentos. O grau de abertura do sistema varia, e aqui cabe um olhar atento.

Divisórias modulares de stands e mobiliário para escritório têm uma abertura inferior ao sistema Octanorm, por exemplo. Esses arranjos, embora infinitos, têm limites formais. A contradição se explica que a infinidade de arranjos – vasto assim porque inclui tamanhos crescentes de construção, e inclui variações mínimas de uma para outra – não traduz a versatilidade de um sistema. A versatilidade de um sistema, as potencialidades de combinações significativamente distintas uma das outras, é dada pela maneira como se encaixam e, sobretudo, por suas peças componentes. Peças específicas adicionadas aumentam o alcance de sua variação: em um sistema de blocos, arcos serão impossíveis enquanto as peças forem retangulares; somente o acréscimo de peças semi-circulares os permitirão. Porém, ironicamente, quanto maior o número de tipos de peças, mais o sistema perde a elegância de síntese, no que é um de seus motivos iniciais: realizar grande variedade de espaços com pequena quantidade de tipos de peça. Na elementaridade destes reside boa parte da eficiência no seu manuseio.

A lógica do sistema construtivo vale para brinquedos como Lego e Mechanoo, para alfabetos construtivos patenteados, vale para arranjos empíricos, consolidados com o tempo, como os cercamentos de ripas de madeira e folhas de compensado, chapas de zinco, chapas corrugadas metálicas, etc.

Para uma outra sorte de elemento que constitui o espaço efêmero, recorreremos ao grupo inglês Archigram, que em seu projeto Living 1990 (1967) e suas múltiplas sondagens do futuro do domicílio, apontavam para a crescente importância dos aparelhos eletrônicos, não somente como utensílios eletrodomésticos, mas no próprio condicionamento do ambiente. O mesmo vale para ambientes provisórios, abertos. Eis o último dos recursos dos ambientes transitórios: as unidades de infra-estrutura portátil. Eles somam ou formatam energia e matéria ao lugar: geradores elétricos, caixas d’água, umectadores, refrigeradores, etc.; fornecendo-a a partir de estoque próprio, temporário, mas duradouro o suficiente para a demanda do evento ou adaptando-a sincronicamente de rede preexistente. O termo “infra-estrutura” se emprega na falta de um sucedâneo melhor, já que não trata somente daquilo que nos acostumamos a entender como tal (água potável, águas servidas, eletricidade, telefonia), sendo um tanto mais amplo. É mais próximo a uma rede técnica, por assim dizer, e sua definição está mais no manejo de matéria e energia, principalmente esta última, próximo do conceito de Buckminster Fuller, ao interpretar as edificações como válvulas que controlavam os níveis de fluxo de energia em prol do conforto humano. Isso se verá com melhor clareza em no próximo tópico.

Esta divisão – objetos arquitetônicos, sistemas construtivos e unidades de infra-estrutura portátil – são as palavras com a qual se constroem os ambientes efêmeros. Esta visão poderia comparar-se à análise morfológica da gramática, onde averigua-se a lógica das partes em si. Ou seja, o papel que assumem dentro da configuração no espaço.

As características da produção do ambiente efêmero põem em cheque pressuposições tidas como naturais do fazer arquitetônico. A arquitetura, como a concebemos, é obra unitária. Porém, a tônica do ambiente efêmero é a partição em pedaços menores (37). Um deles tratamos à exaustão, que são os objetos arquitetônicos propriamente ditos, ou unitários em sua concepção original (desmontado, compactado ou inteiriço) ou concebido a partir de arranjo momentâneo de um sistema construtívo de fácil montagem.

Outro foi aventado rapidamente, que chamamos de elementos esparsos: piso, parede, cobertura, que podem mas não necessariamente formam espaços consolidados (38). Assim, há chãos diversos: pode ser um tablado, um tapete de linóleo, pódios ou um piso elevado, empregados toda vez que se deseja qualificar o solo natural. As paredes são, por vez, pontaletes e cordas em bancos, divisórias, tapumes, para seccionar o espaço conforme se deseja. O teto é composto por guarda-sóis, toldos, lonas tensionadas, telas de sombrite, para dar cobertura a áreas desprotegidas. Sempre degraus prévios a uma arquitetura mais claramente percebida como tal, que pode tanto ser constituído pelos objetos expostos, como por sistemas construtivos de fácil montagem. Como conceito, sua importância está na força do contraste com os elementos esparsos. A diferença concreta está na sua aglutinação e no resultado desta.

Assim sendo, o ambiente efêmero é composto por coberturas, semi-fechamentos, pisos, e recintos fechados, à maneira de cômodos, como um grande edifício desconstruído. A diferença substancial entre recipientes e ambientes não é a escala, mas a composição, já que estes últimos são compostos por peças heterogêneas, móveis entre si, e que não necessariamente formam uma unidade.

Normalmente, a infra-estrutura (energia, água, telefone) se instala na própria construção, enrijecida no lugar. No ambiente transitório, se evidencia nossa dependência desses aparatos. Reyner Banham e François Dallegret, em seu trabalho “A Home is not a House” (1957), ilustram uma Não-Casa: uma bolha plástica simples sobre um rochedo, com moradores, e uma parafernália central de aparelho de som, televisão, e outros. Assim, demonstra o poder que tem os artefatos na qualificação de um ambiente. Há uma correspondência biunívoca – a infra-estrutura do ambiente temporário é sempre constituída pelas unidades móveis de infra-estrutura. Para o abastecimento de água, caminhões-pipa; para o fornecimento de eletricidade, geradores móveis. Mesmo qualidades ambientais podem ser supridas, como temperatura e umidade. A construção convencional é esvaziada de seus papéis, perde o poder de síntese que possui, restando-lhe a função de vedação somente.

Um auditório será criado a partir de uma lona de circo, vedações de biombos, um palco, poderosa aparelhagem de som, spots de iluminação dispersos e cadeiras plásticas. Individualmente, e eles existem individualmente, ainda não perfazem a forma-auditório, por assim dizer. O controle e amplificação eletrônicas do som – que fogem à infra-estrutura como se entende habitualmente – prescindem do apuro acústico do lugar, apesar da evidente perda de eficiência. As implicações dessa lógica nas reflexões sobre a funcionalidade da arquitetura, o vínculo da forma com as atividades que abrigará, são tremendas.

O que é de alvenaria se desvanesce em objetos tratados como os móveis domésticos e aparelhos. Porque tem a mesma natureza, sua única diferença é cumprir pontualmente as funções que a edificação inteira cumpre.

O grupo Archigram experimenta ainda assentamentos temporários, como a Instant City (1969) (39). Amplamente ancorados em meios de transporte – especialmente aqueles que nem o território percorrem, simplesmente pairando no lugar – potencializam o que hoje é usual, que é a possessão repentina de um lugar por uma atividade temporária, seja exposição ou festa rave, para posterior desaparição. A velocidade e a escala são maiores, mas os assentamentos transitórios são ancestrais. Diante de algo tão antigo quanto as caravanas e os acampamentos de tendas, cabe a reflexão sobre o genius loci, por exemplo (40)?

Mas aqui são extrapolações sobre tema rico. Esta abordagem – de inúmeras possíveis – intenta apenas albergar e ordenar gama dispersa de fenômenos, visto a tarefa de delimitar o objeto de estudo frente a análogos e similares, sob um olhar eminentemente projetual.

10. Algumas conclusões

A tradição das fogueiras faz frente à das pirâmides.
Martin Buber, Moisés (41)

Em culturas muito diferentes vemos formas de ocupação transitória, em várias etapas históricas. É então repertório consolidado do fazer arquitetônico, como aponta Buber acima.

Acreditamos que não se deva entender as modalidades de arquitetura efêmera como algo exótico e distante, nem como algum tipo de elixir ou panacéia, algo que possa nos redimir do mundo em que vivemos ou transcender os rumos convencionais. A ocupação efêmera é tão comum como uma cabine de praia. Tão comum como uma feira de rua.

Defendemos apenas que ela exige algumas adaptações sutis dentro de procedimentos usuais no pensamento do espaço construído. Que alguns dos dilemas encontrados na arquitetura sedentária são antecipados ou maximizados no projeto e realização dos espaços transitórios. Que nele, alguns desafios são ainda maiores que os habituais. E que, por sua vez, outros dilemas não fazem sentido nessas circunstâncias.

Defendemos ainda que é faceta indissociável do espaço, a par com o construído e fixo, que servem e moldam a diversidade humana, em um jogo em que o homem decide o que lhe é cômodo, dentro dos recursos que têm à mão. Vimos que a arquitetura efêmera é a maneira que se tem de incrementar a eficiência de espaço, doravante inadequado para uma atividade que se pretende instalar temporariamente nele – e isso vale para espaços mais amplos, mesmo naturais, ou edificações específicas. Ora, é comum, e cada vez mais freqüente, exigir-se o mínimo de impactos pós-ocupação destas construções temporárias. Que, assim, permitem a flexibilidade da condição anterior, sem danificar seu uso habitual. Essa competência de duração limitada é o que impede arranjos e desarranjos na preexistência.

O Pavilhão das Indústrias de Oscar Niemeyer, no Ibirapuera, para cada evento, se vê tomado por andaimes que constróem as saídas de emergência que a lei atual exige, e o prédio, de valor artístico inegável, não tem. Bilheterias em containers e stands, criam as subdivisões dos vãos internas necessárias para a dinâmica de cada evento. E assim, o prédio pode se manter para o futuro.

A construção transitória é, então, a contraparte que reforça a condição e durabilidade da arquitetura permanente. Aquilo que lhe dá sobrevida e permite, de fato, que perdurem ainda mais.

notas

1
Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1979.

2
Buenos Aires: Ed. Alianza, 1976, 3ed.

3
He registrado las arbitrariedades de Wilkins, del desconocido (o apócrifo) enciclopedista chino y del Instituto Bibliográfico de Bruselas; notoriamente no hay calcificación del universo que no sea arbitraria y conjetural. La razón es muy simple: no sabemos que cosa es el universo.
Jorge Luís Borges, El idioma analítico de John Wilkins

Discordamos de Borges nesse aspecto. Podemos não saber o que é o universo, mas podemos saber o que queremos dele. Nenhuma classificação é descompromissada. Todo ordenamento do mundo, ordem que é criação única e exclusiva do homem, traduz sua intenção para com esse mundo. Daí defendermos que uma classificação não necessariamente será arbitrária. Isso vale para as demais criações humanas, como a matemática e as artes: embora convenções, embora parte de seu universo simbólico, tampouco implicam em arbitrariedade (como observa Karl Popper, em seu A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, à pág. 79. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1974.).

4
E mesmo esta foi custosa, já que os critérios eram dos mais distintos. As classificações anteriores à de Lineu ordenavam do mundo natural por propósitos utilitários: se as plantas eram comestíveis ou tinham valor medicinal, se os animais eram úteis, etc.. THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Ed. Schwarcz, 1988.

5
Enquanto não se concretiza a teórica máquina de John von Neumann: autômato que se reproduziria por si só.

6
Sobre a individualidade dos fatos e a generalização como fundamento do conhecimento humano, Jorge Luís Borges constrói seu Funes el Memorioso (Artificios, 1944), mostrando que os próprios algarismos são uma generalização.

7
Fundamental a distinção entre provisório e precário, infelizmente relacionadas no entender comum, como enfatizava o falecido prof. Manoel José Ferreira de Carvalho. Não só a arquitetura efêmera não é precária em si – ou não deve ser precária – como atende a solicitações mais exigentes.

8
Essa diferença e suas implicações foram o mote da análise empregada no Palácio Thomé de Souza, em Notas sobre a polêmica da Prefeitura de Salvador, na seção Minha Cidade do site Vitruvius, de outubro de 2004, disponível em: http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc116/mc116.asp.

9
São Paulo: Martins Fontes, 1993. Citação à pág. 264.

10
Simondon, apud SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Ed. Hucitec, 1999, 3ed.

11
Uma última ampliação é notar que há ainda o arranjo do outro pólo do binômio: das ações humanas. A essa estrita congruência, considerando que ambas se ajustam, é denominada sinomorfia na Psicologia Ambiental. (BARKER, 1968 apud GIFFORD, Robert. The role of environmental psychology in environmental policy formation and in the construction of the future. Psicol. USP , São Paulo, v. 16, n. 1-2, 2005.

12
Lições de Arquitetura. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1999, 2ed.

13
Daí que temos que os centros urbanos vazios à noite não são áreas “mortas”: apenas deixam de ser as áreas comerciais e financeiras que são de dia, já que ninguém desempenha tais atividades naquele momento. O que se lhes acontece à noite, se algo malquisto ou mesmo simplesmente nada, é outra história.

14
A diferença na abordagem prática entre áreas urbanas e selvagens por parte destes dispositivos do estar transitório são um tema à parte, para outro momento.

15
As escolhas entre fixar ou volatilizar uma atividade na forma de uma construção – a diferença fundamental entre uma feira livre e um mercado, por exemplo –, são tema à parte, para futuro trabalho

16
São Paulo: Ed. Schwarcz, 2005.

17
Elizabeth Creveling, Photograph of the Demolition of the Crystal Palace, 1936, em coletânea de ensaios feitos por alunos da Universidade de Maryland sobre as Grandes Exposições, a partir do seminário World's Fairs: Social and Architectural History. Disponível no site: http://www.lib.umd.edu/ARCH/honr219f/home.html.

18
No que temos uma contradição dos tempos modernos: emprego de materiais de durabilidade crescente, em contínuo aperfeiçoamento, para edificações que não duram mais de uma geração.

19
Tradução para o espanhol de Jose Gibert, Plaza & Janes. Barcelona: SA Editores, 1980. 7ed.

20
E mesmo dos elementos transurânicos (definitivamente não utilizados em nenhum objeto de uso cotidiano).

21
Embora os economistas digam que essa dinâmica é implícita ao capitalismo moderno. Entre os designers, este processo tem uma face e um autor: é o chamado styling junto com o variety marketing, que surge com o vice-presidente da General Motors, Harley Earl, onde mudanças menores no desenho do produto e o lançamento de pequenas variações de função e preço justificam a atualização periódica dos modelos.

22
Além das mudanças cosméticas, existem melhorias tecnológicas, que não são necessariamente lineares. C. Freeman (in VARGAS, Helena Comin. Espaço Terciário – o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Ed. Senac, 2001) fala de inovações incrementais (melhorias contínuas dentro do mesmo modelo); inovações radicais (mudança descontínua da tecnologia) e revolução tecnológica (alteração mesmo dos fundamentos).

23
Ao contrário dos inuit, que fazem seus iglus de neve compacta – a neve é isolante, ao contrário do gelo.

24
O que Hassan Fathy percebera em seu projeto para Nova Gurna, Egito, com adobe em vez de concreto, na década de 40 e relatado no seu Construindo com o Povo, Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2ed. 1982.

25
O que traz uma contradição implícita nos locais de depósito de lixo: a aglutinação massiva e heterogênea de materiais, que dificulta posteriormente seu re-processamento.

26
E curioso que os intentos de construções mais perenes, também historicamente, esbarram no dilema da procedência do material usado. Espanta-se como olmecas e egípcios, por exemplo, transportavam os grandes blocos de pedra com a qual construíam. Especialmente aquelas edificações que, sim, precisavam ser eternas, que eram os templos.

27
No entanto, a concepção da construção composta de elementos recicláveis, que requer uma forma específica de desmonte e descarte, foge ainda mais ao fenômeno que estudamos. Curiosamente, essa forma de pensar lida com períodos maiores que a vida do homem, que são os processos naturais de degradação – o que leva a considerar a grande maioria das construções atuais como temporárias. O conceito de efêmero está indissociavelmente relacionado ao período de tempo que tomamos como medida, que entendemos como duradouro.

28
A pré-fabricação não é sinônimo da partição da arquitetura, porém quase sempre implica nela. Fabricar de antemão uma edificação quase sempre conduz a fabricar suas partes. O fundamento da pré-fabricação é criar uma etapa industrial anterior ao canteiro de obras, fora do sítio, tornando-o basicamente montagem, e não mais a confecção da matéria. A montagem da arquitetura pode trazer vantagens, principalmente no que diz respeito à sua velocidade – como tem acontecido com a “construção seca”. Mas ainda não é o que estamos estudando.

29
É a peça chave do argumento sobre o palácio Thomé de Souza. Emergencial e transitório, provou-se eficiente na emergência, mas nunca lhe deram a transitoriedade para seu teste final, ainda que pudesse ser montado no mesmo lugar novamente. A associação renitente da desmontagem com a demolição mostra essa confusão conceitual entre ambos os termos, e entre a configuração e o objeto, e a cegueira às sutilezas que o estar transitório nos traz.

30
Siegfried Giedion, Espacio Tiempo y Arquitectura, Barcelona: Editorial Científico-Médica, 2ª ed., 1958.

31
Charles Jencks (Movimentos Modernos em Arquitetura. Rio de Janeiro: Edições 70, 1992) observa isso, ao analisar a obra dos Smithsons. Que, até então, ao se pensar na industrialização da arquitetura, recorria-se à produção massiva de número escasso de elementos versáteis – como realizou o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. E que os Smithsons observaram que os automóveis são industrializados, mas compostos de partes bastante específicas: a economia residia no número elevado de vezes que se reproduziam tais peças singulares, na confecção de milhares de veículos. A economia de escala situa-se em aspectos diferentes, por assim dizer. O sistema empregado nas passarelas de Lelé, somente para ilustrar esse raciocínio, é custoso porque válido apenas para passarelas, e não há demanda delas que o barateie, ao contrário de outras criações dele na pré-fabricação.

32
A percepção desse raciocínio vem da leitura de Martin Heidegger, ao descrever a essência de um jarro no seu La Cosa, (tradução de Eustaquio Barjau em Conferencias y artículos, Barcelona, Ediciones del Serbal, 1994), situada no caráter de acolhimento do jarro, composto por suas paredes e pelo vazio criado pela distância entre as paredes. A arquitetura guarda semelhanças, já que grosso modo é também um recipiente.

33
Saber Ver a Arquitetura. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1978.

34
O problema do transporte também aparece na ocupação transitória de áreas selvagens. Como no projeto desenvolvido pelo grupo ARQZE – Arquitetura de Zonas Extremas (www.arqze.com), da Universidade Técnica Federico Santa Maria, para a Força Aérea chilena. A estrutura construída para suportar os rigores do Pólo Sul é desmontável. Pela dificuldade logística, projetou-se para o transporte de um avião Hercules c130. Um dos projetos para criar espaços não-impactantes na área – premissa básica do intento – criava uma calota de gelo, moldada pelo derretimento da superfície de gelo azul com energia eólica. A primeira parte é inteiramente desmontável, trazida e levada, sem resíduo. A segunda seria construída com material do meio, sendo o resíduo não-impactante.

35
Das Coisas Nascem Coisas. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998.

36
O que nós sabemos com a razão, o detetive Nero Wolfe sente em toda sua intensidade. Ele sabe que o trem por onde viaja tem 2.309 partes em movimento. Daí o motivo de seu pânico. STOUT, Rex. Cozinheiros Demais. São Paulo: Ed. Schwarcz, 1991.

37
A obra “sedentária”, por assim dizer, muito a contragosto do arquiteto, é, de fato, dividida em especialidades, ligadas aos fornecedores da obra – o aprofundamento da técnica da construção estilhaçou o saber. O que argumentamos é que o ambiente efêmero assume essa partição, tornando-a perceptível ao usuário.

38
O sistema SCSD (Schools Construction System Development), de Ezra Ehrenkrantz, 1967, por exemplo, define-se um sistema de construção flexível baseado em quatro elementos: cobertura, vedação, piso e condicionamento de ar. O condicionamento de ar corresponde à infra-estrutura de que falaremos. O arquitetônico é transformado somente em separação entre os espaços – teto, parede e piso – podendo empregar-se combinados ou isoladamente.

39
Nele, o problema do transporte aparece também, com soluções tais quais dirigíveis.

40
Com a digna exceção, talvez, do Teatro do Mundo, de autoria de Aldo Rossi, feito para a Bienal de Veneza, 1979. Mas aí temos um tipo singular de arquitetura móvel, feita à medida para Veneza. Impensável vê-lo cantar em uníssono com outro lugar que não essa cidade. O Teatro do Mundo, no entanto, é efêmero de duas maneiras: como nau, pode situar-se onde quer que consiga navegar; por uma tradição específica, o destino dos teatros do mundo é a demolição, concluídas as encenações. O que veio a acontecer, intencionalmente ou não. Agradeço à prof. Odete Dourado, da FAUFBA, pela apresentação deste projeto, em conversa sobre o tema.

41
CHATWIN, Bruce. Os Rastros dos Cantos. Ed. Schwarcz, 1996, São Paulo, 397p.

sobre o autor

Daniel J. Mellado Paz é arquiteto e urbanista, Mestre em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.

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