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Leia o artigo de Maria da Silveira Lobo sobre o Dufferin Grove Park em Toronto, no Canadá e sobre a experiência de Jutta Mason, responsável pela criação dos Amigos do Dufferin Grove Park

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DA SILVEIRA LOBO, Maria. Como dinamizar um espaço público sem muros. Aprendendo com Jutta Mason, ganhadora do Prêmio Jane Jacobs 2001. Drops, São Paulo, ano 12, n. 047.03, Vitruvius, ago. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.047/3989>.


Jutta Mason (à esquerda de preto), Prêmio Jane Jacobs 2001, e orquestra de instrumentos bricabraque ensaiando para o Dia do Deleite
Foto Maria da Silveira Lobo


Dufferin Grove Park

Quando, em 1984, Jutta Mason descobriu que o parque principal do seu novo bairro em Toronto, no Canadá, encontrava-se numa disputa cerrada entre, de um lado, adolescentes baderneiros e, de outro, os pais de crianças que habitavam as casas vitorianas típicas da vizinhança, ela resolveu iniciar atividades comunitárias que pudessem tanto impedir que os adolescentes fossem presos quanto permitir que as crianças voltassem a freqüentar o Dufferin Grove Park.

Jutta considera que o fato de ter nascido na Alemanha, logo após a 2ª GG, aguçou sua consciência e sensibilidade para mediar situações em que se busca um bode expiatório. Além disso, conhecia um pouco da realidade dos presídios e queria evitar que os garotos fossem presos (1).Como Jane Jacobs, ela sabia que pessoas vivendo lado a lado como estranhos tendem mais a ver o confinamento como a única forma de controle social. Então, uma de suas primeiras idéias foi caçar bancos de parques em depósitos e dispô-los no Dufferin Grove Park, cada dia numa posição diferente conforme servissem para tirar uma soneca; namorar; estender a roupa lavada dos sem-tetos; dançar o hip hop; assistir a uma peça de teatro; ninar uma criança ao lado do forno de pizza ou simplesmente empilhá-los como uma afirmação inocente sobre o poder dos adolescentes de desprogramar o mundo (2).

Atualmente, o Dufferin Grove Park agrega entre 60 a 100 pessoas em eventos semanais gastronômicos, musicais e infantis, entre outros tanto planejados como espontâneos, em torno de 5 fornos à lenha comunitários, um rinque de patinação, um clube, um café, um atelier e um playground construído pelas crianças (3).

A comida como elo comunitário

A maior parte da comida que é vendida no parque é comprada no Mercado de Fazendeiros às quintas-feiras, preparada na Cozinha Zamboni (4) e assada nos cinco Fogões à Lenha, em torno dos quais há jantares todas as sextas-feiras à noite. Centenas de pães e pizzas ajudam a levantar fundos para apoiar atividades, cenas sociais e outros projetos do Parque.

Na cozinha e no bar Zamboni, eles fazem de tudo: desde hot dogs orgânicos a enchiladas com curry e borschts de beterraba. Mais de 40 línguas são faladas na vizinhança em torno do parque e os moradores fazem comida de seus países ou de seus antepassados.

O bom alimento e a boa cozinha como agenciadores de elos comunitários são hoje em dia uma política pública da cidade multicultural de Toronto, a exemplo de iniciativas como a FoodShare e os Jardins Comunitários (5). Mas, quando Jutta começou era proibido vender comida em parques.

O princípio de participação comunitária no exercício da cidadania

Outro motivo que instigou Jutta Mason a criar os Amigos de Dufferin Grove Park foi a irritação que sentiu ao ver os cartazes publicitários na vitrine do shopping mall em frente ao parque afirmando estupidamente “nós somos sua comunidade”. O shopping dava dinheiro para o parque, mas ninguém participava das reuniões. Jutta foi reclamar e eles pediram ajuda à ela. Então, durante dois dias ela mobilizou a vizinhança dando telefonemas para saber o que as pessoas queriam fazer no parque: comida, atividades interessantes para crianças, teatro, música e hortas com tomates etc. Ela entregou essa pesquisa para o mall e o departamento de parques e criou os Amigos do Dufferin Grove Park. No início não tiveram apoio da polícia, mas depois conseguiram policiais com cachorros que, ironicamente, acabaram por incentivar os gangsters a se tornarem policiais também.

O Dufferin Grove Park é administrado pelo Dpto Municipal de Parques, Florestas e Recreação; não pelos amigos do parque nem pelos voluntários. Os Amigos do Dufferin Grove Park não são uma organização. Não há um executivo, reuniões anuais ou status formal. Não há nenhum acordo escrito entre os amigos e a Cidade. Os amigos são todas as pessoas simpáticas àquele espaço público comum de 14.2 acres num bairro que mistura residências de moradores afluentes e subsidiados. Além da Jutta que se dedica ao parque há 15 anos, os amigos dedicam tempo, plantas, música, teatro, brinquedos e brincadeiras, conversas, espírito esportivo etc. O compromisso é orgânico. Não há planos quinquenais nem cronogramas. Os Amigos desempenham o papel de um Conselho Consultor informal para a Comissão de Desenvolvimento Econômico e Parques da cidade. Dão conselhos, fazem comentários, fornecem insights e auxiliam os funcionários no desempenho de suas responsabilidades e podem prover e administrar fundos destinados a melhorar as atividades oferecidas pela Prefeitura, desde que tornem públicos os dados financeiros destas atividades (6).

Orçamento foi a pauta da reunião que tive a oportunidade de assistir sobre o futuro do parque após os cortes da programação oficial do Dpto de Parques, Florestas e Recreação. Em discussão estavam as diferenças entre os centros comunitários intramuros e os parques sem muros, pois os últimos, quando co-geridos comunitariamente como o Dufferin Grove, saem bem mais baratos para a Prefeitura. Do total de aproximadamente $ 652 mil dólares canadenses por ano que custa a gestão do parque, $ 223 mil vem de doações da renda da comida vendida à base do “pague quanto puder”; ao passo que os novos centros comunitários fechados que estão sendo construídos pela Prefeitura tem custos operacionais previstos de 10% do investimento de capital que é da ordem de $ 2.7 milhões de dólares para cada centro.

Os princípios de governança comum que norteiam a liderança de Jutta Mason baseiam-se no livro da economista política norte-americana, ganhadora do Nobel Prize de 2009, Elinor Ostrom,“Governing the Commons: the evolution of institutions for collective action”. Entre eles destacam-se: 1) fronteiras físicas e de direitos de uso claramente bem definidos; 2) as regras de uso devem corresponder às circunstâncias locais únicas; 3) as combinações devem ser feitas por escolha coletiva que incluam votos dos funcionários; 4) o monitoramento das condições do parque e dos comportamentos apropriados deve ser feito pelos próprios usuários e/ou por auditoria reconhecida por eles; 5) penalidades graduais devem ser previstas para o descumprimento das regras operacionais coletivamente acordadas; 6) deve haver fóruns de baixo custo para dirimir conflitos entre os usuários e os funcionários do parque; 7) a administração municipal deve reconhecer o direito de adaptar o uso do parque às circunstâncias locais; 8) as instituições locais do parque e os departamentos governamentais correspondentes são empreendimentos aninhados juntos; 9) a informação deve ser detalhada e acessível continuadamente e 10) usuários e funcionários do parque devem ter comportamento direto ao invés de estratégico e oportunista, revelando honestamente suas avaliações e contribuindo para os benefícios coletivos da distribuição equitativa de recursos e tempo, bem como na busca de soluções para os problemas comuns.

O impacto no entorno e na cidade toda

A experiência do Dufferin Grove Park levou Jutta Mason a fundar, em 2000, o CELOS (Centre for Local Research into Public Space ou Centro para Pesquisa Local do Espaço Público), inspirado no trabalho do historiador e filósofo mexicano Ivan Illich (CIDOC – Center for Intercultural Documentation). Sem fins lucrativos, o centro enfoca sobretudo os parques em Toronto; realizando e incentivando pesquisas sobre o uso, a experimentação e a administração de espaços público, bem como disseminando informações por meio de publicações impressas e virtuais. Os objetivos do CELOS são bastante práticos e em seu banco de dados encontram-se informações sobre leis, regulamentos, casos jurídicos, políticas e diretrizes, que visam ajudar às comunidades a planejarem iniciativas, às autoridades a rever práticas municipais e aos acadêmicos a desenvolverem e testarem suas teorias, bem como sugerirem inovações. Preocupado com a questão da vizinhança e o papel que os parques podem desempenhar nos bairros e na cidade como um todo, o CELOS levanta questões sobre transporte e policiamento ou emergenciais como procedimentos para blackouts, por exemplo (7).

Equidade, acessibilidade e capacitação

Dona de um carisma juvenil, Jutta Mason atrai inúmeros estudantes universitários que adoram trabalhar em tempo parcial no Dufferin Grove Park, onde a palavra de ordem dos animadores é “Yes”. Sim para as idéias que vem dos amigos, usuários, funcionários, vizinhos e colaboradores mais distantes. “O hobby da equipe de programação recreativa – remover os bloqueios para os talentos das pessoas se manifestarem – é o motivo pelo qual há tanta coisa acontecendo” (8).

Cerca de 42 pessoas formam a equipe de período parcial. Artistas visuais, músicos, contadores de estórias, circenses, bailarinos, cozinheiros animam uma série de eventos periódicos como Adoptathon de Animais Domésticos; Eleição de Heróis Locais; Piqueniques; Festas de Aniversário; Pizza Day e Jantares da Sexta-Feira; Futebol; Bike Polo; Hockey de Mulheres; Fogueiras de Acampamento e o Mercado de Fazendeiros. Ou coordenam eventos propostos pelas comunidades como a Banda Ulcraniana; a fogueira e a culinárias dos Ciganos Húngaros refugiados; o concerto de ciclistas ambientalistas ou a festa de comemoração dos 20 anos do Centro de Abrigo. Não raro grupos de manifestações políticas contra a pobreza se congregam ali antes ou depois das passeatas.

A Prefeitura considera que a equipe de tempo parcial é grande demais e quer fazer cortes, mas Jutta acredita que o problema é mais porque os jovens que trabalham sazonalmente e se envolvem na gerência comunitária do parque não prestam obediência à hierarquia administrativa municipal como fazem os funcionários sindicalizados. Além disso, as redes franchise como o “Second Cup” não tem chance ali.

Dufferin Grove Park acabou se tornando um emblema de resistência porque o trabalho é voluntário e os fundos arrecadados são bastante expressivos. A Prefeitura, de um lado, usa-os como modelo e, de outro, quer controlá-los mais porque os Amigos do parque sabem muito bem como um espaço público deve ser gerido, entendem de equidade, acessibilidade e capacitação. Ou seja, estão engajados com o conceito de espaço público comunitário. Jutta Mason analisa:

“É como Hannah Arendt disse: você poder perder sua cidadania se não participa do debate público. Então as pessoas gostam de vir aqui para fazer uma social, mas nós dizemos a elas que isto não é tudo; é apenas o molho, e as incentivamos a participar do debate sobre questões públicas. As pessoas gostam de protestar e reclamar da burocracia, mas quando você dá a elas uma abertura, uma oportunidade de fazerem algo alternativo, elas tendem a se desinteressar porque não querem ter trabalho. Preferem externalizar o problema, sempre” (9).

Desmilitarização da questão social

Jutta Mason está bastante inteirada sobre o processo de pacificação das favelas em curso no Rio de Janeiro, pois uma das animadoras do Dufferin Grove Park, a artista visual Kristen Fahrig, passou vários meses aqui trabalhando em comunidades. Para seguidores da antropóloga-urbanista Jane Jacobs como elas duas, o grau de vigilância policial e militar nos espaços públicos cariocas é algo inimaginável ou quase inenarrável. Quando contei sobre a perspectiva das novas UPPs Sociais, ela disse:

“Se você quiser tornar um parque sustentável, então é preciso colonizar o servidor civil para o seu lado. Gosto de trabalhar na fronteira, na zona de cruzamento entre a comunidade e a cidadania” (10).

Neste sentido, é bom lembrar a clássica distinção sociológica de Ferdinand Tönnies entre Comunidade e Sociedade (Gemeinschaft und Gesellschaft, 1887). Um grupo pode existir e manter-se porque a simpatia entre os indivíduos os leva a sentir que essa relação é um "bem em si mesma", ou pode nascer como instrumento para conseguir alcançar um "fim determinado". O primeiro grupo, que expressa a ‘vontade essencial’ é a comunidade, constituída por relações pessoais, pela cooperação, pelos costumes e pela religião. O segundo grupo, que expressa a ‘vontade arbitrária’ é a sociedade, uma organização de grande escala como a cidade, o Estado ou a nação, fundada nas relações impessoais, nos interesses, no direito e na opinião pública. Entre a comunidade e a sociedade não há um caminho evolucionista e simplista, contudo. Ambos os grupos sociais são necessários. Pois, como colocou Hannah Arendt, em A condição humana (1958), o que caracteriza a modernidade em oposição à idade clássica grega é a existência de um domínio social (ou comunitário) entre os domínios da vida privada e da vida pública.

Os relatos sobre os sem-tetos que aparecem no Dufferin Grove Park se encontram numa página do site e testemunham a solidariedade e ternura dos amigos do parque, da comunidade do entorno, sobretudo a portuguesa, bem como do serviço social da municipalidade (11). Instâncias que se complementam num cerzir delicado do tecido social da metrópole mais multicultural do mundo, uma vez que cerca de 50% dos canadenses nasceram em outros países.

Sobre a UPP Social carioca, guiada pela expressão da vontade arbitrária municipal e do mercado formal, espera-se que esta possa instituir os direitos e deveres da cidadania sem, contudo, exorcizar a simpatia e a cooperação entre os membros das comunidades. É sempre bom lembrar que o termo comunidade é um legado dos movimentos democráticos e da Igreja progressista durante a ditadura. E que favela é uma criação da ‘vontade essencial’ de sobrevivência a todas as tiranias de exclusão arbitrária e da vida extramuros da cidade do Rio de Janeiro (12).

Em poucas palavras: é bom ir devagar com o andor porque o santo é de barro quando, por exemplo, se destrói uma quadra comunitária como a do Morro da Providência, criada pelo programa favela-bairro do Rio de Janeiro, para implantar um teleférico conectando a comunidade à cidade formal, ao Estado e ao mundo, devido ao aumento da circulação turística.

notas

1
Entrevista com Jutta Mason em junho de 2011. Agradecimentos especiais a Chrissy e Ricardo Sternberg e à Sarah Gledhill (Ideas that Matter) pela oportunidade de entrevistar seis ganhadores do Prêmio Jane Jacobs. O prêmio, instituído desde 1997, homenageia indivíduos que contribuíram para a vida urbana de Toronto, exemplificando as idéias de Jane Jacobs. Mais informações em http://ideasthatmatter.com/people/index.phtml.

2
http://ideasthatmatter.com/people/2001jutta.html

3
http://dufferinpark.ca

4
Zamboni é uma marca famosa de carro para quebrar gelo e alisar a superfície dos rinques de patinação. A Cozinha e o Café Zamboni ficam no interior da construção onde se guarda o carro Zamboni e onde funciona o clube.

5
Ver artigo sobre FoodShare “A Urbanidade Começa na Cozinha”.  

6
http://dufferinpark.ca/aboutus/wiki/wiki.php

7
http://www.celos.ca/wiki/wiki.php?n=CELOS.AboutCELOS

8
http://dufferinpark.ca/aboutus/wiki/wiki.php?n=Features.FriendsOfDufferinGrovePark

9
Entrevista com Jutta Mason gravada em junho de 2011.

10
Entrevista com Jutta Mason gravada em junho de 2011.

11
http://dufferinpark.ca/aboutus/wiki/wiki.php?n=Features.TheParkAndTheHomeless

12
A respeito das Cinco Muralhas da cidade ver CAVALCANTI, Nireu – O Rio de Janeiro Setecentista, Jorge Zahar Editor, RJ, 2004. Em recente palestra sobre a Questão Fundiária na Área Central da Cidade do Rio de Janeiro (12 e 13 de julho de 2011 – auditório da Caixa Econômica Federal) Nireu Cavalcanti destacou a Lei de Terras de 1850 como uma espécie de 6ª muralha, pois a partir desta data o Estado passou a não poder mais doar terras, as propriedades foram legalizadas e os escravos alforriados postos na rua, sem casa nem trabalho, passaram a ocupar os terrenos ‘extramuros’ sem donos.

sobre a autora

Maria da Silveira Lobo é socióloga-urbanista, com graduação em sociologia e ciências políticas pela PUC-RJ, mestrado e doutorado em estruturas ambientais urbanas pela FAU-USP (Fapesp) e pós-doutorado pelo Prourb FAU-UFRJ (CNPq 2007-2008 e Faperj 2009). Publicou recentemente o Guia do Cidadão do Porto do Rio de Janeiro e participa do Forum Comunitário do Porto. É também membro do Docomomo-Rio, nacional e internacional.


Foto Maria da Silveira Lobo


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Jutta Mason e representante do Departamento de Parques e Jardins
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Usuários, equipe e amigos do Dufferin Grove Park discutindo o seu futuro após os cortes da programação oficial
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