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architexts ISSN 1809-6298


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A intenção deste artigo é estabelecer uma relação entre as propostas da política do ensino do desenho e da política de industrialização, ambas de autoria do polímata Rui Barbosa e influenciadas por suas leituras dos escritos assinados por John Ruskin.


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AMARAL, Cláudio Silveira. Rui Barbosa e John Ruskin. O desenho como uma questão gnosiológica. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 189.02, Vitruvius, fev. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.189/5948>.

Introdução

A intenção deste artigo é estabelecer uma relação entre as propostas da Política do Ensino do Desenho e da Política de Industrialização, ambas de autoria do polímata (jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador) Rui Barbosa e influenciadas por suas leituras dos escritos assinados pelo crítico de arte inglês John Ruskin. Este assunto vem sendo objeto de pesquisa desde o ano 2000 tendo sido tratado aqui pela revista Arquitextos do portal Vitruvius (1) no artigo intitulado "A política do ensino do desenho no Brasil: Rui Barbosa e John Ruskin". O presente ensaio se diferencia do anterior por relacionar as propostas de Rui Barbosa, assim como as de John Ruskin com base nas categorias do Iluminismo (Razão, Lógica, Progresso, Ordem, Indústria, Ciência, Natureza...). Diferentemente do ensaio inicial, que explorou a existência de uma relação entre Rui Barbosa e John Ruskin, este procura aprofundar esta relação descendo nas origens dos pensamentos dos dois intelectuais, ou seja, nos valores que substanciaram a produção destes intelectuais.

As chamadas Revolução Industrial e Revolução Francesa alteraram a divisão internacional do trabalho, a divisão social do trabalho e a divisão do trabalho em si, como também contribuíram para a difusão da ideologia do Iluminismo a todos os países. A proposta de industrialização de Rui Barbosa teria por objetivo alterar o senso comum de um país onde o trabalho era visto como algo indigno (realizado por pobres e escravos), para uma nova cultura social na qual o trabalho fosse reconhecido como seu principal valor. Só depois – talvez simultaneamente – surgiriam no Brasil as unidades fabris. Nesse sentido, a Educação seria o epicentro dessa transformação que Rui Barbosa explicitou em seus pareceres sobre ‘Reforma do Ensino Primário’ (2), ‘Reforma do Ensino Secundário e Superior’ (3) e, depois, nas ‘Lições de Coisas’ (4), em sintonia com as pedagogias dos países industrializados de então.

Rui Barbosa foi influenciado por uma série de autores cuja afinidade ideológica circunscrevia-se às categorias maiúsculas do Iluminismo: Lógica, Razão, Objetividade, Natureza, Ciência, Progresso, Indústria.

John Ruskin, considerado pela historiografia da Arquitetura Moderna como um neogótico e adverso à Revolução Industrial, será abordado aqui como adepto dos valores do Iluminismo e não como um medievalista pregador da volta ao sistema feudal de produção. Rui Barbosa, possivelmente, conheceu as ideias de Ruskin a partir de suas críticas à Exposição Universal de Londres de 1851, e do que observou como ausência de arte nos produtos industriais. Na industrialização, a questão estética foi, para Ruskin, não apenas do desenho do produto senão também – e fundamentalmente – das relações estabelecidas no processo produtivo. As ideias de Ruskin têm por base uma filosofia da Natureza cuja lógica se evidencia no relacionamento da política da ajuda mútua: cada elemento natural ajuda o outro para garantir sua existência. Esta seria, segundo Ruskin, a lógica da Natureza e também sua ética. Ruskin estendeu sua filosofia da Natureza para as relações sociais e as relações produtivas, o que levou o arquiteto, designer e empreendedor Charles Robert Ashbee a implantar uma fábrica de propriedade cooperativa com base nos escritos de Ruskin, bem como nos do designer têxtil, poeta, novelista, tradutor e militante socialista William Morris. Nesse contexto, o ensino do desenho seria o foco central de uma pedagogia voltada à formação de homens para o ‘trabalho com prazer’. Trata-se de um conceito ruskiniano, no qual o homem se encontra por inteiro, mergulhado em corpo e alma no trabalho: o trabalhador pensa e faz, sem uma divisão do trabalho com hierarquia de comando. O ensino do desenho teria por fim formar homens autônomos; ao contrário de autômatos, como seriam vistos os trabalhadores da indústria de então. Rui Barbosa partiu das críticas à Revolução Industrial, mas não chegou a definir um modelo ideal de unidade fabril. Tampouco Ruskin o fez. De fato, Rui Barbosa definiu um tipo de operário: aquele que pensa e faz da maneira como recomendaria Ruskin. Nesse sentido, o ensino do desenho é intrínseco à ‘pedagogia intuitiva’ (voltada a todos os sentidos do corpo), em que o aluno parte do concreto (a Natureza) para o abstrato (os conceitos). Dessa associação entre diferentes habilidades humanas – mental, manual e da visão –, em que o desenho exerce um papel central, surge ‘a mão que pensa’ a partir da observação da Natureza, no esteio de uma pedagogia que ensina a ver a lógica da Natureza. Ora, conceitos como Natureza, Lógica, Razão..., utilizados por Ruskin e Barbosa, inscrevem-se entre os valores do Iluminismo, concluindo-se que Rui Barbosa, assim como Ruskin, referia suas ideias pela concepção iluminista.

Foi no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro (LAO) que Rui Barbosa proferiu a palestra ‘O Desenho e a Arte Industrial’, ocasião quando explicitou sua proposta para a industrialização do país. Foi também no LAO, uma instituição de ensino com aulas noturnas gratuita e voltada à população de trabalhadores, independentemente de credos religiosos, cor, idade ou sexo, que a pedagogia intuitiva foi utilizada pela primeira vez – e talvez a única. O ensino do LAO teria por mérito formar uma mão de obra qualificada em estética, destinada a um mercado de trabalho livre, em substituição à mão de obra escrava. Em outras palavras, Rui Barbosa propunha um ensino voltado à moderna sociedade industrial.

Este ensaio, portanto, tem como objetivo estabelecer uma relação entre a proposta de industrialização de Rui Barbosa e a proposta de industrialização de John Ruskin, uma vez que ambas têm em comum a promoção do desenho como base de fecundação.

O Século 19

"A definição deste século impõe-se sobre a base histórica do Iluminismo, movimento filosófico desenvolvido na França, Alemanha e Inglaterra do século 18. A partir dos fundamentos iluministas, o Século 19 caracteriza-se por reconhecer o poder da Razão enquanto fonte única de entendimento, explicação e organização do mundo.

Procedente diretamente do racionalismo do século 18, tem o clímax alcançado pela Ciência da Natureza (o Iluminismo vê no conhecimento da Natureza e no seu domínio eficiente a tarefa fundamental do homem). Conhecido também como Ilustração, não nega a história como um fato real, porém, a considera de um ponto de vista crítico e julga que o passado não é uma forma necessária na evolução da humanidade. [...] Na esfera da ciência e filosofia, pelo conhecimento da Natureza como meio de chegar ao seu domínio; na esfera moral e religiosa, pelo esclarecimento [...] das origens dos dogmas e das leis, como meio de chegar a uma religião natural igual em todos os homens, e um deísmo que não nega a Deus, que o relega à função de criador e primeiro motor de existência" (5).

Dessas considerações, o que interessa aqui são duas certezas indubitáveis proclamadas pelos pensadores do Iluminismo:

– a Natureza como origem de tudo e como única fonte de conhecimentos.

– a necessidade de conhecer as leis da Natureza para dominá-la.

Tais convicções colocam o homem frente à Natureza e esta, como modelo de leis que a explicam. Tais leis, transplantadas para o contexto das relações sociais, conseguem se instituir como instrumento de conhecimento da realidade e, nela, do homem.

Para o Século 19, a Natureza, entregue as suas próprias leis, transforma-se em modelo epistemológico de análise e conhecimento.

Conforme o historiador britânico Eric Hobsbawm, a Revolução Francesa foi a responsável pela difusão das ideias do Iluminismo mundo afora.

Para Hobsbawm, os anos entre 1789 e 1848 trouxeram a maior transformação na história da humanidade, a que chamou de ‘dupla revolução’.

A Revolução Industrial modificou aspectos da produção material, tecnológica, política, e ideológica de todos os países. Ela alterou a vida do mundo, ao constituir uma nova divisão internacional do trabalho, uma nova divisão social do trabalho e uma nova divisão do trabalho em si (6).

A Revolução Industrial transformou o sistema de produção material da sociedade, enquanto a Revolução Francesa tratou de difundir as novas ideias, características do Iluminismo (7).

Esse contágio de ideias revolucionárias invadiu a atmosfera econômica e social de todos os países, exigindo de seus governos adequarem-se aos valores do Iluminismo. Mesmo que isso fosse apenas uma farsa, como foi o caso do Brasil (8).

Foi nesse contexto de revoluções que se deu a independência do Brasil de Portugal. Àquela época, Portugal já era administrado por uma concepção de lógica burocrática, própria de um Estado Moderno.

Quando a Família Real portuguesa chegou ao Brasil, trouxe uma concepção de ordem administrativa baseada na racionalidade de uma burocracia. Para o cientista político e historiador brasileiro Murilo de Carvalho, essa burocracia era constituída por uma elite política, com base em uma homogeneidade ideológica. Diferentemente da homogeneidade de origem classista, essa tinha por eixo os estudos. Para participar, ou seja, para ser um funcionário público, era preciso ter formação universitária. Foi assim que a Universidade de Coimbra se especializou em formar burocratas para o Estado português. Com a Independência do Brasil, a instituição de faculdades de Direito em Pernambuco e em São Paulo substitui a ida dos filhos da elite brasileira a Coimbra. Essa burocracia estruturou-se em uma divisão de trabalho na forma de um organograma e de um fluxograma. Interna ao organograma definia-se uma hierarquia de comando na qual alguns pensam e decidem e os demais executam.

Associada a essa burocracia, havia uma instância de representação composta pela Câmara de Deputados, Senado, um Conselho de Estado e o Poder Moderador. Dessa forma, apresentava-se uma concepção de Estado Moderno, ou seja, um Império Parlamentar. Entretanto, na medida em que o Poder Moderador (o Imperador) era, em última instância, quem decide, a própria estrutura parlamentar tornava-se uma farsa: ao Imperador reservava-se o direito de destituir de poderes os integrantes da estrutura representativa (9).

O Brasil alcançou sua independência, implantou um Estado Moderno, integrou uma nova posição na divisão internacional do trabalho. Porém, o país manteve a antiga divisão social do trabalho colonial, com base no agra exportação e sustentada pela mão de obra escrava. Sabe-se que a Inglaterra pressionou o Império Brasileiro para que extinguisse a escravidão no país, decisão protelada ao máximo porque a agro exportação com base no trabalho escravo representava a garantia de maior receita para o Estado.

Foi neste ambiente iluminista e de revoluções que viveram Rui Barbosa e John Ruskin. Seus projetos intelectuais procuraram responder a questões de seu tempo.

Lourenço Filho atesta que Rui Barbosa foi um dos primeiros – senão o primeiro – a tentar disciplinar as questões gerais da educação nacional em seu sentido teórico-prático. Para tanto, Barbosa pesquisou vários autores, sendo muito grande o número de citações nos pareceres de suas Reformas do Ensino. [...] Vejamos as referências bibliográficas presentes nos pareceres.

“Quantas e quais são elas? [...] Desde que se somem, obtém-se o total de 524. No primeiro parecer, referente ao Ensino Secundário e Superior, são 154. Remetem a 73 obras. No segundo, mais extenso, excedem milhar e meio, por sua vez, mencionando 451 publicações diferentes. Entendam-se, obras ou conjuntos delas, muitos dos quais em diversos volumes. Deles, o total ascende a quase 600, o que vale dizer que Rui se serviu de uma considerável livraria para a elaboração destes trabalhos” (10).

É praticamente impossível abordar todos os autores citados por Barbosa. Entretanto, John Ruskin merece especial atenção frente a importância que teve no projeto de Barbosa.

John Ruskin

A principal preocupação de Ruskin encontra-se em uma concepção de lógica e de razão na sustentação da abordagem de assuntos como arquitetura, pintura, política econômica, religião e outros (11). Diferentemente da opinião da maioria dos historiadores da arquitetura moderna que analisaram a obra ruskiniana sobre arquitetura de forma isolada desvinculada dos demais assuntos, aqui as ideias e opiniões de Ruskin serão compreendidas sob a visão da estrutura lógica e da razão com que ele desenvolveu seus textos. O objetivo de Ruskin não seria constituir uma teoria da Natureza, da pintura, da política econômica, ou mesmo da arquitetura, e sim utilizar a mesma lógica de composição na abordagem de todos esses assuntos.

O inglês John Ruskin foi um crítico de arte que viveu no século 19, na Inglaterra vitoriana. Considerado o defensor do estilo gótico revival, mais precisamente o neogótico veneziano, viu-se obrigado, no prefácio da edição de 1849 de ‘As Sete Lâmpadas da Arquitetura’, e depois, em novo prefácio à edição de 1855, a desmentir tal preferência (12). Suas palavras não pretendiam divulgar um novo estilo e sim uma nova forma de raciocínio, justamente contrária a qualquer estilo.

Segundo Elizabeth K. Helsinger (13), George L. Hersey (14) e John Dixon Hunt (15), a forma de condução do raciocínio de Ruskin pode ser qualificada como um ‘pensamento visual, espacial’. Essa expressão de uma lógica visual é considerada por esses críticos como oposta à lógica formal: enquanto (i) a lógica formal prende-se a uma sequência linear, acompanhada por um tempo que cresce em argumentos e evolui de um ponto a outro, (ii) a lógica visual justapõe assuntos, usa da simultaneidade ao invés da linearidade no sequenciamento de ideias, trata do tempo como uma unidade simultânea composta de presente-passado-futuro, permite-se perder em divagações quando achar necessário, diverte-se com as cores e as texturas, com aproximações e distâncias, associa assuntos nunca antes vinculados e utiliza-se do recurso da metáfora para valorizar tais associações.

Entende-se o fato de a obra de Ruskin se preocupar com o ensino da visão que, para ele, permite a visualização de uma concepção lógica da Natureza. Para ele, a leitura será sempre o resultado da apreensão de uma lógica cuja razão é captada pelo olhar sensível da primeira impressão. Para Ruskin, ensinar a desenhar é “ensinar a ver”, e ensinar a ver, ensinar a ler a lógica da Natureza: “Now remember gentlemen that I have not been trying to teach you to draw, only to see” (16).

O desenho ruskiniano se relaciona com a percepção, a educação, a cultura e as relações sociais no trabalho. A lógica presente em sua concepção de razão estrutura todos esses assuntos, permitindo que se inter-relacionem.

O ensinar a ver ruskiniano contém, sem dúvida, uma proposta ética, motivada pelo culto ao belo. O belo é, portanto, o resultado de um relacionamento entre objetos, sensações e memórias. O belo é também o resultado de relações sociais, na forma de organização do trabalho, expressa em uma “política” da ajuda mútua cuja ética é própria da lógica da Natureza. Ruskin busca essa ética na paisagem natural, percebida por ele como bela porque nela encontrou elementos constituintes, dependentes uns dos outros para viver uma situação de harmonia. Ruskin pretendia que a ética da Natureza se refletisse nas relações de produção da sociedade industrial e seus resultados. Isto seria belo.

A arquitetura, particularmente, apareceu na teoria ruskiniana como o melhor exemplo dessa lógica: quando Ruskin visualiza um edifício, enxerga as relações de trabalho sobre as quais foi construído.

Ruskin falou de religião para tratar o assunto da criação arquitetônica. Explicou a existência de um deus arquiteto, construtor da Natureza graças a um trabalho criativo e perfeito. Reconheceu a imperfeição do homem, mas admitiu que este pudesse ser criativo, embora nunca perfeito como um criador divino. Por ser imperfeito, o homem deveria pedir ajuda a outros homens. E só seria criativo caso se associasse aos demais de forma cooperativa, no respeito à ética da ajuda mútua.

Uma das frases mais conhecidas do crítico de arte inglês é a de que “o trabalho deve ser feito com prazer” (17). Esta ideia implica uma concepção de prazer diferente da cultura vitoriana de seu tempo, quando o prazer significava o divertimento depois do trabalho e se realizava no ato do consumo. Para Ruskin, o prazer pertence ao mundo do trabalho, entendendo-se que o trabalho criativo traz prazer a quem o executa. Além de o trabalho ser feito com prazer, ele deve produzir coisas úteis para a vida.

A teoria da percepção ruskiniana busca enxergar o belo. Contudo, o belo é fruto de uma lógica, expressão de uma ética que também se reflete na arquitetura desde sua produção, sob a forma de relações no trabalho. A partir dessas associações, a teoria da arquitetura ruskiniana supera a diferença entre as artes liberais e as artes mecânicas. Ao considerar a política da ajuda mútua, Ruskin se posiciona contrário a qualquer tipo de divisão no trabalho. Para ele, as relações no trabalho devem abolir a separação entre quem pensa e quem faz.

O projeto político de Rui Barbosa

Rui Barbosa, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, portanto capacitado a participar da burocracia Imperial, exerceu as funções de deputado durante um período de sua vida, quando elaborou um projeto para industrializar o Brasil (18).

Barbosa, embora fosse um político, utilizou a Educação como o alicerce de sua proposta de industrialização. Foi a partir de seus pareceres sobre a ‘Reforma do Ensino Primário’ e a "Reforma do Secundário e Superior" (19) que sua proposta ganhou corpo.

À época imaginava-se, como primeiro passo a ser dado para industrializar o país, a implantação de uma política educacional que valorizasse o trabalho manual. A pedagogia de Rui Barbosa substituiria a de influência jesuítica, fundamentada na memorização, por uma pedagogia qualificada de "intuitiva", baseada nos sentidos do corpo humano.

Para Barbosa, a educação é uma questão filosófica, social, política e técnica (20).

Barbosa acreditou no poder de uma ciência (21) distante das paixões e dos interesses mesquinhos dos homens, porque tratava de objetividades, de leis e de razões (22).

Sua pedagogia, primeiramente, reivindicou a união entre a mente e o corpo. Esta postura anti-cartesiana – de defesa dessa união – também representou uma crítica ao ensino de sua época, focado no modelo da catequese católica, o qual privilegia apenas a capacidade de memorização da mente.

“Educar a vista, o ouvido, o olfato, habituar os sentidos a se exercerem naturalmente sem esforço e com eficácia; ensiná-los a apreenderem os fenômenos que se passam ao redor de nós, a fixarem na mente a imagem exata das coisas, a noção precisa dos fatos, eis a primeira missão da escola, e, entretanto a mais completamente desprezada na economia dos processos rudimentares que vigoram em nosso país” (23).

O aluno, segundo Barbosa, inicia seu aprendizado a partir das coisas concretas apreendidas na Natureza para só depois abstraí-las pelo uso das linguagens, tornando-as representações do real via conceitos. Do concreto para o abstrato e não do abstrato para o concreto como era o ensino de então. É por isso que os sentidos do corpo possuem um valor primordial para a pedagogia proposta por Rui Barbosa: no corpo estariam os poros pelos quais a realidade penetraria o ser. No entanto, existiria um sentido mais importante que os demais: o sentido do olhar. Seria através da visão que se estabeleceria o primeiro contato com o mundo externo a nós, e foi assim como o método científico se impôs, iniciando com a observação da Natureza para dela extrair verdades ou leis. Nessa perspectiva, o ensino teria por objetivo ensinar a ver. Porém, seria incorreto dizer que a visão é o sentido mais importante, porquanto a mesma pedagogia mistura-o em uma condição sinestésica (24): na medida em que a mente se associa ao corpo, ou seja, a todos seus sentidos, observar é ver, e ver, ao se associar à mente, é pensar.

O pensar, para os intelectuais do século 19, obedecia ao método indutivo-dedutivo. O pensar conforme o método científico opera segundo uma lógica para se chegar a uma síntese, ou seja, a uma razão, e, portanto, a uma universalidade.

Sendo a observação o primeiro momento da experiência científica e também do ensino racional, a linguagem apropriada para ensinar a ver seria o desenho. O desenho como resultado de uma operação sinestésica a ser executada pela mão, mente e olho. Para Barbosa, o desenho é a disciplina mais importante do método intuitivo, pelo que dizia: “Antes de aprender a ler ou a escrever, o aluno deverá aprender a desenhar”.

“Na progressão natural, portanto, o desenho há de preceder a escrita. Dominada pelo gênio da curiosidade, a criança não o é menos pelo gênio da imitação. Todos os meninos desenham, por um natural pendor dos mais enérgicos instintos dessa idade. Modelar formas, e debuxar imagens: eis a primeira e mais geral expressão da capacidade criadora nas gerações nascentes. Cabe, pois, ao desenho, no programa escolar, precedência à escrita, cujo ensino facilita, e prepara racionalmente, naturalmente à leitura e a escrita” (25).

O desenho passou a ser uma das grandes preocupações da pedagogia do século 19. Pois, se desenhar é pensar, a função primordial da educação é ensinar a pensar (26).

Nesse sentido, a palestra intitulada O Desenho e a Arte Industrial, pronunciada por Rui Barbosa no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro em 1882, é emblemática. Desse discurso surgiu a proposta de industrialização da nação. O ensino do desenho intuitivo seria voltado à formação de operários para substituir a mão de obra escrava no mercado de trabalho: “O desenho seria a escrita da indústria” (27).

“O desenho, senhores, unicamente, essa modesta e amável disciplina, pacificadora, comunicativa e afetuosa entre todas: o desenho professado às crianças e aos adultos, desde o Kindergarten até à universidade, como base obrigatória na educação de todas as camadas sociais“ (28).

Tem-se aqui uma visão crítica de Barbosa em relação à Revolução Industrial: o operário que se pretende formar pensa e não apenas obedece; o ensino forma, não informa, educa homens e não pessoas dóceis (29). Trata-se de formar pessoas autônomas e não autômatos, como eram os operários dos países industrializados.

“O primeiro escrito pedagógico [de Rui Barbosa] dado a público foi um discurso pronunciado no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, em novembro de 1882, e logo a seguir impresso. Consiste em ensaio sobre a importância do desenho no campo do artesanato e da produção industrial, bem como da influência geral do ensino artístico na formação do homem. Tem a feição de um prólogo, ou de adendo a mais largo estudo, que parece estar subentendido, embora Rui não lhe faça qualquer referência expressa. A que mais largo estado teria a intenção de reportar-se? Seria ao da tradução e adaptação do guia didático Liçoes de coisas, de Calkins, que no ano anterior havia preparado, mas se conservava inédito? Seria o parecer sobre Ensino Secundário, entregue em abril de 1882 à Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados, ou, enfim, ao parecer sobre Ensino Primário, nessa comissão apresentado duas semanas antes de proferido o discurso? De modo geral, a todos esses escritos, mas, em especial a este último, seu mais completo e extenso trabalho pedagógico, e no qual, nada menos que um décimo de todo o espaço se consagra à pedagogia do desenho e à influência educativa e social dessa disciplina” (30).

Barbosa acompanhou as críticas feitas à péssima qualidade dos produtos industriais, como também a solução dada pelos governos dos países industrializados quanto a investir no ensino do desenho (31).

Provavelmente, foi por intermédio das críticas à Exposição Mundial de 1851 em Londres que Rui Barbosa conheceu as ideias de John Ruskin sobre a indústria e o ensino do desenho.

“Araújo Porto Alegre considerava lastimável a presença do Brasil na Exposição de 1851, e Rui Barbosa mostrava que a própria participação inglesa fora desastrosa, seus comentários foram certamente inspirados em John Ruskin cuja obra The Stones of Venice cita no mencionado discurso. Foi Ruskin quem chamou a atenção para a feiúra dos objetos produzidos na Inglaterra vitoriana, para a superioridade da produção artesanal, bem como para a sua visão da arte como necessidade social, que nenhuma nação poderia desprezar sem colocar em perigo sua existência intelectual” (32).

Em sua proposta de ‘Reforma do Ensino Primário’, Barbosa citou Ruskin para falar da relação Educação/Natureza, relação esta em sintonia com a metodologia das ciências que entendia a Natureza possuidora de uma lógica capaz de ser apreendida pelos sentidos do corpo para ser reproduzida nas relações sociais e produtivas da sociedade (33).

O operário que se pretendia formar pelo ensino do desenho sob a influência da pedagogia intuitiva não era o trabalhador passivo e treinado para obedecer, e sim o operário que pensa e toma decisões. Nesse aspecto, Barbosa se identificou com as ideias de John Ruskin.

Ruskin foi reconhecidamente um dos críticos mais ferozes à Exposição de Londres de 1851: “Faltava arte aos produtos industriais”, dizia ele. No entanto, sua concepção de arte nunca se restringiu à melhoria da qualidade do desenho do produto. A estética ruskiniana deriva de sua concepção de lógica natural, em que o belo é o resultado de uma relação estabelecida, acorde a uma política da ajuda mutua. Um tipo de relacionamento que Ruskin acreditou representar a lógica da Natureza. O belo, no produto industrial, derivaria da ética do trabalho com base na cooperação, mediante a política da ajuda mútua.

A crítica ruskiniana à exposição londrina teve por retaguarda sua concepção de estética. Ruskin criticou a organização do trabalho fabril porque dividia a produção em etapas especializadas, fazendo do trabalho um procedimento repetitivo, mecânico e alienante. Para Ruskin, essa seria a tônica do que chamou ‘produto sem estética’.

Entretanto, a crítica ruskiniana não exige simplesmente um desenho bem feito e sim outro tipo de relacionamento na divisão do trabalho fabril, o mesmo tipo de relação que imaginou existir na Natureza. Para tanto, ele exigia, também, uma Educação que levasse em conta o desenvolvimento do homem como ser pensante e não como ser alienado, o que o levou a propor o trabalho feito de forma cooperativa, um trabalho feito com prazer, no qual o homem está envolvido por inteiro (mente e corpo). A escola/fábrica/comércio seria uma ‘cooperativa’, na qual os proprietários seriam também os operários, administradores e vendedores de seu produto. Os lucros, como os prejuízos, seriam socializados entre todos os participantes do processo. Eliminavam-se os “fantasmas” – quando um obtém os créditos pelo trabalho do outro –, assim como a intermediação entre a produção e o consumo – com a venda do produto no próprio local da produção.

Para Ruskin, ensinar a desenhar é ensinar a ver, e ensinar a ver é ensinar a ler a lógica da Natureza. Nesse sentido, o ensino do desenho ruskiniano parte da observação da Natureza e da busca por uma lógica natural, resultando em uma livre associação entre elementos díspares extraída da imaginação do artista. Foi pela referência à pintura de Joseph Turner (34) que Ruskin explicou essa sua teoria, mais precisamente pelos últimos trabalhos do paisagista inglês – parecidos a borrões coloridos sem um assunto identificável –, mais bem um todo pictórico composto por formas e cores-luzes que se entrelaçam, como propõe a teoria ruskiniana da política da ajuda mutua. Contrário ao ensino do desenho geométrico, feito com régua e compasso, o desenho ruskiniano é uma interpretação da lógica natural pela mão livre do artista.

Rui Barbosa também se posicionou contra o ensino do desenho geométrico, dispensando as regras da composição neoclássica. Nesse sentido, Barbosa citou a técnica do processo “estigmográfico” utilizada por Friedrich Froebel:

“Muito cedo se compreendeu nesse país [Àustria] a esterilidade do ensino do desenho a régua e compasso. As tentativas para emancipar desse processo esterilizador a educação da mocidade principiam no começo deste século [1803], mas aparece em 1846 o processo estigmográfico, aliás, já muito antes consideravelmente utilizado por Froebel, entre os jogos infantis, do Kindergarten, recebeu do Dr. Hillard, em Viena, a sistematização, que hoje é dele a base mais racional de todo o ensino do desenho... Todos em suma, hoje em dia, reconhecem que é necessário assentar um plano metódico para o ensino do desenho, e esquivar os processos de exercícios puramente mecânicos” (35).

Rui Barbosa citou vários autores em suas Reformas do Ensino, mas não se prendeu a qualquer um deles, apenas utilizou a metodologia científica propagada por todos. Barbosa inclusive se contrapôs a algumas conclusões, como por exemplo, a de Huxley ao afirmar que o homem é derivado do macaco, ou a de Littré ao dizer que todas as espécies da Natureza possuem uma mesma origem. Parece uma contradição supor que Rui Barbosa concordasse com a metodologia científica, sendo um católico: “Temos, portanto, que os grandes demolidores dos livros sagrados confessam esta verdade que nós, os católicos, recebemos em nossas investigações pela fé” (36).

O fato de ser católico não desmerece a crença de Rui Barbosa nas categorias do Iluminismo, senão o contrário. Provavelmente, ele se incluiu entre os adeptos da religião “natural” e não da “revelada”, o que explicaria sua simpatia pela metodologia científica. A nova mentalidade científica deu inicio a uma nova compreensão da natureza da religião. Cada vez mais, os cientistas e os teólogos passavam a diferenciar dois tipos de religião: a “natural” e a “revelada” (37). A religião natural implicava a existência de um conjunto de verdades fundamentais (normalmente, acreditava-se na existência de Deus e em um corpo de leis morais universalmente aceitas), às quais, presumia-se, todos os seres humanos tinham acesso no exercício da razão. A religião revelada, por sua vez, acarretava a existência de um conjunto de doutrinas especificamente cristãs, derivadas da Bíblia e ensinadas pela Igreja ao longo do tempo. À medida que evoluía a Idade da Razão, a religião revelada era cada vez mais torpedeada e desmistificada enquanto a religião natural ganhava status de religião verdadeira. Por fim, a religião natural – ou religião da razão – substituiu, entre os intelectuais, o enfoque no dogma e na doutrina característico da Idade Média e do período da Reforma.

Para Ruskin, a lógica da Natureza criada por Deus expressa uma racionalidade. John Locke, filósofo empirista britânico, ajudou a preparar o caminho para a ascensão da religião natural em detrimento da revelada. Ele partilhava da tese de que, uma vez despido de sua roupagem dogmática, “o cristianismo era a forma mais racional de religião”. Com base na obra de Locke, os pensadores do Iluminismo construíram uma alternativa teológica à ortodoxia, que veio a ser conhecida como Deísmo. Os teólogos deístas procuravam reduzir a religião a seus elementos básicos, os quais acreditavam serem universais e racionais.

Essa minimização do corpo doutrinário estava de acordo com a compreensão deísta da Natureza da religião. Para seus seguidores, a religião, mais além de um arcabouço de crenças, constituía um sistema destinado à estruturação do comportamento ético. A função primordial da religião, afirmavam, era conceder uma sanção divina à moralidade.

Rui Barbosa e John Ruskin

Colocando-se frente a frente Rui Barbosa e John Ruskin, torna-se possível registrar as diferenças que caracterizam cada um. Barbosa concebia o desenho como um instrumento de aprender e saber pensar, porém na perspectiva prática de adequar o Brasil às exigências da Revolução Industrial (38).

Ao que parece, para Rui Barbosa, sua proposta de projeto não supunha uma ruptura com a ideologia da economia agrícola do Império, senão representava a continuidade de um establishment que não concebia uma educação libertadora.

Ruskin entendia o desenho visando à atuação do trabalhador a partir de um projeto coletivo de construção, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma consciência crítica, juntamente com um maior domínio de seu oficio (39). Ele criticou a educação de sua época, sobretudo a divisão do trabalho fabril, sugerindo o trabalho cooperativo mediante a política da ajuda mútua. Pode-se dizer, entretanto, que Ruskin também foi um reformista enquanto jamais mencionou qualquer intenção de romper com o modo de produção capitalista, e sim falou de mudanças internas ao próprio capitalismo, estimulado pelo desejo de reformá-lo.

Rui Barbosa fez uso de vários conceitos circunscritos às categorias do Iluminismo – Razão, Natureza, Lógica, Ciência... –, extraídos de diferentes autores, embora não se fixasse em qualquer um deles no que tange à coerência interna de suas ideias e pensamentos. Barbosa não os adotou integralmente e sim misturou-os, indiscriminadamente. De Ruskin, tomou a concepção de trabalho feito com prazer, a que o indivíduo se entrega por inteiro (mente e corpo no trabalho), não levando em conta suas consequências conceituais, como a política da ajuda mútua.

Barbosa propôs uma reforma no ensino tradicional, o que, obviamente, implicava um curso de reformas gradativas. Assim como Ruskin, Barbosa imaginou uma educação estética pelo ensino do desenho voltado aos interesses da sociedade industrial. Com o propósito de colocar o país na esteira da industrialização, Rui Barbosa entendia como necessária a construção de uma base educacional, de uma pedagogia fundada no desenho como instrumento da formação de um homem autônomo, sujeito de seu pensar e de seu agir, preparado para as necessidades da produção industrial.

John Ruskin, por sua vez, diante uma Inglaterra já industrializada, mostrou-se um crítico ao modus operandi da fábrica. Seu projeto negava as relações de extrema divisão do trabalho, acreditando ser possível humanizar o capitalismo a partir de uma iniciativa de transformação nas relações de trabalho, desconhecendo serem estas dissociadas do sistema produtivo dominante.

Em termos de semelhanças, Barbosa e Ruskin são pensadores do Século 19, protagonistas do culto à razão e de seu congênere, o Iluminismo (40). Ambos concebiam o desenho como força atuante de indução do pensar, como instrumento de ascensão ao conhecimento.

O verbo Pensar é recorrente no discurso dos dois pensadores, em seu combate a um ensino de apelo à memória como domínio de conhecimentos. Resistiam a esse tipo de ensino porque, segundo eles, afastava o individuo da realidade como objeto de reflexão. Viam o desenho como uma questão epistemológica.

Outro assim, salvo as diferenças já comentadas, há algo mais que os acomuna para além de suas teorias sobre o ensino do desenho: Barbosa e Ruskin viram seus projetos serem marginalizados pela sociedade de seu tempo. No caso de Rui, a força de uma oligarquia poderosa, agarrada a interesses que lhes asseguravam um lugar de liderança, tanto no Império como na República, foi a principal responsável pela tensão política que marginalizou o projeto barbosiano.

“Embora a reforma da instrução proposta por Rui houvesse causado forte impacto na sociedade e grande impressão no Imperador D. Pedro II, pela erudição, pelas opiniões defendidas e pelas justificativas apresentadas, houve ceticismo quanto à praticidade de se pôr em uso um sistema considerado moderno, grandioso, mas voltado para o estrangeiro, irrealista e inadaptável para o país. Numa compensação, que talvez não viesse ao encontro dos seus desejos, por indicação de Lafayette, recebe do imperador o título de Conselheiro, em reconhecimento à sua luta em favor da instrução pública” (41).

Já o projeto de Ruskin foi marginalizado em razão de sua proposta de capitalismo humanizado, de combate à exploração da força de trabalho. O inglês também viu suas pretensões serem preteridas pela incompreensão dos historiadores da Arquitetura Moderna, que o qualificam de ‘neogótico e adverso à indústria’.

Considerações finais

Procurou-se mostrar que os pareceres pela reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior consistiram na proposta de industrialização de Rui Barbosa, e seu epicentro, na crença de que a Educação teria o poder de alterar valores culturais arraigados na tradição de desprezo ao trabalho manual e supremacia ao trabalho intelectual.

Acreditava-se que o ensino do desenho seria a disciplina principal a atender às expectativas de uma pedagogia intuitiva, que tivesse em conta os sentidos do corpo humano. Barbosa entendia, também, a inter-relação entre mente, olho e mão na ação sinestésica para a produção de tal reciprocidade: ver é pensar, sendo o desenho a expressão da mão que pensa.

Um desenho entendido como fonte de ideias e de conhecimentos da Natureza, em uma perspectiva capaz de caminhar desde a experiência real empírica à realidade em seu aspecto abstrato, simultaneamente, como instrumento atuante na capacidade de observação e criação, pela construção de um homem autônomo. Por meio do desenho, essa autonomia, paulatinamente, induziria o homem ao conhecimento das leis da razão encontráveis na Natureza, difundida socialmente como agente de integração do homem à sua lógica.

No plano da História, esse processo materializava-se no progresso da Ciência – da tecnologia e da própria ideologia da Revolução Industrial –, pensada como a única capaz de afrontar os desafios da evolução da humanidade.

notas

1
AMARAL, Cláudio Silveira. Rui Barbosa e John Ruskin: a política do ensino do desenho. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 121.07, Vitruvius, jun. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.121/3467>.

2
BARBOSA, Rui.  Reforma do ensino primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946.

3
BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, t. l, 1941.

4
BARBOSA, Rui. Lições de coisas. Obras completas de Rui Barbosa, v. XIII 1886, t. I. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1950.

5
Pequeno Dicionário de filosofia, 1977, p. 191.

6
"Havia uma ordem no universo, mas já não era a ordem do passado. Havia somente um Deus, cujo nome era vapor e que falava com a voz de Malthus, McCulloch e de qualquer um que usasse maquinas". HOBSBAWN, E. A era das revoluções, 1789–1848. São Paulo, Paz e Terra, 2014, p. 294.

7
“É significativo que os dois principais centros dessa ideologia fossem também os da dupla revolução, a França e a Inglaterra; embora de fato as ideias iluministas ganhassem uma voz corrente internacional ampla em suas formulações francesas, um individualismo secular, racionalista e progressista dominava o pensamento “esclarecido”. Libertar o individuo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo: do tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da superstição das Igrejas (distintas da religião ‘racional’ ou ‘natural’), da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e a fraternidade de todos os homens era seu slogan. No devido tempo se tornaria um slogan da Revolução Fancesa também". HOBSBAWN, E. A era das revoluções, 1789–1848. São Paulo, Paz e Terra, 2014, p. 48.

8
“Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da historia foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós 1815. Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda uma catástrofe pior de uma Revolução Europeia. Até mesmo os britânicos que não simpatizavam com o absolutismo, sabiam muito bem que as reformas não poderiam ser evitadas e temiam uma nova expansão franco-jacobina mais do que qualquer outra contingência internacional. E, ainda assim, nunca na historia da Europa e poucas vezes em qualquer outro lugar, o revolucionarismo foi tão endêmico, tão geral, tão capaz de se espalhar por propaganda deliberada como por contágio espontâneo. [...] A revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação na América Latina. Os três grandes libertadores da América espanhola, Simon Bolívar, San Martin e Bernardo O´Higgins, estabeleceram a independência respectivamente da ‘Grande Colômbia’ (que incluía as atuais repúblicas da Colômbia, da Venezuela e do Equador), da Argentina (exceto as áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do rio da Prata, onde os gaúchos da Banda Oriental – hoje Uruguai – lutaram contra argentinos e brasileiros) e do Chile. Por volta de 1922 a América espanhola estava livre. Enquanto isso, Iturbide, o general espanhol enviado para lutar contra as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México, tomou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da revolução Espanhola e, em 1821, estabeleceu a independência mexicana. Em 1822, o Brasil separou-se pacificamente de Portugal sob o comando do regente deixado pela Família Real portuguesa em seu retorno à Europa após o exilio napoleônico".
HOBSBAWN, E. A Era das revoluções, 1789–1848. São Paulo, Paz e Terra, 2014, p. 181

9
"O monarca constitucional, além de ser o chefe do Poder Executivo, tem ademais o caráter augusto de defensor da Nação: ele é sua primeira autoridade vigilante, guarda dos nossos direitos e da Constitução. Eis, pois, a orientação que os conservadores brasileiros seguiriam no período: conciliar o governo forte com as fórmulas constitucionais e representativas, garantir sob as formas oligárquicas uma essência monárquica. Embora o art. ll da Carta Imperial declarasse que tanto o príncipe quanto a assembleia eram representantes da soberania nacional, o art. 98 proclamava a primazia do primeiro como o primeiro representante da Nação, por ela encarregado de velar incessantemente pelo equilíbrio dos poderes políticos. [...] Ou seja, embora ambos fossem delegados da nação, a representação exercida pelo imperador era anterior e superior àquela exercida pela assembleia". LYNCH, C. E. C. Da monarquia à oligarquia. São Paulo, Alameda Casa Editorial, 2014. p. 50.

10
LOURENÇO FILHO, M. B. A pedagogia de Rui Barbosa. Brasília, Inep/MEC, 2001. p. 103.

11
AMARAL, C. S. John Ruskin e o ensino do desenho no Brasil. São Paulo, Editora Unesp, 2011.

12
“In 1849 Ruskin argued, in the Seven Lamps for the rejection of styles and the pursuit of styles: ‘We want no new style in architecture. [...] But we want some styles’. Once a single style had become universally accepted, its adaptation would eventually produce a new style suitable to a new world. Unfortunately, however, Ruskin recommended not one style but a choice of four: Prisan romanesque, as in the Baptistry and Cathedral at Pisa, Early Gothic of the western Italian republics, as at Sta. Croce, Florence; Venetian Gothic – Sta. Maria dellÓrto, for example –, and early English decorated, as the north transept at Lincoln. CROOK, 1982. In: HUNT, J. The Ruskin Polygon. Manchester, University Press, 1982, p. 69.

13
HELSINGER, E. Ruskin and the art of the beholder. Massachusetts, Harvard University Press, 1982.

14
Idem.

15
HUNT, J. The Ruskin Polygon. Manchester, University Press, 1982.

16
HASLAM, R. Looking, drawing and learning with John Ruskin at the Working Men’s College. Art & Design Education, 1988. v. 7, n. 1, Oxford, p. 75.

17
Frase que influenciou William Morris a escrever ‘News from Nowhere’, novela que fala de uma sociedade utópica na qual a atividade do trabalho ocorre segundo o desejo e as particularidades de cada um. Assim, o resultado do trabalho é, para Morris, sempre uma obra de arte, pois é o resultado de uma atividade feita com prazer. THOMPSON, E. P. William Morris Romantic to Revolutionary. Londres, Lawrence & Wishart ttd. 1955. p. 80.

18
"Mas somos uma nação agrícola. E porque não também uma nação industrial? Falece-nos o ouro, a prata, o ferro, o estanho, o bronze, o mármore, a argila, a madeira, a borracha, as fibras têxteis? Seguramente, não. Unicamente a educação especial, que nos habilite a não pagarmos ao estrangeiro o tributo enorme da mão de obra, e, sobretudo da mão de obra artística. Raro é o produto utilizável, seja de mero luxo, seja de uso comum, em que o gosto, a arte, a beleza não constitua o elemento incomparavelmente preponderante do valor. Ora, como nós não produzimos senão matéria bruta, o preço da nossa exportação ficará sempre imensamente aquém da importação de arte, a que nos obrigam as necessidades da vida civilizada. Nenhum país, a meu ver, reúne em si qualidades tão decisivas para ser fecundamente industrial, quanto aqueles, como o nosso, onde uma natureza assombrosa prodigaliza às obras do trabalho mecânico e do trabalho artístico um material superior, na abundancia e na qualidade". BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Rio de Janeiro: Rodrigues & Cia, 1949.

19
Antes destes pareceres, Rui Barbosa já havia traduzido a obra de Norman Alisson Calkins: CALKINS, N. Lições de Coisas. Tradução de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1950. Cf. LOURENÇO FILHO, M. B. A pedagogia de Rui Barbosa. Brasília: Inep/MEC, 2001. p. 90.

20
"Ora em pedagogia, o sistema começa por ser uma filosofia. O intento de intervir no destino do homem envolve necessarimente, uma compreensão do mundo, uma intuição do valor das energias do espírito e da cultura". LOURENÇO FILHO, M. B. A pedagogia de Rui Barbosa. Brasília, Inep/MEC, 2001.

21
“Mas esse viciamento dos processos praticados no ensino secundário resulta inevitavelmente da ausência do espírito científico, que só se poderá incutir, restituindo à ciência o seu lugar preponderante na educação das gerações humanas. Todo o futuro da nossa espécie, todo o governo das sociedades, toda a prosperidade moral e material das nações dependem da ciência, como a vida do homem depende do ar. Ora, a ciência é toda observação, toda exatidão, toda verificação experimental. Perceber os fenômenos, discernir as relações, comparar as analogias e as dessemelhanças, classificar as realidades, e induzir as leis, eis a ciência; eis, portanto, o alvo que a educação deve ter em mira. Despertar na inteligência nascente as faculdades cujo concurso se requer nesses processos de descobrir e assimilar a verdade, é o a que devem tender os programas e os métodos de ensino. Ora, os nossos métodos e os nossos programas tendem precisamente ao contrario: a entorpecer as funções, a atrofiar as faculdades que habilitam o homem a penetrar o seio da natureza real, e perscrutar-lhe os segredos. Em vez de educar no estudante os sentidos, de industriá-lo em descobrir e pensar, a escola e o liceu entre nós ocupam-se exclusivamente em criar e desenvolver nele os hábitos mecânicos de decorar, e repetir. A ciência e o sopro científico não passam por nós. Penetramos nas academias com uma bagagem de estudos inúteis, sem a mais tênue mescla das habilitações precisas para entender a ciência e a vida”. BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, t. l, 1941. p. 36.

22
“Ora a verdade qual é, qual é o erro, a respeito de cada governo, a respeito de cada instituição existente? O erro na opinião de uns é a verdade na de outros; o erro aos olhos do poder é a verdade aos da oposição; o erro ao ver da maioria é a verdade na convicção dos dissidentes. Por ventura é sobre uma teoria céptica que assentamos os direitos da liberdade? Não; é sobre uma delimitação de competência real. Quem será neste mundo, o definidor da verdade e do erro? O Estado?... Secular ou religioso, o Estado não pode ser o árbitro da verdade, o qualificador do erro. Esta dignidade pertence, pois à ciência, que não tem organização oficial, cujo processo é a investigação, cuja luz o debate, cujo meio vital a liberdade... este dever e este direito são fatalmente limitados pelo seu objeto: a substituição da ignorância popular pela instrução popular”. BARBOSA, Rui.  Reforma do ensino primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. 17.

23
BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946.

24
“Simultaneamente com a ginástica, que deve acompanhar, desde a escola primária, a educação em todo o seu curso, impõe-se à escola a necessidade de educar as faculdades de observação que raiam no espirito da criança com o primeiro despontar da inteligência. O menino é a curiosidade em pessoa. Pode-se definir a infância uma humanidade sem experiência, ávida de conhecer, e instruir-se... Observando imediatamente as coisas, exercitando-se em ver, em discernir as formas, em avaliar a relatividade, o timbre, a direção, a procedência, em apreciar pelo tato as superfícies, em diferenciar as sensações do paladar e do olfato, é que se ascenderá, se apurará, se ativará na infância o instinto da observação, origem de toda a atividade intelectual e alimento de todo o amor do estudo no homem. É pelos sentidos que o menino tem a primeira noção metódico, esse emprego constitui o primeiro modo de exploração científica: a observação”. BARBOSA, Rui.  Reforma do ensino primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946.

25
BARBOSA, Rui.  Reforma do Ensino Primário. Obras Completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946. p. 64.

26
“Arnold Guyot, na sua série de atlas escolares, subordinou o seu método de ensino a um princípio constante e sistemático. Distingue ele, na evolução intelectual e, portanto, no estudo de todas as ciências de observação, três estados que se sucedem numa ordem inevitável: o estado perceptivo, o analítico, o sintético... O cultivo das ciências da natureza, encetado logo aos primeiros passos da educação elementar, implantou solidamente no espirito do aluno o gosto pelos fatos, o sentimento das relações de causalidade, a intuição da lei, que reúne e explica os fenômenos da criação”. BARBOSA, Rui.  Reforma do ensino primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. 360.

27
BARBOSA, Rui.  Reforma do ensino primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. 115.

28
BARBOSA, Rui. O Desenho e a Arte Industrial. Rio de Janeiro: Rodrigues & Cia, 1949.

29
BARBOSA, Rui.  Reforma do Ensino Primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946.

30
LOURENÇO FILHO, M. B. A pedagogia de Rui Barbosa. Brasília, Inep/MEC, 2001. p. 90.

31
“A exposição de Londres em 1851 foi o começo da nova era. Ela fez pela arte, entre os ingleses, o que Sócrates fizera pela filosofia, quando a trouxe dos cumes aos homens: ensinou ao povo britânico que a deusa podia habitar sob o teto de qualquer família, como num palácio veneziano. A supremacia inglesa saiu corrida do certame internacional. A sua preponderância política, a sua soberania monetária, a enorme potência mecânica acumulada nas suas fábricas não a salvaram! O colosso recebeu a mais severa das humilhações. A disformidade do cíclope foi desbaratada por uma onipotência impalpável: a do ideal, transmitido à matéria pela mão hábil do artista. Esse revés, porém, foi o começo de uma transfiguração. Magoada, mas resoluta, a grande nação compreendeu a situação inevitável e resolveu-a. Com raras exceções, as suas indústrias tinham-se assinalado por uma grosseiria rudimentar. O país inteiro estremeceu; mas o país estava salvo, como todos os países onde a capacidade governa; porque os homens do Estado inglês tiveram a fortuna de perceber a causa, sutil, obscura, solapada, mas decisiva, desse desastre. Sabeis o que, na opinião dos ingleses e do mundo derrotara a Inglaterra? Um nada, uma causa extravagante, frívola, pueril, aos olhos da gente prática e sábia como nós: o desleixo do ensino do desenho. O governo viu-o; o governo creu-o; o governo proclamou-o; o governo estabeleceu que, para a reabilitação da potestade ferida de Albion, só havia um meio: uma reforma radical do ensino do desenho em todas as escolas. E ali os governos não prometem; anunciam e executam; ali não se adia a satisfação das necessidades públicas; não se ladeiam as questões; encaram-se, estudam-se, virilmente. Já nos fins de 1851 se apontavam as medidas. No ano seguinte lançaram-se as primeiras pedras do imenso monumento de que a escola de South Kensington, com seu museu, é o centro, e que consome à Inlglaterra somas espantosas. Numa palavra, esse ensino, que até 1852 não existia naquele país, em 1880 se ministrava nos cursos superiores desse instituto, a 824 alunos, em 151 escolas de desenho a 30.239 pessoas, em 632 classes especiais a 26.646 discípulos e, em 4.758 escolas primárias a 768.661 crianças”. BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Rio de Janeiro, Rodrigues & Cia, 1949, p. 16.

32
GAMA, Ruy. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo, Nobel/Edusp, 1987, p. 144.

33
“Até bem recentemente, toda a energia da educação convergia, de todos os modos possíveis, para extinguir o amor da natureza. Toda a instrução que entre nós se tinha e havia por essencial, era puramente verbal, completando-se pelo conhecimento de ciências abstratas; ao passo que qualquer pendor manifestado pelas crianças para objetos puramente naturais sofria violenta repressão, ora era escrupulosamente circunscrito às horas de recreio, tornando-se assim impossível ao menino estudar afetuosamente sem quebra dos seus deveres à obra divina; pelo que o amor da natureza viera a constituir peculiarmente a característica dos vadios e ociosos. Por honra sua, a pátria de Ruskin não tardou em escutar a voz dos altos espíritos que a chamavam a reconciliar a educação com a natureza, e a Inglaterra emprega hoje heroicos esforços para levar amplamente a efeito essa transformação, a mais profunda, a mais pacífica e a mais benfazeja de todas as revoluções sociais; a renovação da cultura popular pela arte e pela ciência inauguradas no ensino desde a escola”. BARBOSA, Rui. 1946, p. 254.

34
“J. M. W. Turner conta-se entre aqueles artistas contemplados com um longo período de atividade. Trabalhou infatigavelmente durante mais de sessenta anos: o seu espólio abrange mais de 19.000 desenhos e esboços a cores e o leque da sua produção é amplo. Só a custo conseguimos identificar as páginas que saíram da mão do jovem Turner por volta de 1790 – os últimos anos do Rococó –, como o trabalho do artista que cultivou a livre urdidura de cores encontrada nos seus quadros da década de 40 do século 19. Só nos últimos trabalhos achou um estilo próprio, uma visão da natureza até aí impossível. Ainda hoje, as suas derradeiras obras podem desencadear no observador uma sensação de quem contempla o mundo pela primeira vez – um mundo de cor e luz”. BOCKKEMÜHL, M. Turner, the world of Light and Color. Koln, Taschen, 2000.

35
BARBOSA, Rui.  Reforma do Ensino Primário. Obras completas de Rui Barbosa, v. X, t. l, II, lll e lV. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1946.

36
BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, t. l, 1941. p. 311.

37
GRENZ, S. J. Pós-Modernismo, um guia para entender a filosofia de nosso tempo. São Paulo, Vida Nova, 2008.

38
“Parodiando o dito de um antigo general […] esse estadista exprimia-se assim: ‘Ao meu ver, cada mestre é um general, um combatente contra a ignorância e a superficialidade’. Ora, para mim tenho a falta de instrução como a raiz de todos os males que há na terra; e não vejo outro meio de debelá-la senão três coisas: primeiro, instrução; segundo, mais intrução; terceiro, muito mais intrução. A solução do problema, conseguentemente é esta: criar a educação industrial. Mas somos uma nação agrícola. E, por que não também uma nação industrial? Falece-nos o ouro, a prata, o ferro, o estanho, o bronze, o mármore, a argila, a madeira, a borracha, as fibras têxteis? Seguramente não. Que é, pois, o que a educação especial, que nos habilite a não pagarmos ao estrangeiro o tributo enorme da mão de obra, e sobretudo da mão de obra artística. Raro é o produto utilizável, seja de mero luxo, seja de uso comum, em que o gosto, a arte, a beleza não constitua o elemento incomparavelmente preponderante do valor. Ora, como nós não produzimos senão matéria bruta, o preço da nossa exportação ficará sempre imensamente aquém da importação de arte, a que nos obrigam as necessidades da vida civilizada. Nenhum país, a meu ver, reúne em si qualidades tão decisivas para ser fecundamente industrial, quanto aqueles, como o nosso, onde uma natureza assombrosa prodigaliza às obras do trabalho mecânico e do trabalho artístico um material superior, na abundância e na qualidade. Na adiantada civilização dos nossos tempos, a indústria é inseparável da agricultura. Tão intima é a sua afinidade, tão indissolúvel o seu consórcio, que escolas industriais há (na Bavária, por exemplo), onde o ensino agrícola, com o cunho peculiar de arte que lhe cabe, forma uma seção de estudos, entre os cursos professados no estabelecimento. Considerai os Estados Unidos: segundo o recenseamento de 1870, metade da sua população ocupada ainda se empregava na agricultura. Cincinati, a quarta cidade manufatora da União Americana, tem a sua sede no centro de uma imensa região agrícola. Mal formulada, pois, tem sido até hoje, a questão, entre nós. Os seus termos são outros, e não consistem senão nisto: Como havemos de extrair o maior proveito dos nossos recursos naturais, que, posto variados e amplos, não passam de simples bases da riqueza? De que modo lograremos consumir em indústrias domésticas a máxima parte da matéria prima que o solo nos fornece, multiplicando-lhe a valia ao tomar mágico do gosto e da habilidade técnica? Enunciado assim, o problema não tem solução possível, a não ser a que lhe dá o Liceu de Artes e Ofícios. Criar a indústria é organizar a sua educação. Favorecer a indústria é preparar a inteligência, o sentimento e a mão do industrial para emular, na superioridade do trabalho, com a produção similar dos outros Estados. Cultivada assim, ela encontra em si própria os segredo de vencer: dispensa os obséquios do sistema protetor; descultivada como se acha, os privilégios desse regime, impondo ao consumo nacional uma indústria sem arte, registram o odioso da tirania fiscal com a influência desastrosa dos hábitos de grosseria que inoculam no espírito popular. No dia em que o desenho e a modelação começarem a fazer parte obrigatória do plano de estudos na vida do ensino nacional, datarão o começo da história da indústria e da arte no Brasil. Se a regra da política entre nós não fosse cuidar, por uma preferência imemorial, do que menos importa ao país, essa data não estaria longe. Semear o desenho imperativamente nas escolas primárias, abrir-lhe escolas especiais, fundar para os operários aulas noturnas desse gênero, assegurar-lhe vasto espaço no programa das escolas normais, reconhecer ao seu professorado a dignindade que lhe pertence, no mais alto grau de escala docente, par a par com o magistério da ciência e das letras, reunir toda essa organização num corpo coeso, fecundo, harmônico, mediante a institução de uma escola superior da arte aplicada que nada tem, nem até hoje teve em parte nenhuma, nem jamais poderá ter, com academias de Belas-Artes, eis o roteiro dessa conquista, a que estão ligados os destinos da pátria. Não é uma aspiração do futuro; é uma exigência da atualidade mais atual perfeitamente realizável, mas urgentemente instante. Só o não compreenderão os incapazes da educação popular”. BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Rio de Janeiro: Rodrigues & Cia, 1949. p. 50.

39
“Nós discordamos da denominação de perfeição atribuída ao sistema de divisão de trabalho da civilização moderna. Na verdade não é o trabalho que foi dividio, mas sim o homem. O homem foi transformado em fragmentos de homem. [...] Poderiam me perguntar, como uma produção em larga escala pode ocorrer sem o sistema de divisão do trabalho? Eu proponho três princípios para que o trabalho humano seja um trabalho digno: 1) Toda produção tem de ser criativa. A invenção deve ter um lugar no processo. 2) Nunca definir o produto final antes de começar o processo de produção. Deverá existir a possibilidade de mudanças durante o processo produtivo. 3) Nunca encoraje a imitação para o desenho do produto”. RUSKIN, John, The Seven Lamps of Architecture. Londres, J. M. Dent & Sons, 1921, p. 164.

40
“É significativo que os dois principais centros dessa ideologia fossem também os da dupla revolução, a França e a Inglaterra; embora de fato as ideias iluministas ganhassem uma voz corrente internacional mais ampla em suas formulações francesas (até mesmo quando fossem simplesmente versões galicistas de formulações britânicas). Um individualimo secular, racionalista e progressita dominava o pensamento esclarecido. Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o principal objetivo do tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade, e, em seguida, a fraternidade de todos os homens eram seus slogans. No devido tempo se tornariam os slogans da Revolução Francesa”. HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções, 1789 – 1848. São Paulo, Paz e Terra, 2014, p. 48.

41
MAGALHÃES, R. A.; SENNA, M. Rui Barbosa em perspectiva. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2007. p. 34.

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Claudio Silveira Amaral é professor doutor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp.

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