Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Paulo Miyada apresenta a obra do artista português Tiago Mestre, exposta na mostra "Speech", na Galeria Virgílio.

how to quote

MIYADA, Paulo. Speech: há tanto que eu queria te dizer. Drops, São Paulo, ano 14, n. 072.06, Vitruvius, set. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.072/4887>.



É tão absurdo que talvez seja a mais pura verdade. Dizem que o monumento mais antigo de São Paulo – o obelisco da Ladeira da Memória – tem uma origem confusa: ninguém tem certeza do que exatamente devemos lembrar olhando para ele. Numa cidade construída sempre visando o futuro, a primeira lembrança foi esquecida e transformou-se em uma homenagem, veja só, à memória. É daqueles paradoxos que provocam um sorriso involuntário e acabam fazendo pensar sobre os limites da associação entre nomes, informações, coisas e discursos. Enquanto sorrimos, deve sorrir também o obelisco, feliz por estar liberado do motivo provavelmente vil de sua construção e haver se tornado um enigma.

Realizada por Tiago Mestre, artista português residente em São Paulo, a exposição Speech demonstra um interesse especial por essa espécie de sorriso dos objetos. Isso porque a exposição simultaneamente alimenta e frustra as expectativas que lançamos sobre os artefatos culturais. Reunidos em displays expositivos, esculturas, maquetes, objetos, vídeos e pinturas formam um arcabouço de imagens em suspense, à maneira de relíquias pertencentes a alguma civilização extinta.

Não é à toa que a mostra tem iníciocom um objeto encontrado pelo artista. Trata-se de um azulejo de manises fabricado há mais de cinco séculos e pertencente a um lote de azulejos decorativos levado para o sul de Portugal por encomenda da família real no reinado de D. Afonso V. Uma de suas faces pintadas à mão ostentaum elaborado padrão gráfico bicolor, floral nas bordas e geométrico no centro; a outra face, o verso oculto enquanto o azulejo esteve preso à parede, encontra-se rasurada com uma caricatura invulgar, provavelmente produzida pelo artesão de forma espontânea e descompromissada. Entre a aura relativa à idade do azulejo (mais antigo que o descobrimento do Brasil) e a banalidade do rabisco, o objeto flutua em uma zona de indeterminação, na qual planejamento e acaso se insinuam sem uma hierarquia clara.

Outra obra basilar para a exposição é o vídeo At the Museum, animação stop motion em que um boneco de massinha passeia por um espaço expositivo, encontrando e observando obras das mais diversas feições. Tal qual osprotagonistasdas peças de Samuel Beckett, o personagem do vídeo não consegue escapar de uma mesma rotina repetida muitas vezes: neste caso, aproximar-se de uma obra, encará-la por uma quantidade exata de segundos, retomar seu percurso, aproximar-se de uma obra, encará-la...

A indistinção da atitude do personagem reflete a limitação dos recursos que nós, o público, empregamos na tentativa de circundar e compreender os objetos que nos cercam. Para estar junto com o mundo, dependemos demasiado do olhar. A indefinição semântica das obras de Tiago, entretanto, exige que emprestemos, conscientes ou não, algo mais para a construção de sentidos. É preciso começar exercícios de fabulação. Ou então, é também possível simplesmente caminhar diante dos objetos como o amaldiçoado boneco de massinha, presos na contemplação de artefatos que não compreendemos.

Em todo caso, mais ou menos no centro do espaço, a obra que dá título à mostra explicita algum desejo de comunicação por parte dos objetos reunidos. Speech, a obra, é uma escultura em argila de uma cabeça humanoide sobre um alto pedestal. Na altura dos olhos de um homem adulto, o rosto encolhido parece declamar alguma coisa, sem produzir nenhum som. Há tanto que ele poderia querer dizer, mas permanece emudecido e com a boca bem aberta. Em compensação, dois volumes colocados lado a lado parecem ter descoberto uma espécie de autossuficiência – Romance emparelha uma urna e uma base numa relação dual e recíproca. Em casos como esse, os objetos parecem não precisar mais de nós. Na verdade, somos nós que precisamos deles. Somos nós que precisamos que eles continuem como estão e são, atrelados a algum sentido. Por isso damos nomes para às coisas, por isso inventamos memórias a serem lembradas por meio delas.

A exposição de Tiago Mestre funciona como uma plataforma para a invenção ou para o esquecimento de pequenas histórias de empatia entre sujeitos e coisas. Comenta assim o princípio motor que leva os homens a construírem obeliscos, memoriais, cemitérios e, claro, museus.  “As estátuas também morrem”, lembrava o cineasta Alain Resnais – permanecem conservadas e expostas em vitrines de museus, mas morrem os homens que lhe emprestavam algum discurso e vida.

Ah, sim, há as pinturas, que podem resistir um pouco a essa leitura. De fato, o que as pinturas de Tiago Mestre mais fazem é resistir a qualquer leitura unitária, revelando-se como espécies de teste dos elementos que compõem a gramática do pintar. Às vezes, são simples demais para que convençam como representações verossímeis do mundo. Noutras, têm caráter excessivamente esquemático para que sejam funcionais como projetos. Em todos os casos, mostram-se carregadas em demasia pela ambiguidade dos objetos circundantes, também fazem suspeitar de leituras estritamente compositivas. Logo à entrada da exposição, um conjunto de monocromos oferecem uma pista de leitura. Sobre papelão, esses elementos são ao mesmo tempo pinturas em tons pastel e testes de cor feitos sem grande minúcia. Grau quase zero da pintura e ferramenta de trabalho para pintores de parede. Estudo da discursividade da arte e ensaio para a construção de algo. Metade museu, metade canteiro de obras, portanto.

É fato que não se escapa incólume da formação como arquiteto. Por mais que o trabalho de Tiago Mestre não se enquadre no perfil recorrente dos arquitetos-artistas fascinados por instalações construtivas site-specific, o artista não deixa de flertar com os procedimentos de esboço arquitetônico – os croquis, as maquetes de estudo e os corpos de prova estão imbuídos em seus gestos e escolhas. Todo esse repertório faz pensar um pouco no que pode ter passado pela cabeça do construtor daquele obelisco mencionado no começo do texto. Ele sabia que estava fazendo o primeiro equipamento urbano não-funcional de uma cidade em crescimento, mas não podia saber que esse mesmo crescimento acabaria por soterrar todo sentido que a retidão de seu monumento pretendia celebrar. Nesta exposição, os objetos já conhecem o seu destino como partes contidas pelo dispositivo expográfico e museográfico que dá corpo à arte; o que elas se contentam em dizer é que há algo, sim, a ser dito.

nota

NE
Este é o texto curatorial da exposição Speech, do artista português Tiago Mestre. Mais informações na agenda cultural do Vitruvius. 

sobre o autor

Paulo Miyada é arquiteto e urbanista pela FAU USP. Assistente de curadoria da 29ª Bienal de São Paulo. Coordena o Núcleo de pesquisa e curadoria do Instituto Tomie Ohtake. 

 

comments

072.06 artes visuais
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

072

072.01 paisagem urbana

Edifício comercial em Londres reflete luz solar quente

O suficiente para fritar um ovo

Helena Guerra

072.02 crítica

Flores raras e equívocas

Alfredo Britto

072.03 história

Lá longe, no Ibirapuera

Carlos Alberto Cerqueira Lemos

072.04 arquitetos

Censo do CAU e os desafios na formação em Arquitetura e Urbanismo (parte2)

Érico Masiero

072.05 crítica

Estadio "Doha Port", que será construido para una península artificial para el mundial del Qatar del 2022

Humberto González Ortiz

072.07 história

Artacho Jurado: polêmico visionário

Laura Belik and Maria Pia Carmagnani

072.08 patrimônio

Teatro Oficina

Manifestação dos conselheiros do Condephaat em apoio à presidente

Conselho do Condephaat

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided