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architexts ISSN 1809-6298

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OLIVEIRA, Benedito Tadeu de. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Minas Gerais. Reflexões sobre a nova sede. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 165.01, Vitruvius, fev. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.165/5068>.

O presente trabalho de reflexão sobre a nova sede da Fiocruz a ser construída na região da Pampulha em Belo Horizonte, parte das origens e do percurso histórico desta Instituição centenária no estado em Minas Gerais. E discute diretrizes para a elaboração de uma proposta arquitetônica que leve em conta não só tecnologias construtivas de ultima geração como também soluções arquitetônicas que possam contribuir para a sustentabilidade urbana. Está muita atenta ainda a uma concepção arquitetônica e a um ordenamento físico e territorial nos lotes onde será implantada no sentido de contribuir também para a produção de uma cidade saudável.

Breve histórico

Em obediência ao sonho acalentado por Oswaldo Cruz de estender as atividades do Instituto Soroterápico Federal (atual Fiocruz) a todo o território nacional, e em consonância com a proposta do governo mineiro de criação de uma filial de Manguinhos em Belo Horizonte inaugurou-se em 03/08/1907 a filial do Instituto em Minas Gerais (1).

Concretizando as negociações, iniciadas após uma visita de Oswaldo Cruz à nova capital, em março de 1901, para pesquisar a ocorrência de bócio na população do interior de Minas, a solenidade contou com a presença dos cientistas Carlos Chagas e Figueiredo de Vasconcellos, do governador do Estado, João Pinheiro da Silva, e de políticos e médicos da cidade.

O diretor da filial designado por Oswaldo Cruz, seu concunhado e discípulo Ezequiel Caetano Dias, não pôde comparecer ao evento por estar acamado. Farmacêutico e médico, Ezequiel Dias ingressara ainda muito jovem no Instituto de Manguinhos. Por determinação do diretor, seguiu em 1905 para São Luís, onde criou e dirigiu por alguns meses a Higiene Pública e o Laboratório Bacteriológico do Maranhão. Com o agravamento de seu estado de saúde – sofria de tuberculose –, foi transferido em caráter definitivo para Belo Horizonte, cidade que oferecia melhores condições de salubridade, devido a sua altitude, ventilação e baixa umidade relativa do ar.

O edifício destinado à filial foi erigido pela Comissão Construtora da Nova Capital, para abrigar a Intendência da Força Pública de Minas Gerais - ocupava uma quadra trapezoidal, delimitada pelas ruas da Bahia e Alvarenga Peixoto, pela Avenida Bias Fortes e a Praça da Liberdade (2). Implantado no centro do terreno, o edifício existente adotava os padrões construtivos e o vocabulário eclético das construções da época: volume prismático em pavimento ligeiramente elevado do solo, erguido com paredes portantes de tijolos cerâmicos, esquadrias, forros e estrutura do telhado de madeira, bem como cobertura em quatro águas de telhas cerâmicas francesas.

Sede da filial do Instituto Oswaldo Cruz em Belo Horizonte, MG [Acervo do Centro de Informação Científica, Histórica e Cultural da Fundação Ezequiel Dias]

A fachada principal, voltada para a Rua da Bahia, tinha tratamento bastante movimentado e apurado, com detalhes e ornamentos em argamassa e platibanda escondendo o telhado. As demais fachadas possuíam acabamento simplificado, constituído por revestimento e pintura lisos, sendo a fachada posterior voltada para o Palácio do Governo. O muro circundante era baixo, com embasamento cego e porção superior vazada em balaustradas e colunetas.

As obras de ampliação e adaptação foram executadas sob projeto e orientação do engenheiro e arquiteto português Luiz Moraes Júnior, responsável também pelo projeto do conjunto arquitetônico de Manguinhos no Rio de Janeiro.

Foram criados três espaços ao longo da fachada principal, destinados ao gabinete do diretor, à sala de espera e à sala de vacinação. Na parte posterior havia um grande salão central para a realização de experiências e a inoculação de animais, flanqueado por gabinetes de bacteriologia e um gerador a gasolina para fornecimento de iluminação fluorescente a gás. (3) No centro do edifício, aproveitando o espaço obtido com a elevação do telhado, foi montada uma biblioteca, cujo acesso era feito através de uma escada helicoidal em madeira torneada. Destinado inicialmente ao preparo e conservação do serum antidiftérico e anticarbunculoso, o Instituto vacinava ao mesmo tempo contra varíola – atendendo também à demanda do Rio de Janeiro – e contra hidrofobia. Posteriormente, concluindo tratativas iniciadas em 1917 com Vital Brazil, diretor do Instituto Butantã de São Paulo, iniciou-se a produção também de soros antiofídicos, obedecendo ao convênio firmado com o Governo do Estado de Minas Gerais. Com essa finalidade, foi inaugurado em 1919 o Serpentário, construído conforme projeto de Luiz Moraes Júnior. A partir de então, todo o conjunto passou a ser conhecido como Serpentário, constituindo atração para a população da cidade. (4)

Serpentário [Acervo do Centro de Informação Científica, Histórica e Cultural da Fundação Ezequiel Dias]

No dia 20 de outubro de 1922, vitimado pela tuberculose, morreu o diretor do Instituto, passando a Instituição a denominar-se, em sua homenagem, Instituto Ezequiel Dias, através de portaria ministerial de 18/04/1923. (5) Durante esse período, a filial de Manguinhos, agora denominado Instituto Oswaldo Cruz (IOC), em particular seu diretor, que lecionava na Faculdade de Medicina da UFMG, participou ativamente da vida científica e acadêmica da cidade, franqueando a biblioteca do Instituto – que contava com 18 mil volumes ao fim da vida de Ezequiel Dias –, promovendo encontros e discussões com os estudantes e a classe médica.

Biblioteca da filial do Instituto Oswaldo Cruz em Belo Horizonte, M.G. [Acervo do Centro de Informação Científica, Histórica e Cultural da Fundação Ezequiel Dias]

Octávio de Magalhães, antigo assistente e sucessor de Ezequiel Dias, deu continuidade às suas obras, produzindo também soros contra picada de escorpiões, mapeando a incidência dos ataques de serpentes no estado e ampliando as instalações do Instituto.

Com o passar dos anos, a região enobreceu com a implantação do Colégio Izabela Hendrix, no fim da década de 30, e da Sede Social do Minas Tênis Clube, em 1940, ambos projetados pelo arquiteto italiano Rafaello Berti. Tornaram-se, assim, incompatíveis as ações da Instituição com as construções e atividades que surgiam na área. A partir de 1935, levantaram-se vozes na imprensa contra a permanência do Instituto naquele local, pelo risco de intoxicar as meninas do colégio, em virtude do mau cheiro exalado pelos animais e pela proximidade com o Palácio do Governo.

No governo de Benedito Valadares como interventor do Estado, o Instituto Ezequiel Dias passou a ser administrado por Minas Gerais, deixando de ser uma filial de Manguinhos. A antiga ideia da transformação vinha sendo contestada pelo sucessor de Oswaldo Cruz - Carlos Chagas, mas após a sua morte ela se concretizou. Em 1936 a transferência administrativa foi efetivada e tiveram início as obras do novo conjunto na Gameleira. No dia 13/05/1940, visitaram as obras o presidente Getúlio Vargas, o interventor Benedito Valadares e o prefeito Juscelino Kubitschek. Em 24/07/1941, foram entregues as chaves do Instituto no novo endereço ao governador Cristiano Machado por Octávio de Magalhães. Por volta da década de 50, o velho Serpentário foi demolido para dar lugar à Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, edifício projetado em 1954, pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

Antes mesmo da inauguração da filial de Manguinhos em Belo Horizonte em 1906, o naturalista, médico e sanitarista mineiro Carlos Chagas abriu outro importante capítulo na histórica relação da Fiocruz com o estado de Minas Gerais. Esse novo capítulo iniciou-se no distrito de São Gonçalo das Tabocas do município de Pirapora, situado no norte do estado de Minas Gerais. O distrito conservou esse nome até a construção da Estrada de Ferro Central do Brasil, em fevereiro de 1908, quando passou a denominar-se Lassance, nome do engenheiro-chefe da construção - Ernesto Antônio Lassance Cunha. Carlos Chagas chegou ao local, enviado por Oswaldo Cruz, em virtude da ocorrência de malária na região do Rio Bicudo.

Após erradicar o surto de impaludismo, combater a malária e possibilitar o prosseguimento das obras da estrada de ferro, Carlos Chagas, que utilizava como laboratório um vagão da Central do Brasil, recebeu um novo “laboratório”, construído próximo à estação ferroviária pelo pessoal da rede: um comprido barracão de tijolos com estrutura executada com trilhos ferroviários, cobertura em telhas coloniais e um pequeno biotério.

Antigo Laboratório de Lassance antes das obras de restauração e de reutilização como Centro Cultural inauguradas em 2002
Foto Miguel Angel Ferman [Acervo do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA]

Assim tiveram início as pesquisas que culminaram com a descoberta do Trypanossoma cruzi, revelada ao mundo em abril de 1909. O feito de um mesmo cientista ter descoberto o agente etiológico, o inseto vetor, os animais reservatórios, a descrição anatomopatológico e o quadro clínico de uma doença, é inédito na história da medicina. Por isto, Carlos Chagas, um dos mais brilhantes cientistas brasileiros de todos os tempos, foi indicado por duas vezes para o Prêmio Nobel. Após essa descoberta, Lassance passa a ser o primeiro posto avançado do Instituto para o estudo de endemias rurais e, devido à repercussão internacional da descoberta de Carlos Chagas, Oswaldo Cruz obteve recursos da ordem de 300 contos para a construção do hospital. O antigo hospital, próximo à estação de ferro, também tem relação com a descoberta de Chagas, já que ali o pesquisador residiu por algum tempo. O edifício tem planta em U, com dois corpos ressaltantes encimados por empenas triangulares com profusa ornamentação. A parte central, recuada, possui uma varanda entalada e uma escada central de acesso, uma vez que todo o volume é elevado do solo.

Hospital de Lassance criado durante a gestão de Carlos Chagas [Acervo DAD/COC/Fiocruz]

Outro capítulo na histórica relação da Fiocruz com o estado de Minas Gerais se iniciou na década de 40 em Bambuí, no oeste mineiro. Em 1940, Amilcar Viana Martins e Antônio Torres Sobrinho descobriram um importante foco da doença de Chagas nessa cidade. Como o interventor de Minas Gerais havia proibido Amílcar Martins de atuar em Bambuí, em 1943 o IOC criou um Centro de Estudos da doença na cidade e designou Emanuel Dias para dirigi-lo. Em uma residência em Bambuí, foi provisoriamente instalado o Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas (CEPMC), onde a doença voltou a ser estudada com maior detalhamento, especialmente as cardiopatias dela resultantes. O Centro de Bambuí, que foi organizado e dirigido por Emmanuel Dias até sua morte em 1962, ocupa um edifício de um pavimento, construído em um terreno de esquina, que anteriormente pertenceu à Prefeitura Municipal de Bambuí. Trata-se de uma edificação moderna com planta retangular e dois apêndices: um corpo semicircular em uma das fachadas laterais e uma marquise marcando a entrada. O volume implantado acima do nível da rua principal é caracterizado por uma cobertura de lajes inclinadas formando um perfil em ‘V’.

Posto Avançado de Pesquisas Emmanuel Dias - Paed em Bambuí, MG [Acervo DAD/COC/Fiocruz]

Na década de 50, Emanuel Dias procurou Juscelino Kubitschek, presidente da República, para sensibilizar o governo a promover o controle da doença no Brasil. Portanto, nas décadas de 40, 50 e 60, Bambuí foi a principal ligação de Manguinhos com Minas Gerais.

Hoje o Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR) é a Unidade Regional da Fiocruz em Minas Gerais. As origens do CPqRR remontam a 1950, quando da conclusão de entendimentos entre a direção da Divisão de Organização Sanitária (DOS) do Ministério da Educação e Saúde, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e o professor Amilcar Vianna Martins, convidado anteriormente para criar um centro de pesquisas sobre esquistossomose nos moldes daquele que estava sendo instalado pela DOS em Recife, Pernambuco. Por meio da Lei no 141, de 30/06/1950, foi doado um terreno de 2.500 m2, situado na esquina da Avenida Augusto de Lima com a Rua Juiz de Fora, no Barro Preto, para a construção de um grupo de edifícios destinados a um centro de pesquisas sobre helmintoses, com ambulatório e enfermaria, e um centro de tratamento rápido contra moléstias venéreas.(6). O edifício, em dois pavimentos construídos nos alinhamentos do terreno, é constituído de um volume prismático de planta retangular, com aberturas contínuas providas de brises-soleils verticais e horizontais, conforme as orientações das fachadas. O tratamento externo é sóbrio e de acordo com o vocabulário clássico da arquitetura modernista.

Centro de Pesquisas René Rachou – CPqRR na esquina da Rua Juiz de Fora com a Avenida Augusto de Lima, Belo Horizonte [Acervo DAD/COC/Fiocruz]

René Rachou dirigiu o Instituto de Malariologia no Rio de Janeiro quando a cidade ainda era a capital da República. Por serem precárias as instalações do instituto foi então transferido para Belo Horizonte ao final de 1955. René Rachou dirigiu o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte de 1955 até 1957. Em 1960 passa a trabalhar para a Organização Pan-Americana de Saúde, na América Central. Em 1966 o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte do INERu passou a chamar-se, por determinação do presidente da República e do ministro da saúde Raimundo de Moura Britto, Centro de Pesquisas René Rachou, em homenagem ao diretor, que falecera em São Salvador em 21/11/1963.

Por força do decreto no 66.624, de 22/05/1970, com a incorporação do Centro pela então Fundação Instituto Oswaldo Cruz, houve um novo reencontro de Manguinhos com Minas Gerais. Voltou-se assim a uma situação semelhante àquela existente nos primórdios do século XX, quando Manguinhos mantinha uma filial em Belo Horizonte. Ao longo dos anos, o CPqRR foi sendo ampliado e modificado, em razão do surgimento de novas demandas e atividades, dando origem a uma série de edificações destinadas a abrigar novos laboratórios, biotério, auditório, biblioteca, e demais áreas de apoio. Hoje a estrutura do CPqRR contempla ainda o Centro de Bambuí, que desde 1980 tem a denominação de Posto Avançado de Pesquisas Emmanuel Dias (Paed), em homenagem a seu criador (7).

Ao longo do século XX a Fiocruz esteve, portanto, presente no estado em diversas situações: de 1907 a 1936, como filial do Instituto Oswaldo Cruz, depois transformada no Instituto Ezequiel Dias de Belo Horizonte; de 1906 a 1941 no laboratório de Lassance; a partir de 1944 no Posto Avançado de Pesquisas Emmanuel Dias - Paed de Bambuí; e, a partir de 1970, no CPqRR de Belo Horizonte, que incorporou em sua estrutura o Paed.

Hoje o CPqRR é composto por quatorze Laboratórios, pelo Núcleo de Apoio Técnico-Científico e o Departamento Administrativo. Nos Laboratórios são estudadas a Doença de Chagas, a Esquistossomose, as Leishmanioses e a Malária em seus diversos aspectos (biologia, diagnóstico, imunologia, terapêutica, clínica, fisiologia, sistemática epidemiologia e controle), tanto do ponto de vista do parasita quanto de seus vetores. O Núcleo de Apoio Técnico Científico fornece suporte às atividades de pesquisa, ensino e prestação de serviços, sendo composto por Ambulatório, Biotério, Biblioteca e Centro de Estudos. O Departamento Administrativo é responsável pela execução das atividades de gestão de recursos humanos, orçamentários e de comunicação. Funcionam no Centro de Pesquisas René Rachou seis Serviços de Referência: em Doença de Chagas, em Esquistossomose, em Leishmaniose Tegumentar, para Flebotomíneos, em Capacitação de Flebotomíneos e Competência Vetorial, em Leishmanioses.

A partir da redemocratização do País e da gestão de Sérgio Arouca (1985/1989), a Fiocruz vive um processo de revitalização e de democratização interna, que foi continuada por seus sucessores. Isso vem sendo aprofundado a partir de 2009, nas duas gestões de Paulo Gadelha, período de grande expansão física, com a implantação de filiais em diversos estados do Brasil. É neste contexto de ampla liberdade de expressão que a nova sede da Fiocruz/Minas vem sendo discutida.

Reflexões sobre a nova sede

A partir de 2007 foram iniciadas as negociações com o Estado de Minas Gerais e a prefeitura de Belo Horizonte para que as futuras instalações do CPqRR ocupassem uma área do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec). Em 28/06/2010 foi formalizado o acordo de cessão do terreno para a construção da nova sede da Fiocruz/Minas.

A localização da nova sede na região da Pampulha pode ser considerada privilegiada tanto do ponto de vista do bairro quanto do lote. O bairro, criado na década de 40 por Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, ficou mundialmente conhecido com a construção do conjunto arquitetônico projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que se tornou um marco da arquitetura moderna universal.

A região da Pampulha abriga também outras edificações tombadas e de grande valor afetivo para a sociedade brasileira como o estádio de futebol, o Mineirão, o Zoológico e o campus da UFMG. O local destinado à nova sede da Fiocruz é vizinho a sede da Usiminas e de fácil acesso ao anel rodoviário. Trata-se, portanto, de uma localização estratégica que permite a implantação de um conjunto arquitetônico com grande potencial de aproveitamento das características dos lotes: acessibilidade fácil, visibilidade de diversos pontos de observação e interação com o seu entorno imediato, em especial com o bosque da UFMG.

Em um primeiro momento, foram destinadas à Fiocruz as unidades territoriais privativas - UTPs de nºs 25 a 28, com área de 13.793,68 m2,voltados para a Avenida Presidente Carlos Luz. Devido às diversas dificuldades, principalmente aquelas relacionadas à dimensão do programa de necessidades, grande declividade e presença de extensa área verde no terreno, em 2012 este conjunto de UTPs foi substituído pelas UTPs nºs  6 a 18, com área de 16.446,84 m2 voltados para a Rua Professor José Vieira de Mendonça.

Dentre alguns estudos desenvolvidos pela Fiocruz para a sua nova sede em Minas Gerais, apresento dois de minha autoria, destinados respectivamente ao primeiro e segundo conjuntos de UTPs.

O primeiro estudo da nova sede

A natureza e a complexidade do programa de necessidades e do terreno nos levaram a adotar a concepção de um conjunto arquitetônico composto por volumes bem definidos, correspondentes às funções e à setorização necessárias e requeridas pelo programa, articulado da seguinte forma: um grande hall de entrada e de distribuição dos espaços com cobertura curva e transparente; um bloco administrativo em forma de cilindro vertical, coroado por um café/mirante coberto por um prisma invertido; um pavilhão horizontal com perfil parabólico destinado ao ensino; um bloco horizontal em forma de paralelepípedo, coroado por um longo prisma invertido, destinado à pesquisa e à produção, onde funcionaria o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTs); e os espaços de usos múltiplos, abrigados sob uma extensa laje em forma orgânica. Abaixo desta laje, os espaços destinados ao uso comunitário delimitariam, em seu interstício, uma “praça” coberta por uma cúpula transparente para o convívio dos servidores da Fiocruz. Para ela estariam voltados o Fioprev (Instituto Oswaldo Cruz de Seguridade Social), a Asfoc (Associação dos Servidores da Fiocruz), uma lanchonete, um restaurante, a biblioteca, um auditório em forma escultórica e com flexibilidade para ser transformado em três menores e o Centro de Memória e Difusão Científica. O espaço multifuncional destinado ao uso coletivo e aberto ao público externo poderia receber exposições como também ser palco de eventos. O acesso aos blocos de ensino, produção e pesquisa se daria por meio de elevadores panorâmicos voltados para o grande hall de entrada.

Croqui do primeiro estudo

Esse estudo não foi desenvolvido em função da troca do terreno, mas muitos dos princípios nele adotados, como os princípios vitruvianos e o princípio da sustentabilidade, e também os materiais e sistemas construtivos foram incorporados ao estudo seguinte.

O segundo estudo: concepção, ordenamento físico e territorial

A concepção adotada obedeceu à orientação da direção da Fiocruz Minas de se optar por uma implantação longitudinal com uma edificação de linhas arquitetônicas simples, que acompanhasse as curvaturas dos limites dos lotes e que fosse marcada por um elemento escultórico forte.

Implantação

Vista leste

Além da qualidade estética acentuada pelo movimento que a curvatura imprime à edificação, e dos valores plástico e de linearidade das fachadas destacada pelas lajes e brises, as seguintes características da edificação proposta podem ser ressaltadas:

- implantação em conformidade e em harmonia com os desenhos e perfis dos lotes, obedecendo à orientação Norte-Sul, com as grandes aberturas voltadas para as direções Leste-Oeste;

- adoção de soluções arquitetônicas sustentáveis e do estilo modernista, em respeito à história da arquitetura moderna da Fiocruz e aquela do seu entorno urbano;

- opção por uma tipologia, a partir do hall de entrada, com nítida separação dos espaços de uso público daqueles de uso semipúblico e restrito;

- projetação de hall, que abrigaria o painel Carlos Chagas, como espaço de uso múltiplo, podendo funcionar não só como local de recepção e distribuição dos visitantes, mas também como foyer do auditório e abrigo de mostras temporárias do Centro de Memória;

- adoção de materiais e sistemas construtivos que permitiriam grande agilidade na construção, gerando economia de tempo, de mão de obra e, portanto, de recursos para a Fiocruz;

- opção por um sistema construtivo modular, decomposto em submódulos estruturais, o que permitiria, além da agilidade da construção, a ampliação futura da edificação garantindo e não comprometendo a sua unidade arquitetônica.

Planta do pavimento tipo

Hall vista oeste

O conjunto arquitetônico foi concebido com volumes e espaços bem definidos articulado na edificação principal da seguinte forma:

- um grande hall de distribuição dos espaços marcado na entrada por uma marquise metálica e inclinada, de onde se observa o contraste do seu vazio com o cheio de uma cúpula ao seu fundo. O hall, além de concentrar o acesso de uso público, permitindo e viabilizando o seu controle, teria características espaciais de grande movimento por meio da instalação das passarelas, varandas e elevador panorâmico. Elemento artístico de especial interesse, de valorização do hall e da edificação, seria a implantação de um painel dedicado a Carlos Chagas, com imagens representativas de fatos relevantes da história da Fiocruz. O painel poderia ser observado de vários ângulos – do chão, das varandas, das passarelas, dos elevadores panorâmicos e até mesmo do terraço. No exterior, teria grande visibilidade da Avenida Presidente Carlos Luz. O hall garantiria acesso rápido e independente aos espaços de usos coletivos e públicos. Descendo uma rampa se acessaria a biblioteca, o Centro de Memória e o auditório, agrupados em um único volume, marcado por uma cúpula, que permitiria projeções com equipamentos de última geração. Subindo os elevadores se acessaria o restaurante e a lanchonete, concebidos de forma orgânica, a serem implantados sobre a cobertura, de onde se teria uma vista exuberante do seu entorno;

Hall

Hall vista oeste

- à esquerda do hall seriam implantados três módulos destinados às atividades de pesquisa e de produção científica. Nesta parte da edificação funcionariam os seguintes laboratórios: Imunologia e Vacinas; Doenças Infecciosas e Parasitárias; Genômica e Proteômica; Vetores; Química de Produtos Naturais Bioativos; Helmintologia e Malacologia Médica. E os espaços de apoio aos laboratórios, como os vivários (Biotérios, Insetários e Moluscários), as plataformas, as coleções, a central de esterilização, o CDTs e o ambulatório;

- à direita do hall seria implantado um módulo destinado ao ensino e à administração. Nessa parte da edificação, funcionariam a Diretoria e as Vices (Pesquisa; Ensino e Inovação; Gestão e Desenvolvimento), os setores de patrimônio, de informática e de expedição e protocolo, além dos núcleos de inovação tecnológica, de gestão e de apoio a projetos, os serviços de execução financeira, de infraestrutura, de gestão do trabalho, de compra, de materiais e de contratos. O setor de ensino abrigaria a secretaria acadêmica, as salas de aula, de reuniões, de estudos, de apoio aos professores, de pós-graduação, de laboratórios práticos etc;

- para evitar grandes escavações, seriam adotados apenas dois níveis de estacionamentos subterrâneos, o primeiro abrigaria também as oficinas e vestiário;

- o bloco longitudinal seria constituído de cinco pavimentos tipo, com fachadas envidraçadas, coroado pelo pavimento técnico com abertura circulares. Sobre o pavimento técnico no terraço um volume orgânico abrigaria a lanchonete e o restaurante.

Elevação oeste

Vista noroeste

Em direção ao norte do terreno seriam implantados dois blocos anexos semi-subterrâneos; o primeiro destinado à casa de máquinas e almoxarifado e o segundo às gaiolas, pombal etc. Estes blocos também possuiriam coberturas verdes e suas formas de implantação e sistemas construtivos permitiriam expansões futuras.

A edificação principal que teria predominância absoluta do branco do concreto e do azul (cor da saúde) dos vidros iria adquirir um aspecto “asséptico” próprio para a função a ser desempenhada.

O segundo estudo: Tecnologias construtivas

Este estudo previa alguns sistemas construtivos básicos: concreto armado para as fundações, estrutura metálica com laje steel deck para o restante das estruturas, que seriam revestidas externamente por cortinas de vidro.

A opção por um sistema modular (com cerca de 30x25ms) composto de submódulos estruturais (10x25ms), permitiria a ampliação futura da edificação, garantindo a sua unidade arquitetônica, ao invés de comprometê-la com acréscimos improvisados.

O emprego de estruturas metálicas e de elementos construtivos pré-fabricados reduziria o tempo da obra e a produção de rejeitos, permitindo a sua realização simultânea em duas frentes de trabalho: paralelo à escavação do terreno e a execução da fundação de concreto.   A estrutura metálica seria fabricada em siderúrgicas da região, sendo montada logo após a conclusão das fundações. Esse procedimento reduziria significativamente tanto a produção de rejeitos como também o tempo de execução da obra, gerando economia de tempo, de mão de obra e, portanto, de recursos para a Fiocruz.

Corte transversal

Vista sudoeste

O segundo estudo: Sustentabilidade urbana

Além de tecnologia de ponta, de materiais e de sistemas construtivos de última geração, o estudo apontou para o uso de soluções arquitetônicas de modo a contribuir para a sustentabilidade urbana: eficiência energética, uso de técnicas passivas das condições e dos recursos naturais, uso de materiais e técnicas ambientalmente corretas, gestão dos resíduos sólidos, conforto e qualidade interna de ambientes, garantia da permeabilidade do solo, uso adequado e reaproveitamento de água.

Para tanto, seriam implantadas fachadas ventiladas e com vidros especiais - acústicos, auto-limpantes e refletivos para o controle solar. Nas coberturas com “lajes verdes” seriam instalados painéis para captação de águas pluviais e de energia solar, tanto na edificação principal quanto nos anexos. As coberturas verdes, além de proporcionar conforto e isolamento térmico, serviriam para recompor as superfícies vegetadas e para coletar as águas pluviais.

Conclusão

A nova sede da Fiocruz Minas deveria adotar os princípios de uma arquitetura de qualidade: Utilitas, Venustas e Firmitas (utilidade, beleza e solidez). E também outro princípio importante do mundo contemporâneo que foi acrescido aos princípios vitruvianos: o princípio da sustentabilidade. A solução arquitetônica de todas as edificações deveria ser, portanto, sustentável, despojada, transparente, entremeada com elementos naturais e integrada ao BHTec.

Em todos os blocos seriam usados os mesmos princípios compositivos, o mesmo sistema estrutural e os mesmos materiais construtivos - fatores que garantiriam, além da agilidade da construção, a identidade e unidade do complexo arquitetônico.

Elevação sul

Vista oeste

Embora devesse assumir aspectos expressivos e tecnológicos próprios das linguagens contemporâneas, faria também referência às características tipológicas e construtivas brasileiras. Deveria seguir a tradição das gestões Oswaldo Cruz/Carlos Chagas e de Henrique Aragão, quando foram implantados no campus de Manguinhos edifícios representativos para a arquitetura de suas épocas, respectivamente o ecletismo e o modernismo dos anos 40/50. Deveria também incorporar os avanços da instituição, que adquiriu uma forte dimensão cultural a partir da criação da Casa de Oswaldo Cruz/Museu da Vida, atraindo e interagindo com o público externo, podendo se tornar uma referência científica e cultural em Belo Horizonte.

É possível conceber um marco arquitetônico na Pampulha, tendo como parâmetros nossas heranças e valores culturais, em especial o barroco mineiro e a arquitetura moderna dos anos 40/60, reinterpretando-os de forma contemporânea e sustentável.

É necessário e desejável que a nova sede da Fiocruz seja portadora tanto de valores arquitetônico como simbólico e esteja à altura do valioso trabalho de mais de um século que a instituição realiza em Minas Gerais e no Brasil.

notas

1
A data de inauguração do Instituto Filial de Manguinhos é noticiada pelo jornal Bello Horizonte de 7/8/1907, no entanto Magalhães (1957:182, 189, 205 e 207) afirma que a inauguração se deu no dia 3/8/1907, citando notícias publicadas no jornal oficial Minas Gerais, nos dias 3 e 4 de agosto de 1907.

O jornal Bello Horizonte, de 7/8/1907, noticiou: “Instituto Filial de Manguinhos. Realiza-se hoje, às 4h da tarde, a inauguração official desse importante e útil estabelecimento, aqui fundado pelo governo da União sob a direcção do distincto médico Sr. Dr. Ezequiel Dias (...) se acha installado na Praça da Liberdade, em magnífico e vistoso prédio, especialmente adaptado com todas as regras exigidas para um estabelecimento desta natureza (...) Além do edifício principal, há o pavilhão dos bezerros e as casas de coelhos e cobaias”.

2
A Comissão Construtora da Nova Capital, criada pelo governador Afonso Penna, por meio do decreto no 680, de 14 de fevereiro de 1894, era constituída por engenheiros, topógrafos, desenhistas e técnicos em edificações, e foi chefiada até 1895 por Aarão Reis, quando passa a ser comandada pelo engenheiro Francisco Bicalho, até a sua extinção em 1898.

3
No dia 27 de julho de 1907, a iluminação foi inaugurada com a presença do governador João Pinheiro da Silva, do engenheiro e arquiteto Luiz Moraes Júnior e dos médicos Ezequiel Dias e Borges da Costa. MAGALHÃES, Octávio Coelho de: 1957, p.182.

4
Segundo relatos, foi o Serpentário que inspirou as célebres performances ofídicas da vedete Luz del Fuego.

5
Antes de sua morte, Ezequiel Dias abre mão de uma vultosa quantia em gratificações a que tinha direito, por estar trabalhando fora da sede do Instituto. MAGALHÃES,  Octávio Coelho de: 1957, p.232).

6
Amilcar Vianna Martins. Depoimento pessoal – A História do Centro de Pesquisas René Rachou. In: comemoração dos 25 anos de existência. Belo Horizonte, Centro de Pesquisas René Rachou, 1980.

7
Breve histórico tem como referência textos de autoria do arquiteto Rodrigo Meniconi. OLIVEIRA, Benedito Tadeu (coord.): 2003, anexo II, pp.223/230 e pp.242/245.

referências bibliográficas

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FERMAN, Miguel Angel. Relatório e Documentação Fotográfica Laboratório Carlos Chagas – Lassance/MG. Belo Horizonte: IEPHA, 2002.

LENT, Herman. O Massacre de Manguinhos. Rio de Janeiro: Avenir, 1968

MAGALHÃES, Octávio Coelho de. Ensaios. Belo Horizonte: Editora da Faculdade de Direito da UFMG, 1957.

MARTINS, Amilcar Vianna. Depoimento pessoal – A História do Centro de Pesquisas René Rachou. In: comemoração dos 25 anos de existência. Belo Horizonte: Centro de Pesquisas René Rachou, 1980.

MELO, Fabiana. Memória da Fundação Ezequiel Dias. Belo Horizonte: Funed, 2002.

NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura. Rio de Janeiro: Revan, 2000.

OLIVEIRA, Benedito Tadeu (coord.) COSTA, Renato. Gama-Rosa e PESSOA, Alexandre José de Souza. Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.

sobre o autor

Benedito Tadeu de Oliveira é arquiteto graduado pela Universidade de Brasília – UnB (1980), com doutorado em restauração de monumentos pela Universidade de Roma – La Sapienza (1985). Na Fiocruz desde 1987, chefiou o Departamento de Patrimônio Histórico/COC, coordenou a restauração do conjunto arquitetônico de Manguinhos, e participou da criação do Museu da Vida. Foi diretor do IPHAN de Ouro Preto (2002-2009).

créditos

Maquete eletrônica
Hayla Rios Amaral

Renderização de imagens
Dênis Henrique Souza Baggini

Capa
Fernando Vasconcelos

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