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Jaime Solares comenta a recente inclusão de projetos de arquitetura e urbanismo no programa de fomento à cultura da Lei Rouanet, problematizando o impacto da decisão na produção nacional.

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CARMONA, Jaime Solares. Puxadinho na Lei Rouanet. Drops, São Paulo, ano 17, n. 108.02, Vitruvius, set. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.108/6161>.


Biblioteca de São Paulo. Projeto vencedor de concurso público. São Paulo, 2009, Aflalo Gasperini Arquitetos
Foto Nelson Kon


A excitação ao falar da última conquista da categoria é visível. Jose Armênio de Brito Cruz, atual presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP) discorreu por quase duas horas sobre os ritos, motivos, méritos e desafios da moção aprovada no começo de fevereiro pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). Uma das atribuições da comissão, além de avaliar quais projetos podem receber o fomento da Lei, é identificar novos segmentos culturais a serem contemplados pelo Plano Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).

Debates ocorreram desde o ano passado, quando o arquiteto representava a Área de Patrimônio dentro da comissão. Aprovada por unanimidade, a moção foi oficializada no começo deste ano, porém apenas agora que foi publicada no Diário Oficial da União passa a vigorar no texto da Lei. José Armênio lembra que enquanto Brasília já é reconhecida como patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO desde 1987, apenas em 2010 a atividade foi considerada cultura pelo Estado na 2ª Conferência Nacional de Cultura, junto com Moda e Design.

Uma estratégia frágil

Uma das questões levantadas pelo coordenador de conteúdo Yuri Fomin Quevedo, colaborador da produtora cultural Base 7, é sobre os problemas de se tentar valorizar a arquitetura através de sua inclusão em uma Lei que passa por momento de grande incerteza.

Ele destaca a tramitação no Senado da lei que a substitui pelo Procultura, programa defendido pelo ex-Ministro da Cultura Juca Ferreira, um dos maiores críticos ao atual modelo. Em suas palavras, a Lei Rouanet seria “o ovo da serpente do neoliberalismo”, por permitir que o direcionamento dos recursos se dê pela lógica de mercado, indo diretamente do capital privado para os projetos de cultura, sem orientação do Estado. Soma-se a isso o recente rebaixamento do Ministério da Cultura (MinC) a Secretaria pelo presidente interino Michel Temer, e seu posterior retorno ao status de Ministério.

A despeito de todas as incertezas, a Lei existe desde 1991, passou por 6 Presidentes da República, e representa cerca de 80% do orçamento da pasta, o que significa um orçamento anual previsto de 1,3 bilhões de reais. Funcionando por renúncia fiscal, permitiu a formação de um empresariado que investe em cultura e estimulou a diversidade de produções artísticas, ainda que o tenha feito concentrando os investimentos no eixo Rio-São Paulo. Outro problema são os casos de direcionamento dos recursos para produtos de entretenimento com claros fins publicitários, ao invés de fomentarem amplamente a cultura e a arte.

Outra questão levantada foi o formato de aplicação da moção. Como o objeto avaliado pela CNIC é o modelo do concurso, e não o projeto de arquitetura em si, na prática a moção não garantiria nenhuma definição prévia do programa de que o projeto trataria. Poderia ser um banco, uma fábrica, uma escola ou até mesmo uma mansão particular. Há, desta maneira, um alargamento das possibilidades da arquitetura no Pronac, que hoje apenas contempla projetos de restauro e conservação de bens tombados, além da construção, reforma ou ampliação de edificações ligadas à cultura, como museus e bibliotecas.

Ainda assim, a moção sugere que os projetos devam “propor e garantir a qualificação do espaço público a ele relativo”, e a própria Lei veta qualquer incentivo a obras “destinadas ou circunscritas a coleções particulares ou circuitos privados que estabeleçam limitações de acesso”. Essas limitações tanto permitem uma maior sensibilidade ao teor público da Lei, quanto geram ambiguidades inerentes à própria atividade da construção. Ora, um concurso para habitações de interesse social seria passível de aprovação? Afinal, se de um lado esse é um programa de amplo interesse social, por outro direciona os recursos para a construção de casas privadas.

Na visão de Yuri Quevedo essa é outra questão a ser discutida. Ele entende que hoje a Lei já é suficiente para contemplar a arquitetura e o urbanismo, e teme que o que se pretende é regular ou organizar, via legislação da cultura, a própria construção da cidade. Segundo ele, “não se pode colocar sobre o controle da cultura o descontrole de outras áreas”, como se a moção estivesse tentando corrigir a dinâmica da metrópole brasileira através de uma qualificação do projeto via Lei. Haveria, no centro do debate, um “desconhecimento do que hoje é possível se fazer hoje na própria Lei”.

O concurso público como meio de chancela do projeto de arquitetura é outro ponto de oportuna discussão. Mesmo sendo um rito tradicional na área, com ampla defesa por parte dos arquitetos, o concurso pode, a curto e médio prazo, “legitimar uma visão única de arquitetura, ao invés da pluralidade que a cidade garante”. É comum que os profissionais que hoje fazem parte do júri, amanhã sejam os julgados. Caso paradigmático é do ganhador do Prêmio Pritzker deste ano, o arquiteto chileno Alejandro Aravena, júri do prêmio nos anos anteriores.

A longo prazo, contudo, o concurso público, por garantir a isonomia dos participantes e a soberania do júri, pode mostrar-se o espaço ideal para que jovens profissionais ganhem projeção. Foi o caso do escritório curitibano Estúdio 41, vencedor do concurso da Estação Antártica Comandante Ferraz em 2013, mesmo tendo feito apenas pequenos projetos até então. A previsão de uma exposição pública e produção de catálogo com os resultados, previstos na moção, garante essa visibilidade e amplo acesso aos resultados da competição.

Há ainda a questão das incertezas sobre quem teria interesse em investir em arquitetura através desse instrumento. Hoje é possível que pessoas jurídicas invistam até 4% de seus impostos em projetos culturais via Lei Rouanet, chegando a 6% no caso de pessoas físicas. Se um concurso de arquitetura, que custa cerca de R$300mil, representa menos de 10% dos impostos pagos por uma pessoa ou empresa, significa que este tem plenas condições financeiras de executar a obra sem o auxílio da Lei. Vale lembrar que no começo deste ano o Tribunal de Contas da União determinou, como critério de desclassificação de propostas culturais, sua possibilidade de auto sustentação, ou caráter de “forte potencial lucrativo”, como ocorre em megaeventos ou shows de grande público.

A criação de um mercado de projeto

A questão, porém, não se limita à viabilidade da moção, mas também ao fortalecimento do valor do projeto junto à esfera pública. Segundo José Armênio, o atual modelo de licitação de obras públicas pelo critério do menor valor passaria a ser o da melhor técnica, caso a cultura do projeto venha a se amadurecer com a proposta lançada. O presidente do IAB entende ser fundamental o fortalecimento do “mercado de projeto”, e não apenas a valorização da profissão, pois só assim sairemos de um debate do âmbito corporativo para entrarmos no da arquitetura como produção cultural de grande relevância social.

Nesse aspecto ainda estamos engatinhando no Brasil. Não temos com clareza os números de projetos em execução, a remuneração dos profissionais, as taxas de crescimento da contratação de arquitetos, entre outros. Tal indexação e compreensão da forma de atuação do arquiteto e urbanista é fundamental e precisa ser aprofundada, porém, parte da delicada compreensão de que é no projeto que reside o valor cultural da profissão.

Se assim fosse, a moção perderia sentido, pois hoje é plenamente possível promover exposições e publicações de projetos, croquis, desenhos e estudos arquitetônicos pela Lei Rouanet. Já existe um mercado para, por exemplo, os desenhos de Oscar Niemeyer, e várias exposições aqui e fora do país ocorreram acerca da obra do arquiteto carioca. O projeto enquanto representação de uma intenção de construção tem uma lógica mercantil bastante específica enquanto obra de arte. É um bem móvel, diferentemente do edifício a que pretende ser, passível, portanto, de circular no mercado da cultura como circula um quadro ou uma escultura.

Agora, se o objetivo da reformulação da Lei é promover o projeto como rito de contratação, surge uma diferença sutil, porém fundamental entre projeto como objeto com valor cultural e artístico em si, e projeto como gatilho para uma obra. O principal problema dessa conceituação ambígua diz respeito à contradição entre compreender que “o usufruto de uma obra nunca é privado”, e que “o Estado tem que fomentar a cultura, não o seu patrimônio”, nas palavras de José Armênio.

A compreensão de que o usufruto de uma obra é público é correta, e remete a obras fundamentais da arquitetura, como a Ville Savoye de 1928, de autoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, e que apesar de ser uma residência unifamiliar, teve profundo impacto na noção de cidade no século 20. O problema está em, de um lado, afirmar que o valor cultural da arquitetura está no projeto e que, portanto, esta deva ser a etapa contemplada pela Lei; e de outro relacioná-la tão organicamente à construção, fase entendida pelo próprio proponente da moção como patrimônio por vezes privado e, portanto, para além do usufruto coletivo nos termos da Lei. Na prática, o Estado poderia utilizar dinheiro do contribuinte para fomentar indiretamente o patrimônio privado.

As questões são várias e complexas. Não restam dúvidas, no meio arquitetônico, de que a atividade tem perdido importância cultural nas últimas décadas, se comparada aos anos 1950 e 1960, quando da construção da capital nacional. Contudo, a moção informa mais sobre as fragilidades de nossa profissão, de sua posição no campo da cultura, e de nossas instituições e sua relação com o Estado, do que um caminho seguro e viável em direção à valorização do projeto e da arquitetura na sociedade brasileira. Assim como num edifício, só ao seu término saberemos se o projeto era bom, ruim, ou digno de esquecimento.

sobre o autor

Jaime Solares é arquiteto urbanista formado pela FAU USP. Atualmente desenvolve pesquisa na área de crítica de arquitetura e coordena o índice de crítica de arquitetura brasileira no portal ibcarq.com

 

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