Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Miguel del Castillo escreve sobre a Casa Bola, seu autor (o arquiteto Eduardo Longo) e traz uma interessante relação com a cidade utópica de Ítaca, apresentada no poema de Konstantinos Kaváfis.

how to quote

DEL CASTILLO, Miguel. Astronauta em Ítaca. Drops, São Paulo, ano 13, n. 067.07, Vitruvius, abr. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/13.067/4724>.



Indo para o Museu da Casa Brasileira ou simplesmente saindo de algum restaurante da rua Amauri, no Itaim, há quem note um objeto curioso no horizonte edificado: uma construção em forma de bola. Difícil imaginar que aquela esfera é uma casa em constante transformação, e guarda em si uma história própria e longuíssima. Digna de livro, na opinião do curador Hans Ulrich Obrist que, junto com Rem Koolhaas, visitou a casa recentemente. O arquiteto holandês ainda chegou a afirmar ter passado pela experiência arquitetônica mais forte em seus últimos dez anos. (1)

Tal livro poderia começar com a história de um arquiteto que decide fechar o próprio escritório para se dedicar a um projeto apenas: as casas-bola, concebidas como um sistema de residências seriadas formando um edifício – o qual, pelo espaço entre as unidades, daria transparência ao conjunto na cidade.

Longo não estava sozinho nos anos 1970. A pré-fabricação já era uma questão para arquitetos como Gropius, Breuer ou Buckminster Fuller.

Desde as tentativas espaciais frustradas até o primeiro passo do homem na Lua, no fim da década de 1960, a arquitetura recebeu influências do modo de vida “espacial”. Assim era o Living Pod, do grupo Archigram (2), uma unidade de habitação autossuficiente, vista nas simulações com um fundo de paisagens verdadeiramente lunares.

Havia um gosto por ambientes e móveis curvos, quase orgânicos, que se moldam à forma da casa e, com ela, formam um todo indivisível, uma unidade. O mesmo acontece na oval Futuro, do finlandês Matti Suuronen (3) – como a Bola, foi projetada para existir junto com outras iguais, presas numa estrutura vertical –, e nos interiores de linhas retas das cápsulas da torre Nakagin. (4)

Para além de uma unidade, a Casa-Bola é a segunda etapa, por assim dizer, da vida residencial de seu criador. Antes dela, o arquiteto morava na parte de baixo, projeto seu, no qual em dado momento experimentou liberar o térreo, tornando-o uma passagem entre as duas ruas paralelas (ficou assim por quinze anos), e mais tarde uma espécie de galeria com lojas e restaurantes. Hoje, sedia uma escola de informática.

Com todo esse passado pessoal e arquitetônico, Longo resolveu propor (para si) uma forma diferente de morar, que não era a das casas que projetava no Guarujá e outras praias paulistas. Pôs-se a construir o que seria apenas um protótipo, mas acabou sendo o lugar onde vive com a esposa até hoje.

Se os interiores da Casa-Bola remetem aos dos módulos do Archigram, de Suurone e Kurokawa, também guardam semelhanças com outras experiências, nada seriadas. Como a residência do artista uruguaio Carlos Páez Vilaró, em Punta Ballena. (5) Não sendo arquiteto, ele a foi construindo aos poucos, conforme crescia a família. Moldava com as próprias mãos a massa da qual a Casapueblo é feita, e dava nomes aos ambientes: “costanera para mi hermano Miguel”, “sala Pablo Neruda” etc.

Para finalizar a estrutura da cama de casal, por exemplo, Longo (ele próprio) torceu o ferro, ajustando-o melhor ao tamanho do colchão e do quarto exíguo. Percebe-se logo que, embora a intenção inicial fosse a pré-fabricação, esse protótipo (de dimensões menores que o projeto inicial) é uma casa, também, feita ao modo de um joão-de-barro. Os espaços internos revelam outra paisagem lunar, cheia de buracos dando forma a cômodos inteiros, pias, vasos sanitários, geladeiras e armários. O exterior foi de diversas cores ao longo dos anos.

A casa de Eduardo Longo é seu espaço de experimentação. Ele constrói, reconstrói, acrescenta, derruba. Mais recentemente comprou um segundo terreno, que chega até a terceira rua da quadra, onde criou um jardim suspenso com um espelho d’água. Este, como tudo que já fez, envolve uma projeção em escala maior: ele imaginou os estabelecimentos vizinhos investindo em estruturas assim também, conformando então uma rede de jardins suspensos conectados por passarelas elevadas (Longo inclusive já deixou seu trecho construído).

Essa cidade utópica de certa forma imaginada pelo arquiteto lembra a Ítaca do poema homônimo de Konstantinos Kaváfis. Ítaca é a cidade da utopia, para a qual se viaja continuamente, sem nunca se chegar. Para o poeta, contudo, isso não representa um problema, pois o importante é a viagem em si:

Tem todo tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim,
Rico de quanto ganhaste no caminho,
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de
[experiência,
E agora sabes o que significam
[Ítacas.(6)

Se o projeto maior dos edifícios e da Cidade-Bola permaneceu na vontade – e o homem deu apenas alguns passos na Lua – a resposta do experiente Eduardo Longo é morar em sua própria utopia que, qual Ítaca, como busca, torna-se um lugar em si: sua casa.

notas

NE
Este texto é originário do trabalho de conclusão de curso de Miguel Del Castillo, intitulado Atmosferas: uma tensão envolvente entre literatura e arquitetura (PUC-Rio, 2011), e orientado por Ana Luiza Nobre. 

1
Cf. reportagem de Gabriel Kogan in cosmopista.wordpress.com.

2
Projetada por David Greene em 1965.

3
Projetada e construída entre 1968-78.

4
Projetada por Kisho Kurokawa entre 1968-72. Cf. Barry Bergdoll e Peter Christensen (orgs.), Home Delivery: Fabricating the Modern Dwelling. Nova York: Moma, 2008.

5
Construída entre os anos de 1958-60, no Uruguai.

6
Konstantinos Kaváfis, Poemas, trad. José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, pp. 118-19.

sobre o autor

Miguel Del Castillo é escritor e editor de arquitetura na Cosac Naify. Foi selecionado para a revista Granta: Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros (Alfaguara, 2012). Formado em arquitetura pela Puc-Rio, coeditou a revista Noz, de arquitetura e cultura, entre 2007 e 2010.

Casa Bola
Foto Miguel del Castillo

Casa Bola
Foto Miguel del Castillo

 

comments

067.07 ensaio
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

067

067.01 homenagem

Roberto Segre

Uma vida de aventura que se encerra com uma tragédia banal

Abilio Guerra

067.02 homenagem

Dante e a arquitetura moderna no Brasil

Ricardo Rocha

067.03 evento

Encontro Latino-americano de Pós-graduações em Arquitetura

Rodrigo García Alvarado

067.04 crítica

Arquitetura, obsolescência e estupidez

Humberto González Ortiz

067.05 exposição

Caligrafias - desenhos de Vilanova Artigas

Rosa Artigas

067.06 homenagem

Clorindo Testa e a cidade dos livros

Jorge Ramos de Dios

067.08 crítica

Arquitetura no Urbanismo, Urbanismo na Arquitetura

A arquitetura como um campo único e multidisciplinar

Lutero Proscholdt Almeida

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided