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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo analisa o ato de projeto de acordo com parâmetros espaciais.


how to quote

ABASCAL, Eunice; ABASCAL BILBAO, Carlos. Arquitetura e ciência. Dependência espacial, projeto e objetividade. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 162.04, Vitruvius, nov. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.162/4971>.

Espaço e objetividade: construindo a mediação do projeto

O projeto de arquitetura e urbanismo, mediação da dependência entre espaço e referência objetiva, sugere complexo sistema de representações: trama de significados interdependentes, espacialmente determinados. Projeto e processo, encadeamento de múltiplas proposições arquitetônicas e sentidos, e formas particulares de expressão interdependentes, não é a justaposição de enunciados discretos ou simples proposições – complexidade da representação que se interpõe entre o sujeito e o que se agencia como sentido, sua linguagem é construção propositiva, visando à intervenção em território modificado pela ação humana (1).

Representação da espacialidade e agenciamentos, sincronia de múltiplos eventos, em várias direções, o espaço agenciado pelo projeto é heterogêneo pela diversidade de nexos que reúne, e fundamenta a pressuposição desenvolvida: o espaço representado, como sincronia de soluções que respondem a essa heterogeneidade, sugere princípios que permitem afirmar a arquitetura como ciência. Ciência da linguagem e representação do espaço, a arquitetura tem no projeto meio e instrumento privilegiado.

Questiona-se a crença de que o espaço representado é homogêneo, ou vazio a preencher; constrói-se como diálogo entre linguagem e objetividade. A elaboração de conectividades – vizinhanças, ou espacialidades – é um princípio fundamental – enunciando a ciência da arquitetura como conhecimento do projeto, não somente causa, mas efeito da elaboração de significados.

Mediação entre linguagem e objetividade, forma e conteúdo, o projeto arquitetônico é decisão expressiva, ciência e técnica; integração que impede desmembrar espaço, representação, sociedade, história e território – fatores intrínsecos à concepção da arquitetura.

Argumenta-se que, ao se modificar a espacialidade, alteram-se rumos através dos quais dados e proposições se expressam: o espaço modifica o sentido e afeta a objetividade, e por ela é constantemente modificado: a produção de sentido depende da espacialidade. O projeto como linguagem antecipa, propõe conectividades e fluxos, determinando usos, evidencia possibilidades, hipóteses de dependência de fenômenos e eventos. Linguagem propositiva, o projeto “pode ser”, cria vizinhanças como meio para transformar, aí sim, fluxos econômico-sociais, como um instrumento da possibilidade: intervindo na regulação ou equilíbrio desses fluxos (2).

Para evidenciar a dependência do significado ao espaço, da objetividade ao projeto, recorre-se a ciências constituídas, cuja matéria é também espaço: sistemas de informação geoprocessadas (SIG), análise espacial, econometria espacial e estatística espacial são reconhecidamente aplicadas em estudos de ecologia da paisagem, geografia, saúde pública, estudos ambientais e urbanos, valendo-se de instrumentos para comprovar a dependência entre espaço, conectividade e sentido.

Verificam, de modo não reducionista, a imbricação da espacialidade e eventos, utilizando instrumentos métricos (quantitativos) e topológicos (qualitativos) de prospecção dessas relações, com traduções que representam vizinhanças e sua dependência a bases de dados. Sugerem analogia com a arquitetura e urbanismo enquanto meios prospectivos das relações entre espaço e objetividade, auxiliando a estabelecer, por comparação, uma agenda de possibilidades, tal como no projeto. O resgate panorâmico do alcance destas ciências em demonstrar a dependência espacial não visa submeter a arquitetura e urbanismo a elas, mas utilizar campos exógenos que se apoiam em aplicações que reafirmam propriedades do espaço, enunciando a natureza de uma ciência própria ao espaço, inerente à matéria arquitetônica e urbanística. Com a utilização de técnicas e métodos experimentais próprios a estas ciências, pretende-se construir analogicamente um saber arquitetônico e urbanístico rigoroso, e refletir sobre as fronteiras desses demais saberes.

Espaço, transformação objetiva e análise espacial: princípios, finalidade e alcance

Ciências empenhadas na verificação da dependência espacial de dados e variáveis vêm gerando importantes aplicações, exemplificando relações entre espaço, fatos e eventos. Sistemas de Informação Geoprocessadas (SIG), análise espacial, econometria espacial e estatística espacial são técnicas aplicadas em estudos de ecologia da paisagem, geografia, saúde pública, economia urbana, estudos ambientais e urbanos. Demonstram como representações, modelos e sistemas vários, expressos em linguagem específica, evidenciam a dependência entre espaço e significado.

Espaço e localização podem influenciar a renda ou distribuição e hierarquia de atividades econômicas, para verificar isto se utilizam instrumentos geoestatísticos, índices e modelos matemáticos, que auxiliam na verificação das formas (como) e da intensidade (quanto) um território estabelece conexão com outros, e que eventos se explicam pelas condições espaciais em que são produzidos.

Tais ciências e técnicas atribuem propriedades (atributos) a uma estrutura espacial, uma topologia, explorando a causalidade espacial de distribuição e incidência de dados e eventos. A correlação espacial possibilita visualizar através de mapas (duas dimensões) variáveis espacialmente determinadas, como população, índices de qualidade de vida e outros (3). Processos digitais de SIG (Sistemas de Informações Georreferenciadas) sobrepõem bases de dados a mapas municipais, ou regionais, para visualizar padrões e causas espaciais para o que se procura explicar.

Padrões podem ser identificados e mensurados: pesquisas epidemiológicas, na área da saúde, explicitam padrões de disseminação de doenças por parâmetros espaciais, associando a doença a outras variáveis, como fontes de poluição ou formas de contágio – a doença variou com o tempo? O contágio pela doença se explica pela condição socioeconômica dos sujeitos envolvidos e sua localização, em determinada região?

Tais problemas levam a definir propriedades – categorias ou atributos – mediante cruzamentos de variáveis: localização e distribuição espacial do objeto-evento, explicando-o globalmente pela dependência das variáveis, relativamente à sua espacialização.

A significação relativa à interpretação causal de eventos se apreende por um sistema de proposições, totalidade ou trama significativa, cujo sentido depende do espaço. Essa abordagem originou-se no século XIX, na Inglaterra: John Snow, interessado em explicar as causas do cólera, proveniente das Índias, superando explicações que atribuíam a doença a miasmas, enunciou a hipótese de que a disseminação da moléstia ocorria por ingestão de água contaminada. Para demonstrá-la, mapeou as residências dos óbitos e relacionou sua localização ao posicionamento das bombas de água que abasteciam Londres. O vínculo entre localização das residências e bombas de captação de água possibilitou compreender que uma delas, Broad Street, era o epicentro da infestação, pois com a captação a jusante, distribuía água infecta retirada de área com grande concentração de dejetos. Foi uma das primeiras investigações de análise espacial, correlacionando variáveis seletas a um banco de dados.

Várias outras ciências utilizam-se destas técnicas: a Econometria, que correlaciona variáveis econômicas utilizando ferramentas estatísticas, a variável espacial é muito importante. Fenômenos econômicos podem ser estudados por tradução utilizando a matriz de fronteiras ou adjacências, indispensável à Econometria para compreender o comportamento da economia: sua utilização metodológica é fundamental para evitar erros de interpretação (4). Matrizes de conectividade ou adjacência auxiliam a medir a dependência e/ou fronteira entre espaço (s) e relações com conteúdos ou variáveis sócio-territoriais, e representam com dupla entrada relações de dependência, quantificando-as ao representar regiões ou espaços em linhas e colunas, atribuindo 0 (zero) ou 1 (um) a fronteiras, existentes ou não.

Autocorrelação espacial significa que o valor da variável muda conforme sua localização relativa a regiões vizinhas, medindo-se a relação da variável com o espaço. A medida de correlação da variável com ela mesma, no mesmo local, é sempre 1 (um). A correlação da variável com áreas vizinhas vale entre -1 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior semelhança entre vizinhos; o valor 0 (zero) indica inexistência de correlação, e valores negativos, dessemelhança (5). Esses indicadores algébricos são expressos nas matrizes de conectividade, investigando-se a dependência de fenômenos socioeconômico-ambientais e vizinhança ou adjacência, e determinações espaciais concretas. Em superfícies contínuas, modelagens de análise espacial reconstroem-nas, verificando a incidência de amostras específicas, mensurando-as e compreendendo a dependência relativa de dados a uma extensão. A leitura sincrônica desses conteúdos incidentes em superfícies se denomina “corte transversal” ou “cross section”, pois no instante da leitura, o tempo não se aplica: “En las análises de corte transversal, se recopilan lós datos uma sola vez, em um momento determinado e (llamado por esto también análisis pontual o sincrónico)” (6).

Plantas e mapas representam relações espaciais sincronicamente, cujas vizinhanças se desenvolvem em múltiplas direções, aonde partes estão interconectadas. Arquitetos e urbanistas procedem inconscientemente à determinação de dependência espacial, como sugerem tais ciências e seus instrumentais. Não os utilizam diretamente para criar a espacialidade, embora pudessem fazê-lo: articulando conteúdos em relações multiderecionais, sincrônicas e dependentes, a linguagem do projeto é de per se um meio para estabelecer dependência espacial: “Los conceptos de autocorrelación espacial y temporal, en la medida em que en ambos los casos se produce um incumplimiento de las hipótesis de independência entre las observaciones muestrales, se hallen esas referidas a unidades de corte transversal o a series temporales. Sin embargo, una importante diferencia aparece entre ellas: la dependencia temporal es únicamente unidireccional (el pasado explica el presente), mientras que la dependencia espacial es multidirecional (una región puede no solo ser afectada por otra región contígua a ella, sin por otras muchas que la rodean, al igual que  ella puede influir sobre aquellas) [ …] la solución de la multidireccionalidad en el contexto espacial pasa por la definición de la denominada matriz de pesos espaciales” (7). A autocorrelação espacial se apresenta no projeto, rearticulando uma superfície, como sucede com um projeto urbano, por exemplo, que reconfigurando uma peça urbana ou perímetro, refaz conectividades e conteúdos sócio territoriais, em uma ou mais áreas delimitadas, estabelecendo uma trama multidirecional para organização do território.

A Ecologia da Paisagem (8) utiliza esse método, compreendendo a dependência espacial com meios específicos, verificando o efeito das configurações terrestres ou aquáticas no espaço, e ampla gama de fenômenos ecológicos, em várias escalas, espaciais ou temporais. Ciência interdisciplinar visa à interação de conhecimentos biológicos, geofísicos, de geografia humana, sociológicos, antropológicos, e arquitetura e paisagem. Define amplo campo: gestão de ecossistemas, planejamento de recursos, ordenamento territorial, ecossistemas e regiões, identificando o impacto ambiental adaptativo na disseminação de pragas e doenças, entre outros eventos. Parte de um padrão espacial, unificando fragmentos supostamente homogêneos, definidos como funções ecossistêmicas ou usos da terra (9). Ao contrário de um projeto que cria relações espaciais, exploram configurações dadas, utilizando técnicas para compreendê-las e depois tomar rumos de ação.

Padrões são conteúdos, tipos de distribuição, distâncias e conectividades, o que influi, para a Ecologia da Paisagem, nos processos biológicos e humanos no território. O dinamismo social e ecossistêmico pode alterar também padrões de distribuição, dependentes de escalas, espaciais e temporais. Não dissociar padrões espaciais e eventos sugere, para além da verificação, que arquitetos e urbanistas produzam autocorrelação espacial  no projeto, mediação que articula padrão e processo.

Ao compreender o espaço e nele localizar usos, favorecer a sustentabilidade ecológica e social do território, em múltiplas escalas espaciais e temporais, a Ecologia da Paisagem adquiriu prestígio científico sendo adotada por planejadores e gestores públicos para manipulação do espaço com finalidade agropecuária, florestal, de caráter urbano, industrial, etc. (10).

A interdependência entre unidades territoriais – áreas, regiões e outras categorias – e a economia, processos de concentração e dispersão de atividades no espaço (assimetria ou clusters) revela causas de eventos explicados pela relação entre localizações distintas (alotopia), comprovando a heterogeneidade espacial. O espaço é heterogêneo, devido à variação das relações e influências múltiplas entre regiões: fenômenos socioterritoriais e econômicos são explicados conforme varia o recorte espacial (11).

A partir da década de setenta do século XX, um salto qualitativo mudou rumos da Ecologia da Paisagem, passando da homogeneidade à heterogeneidade espacial – se, na primeira fase, a ênfase recaiu sobre a dependência espacial ao delimitar áreas supostamente homogêneas, reconheceu-se que a heterogeneidade é condição para compreender a integridade e complexidade do território.

Esta mudança de perspectiva impulsionou a disciplina (12) transformando o método; pesquisadores e gestores buscavam a melhor atividade produtiva para determinada zona homogênea, ou qual das áreas era mais adequada para certa atividade produtiva.

Com o espaço heterogêneo, evoluiu-se ao projeto e ao plano: como se deve ordenar atividades em áreas determinadas, para manter a integridade funcional e ecológica? Abandonou-se a análise pontual para entender o território em sua complexidade: de ação isolada à global, definindo-o como articulador de conteúdos múltiplos – um conjunto de enunciados e interações, aspectos de uma região e seus vários níveis hierárquicos, integrando dados à região. Seria possível a um nível hierárquico inferior, ou elemento da paisagem gerar mudanças em um nível superior, como uma região, substituindo a incidência pontual e dispersa por outra, em superfície, comprovando que o espaço em suas múltiplas direções comporta conteúdos diversificados, dele indissociáveis.

A análise espacial abrange três estruturas topológicas – pontos; superfícies contínuas e polígonos, associando-lhes mensurações e dados agregados. Pontos identificam crimes, doenças, etc.. (14), e a dependência de um evento à sua distribuição ou dispersão. Superfícies contínuas permitem analisar amostras de distribuição regular ou irregular, referentes ao território a partir de mapas diversos, topográficos, geológicos, ecológicos etc...

Áreas com contagens agregadas consistem em polígonos associados a bases demográficas obtidas em censos e estatísticas. Relacionam-se a unidades de análise definidas por tais polígonos, denominados em geoprocessamento “áreas de variação discreta”, com eventos ali distribuídos, sendo o modelo adequado para tratar de bairros, municípios ou setores censitários, relativos a eventos e atributos como população, renda ou mortalidade ao espaço representado pelo mapa – representação do território em duas dimensões, ou para a topologia, na dimensão 2.

A definição de vizinhança não se dá apenas por contiguidade territorial, mas há outros critérios que a definem – traduzidas por um modelo matemático: uma matriz quadrada W, n x n. Matriz de pesos espaciais, de contatos ou adjacências n x n é um modelo no qual n é o número de unidades espaciais, aliando em uma única representação da dimensão dois as relações de vizinhança, conferindo-lhe intensidade -0 ou 1, conforme a interdependência para cada par de regiões correlacionadas (regiões i,j):

Grafo e matriz de adjacência; a matriz representa e traduz o grafo
Desenho de Eunice Helena S. Abascal e Carlos Abascal Bilbao

Associadas à matriz de conectividade, outras técnicas de exploração de distribuição espacial descobrem padrões ou concentrações (clusters), associando espacialidades a distribuição e comportamento de variáveis no território, contribuindo para assinalar e reforçar sua dependência.

Valem-se de várias linguagens, traduzindo em um jogo de explicitações processos de conectividade de conteúdos e fluxos, evidenciando relações objetivas e propriedades espaciais. A diferença entre um estatístico espacial e arquitetos e urbanistas é que, se o primeiro verifica através de seus instrumentos relações entre linguagem, espaço e objetividade, os segundos se utilizam de projetos e planos – igualmente mediações sígnicas – para não só verificar a objetividade territorial, mas transformá-la, modificando a aptidão e os usos de um território, bem como transformando as relações e a dependência que se estabelecem entre espaço, vizinhanças e determinações objetivas.

A Análise Espacial serve ao estudo de como processos e informações se propagam em unidades espaciais ou polígonos definidos para esse fim, e se esse comportamento registra um modelo de difusão ou segregação de algum atributo (15). O objetivo é refletir o grau em que objetos, processos ou atividades incidentes em uma unidade geográfica são similares em unidades geográficas próximas. Fundamentou-se, de início, na dependência como: “todas as coisas são parecidas, mas coisas mais próximas se parecem mais que coisas mais distantes”, sendo que a força diminui com a dispersão (16). A representação de dados em polígonos, e o valor de uma variável em função da localização, assemelham-se aos valores das amostras adjacentes ou vizinhas. Vizinhança é um conceito definido pelo pesquisador como proximidade, fronteira, distância linear ou conectividade – expressa pelo número de viagens, tempo de viagem, etc... Essa definição (17) associa conexão a indicadores algébricos, e a dependência é a representação topológica (qualitativa) e/ou algébrica (quantitativa) da relação espaço e variáveis, conforme seu modelo de definição.

A quantificação das relações de adjacência implícitas à dependência espacial desenvolveu a estatística espacial, abordando informações geográficas expressas também por matrizes de conectividade, interrogando padrões de lugares e valores, e testando a significação da dependência. Numa cidade, atributos de áreas podem ser expressos pelo valor imobiliário, por exemplo. Independentemente das características singulares de cada um, o preço dos imóveis depende de fatores como localização, – geralmente medida pela distância ao centro ou centralidade, disponibilidade de serviços, comércio, etc... Um imóvel tende a valer o que vale o adjacente.

Ao contrário, se a degradação urbana desencadeia dispersão e migração, áreas segregadas umas em relação às outras têm autocorrelação negativa. No entanto, a coleta de informações apresenta distorções – não há qualquer garantia de homogeneidade, pois grupos sociais distintos convivem em uma mesma região, e há coexistência de áreas precárias e nobres. Indicadores globais podem apresentar distorções, e algumas técnicas de ajuste são necessárias. Uma delas é a regressão espacial, constatando correlação entre variáveis e testando também a relação de causa e efeito entre elas.

Se essa relação existir, há um modelo matemático para avaliar como determinada variável se comporta em relação às demais (18). O índice de Moran (global e local) é um indicador para avaliar a dependência espacial. Esse índice (I) calcula a autocorrelação espacial como covariância, a partir do produto dos desvios em relação à média, calculando ainda o grau de associação espacial presente no conjunto de dados com n localizações.

Análises de autocorrelação espacial global realizam o exame conjunto de unidades que compõem uma amostra, para determinar distribuição aleatória ou padrão, o que na forma de gráfico de dispersão configura o Índice de Moran, uma estatística global considerando valores de todas as observações: o número de áreas; o valor do atributo na área i; o valor médio do atributo na área de estudo; e o elemento na matriz de vizinhança para o par i e j. No cálculo do índice de Moran estão articulados elementos quantitativos e qualitativos: conexões e matrizes de adjacência, que são traduções das relações espaciais.

O teste de hipótese nula significa que os dados coletados são aleatórios, indicando independência espacial, com valor próximo de zero. Em caso contrário, quando o índice global de Moran se aproxima de 1 e -1, existe correlação espacial, positiva ou negativa, rejeitando a hipótese nula, e provando que existe dependência espacial.  Há duas maneiras de obter o índice de Moran, associando-lhe distribuição estatística: teste de pseudossignificância, ou experimento aleatório; ou então, distribuição aproximada – hipótese de normalidade. Ambas questionam se os dados colhidos são aleatórios (não significativos, ou hipótese nula) e os dois métodos atingindo índices diferentes da hipótese nula, comprovam a hipótese alternativa, ao demonstrar significação.

A regressão será utilizada se a correlação entre variáveis for significativa. A correlação quantifica a correlação de duas variáveis ou mais, e a regressão produz uma equação (uma reta) para descrever o relacionamento matemático entre elas: “Um modelo de regressão baseia-se no relacionamento entre duas ou mais variáveis de forma que uma delas possa ser explicada ou ter seu valor predito por meio de outras variáveis. Havendo autocorrelação espacial, o modelo gerado deve incorporar a estrutura espacial, já que a dependência entre as observações afeta a capacidade de explicação do modelo” (19). Variância, covariância, relação e regressão, bem como cortes longitudinal e transversal são procedimentos habituais de método científico, tanto nas ciências naturais como sociais, comprovando observações empíricas.  A aplicação desses métodos reforça que o espaço altera índices, apresentando evidência confiável de sua natureza científica de vez que identificam propriedades espaciais. Nas ciências que os utilizam, relações espaciais são apresentadas por várias matrizes, exploradas para representar possibilidades de autocorrelação espacial, após teste de significação. Depende da linguagem a escolha do melhor instrumento para captar propriedades do espaço, através de modelos e possibilidades de exploração – matrizes são representações de projetos de adjacência.

A matriz de adjacência é a representação de um grafo, e tanto um quanto o outro são passíveis de serem encontrados, como tradução de significados territoriais, em todos os mapas, e plantas, representação de um polígono, na dimensão dois. Consistem em outra forma de representar vizinhanças, e tecnicamente, a matriz de adjacência representa um grafo, que fundamenta uma estrutura espacial. Admitem propriedades matemáticas e topológicas, para as quais todo conjunto métrico é também topológico, apresentando propriedades fundamentais do espaço, como a lei das cinco cores (20). Não é possível operar simultaneamente com área, distância e perímetro (característica quantitativa da planta ou mapa) e grafos (qualitativa), mas a matriz de pesos e medidas (ou adjacências) traduz grafos quantitativamente, e aí sim se operam vizinhança e conexões com relações numéricas.

Para demonstrar que um grafo é isomórfico a outro grafo, a mesma matriz de adjacência deve ser compartilhada: o isomorfismo é traduzido por meio de outro sistema de representação. O território se deixa representar por planta ou mapa, e conexões entre realidade e símbolo podem ser traduzidas pela matriz de adjacência e grafo correspondente.

Relações de vizinhança definem grafos como representação, e estes são inadequados para fornecer dados a um computador, por exemplo, que necessita estruturas algébricas binárias. Dados apresentados por um grafo exigem representação algébrica, com a qual o computador opera. A variedade, dimensão e complexidade de problemas que envolvem grafos buscam formas diversas de representação para atender a necessidades algébricas ou combinatórias e armazenamento algorítmico. A compreensão da estrutura espacial depende de múltiplas linguagens, que abrangem a qualidade topológica e a quantidade, revelando a dependência do significado a um conjunto de proposições e meios de expressão. O mesmo acontece com o projeto, pois como nas ciências apresentadas cria qualidade e quantidade, por meio de relações espaciais, que também podem ser representadas por grafos. Esses grafos são quantificados ao adquirir perímetro, bordas e superfícies, e usos específicos que geram conectividade – regiões, bairros, quadras, ruas, estradas e avenidas, e peças arquitetônicas, como halls, escadas, passagens e percursos contêm quantidade e qualidade, ao definir polígonos em dimensão dois, com informações agregadas provindas de tramas proposicionais. Se este procedimento é consistente e rigoroso, a ação projetual também incorpora aporte informacional ao espaço. O projeto é procedimento consistente, cujo significado é a expressão de uma trama.

A dependência de um complexo proposicional revela que o sentido é maior que as partes ou a soma delas, e traduções diversas representam parcialmente a totalidade. A variedade e a trama das traduções é uma construção que fragmenta o sentido total, inerente ao espaço.

A importância do “Índice de Moran” e matriz de pesos e medidas é medir implicações topológicas e quantitativas, pois incorpora a área de cada polígono ou superfície de incidência de dados (21). O significado do território complexo não poderá jamais ser suprido por proposições simples e isoladas, mas pelo sistema de traduções, cuja verificação intertextual (grafo, matriz, proposições etc...) demonstra a natureza pragmática das linguagens.

Em análise espacial, dados não constituem amostras independentes, mas realização única (22) estocástica; observações singulares não levam a inferências isoladas, mas a um processo conjunto que apresenta a espacialidade do fenômeno investigado.

As ciências que explicitam eventos frente às variações espaciais apresentam a dependência como sistema de vizinhança cuja totalidade supera a contiguidade, assinalando a heterogênea distribuição de fenômenos qualitativamente diferenciada, e padrões que se distinguem pela incorporação de processos e temporalidade.

Proposição de um tecido portador de sentido, o projeto é construção de um núcleo ou core de significação, cuja dependência aproxima forma e verdade, significado, objetividade e espaço. O projeto de arquitetura e urbanismo media relações entre forma e mundo: antítese da forma pela forma, “arte impura” no dizer de Kant, a finalidade primordial do projeto é a relação indissociável entre formalização, espacialidade e significado, o que faz do espaço suporte do sentido: natureza espacial e meio para um amplo sistema de eventos, traduzidos em proposições e temas.

Considerações finais

Questionou-se a intuição primitiva do espaço como unicidade, homogeneidade e vazio (29) – permitindo avançar a espaços, ou ao espaço heterogêneo, com propriedades singulares e mediação da experiência, promotor de múltiplos agenciamentos entre linguagem e objetividade: espaços de dependência de variáveis e conteúdos. A homogeneidade espacial resulta da identificação de atributos, como nos clusters, concentradores de eventos: edifícios verticais residenciais em uma área da cidade, o que a apresenta como homogênea. O que leva a compreender o território como heterogêneo, de vez que áreas urbanas não apresentam exclusivamente uma única tipologia arquitetônica e morfologia, acarretando que toda espacialidade criada expressa um território heterogeneamente conformado.

As diversas ciências abordadas vêm gerando importantes aplicações e sem abordá-las em profundidade, sua menção recupera instrumentos que evidenciam a dependência e autocorrelação espacial, e a relação entre espaço e objetividade. A influência do espaço é reforçada por meio de índices geoestatísticos, a exemplo do Índice de Moran, de matrizes de conectividade, bem como da autocorrelação espacial, temas e práticas que reforçam o interesse e busca de recursos comprobatórios dessa dependência.

Tais ciências compartilham a mesma estrutura de linguagem; um de seus objetivos é captar fenômenos multidirecionais e sincrônicos (qualitativos) e relacioná-los à quantidade, utilizando da topologia para compreender o espaço na dimensão dois. Isso é demonstrado pelas técnicas matemáticas estatísticas próprias a esses campos de conhecimento. O projeto de arquitetura e urbanismo igualmente apresenta essas mesmas propriedades intrínsecas à sua linguagem, como foi abordado ao longo do artigo.

O projeto arquitetônico e urbanístico é, no entanto, igualmente meio para proposição de relações espaciais articuladoras de nexos. Enquanto esses vários campos vêm demonstrando a dependência espacial como base da causalidade, e com isso verificam essas causas diretamente pela linguagem matemática que representa o espaço – afirmando as propriedades espaciais como base da causalidade, – muitas vezes ainda se experimenta a crença de que o projeto de arquitetura e urbanismo, embora produção de múltiplas espacialidades que visam à referência objetiva, entendido em sua complexidade socioeconômica e cultural, não é matéria de produção de conhecimento. Tal postura também negaria a possibilidade de essas ciências atingirem o conhecimento, de vez que compartilham a mesma linguagem, em sua estrutura.

É preciso desconstruir a ideia de forte matiz de que o projeto é incapaz de ser desvelado em sua natureza epistemológica, por admitir em sua formalização pressupostos e orientação estética. Ao compreender a estética em seu sentido etimológico – de percepção, e explicando-a como correlação espacial e vizinhanças, o projeto reafirma sua natureza estética e objetiva, como um texto, que desencadeia a trama de relações que é a condição heterogênea do espaço.

notas

1
MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Europa-América, 1985.

2
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.

3
CÂMARA, Gilberto; MONTEIRO, Antônio M.; FUCKS, Susana Drucks; CARVALHO, Marilia Sá. Análise espacial e geoprocessamento. São José dos Campos, INPE, 2002.

4
BARONIO, Alfredo; VIANCO, Ana e RABANAL, Cristian. Una introducción a la Econometría Espacial. Dependencia y heterogeneidad. 2012. Disponível em:  <www.econometricos.com.ar/wp-content/uploads/2012/11/Espacial.pdf>. Acessado em 10 de abril de 2013.

5
ANDRADE, Ana Lucia; Et al. Introdução à estatística espacial para a saúde pública. Brasília, Ministério da Saúde, 2007.

6
LÓPEZ, Emilio J. Martinez. Fundamentos básicos Del diseño de la investigación empírica. Disponível em <www4.vjaen.es/~emillon/doctorado/I-investigación_empirica_1_parte_word.pdf>. Acessado em 15 de maio de 2013.

7
SERRANO, R. Moreno; VALCARCE, E. VAYÁ. Técnicas econométricas para el tratamiento de datos espaciales: la econometría espacial. Barcelona: Edicions de la Universitat de Barcelona, 2000.

8
MATEUCCI, Silvia Diana. El espacio como sistema: evolución de las ideas desde el paradigma de la homogeneidad al de la heterogeneidad. Valparaiso, Facultad de Arquitectura, Universidad de Valparaíso.  Conferência, janeiro de 2013.Disponível em: <www.gepama.com.ar/matteucci/downloads/EcoReg.pdf>; acessado em maio de 2013.

9
Idem, ibidem.

10
Idem, ibidem.

11
Idem, ibidem.

12
MATEUCCI, Silvia Diana. Op. cit.

13
CÂMARA, Gilberto; MONTEIRO, Antônio M.; FUCKS, Susana Drucks; CARVALHO, Marilia Sá. Análise espacial e geoprocessamento. São José dos Campos, INPE, 2002.

14
CARVALHO, Marilia Sá. Análise espacial e geoprocessamento. São José dos Campos, INPE, 2002.

15
Idem, ibidem.

16
Idem, ibidem.

17
PAIVA, Carlos. Dependência espacial. Setores censitários, Zonas OD, Distritos, Prefeituras etc... CET/SP e PUC/SP, 2007. Disponível em: <www.sinaldetransito.com.br/artigos/espacial.pdf>.

18
PRADO, Fernanda de Almeida; et al. Aplicação e análise de modelos de regressão clássica. In: Anais do III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação. Recife, 27-30 de Julho de 2010, p. 001-008.

19
CÂMARA, Gilberto; MONTEIRO, Antônio M.; FUCKS, Susana Drucks; CARVALHO, Marilia Sá. Op. cit.

20
ABASCAL, Eunice Helena S.; ABASCAL BILBAO, Carlos. Arquitetura e ciência. Reflexões para a constituição do campo de saber arquitetônico. Arquitextos, São Paulo, n. 11.127.02, Vitruvius, dez. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.127/3688>.

21
ABASCAL, Eunice Helena S.; ABASCAL BILBAO, Carlos . Arquitetura e ciência. Topologia e intencionalidade em projeto, fronteiras. Arquitextos, São Paulo, n. 12.137.01, Vitruvius, out. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.137/4091>.

22
CÂMARA, Gilberto; MONTEIRO, Antônio M.; FUCKS, Susana Drucks; CARVALHO, Marilia Sá. Op. cit.

23
SANTOS, Milton. Op. cit.

24
Idem, ibidem.

25
QUINE, Willard Van Orman. De um ponto de vista lógico. Bauru, Editora Unesp, 2011.

26
CAORSI, Carlos E. Quine. Revista Relaciones. Disponível em <http://www.chasque.net/frontpage/relacion/0106/quine.htm>. Acessado em março de 2013.

27
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratactus Logico-Philosophicus. Tradução de Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo, EDUSP, 2001.

28
BACHELARD, Gaston. A experiência do espaço na física contemporânea. Rio de Janeiro, Contraponto, 2009.

29
Idem, ibidem.

sobre os autores

Eunice Helena S. Abascal. Arquiteta e urbanista, professora da área de História e Teoria da Arquitetura da FAU Mackenzie, docente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Coordenadora do PPGAU UPM.

Carlos Abascal Bilbao. Arquiteto e Urbanista, Mestre em Ciências Sociais pela Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais (FESP) da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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