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drops ISSN 2175-6716

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Marcelo Campos comenta a exposição de fotos de Thales Leite, fotógrafo que perambula pela cidade, capturando situações transitórias de edifícios em reforma, com as telas transparentes de proteção esvoaçando ao vento.

how to quote

CAMPOS, Marcelo. Véus. A fotografia de Thales Leite. Drops, São Paulo, ano 11, n. 043.08, Vitruvius, abr. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.043/3841>.



O caráter indicial da fotografia deve ser revisto. A exposição Véus, de Thales Leite, nos desafia a observarmos imagens fotográficas que, em sua maioria, redesenham o mesmo mote: prédios cobertos por tecidos (1).

Thales, como perambulante da cidade, captura e nos deixa ver as distintas possibilidades associativas entre arquitetura e mobilidade. A arquitetura, nas fotografias, adquirem, então, um caráter escultórico, sublimado por flâmulas, tecidos de proteção. As imagens estão prestes a desfazer a austeridade da construção, tudo está em reforma.

O lugar, assim, potencializa afetos, incertezas, desejos. As fotos são signos que não prosperam bem, afirmara Barthes, que “coalham como leite”. O que era indicial na fotografia, sua marca, também está ameaçado. Nos cliques originais, Thales Leite interfere, avivando linhas, rebaixando tonalidades. Por isso, não são apenas marcas.

Hoje, o traço produzido por seu referente ganha contornos de magia, prestidigitação. Este desenho toma, nas imagens de Thales, o lugar aproximado ao ornamento. O delito se completa. A cidade, então, se apresenta ainda mais utópica. A cidade dos arranha-céus que desafiara as leis da construção. Mas a grandeza já não pode sobreviver incólume.

Vivemos, atualmente, uma “perversão distópica do sonho moderno de movimento livre através do espaço cosmopolita”, como afirmara Hal Foster. As fotografias de Thales Leite, seus véus, evidenciam movimentos livres. Por uma via, percebemos a utópica construção, vontade futurista. Por outra, a nostalgia pela linha orgânica da natureza, o desmanche para enxergarmos a paisagem, como queriam os vãos modernistas, os prédios suspensos em pilotis. Ainda assim, como no sudário ou no véu de Verônica, a foto é testemunha dos fatos, ancestre da representação e, por isso, não precisamos de montanhas, apenas de rastros associativos.

O artista espera, atento, a mudança dos traços, a vontade dos ventos, para desmanchar as certezas e mergulhar a urbes em quimera.

Thales Leite observa imagens com alto grau de composição. Equilibra linhas, atenta para o arranjo cromático, percebe desagregações e escorridos, pontua assuntos, narrativas em formas. A sedução da fotografia exerce seu lugar. Porém, sem se prender a arranjos específicos, o trabalho do fotógrafo ancora-se em credos distintos, muitas vezes contraditórios. Ora a pesquisa se faz mais estrutural, geométrica, ora aceita abstrações expressivas. Se pensássemos em pintura, teríamos a junção impossível, para os dogmas da arte, do construtivismo com o expressionismo abstrato.

Percebemos claramente esta contradição, que aqui podemos chamar de ambivalência, nas séries de imagens da festa de São Jorge e nas citadas pesquisas sobre os prédios em reforma. Na celebração religiosa, o inusitado das pétalas de flores lançadas ao ar, da parafina escorrida das velas vermelhas, do fogo explodem as imagens, não aceitam contornos tão bem definidos. Quebram-se assim, duas grades modernistas: abstração e opacidade. Falando em fotografia, Rosalind Krauss afirmou que retornamos ao fotográfico após o esgotamento do modernismo, “da linguagem abstrata” como intermediária de nossa relação com o mundo. A imagem religiosa da fotografia de Thales Leite pretende a congregação destas duas heranças, o olhar sobre formas e cores quase pendendo a abstrações e a realidade fotográfica, o mundo em que vivemos.

Em outra série, tal ambivalência se torna mais evidente. O artista, em pesquisa na Amazônia, encontrara os restos de um acampamento. Pelo aspecto, explica ele, um grupo de nômades saíra um pouco antes do clique fotográfico. Vemos roupas penduradas nas estruturas de madeira, utensílios, máquinas. O limo presente em alguns vestígios denuncia que ali seria um lugar usado em diversas ocasiões para construção de barracas improvisadas. Estamos, como já declara qualquer imagem fotográfica, diante das pegadas, dos indícios de um grupo de exploradores ilegais. O acampamento servia para retirada de madeira da floresta, com bancadas e máquinas para processamento, facilitando o transporte.

O lugar da imagem fotográfica, então, serve-nos de exemplo para percebermos as ampliadas possibilidades de registros indiciais. Para além dos indícios, a narrativa também pode ativar abstrações, formas que serão lidas como opacidades, como linguagem. Mas, um olhar atento estará sempre capacitado a desvendar camadas de significado.

A fotografia de Thales Leite se constrói sobre dualidades.

nota

1
Véus. Exposição de fotografias de Thales Leite. Centro Cultural Justiça Federal, Avenida Rio Branco 241 Cinelândia, Rio de Janeiro. De 28 de abril a 29 de maio de 2011.

sobre o autor

Marcelo Campos é curador da exposição Véus, de fotografias de Thales Leite.

 

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