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architexts ISSN 1809-6298

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Discussão sobre o papel da tecnologia no processo de concepção arquitetônica contemporânea: o caso Norman Foster

english
Discussion about the role of technology in the contemporary architecture conception process: the case of Norman Foster

español
Discusión sobre el rol de la tecnología en el proceso de concepción de la arquitectura contemporánea: el caso Norman Foster


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GRALA DA CUNHA, Eduardo. Discussão sobre o papel da tecnologia no processo de concepção arquitetônica contemporânea: o caso Norman Foster. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 118.00, Vitruvius, mar. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.118/3369>.

Fig. 1. Croquis de definição do partido, Todo Conceitual, Norman Foster, 1974, Centro de Artes Visuais, Inglaterra
[fonte: Blaser (1992, p. 84-88)]

A produção arquitetônica de qualidade na atualidade é marcada por uma considerável diversidade de abordagens teóricas e posições frente ao meio ambiente natural e construído. Essa diversidade anunciada é caracterizada por Pahl (2), Montaner (3), entre outros autores, como diferentes verdades intrínsecas aos distintos movimentos de arquitetura presentes na produção atual. Entenda-se como produção de qualidade aquela voltada à resolução de projeto comprometida com a busca da sedimentação de uma identidade arquitetônica tendo, portanto, um comprometimento equilibrado e maduro com os aspectos internos ao problema de concepção, ou seja, segundo Mahfuz (4), com o programa, com o lugar e com a técnica, como também com o externo ao desafio projetual, gerando construções com identidade formal, caracterizadas pelo entendimento da relação entre as partes que compõem o todo compositivo. O conceito de identidade arquitetônica relaciona-se ao lado subjetivo da composição, ou seja, manifesta-se por intermédio do caráter da edificação. As diferentes formas de manifestação do caráter definidas por Mahfuz (5) não são o foco desta discussão e, portanto, não serão tratados neste artigo. A discussão da forma pertinente é complexa, tratada com abordagens variadas. Mahfuz define o conceito de beleza como algo relativo e mutante, que varia temporalmente e espacialmente, até mesmo de pessoa para pessoa – sendo, portanto, mais apropriado ter como objetivo criar artefatos marcados pela pertinência ou adequação da sua forma. A pertinência e adequação relacionam-se à resolução dos aspectos de projeto lugar, técnica e programa, como também à organização do espaço por intermédio de uma estrutura formal. O autor afirma também que, até meados do século XVIII, a boa arquitetura seria aquela que apresentasse um equilíbrio entre os três componentes da tríade vitruviana: solidez e adequação funcional, que fazem parte da esfera racional do conhecimento, e beleza, que é o componente estético da tríade, significando o que, em tempos pré-modernos, estava centrado nas relações proporcionais e na aplicação das ordens clássicas ao exterior dos edifícios.

“Pode-se tentar uma redefinição dos aspectos essenciais da arquitetura por meio de um quaterno composto de três condições internas ao problema (programa, lugar e construção) e uma condição externa, o repertório de estruturas formais que fornece os meios de sintetizar na forma as outras três”. (6)

O lugar, elemento importante e estruturador da concepção projetual, deve ser considerado no projeto com base em múltiplas relações que o edifício pode estabelecer com o sítio de intervenção. Essas relações são as mais variadas possíveis; podem-se destacar aspectos como a linguagem das pré-existências, a altura, a escala, o aproveitamento da topografia, o domínio da paisagem, a mímese, o contraste, as relações funcionais de acessibilidade, entre outros importantes elementos a serem considerados. A importância do comprometimento com o lugar é fundamental. Segundo Fiori (7), obras arquitetônicas não só se encontram em lugares ou fazem parte de lugares, mas são elas próprias lugares ou conjuntos de lugares em si mesmos. “Arquitetura pode ser entendida como a produção de lugares”. (8)

O programa, outro importante aspecto a ser valorizado na resolução projetual, é confundido muitas vezes com uma lista de compartimentos e áreas a serem projetadas e utilizadas. Mas, com certeza, ele transcende esse conceito medíocre. A análise programática permite a definição da relação entre espaços interiores e exteriores no que diz respeito à organização dos planos verticais e horizontais. Aspectos como a permeabilidade, gerada pelo uso de vidros e superfícies transparentes, a estanqueidade caracterizada pelo uso de fechamentos opacos em alvenaria ou outros materiais, devem ser definidos durante a definição da proposta programática.

A técnica, o objetivo desta discussão, é outro importante elemento a ser considerado na resolução de um projeto arquitetônico. Entendida em grande parte das edificações projetadas nos últimos anos como elemento que viabiliza apenas o funcionamento do edifício, é instrumento de geração de movimento e qualificação espacial em muitos outros trabalhos. Tem um papel funcional vinculado à materialização e uso da edificação, como também possui um cunho representativo, relacionado ao reforço do caráter do edifício, à valorização da imagem tecnológica, principalmente a partir da valorização de elementos de arquitetura na composição, como a estrutura, com forma escultórica ou não, como os elementos de proteção solar, como a forma da cobertura, entre outros aspectos. O papel funcional da tecnologia na resolução construtiva das edificações relaciona-se diretamente à “arquitetura banal” (9), onde a resolução do desafio de projeto se caracteriza diretamente à simples resolução programática.

Fig. 2. Croquis de definição do partido, Todo Conceitual, Norman Foster, 1974
[fonte: Modificado de Blaser (1992, p. 121-135)]

Na passagem do todo conceitual, durante o processo de projetação, para o todo construído, uma complexa teia de aspectos vinculados à interação com o lugar, à resolução programática e ao papel da tecnologia na proposta, são consideradas e trabalhadas. A tecnologia como uma das dimensões presentes na natureza complexa da arquitetura, enfatizando-se que não é responsável pela diferenciação de um prédio com significado de outro com arquitetura banal, tem um papel importante na qualificação espacial. A discussão, aprofundamento e alguns estudos de caso sobre o papel da tecnologia na projetualidade da arquitetura em geral na atualidade, é o objetivo principal deste artigo, e será conduzida nos itens posteriores.

Independentemente da corrente arquitetônica analisada, verifica-se que tanto a relação entre os problemas internos e externos ao projeto quanto a ênfase dada aos mesmos, aparecem e são visíveis nas distintas produções arquitetônicas na atualidade.

Contexto da decisão arquitetônica: situando a dimensão tecnológica

Considerando a destacada complexidade da passagem do todo conceitual para o construído, num dinâmico jogo de relações e conexões entre os elementos de arquitetura e os princípios que estruturam uma proposta de projeto, é necessário, inicialmente, entender o processo de concepção, por intermédio de uma abordagem sucinta. Ainda, é importante a compreensão do modo como as partes são organizadas.

O projeto começa pelos dados objetivos caracterizados pelo programa, que é modificado por meio de uma imagem, definida por propostas vinculadas às diferentes dimensões presentes na projetualidade da arquitetura em geral. Essa definição propositiva leva ao todo conceitual, o qual, posteriormente, é materializado através de um partido.

Nesse processo de materialização do todo construído, a definição dos elementos de arquitetura relaciona-se diretamente com a ênfase da dimensão tecnológica considerada na projetualidade do edifício desenvolvido. A “projetualidade” (10) definida como a síntese das teorias da produção e da excelência arquitetônica, fundindo repertório, ideologia e visão de mundo num enfoque resolutivo. Projetualidade, segundo Silva, é definida ainda como o resultado da posse da bagagem cognitiva, tão ampla e diversificada quanto possível, e da atitude (ideológica e visão de mundo), que torna possível a criação arquitetônica. “A projetualidade é o potencial; o projeto é a ação específica”. (11)

Fig. 3. Croquis de definição do partido, princípios estruturadores tecnológicos - Norman Foster, 1978, Banco Hong-Kong, China
[fonte: Blaser (1992, p. 121-135)]

Nesse momento, para diferentes valorizações dos aspectos tecnológicos na composição de uma edificação existem distintos papéis da dimensão. A valorização dos aspectos vincula-se diretamente aos diferentes tipos de consideração da dimensão tecnológica na projetualidade, ou seja, as maiores ênfases dadas aos elementos construtivos na composição são encontradas na dimensão representativa. Esses aspectos serão mais bem explorados a seguir, procurando-se estabelecer, dentro da complexidade da passagem do todo conceitual para o construído, a relação entre as diferentes considerações da dimensão tecnológica e os problemas da escolha e definição dos elementos de arquitetura.

O todo arquitetônico é um fenômeno complexo composto de elementos heterogêneos, que são unificados por um princípio estruturante. “Ele passa a existir através de suas partes, ou seja, é criado por meio de um processo no qual a parte é a unidade básica de produção” (12). E continua o autor:

“Os elementos arquitetônicos ou partes podem ser definidos topologicamente ou geometricamente. A topologia é uma área do conhecimento matemático que não lida com ângulos, distâncias e áreas, mas se baseia em relações tais como proximidade, fechamento, sucessão e continuidade” (13).

“A geometrização de elementos acentua qualidades gestálticas particulares, dando-lhes caráter figural, e confere-lhes a possibilidade de constituírem-se de várias estruturas relacionadas hierarquicamente, o que os habilita a absorverem diferentes significados ao mesmo tempo” (14).

Com base no conhecimento das formas de organizar as partes, como também na necessidade da presença de imagens transformadoras para a definição uma proposta arquitetônica, enquanto aspectos vinculados às diferentes dimensões presentes na projetualidade da arquitetura em geral como forma de transformação do programa e posterior geração do partido, é possível conceber um edifício. A discussão a ser desenvolvida objetiva o melhor entendimento do processo de escolha e definição dos elementos de arquitetura nessa fronteira entre o todo conceitual e o todo construído. O que acontece quando o arquiteto valoriza, nesse momento de concepção da sua proposta arquitetônica, a dimensão tecnológica presente na projetualidade de um determinado elemento da construção? O que acontece quando ele não a enfatiza e escolhe esse elemento aleatoriamente? Qual a relação entre as diferentes ênfases dadas às dimensões tecnológicas presentes na projetualidade de um edifício e os problemas das escolhas dos elementos de arquitetura?

É importante, mais uma vez, caracterizar o momento da definição dos elementos de arquitetura. No cruzamento da fronteira entre os planos conceitual e material, o partido pode ser mudado pelas partes físicas. O maior ou menor cuidado com a escolha dos elementos de arquitetura vincula-se a muitos aspectos, desde particularidades do projetista, até mesmo as características da escola onde ele estudou. Contudo, independentemente desse complexo contexto, um aspecto pode ser mencionado: o grau de definição dos elementos de arquitetura chaves em um projeto de um determinado edifício vincula-se diretamente ao grau de valorização da dimensão tecnológica presente no método de trabalho do arquiteto projetista.

Fig. 4. Croquis de definição do partido, princípios estruturadores funcionais - Norman Foster, 1978, Banco Hong-Kong, China
[fonte: Blaser (1992, p. 121-135)]

Conforme já apresentado, atualmente estão presentes diferentes ênfases da dimensão tecnológica na projetualidade da arquitetura em geral, cada uma com características específicas quanto ao papel dos aspectos construtivos no objeto projetado. Tais ênfases são as seguintes: dimensão tecnológica funcional e representativa.

São apresentados na sequência do trabalho croquis de projetos de Norman Foster nas décadas de 1970 e 1980, procurando estabelecer uma relação entre a valorização dos aspectos tecnológicos e o método de projeto. Os três projetos apresentados são o Centro de Artes Visuais, na Inglaterra, 1974-1978, 1988-1991, o Banco Xangai, 1979-1986, na China, e o Centro de Distribuição da Renault, 1980-1983, na França.

A escolha das obras de Norman Foster, como referências para a discussão do processo de concepção arquitetônica com ênfase no papel da técnica, baseia-se na expressividade da produção do arquiteto na corrente High-tech, sabidamente caracterizada pela exploração simbólica do papel da tecnologia no todo construído. Autores consagrados, como Pahl (15), Montaner (16), ao caracterizarem a corrente de arquitetura High-tech, utilizam o trabalho de Foster como uma das principais referências.

O primeiro trabalho apresentado é o Centro de Artes Visuais na Inglaterra (Figura 1). O projeto inicial foi definido por um grande pavilhão horizontal, identificando um partido compacto implantado num terreno com considerável desnível. A resolução funcional foi definida com base num grande espaço conectado através de divisórias transparentes, iluminadas por um sistema de luz natural e artificial (17). Blaser define a resolução funcional de Foster como revolucionária para a época; as áreas de armazenamento e workshop estavam localizadas no subsolo. O aspecto formal foi simplificado com a adoção de uma forma prismática retangular como configuração geral. Na análise do processo de concepção, inicialmente, é verificada, a partir das características do objeto construído, a presença moderada da dimensão tecnológica na projetualidade da obra. É possível identificar a valorização da dimensão tecnológica durante a concepção do edifício, observando algumas características de ênfase de elementos de arquitetura que apresentam a materialização do edifício, presentes na ilustração. A estrutura é aparente, configurando a intenção de apresentar o modo como o edifício foi construído, e há a exploração da potencialidade da forma da estrutura treliçada. A partir da visualização da fachada lateral é possível identificar o corte transversal do edifício, entendendo como foi estruturado; o vidro cobrindo as circulações permite a visualização parcial dos espaços de circulação interior. Essas características evidenciam a presença moderada dos aspectos tecnológicos na composição geral do edifício, configurando, portanto, a dimensão funcional representativa. Após a classificação do edifício quanto à ênfase da dimensão tecnológica na composição, é realizada a análise dos croquis de Norman Foster durante a fase de definição do partido arquitetônico, procurando-se entender de que maneira se pode relacionar o método de trabalho com as diferentes intensidades de consideração da dimensão tecnológica na projetualidade dos edifícios em geral.

Fig. 5. Croquis de definição do partido, princípios estruturadores tecnológicos e ambientais - Norman Foster, 1978, Banco Hong-Kong, China
[fonte: Blaser (1992, p. 121-135)]

Nos croquis confeccionados por Foster ficam claras as preocupações do arquiteto em definir a sua proposta em todas as dimensões necessárias para o desenvolvimento do partido. A organização funcional, identificada nos primeiros croquis através do prédio de dois pavimentos e dos espaços internos fluidos; a concepção formal, caracterizada pelo volume prismático, configurando um partido compacto; a preocupação ambiental, através da interação da luz natural e artificial, como também através dos sistemas de climatização artificial, e, por último, a preocupação com os aspectos construtivos, demonstram uma conceituação abrangente, que identifica uma visão global e integrada do objeto projetado. A dimensão tecnológica, conforme definida, é considerada importante aspecto do edifício, sendo utilizada para fazer o prédio “funcionar”, como também “apresentar” ao usuário como o Centro de Artes é materializado, através das estruturas aparentes. Caracteriza-se, portanto, a presença da dimensão tecnológica funcional representativa na projetualidade do edifício.

O segundo projeto a ser analisado é o do Banco Hong-Kong, na China, cujo autor é também o arquiteto inglês Norman Foster. Esse projeto é uma importante referência para o movimento high-tech, o marco inicial desse estilo de arquitetura contemporâneo (18). No projeto do Banco Hong-Kong, pelos croquis de Foster, é possível, mais uma vez, verificar a ampla conceituação do arquiteto no que tange às diferentes dimensões conceituais da projetualidade em geral, com uma ênfase especial nos aspectos tecnológicos. Alguns princípios estruturadores ficam claros nos croquis, outros, no seu texto.

Com relação à dimensão formal, Foster procura, através de uma forma escultural, responder às exigências da silhueta espacial do contexto local. A composição é aditiva, e a definição da resolução formal do prédio através dos croquis aponta para essa definição. A partir da pele de vidro utilizada no edifício, ele procura reforçar o dinamismo presente num banco, caracterizando o caráter genérico (19) de permeabilidade. Dentre as suas diretrizes de projeto, é importante destacar também, no que tange à dimensão funcional, a preocupação com a visualização do porto. Ainda no mesmo âmbito conceitual, destaca-se a intenção da geração de áreas de convivências entre os diferentes andares, objetivando a criação de uma atmosfera específica, como também a presença da modulação como um condicionante da organização funcional. Os aspectos ambientais são caracterizados principalmente por uma imposição programática: a necessidade da ambiência das áreas de convivência interiores ser igual à dos espaços exteriores. Através da análise dos croquis de Foster é possível verificar, conforme afirmado, a variedade dos princípios estruturadores, porém o que chama a atenção do observador é o destaque dado aos detalhes técnicos presentes na definição do partido. Essa energia gasta na definição dos detalhes de elementos de grande peso na composição é que permite identificar a presença da dimensão tecnológica representativa, que pode ser caracterizada pela maior depuração inicial dos detalhes técnicos do edifício projetado, conforme apresentado nas Figuras 2, 3, 4 e 5.

O terceiro projeto a ser analisado é o Centro de Distribuição da Renault, na França, projeto de Norman Foster de 1983. Inicialmente, é importante destacar as discussões iniciais entre Norman Foster e os responsáveis pela contratação do projeto. Na primeira reunião, Foster, considerando a sua experiência com a construção de edifícios industriais na Inglaterra, enfatizou custos e performance, ao passo que a Renault deu ênfase à qualidade da arquitetura, enquanto manifestação formal (20). Esse fato, mais tarde, seria confirmado pela consideração da obra como instrumento de propaganda da empresa para várias partes do mundo. No que tange aos aspectos vinculados à organização formal da fábrica, observa-se um partido decomposto, caracterizado por uma composição aditiva, organizada por uma modulação. A organização modular é fomentada pelas necessidades de expansão, princípio básico do projeto de uma edificação fabril.

Fig. 6. Croquis de definição do partido, princípios estruturadores funcionais – Norman Foster, 1983, Centro de Distribuição da Renault
[fonte: Blaser (1992, p. 136-144)]

Cabe também salientar a modulação utilizada por Foster. O módulo possui 24 m por 24 m e é configurado por uma estrutura metálica atirantada que sustenta um telhado, conforme a Figura 8. Um segundo importante ponto referente à modulação é a característica formal do elemento, no qual se verifica a estrutura externamente sustentando a cobertura por meio de cabos de aço, configurando um elemento de valor formal, ou seja, as características construtivas vinculados aos sistemas estruturais são apresentadas e valorizadas como o “destaque” da composição (Figura 6).

No todo compositivo do Centro de Distribuição da Renault, a cobertura tem um grande peso na composição. Aspectos como a ligação do centro com o sistema viário local, importante informação no projeto de uma fábrica, são analisados nesse estudo inicial (Figura 8).

Ainda dentro da caracterização do todo conceitual do referido edifício industrial, verifica-se uma preocupação com o âmbito ambiental pela análise esquemática do movimento aparente do sol. Nesse estudo, Foster analisa o controle da radiação solar direta e a possibilidade da difusa no ambiente interior pela definição de planos opacos e transparentes do telhado. A complexidade da solução do módulo é trabalhada com base em vários croquis de detalhamento do elemento. Essa preocupação com o detalhe antes mesmo da definição final do partido demonstra o peso da dimensão tecnológica na proposta do referido prédio. A exploração do elemento estrutural como característica de destaque na composição caracteriza mais uma vez a ênfase tecnológica representativa.

Considerações finais

Nas três propostas analisadas, verifica-se uma preocupação do arquiteto inglês em responder às diferentes dimensões presentes na projetualidade dos edifícios em geral durante a fase de criação e de materialização da proposta teórica inicial. Nos projetos do Centro de Distribuição da Renault, como também no do Banco Hong-Kong, verifica-se um maior peso de determinados elementos de arquitetura, como a estrutura, por exemplo, na composição das edificações. A estrutura “mostra” como o edifício é construído e, ao mesmo tempo, tem uma “maior responsabilidade formal” na formação do todo construído. No caso dos projetos analisados, a estrutura “apresentada” não é uma simples resolução técnica, mas um elemento de maior ênfase formal, destacando a tecnologia presente nas edificações, ou seja, os elementos de arquitetura, que serviriam de “meios de materialização do edifício”, assumem o papel principal na composição em razão das formas ousadas e dos materiais que desde séculos passados, através do caráter imediato (21), sempre estiveram ligados à ideia de valorização tecnológica, como o aço e o vidro.

Esse é o primeiro ponto interessante a ser enfatizado: o todo conceitual idealizado a partir da valorização de elementos que possuem, tradicionalmente, funções de estruturação, sustentação e proteção da edificação, vincula-se à ênfase na dimensão tecnológica representativa, e a definição do todo construído tem no desenvolvimento do todo conceitual a presença do detalhamento dos elementos de arquitetura de grande valor formal na composição; por sua vez, as demais dimensões são tratadas com base em definições mais gerais.

Utilizando o processo de desenvolvimento de projeto descrito por Mahfuz (22), intui-se, inicialmente, que os problemas vinculados à não consideração dos aspectos tecnológicos no desenvolvimento de projetos arquitetônicos podem relacionar-se à presença da arquitetura “banal”, na qual o efeito de uma imagem transformadora na resolução do programa e, mais tarde, na definição do partido e na materialização através do todo construído, não é observada. Significa que o programa é resolvido de forma objetiva, sem considerar princípios estruturadores que qualifiquem o produto e deem significado ao elemento gerado. Geralmente, no contexto da arquitetura “banal” é observada a ênfase na dimensão tecnológica funcional, caracterizada pelo uso dos aspectos construtivos apenas como forma de viabilizar o “funcionamento” do edifício. Não se pode afirmar que toda a arquitetura banal apresenta a dimensão tecnológica funcional, todavia, considerando a ausência de diretrizes de projeto que extrapolem a simples resolução programática, a probabilidade de tal dimensão ser abordada como as demais é grande e, nesse sentido, a probabilidade da ausência de princípios estruturadores abrangentes deve ser vislumbrada. Esse é o segundo importante aspecto a ser concluído nesse artigo.

A terceira importante constatação vincula-se à escolha dos elementos de arquitetura. É necessário salientar a relação do tema com o método de desenvolvimento de projeto dos arquitetos, ou seja, o domínio da tecnologia, caracterizado aqui pela escolha dos elementos de arquitetura, vincula-se, inicialmente, à necessidade da definição do peso da dimensão tecnológica na configuração do todo conceitual, e não à materialização posterior, quando da presença do todo construído. Na definição dos princípios estruturadores que configuram o todo conceitual, como também na definição do partido, ou seja, no momento de passagem do todo conceitual para o todo construído, as definições iniciais devem estar acompanhadas de uma definição das diretrizes gerais de projeto, e, em alguns casos, do detalhamento dos principais elementos de arquitetura, tais como: fechamentos externos verticais e horizontais, sistemas de climatização natural e artificial, entre outros. Mesmo quando a dimensão tecnológica possui moderada ênfase na composição, como é o caso da funcional, conforme projeto de Foster do Centro de Artes Visuais, observa-se o tratamento que lhe é dada ainda na fase de definição do todo conceitual. Essa constatação conduz à necessidade de os aspectos tecnológicos serem também abordados antes da materialização inicial da edificação projetada, ou seja, os elementos de arquitetura não devem ser escolhidos e definidos após a resolução do todo construído, como atividade de complementação, mas como importante decisão a ser tomada durante o processo inicial de projeto.

notas 1
Caracterizada por Mahfuz como aquela vinculada à simples resolução programática enquanto pressuposto básico para a definição do espaço construído. MAHFUZ, E. Ensaio da Razão Compositiva. Belo Horizonte: Ap Cultural, 1995. 176 p.

2
PAHL, J. Architekturtheorie des 20. Jahrhunderts: Zeiträume. Munique: Prestel, 1999. p.111.
3
MONTANER, J. As formas do século XX. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002. 263 p.
4
MAHFUZ, E. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. Acessado em: 18/09/2006, disponível em: http://www.vitruvius.com.br.
5
MAHFUZ, E. O clássico, o poético e o erótico e outros ensaios. Porto Alegre: Editora Ritter dos Reis, 2001. 169 p. (Cadernos de Arquitetura Ritter dos Reis). p.59.

6
MAHFUZ (2006) Op.Cit.
7
FIORI, R. Arquitetura, espaço e lugar. In: A. WICKERT (org.), Arquitetura e Urbanismo em debate. Passo Fundo, Ed. Universidade de Passo Fundo, 2005. p. 23.

8
Ibidem. p.23

9
MAHFUZ (1995) Op. Cit.
10
SILVA, E. Natal em outubro: uma pauta para a investigação teórica no domínio do projeto arquitetônico. Acessado em: 20/10/2006, disponível em: http://www.vitruvius.com.br.
11
Ibidem.

12
MAHFUZ (1995) Op. Cit.
13
Ibidem.

14
Ibidem.
15
PAHL (1999) Op. Cit.

16
MONTANER (2002) Op. Cit.
17
BLASER, W. Norman Foster: Sketches. Basel: Birkhäuser Verlag, 1992. 439 p.
18
PAHL (1999) Op. Cit.

19
Caráter genérico: definido por Mahfuz como o determinado pelo partido e pelas suas relações entre os espaços internos, por um lado, e entre o edifício e o contexto, por outro. A diferença entre partidos com espaços fluidos ou truncados caracteriza diferentes concepções, e é reconhecida pelo caráter genérico de uma edificação. Op.Cit.
20
BLASER (1992) Op. Cit.

21
Caráter imediato: definido por Mahfuz como aquele caracterizado pela técnica e materiais usados na construção de um edifício, permite diferenciar dois objetos com a mesma planta, mesmo volume, porém de materiais diferentes. Op Cit.
22
MAHFUZ (1995) Op. Cit.

sobre o autor

É Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Pelotas, com Mestrado e Doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui Pós-doutorado pela Universidade de Kassel, Alemanha. Atualmente é professor Adjunto no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Passo Fundo, RS

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