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drops ISSN 2175-6716

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português
Gabriel Ferreira Canabarra que questiona a rigidez das percepções formais da arquitetura e sua relação com a existência da obra em si. São apresentadas ponderações sobre os aspectos físicos da forma e os aspectos fenomenológicos da percepção da forma.

english
This article is an essay that questions the rigidity of the formal perceptions of architecture and its relationship to the existence of the build itself. Considerations are presented on the physical aspects of the form and the phenomenological aspects of

español
Gabriel Ferreira Canabarra cuestiona la rigidez de las percepciones formales de la arquitectura y su relación con la existencia de la propia obra. Son presentadas ponderaciones sobre los aspectos físicos de la forma y los aspectos fenomenológicos de la pe

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CANABARRA, Gabriel Ferreira. Do plano ao tesseract. Ensaio sobre as abordagens espaciais de projetação. Drops, São Paulo, ano 17, n. 109.05, Vitruvius, out. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.109/6239>.



I

Certa vez, quando estudante, ouvi um professor fazendo uma crítica à um projeto falando que a arquitetura é feita de planos. Aquilo foi muito importante para mim. Importante porque me despertou – ou me apresentou – algumas neurastenias epistemológicas. A primeira foi meu incômodo sobre o trato científico das nomenclaturas em arquitetura. O que são planos? A arquitetura como demanda, processo de concepção, o modelo, a obra? Essa falta de pragmatismo investigativo afasta a efetividade do discurso arquitetônico, tanto acadêmico quanto nas aplicações. Poucas vezes a literatura abordou a identificação adequada em pesquisa arquitetônica. Um raro trato – sintético, mas sagaz – foi feito por Lawson sugerindo a abordagem de classificação da pesquisa em arquitetura como processo, produto ou performance.

O segundo incômodo surgiu ao tentar responder à pergunta sobre qual fase da arquitetura são planos. Não consegui conceber a existência de planos em nenhuma fase da existência arquitetônica. Pode parecer uma ponderação exacerbada, uma vez que ficou evidente o significado do que ele quis dizer, mas algo cético em mim não podia aceitar uma afirmação fundada em um erro físico e metafísico. Não há figura de linguagem que transforme o menor grão de areia em um ponto, nem a mais fina folha de papel em um plano.

O uso da abstração para ajudar a conceber modelos é essencial. Porém, quando utilizado para induzir, pode levar a confusões epistemológicas graves. E esses erros epistemológicos salgam o terreno da obra. O modelo não é nem início nem fim, mas um elo. Um elo forte. A maneira como se pensa está intimamente relacionada com o como e o quê se cria. “Sempre que se discutem modos estéticos de elaboração, o conceito de criação é simultaneamente inevitável e problemático” (Steiner).

II

A abordagem euclidiana é muito útil ao arquiteto no momento da construção da obra. A geometria do que se vê auxilia a modelagem da ideia de algo que irá se ver: a obra, com comprimento, altura e largura. Essa perspectiva já respalda aquele meu segundo incômodo, fastidioso, mas ainda assim pertinente: o plano é um objeto de somente duas dimensões.

O modelo, como instrumento, deve sempre procurar a representação mais fidedigna da realidade. Todos os arquitetos procuram caminhos para modelar a obra, simular sua existência desta e fazer as análises e ajustes ainda como modelo. E são diversas as projetações: os croquis de Niemeyer, modelagem de Gehry, composição do OMA etc. Tecnologias são desenvolvidas todos os anos buscando a qualidade da representação e diversos escritórios possuem sistemas computacionais adequados aos seus padrões projetuais. É a busca pela qualidade final na a obra, que passa pela busca-meio da modelagem verossímil e eficaz para o escritório. É a máxima da gestão da qualidade: alta tecnicidade nos meios a fim da qualidade no objeto final efetivo ao cliente.

Porém, na realidade próxima, arquitetos ao redor do mundo sofrem com a transição entre a tecnologia CAD e BIM. Independente de discursos saudosistas contra os tecnológicos, a modelagem BIM pode proporcionar a construção de um modelo mental de composição próprio. Talvez aí a diferença da minha abordagem para a daquele professor. Minha educação de representação foi pensada na linha: croqui de perspectivas, modelagem BIM, maquete. A percepção bidimensional sempre me pareceu um trâmite burocrático a ser feito no final de tudo, com cautela e qualidade, mas exclusivo à serviço da obra. Os planos descritos pelo professor eram vistos por mim como parte de um volume. Por mais que todo o projeto fosse uma simples parede reta, ainda assim há a percepção volumétrica da mesma e do seu espaço arquitetural. Caminhará ao lado dessa parede um ser humano, uma cotia ou uma formiga. As coisas físicas que ocorrem no espaço arquitetural dessa parede são tridimensionais.

Além disso, a percepção formal é inexoravelmente relativa. Nós podemos perceber planos, mas sabemos que eles não existem ao nosso redor na escala arquitetônica. Uma luz lançada sobre um elemento tridimensional geral forma bidimensional. Basta ver a sombra dos edifícios. Em um mundo tridimensional, nossos olhos recebem informações bidimensionais e a terceira dimensão (profundidade) é percebida através de informações indiretas como sombreamento, assimilação de perspectiva etc. Os gregos já compreendiam essa relação visão plana e realidade tridimensional para determinar deformações na obra que mostrassem em plano (nossa visão), de um determinado ponto, um volume perfeito.

A percepção da terceira dimensão é a assimilação simultânea de diversos eventos bidimensionais. Podemos ver, no máximo, três faces de um cubo opaco, mesmo sabendo que ele possui outras três faces bidimensionais que não enxergamos. A medida que mudamos de posição, novos eventos, enxergamos as demais faces. Divagando: um ser quadridimensional poderia enxergar o volume (tridimensional) em sua totalidade e apenas perceber o tesseract, por exemplo. Investidas no espaço-tempo na abordagem física levariam a ponderações ainda mais graves, práticas ou não. É plano? Depende do referencial. Além disso, uma vez compreendido o cubo, como voltar a enxergar a conjugação de seis planos como somente seis planos e não como um cubo?

Contudo, é uma associação de muitas condicionantes que diferenciam as interpretações do professor e a minha, além da física. Incomoda, acima de tudo, a miopia da afirmação do que é a arquitetura como concepção e consequência. Como resultado prático a arquitetura é um pouco – somente um pouco – mais palpável: interferência no espaço. Entretanto, epistemologicamente, nenhuma afirmação sobre o que ela é ou não é pode negar os aspectos fenomenológicos inerentes.

III

A geometria euclidiana é um recurso que por décadas ainda nos será útil para representação, reprodução e referência para construção da obra. Mas acaba aí. Sejam quais forem as utilidades representativas, a obra não é uni, bi ou tridimensional. E as abordagens espaciais não estão sós. Como a obra é feita por pessoas e para as pessoas, as percepções sobre a existência da mesma e todo o contexto que a envolve a caracteriza. Ou seja, é físico e metafísico. “Paredes são massas com portas e janelas, mas somente o vácuo entre as massas lhes dá utilidade. Assim são as coisas físicas, que parecem o principal, mas o seu valor está no metafísico” (Lao Tsé). Contudo, o geômetra não pode se valer apenas da inteligência espacial crua.

Essas inferências se mostram de maneira mais palpável nas discussões sobre a relação algo-forma: as relações de forma-funcionalismo, forma-performance, forma-semiótica etc., e quando a arquitetura comete seu maior equívoco, travestindo-se de forma pela forma, quando na realidade é uma auto-referenciação das vontades do desvelador: o arquiteto. O arquiteto projeta. Isto é, cria uma projeção, um modelo do que a obra poderá vir a ser. O diferencial da arquitetura de Koolhaas e Eisenman, por exemplo, está na verossimilhança deste modelo com as possíveis características de existência da obra, quando construída e em uso. Koolhaas compreende o entorno, manipula variáveis para prever como a obra irá existir. É dizer, como ela irá se pôr de pé – exsistere – e se relacionar com o mundo, no mundo e sendo do mundo ao seu redor, numa perspectiva heideggeriana. Eisenman projeta à sua vontade, sendo as variáveis externas somente as inexoráveis e ortodoxas (legislação, tecnologia etc.).

Na prática: o OMA simula a existência da obra, mas compreendendo a natureza temporal da existência, procura dar a obra uma flexibilidade aos usos (eventos) futuros, percepções próprias, significados apropriados etc. Em uma mistura de projetar e dar essa liberdade, o escritório foge da flexibilidade de guerrilha do modernismo e equilibra com técnicas de distribuição espacial através da flexibilidade compartimentada. É o exemplo da Biblioteca de Seattle (Joshua Prince na TED Conferences, 2006). Ou seja, a flexibilidade do nada modernista; a flexibilidade do poder vir a ser do OMA. Maneiras de manipular formalmente as diferentes abordagens fenomenológicas.

Esses exemplos servem para explicitar que a relatividade e diversidade de abordagens sobre a arquitetura evoluíram muito para que hoje tenhamos críticas sem vocabulário. Desde Vitrúvio já se explicitava utilitas, venustas e firmitas. Zevi escancarou as abordagens possíveis da arquitetura como política, filosófico-religiosa, científica, econômico-social, materialista, técnica, fisiopsicológicas e formalistas. Heidegger ensaiou sobre o existir e habitar. Norberg-Schulz estudou a tríade fenomenológica da arquitetura: a ideia de existência, espaço e arquitetura; conceito de habitar; e genius loci (abordagem deste diferente da trazida por Aldo Rossi). Entre tantas outras abordagens fenomenológicas, a arquitetura pode ser feita de planos sim, mas há toda uma gramática por trás da estética assim ou assada.

IV

Tudo termina na forma, afinal, esta é a alçada do arquiteto. Entretanto, é a forma real. E essa forma é aquela forma tridimensional física, mas também as existências que a transpassa. O arquiteto não deve jamais prender-se ao modelo, mas ao que a obra virá a ser.

Os resultados práticos são assustadores. Uma série de escritórios preocupados em fazer plantas baixas bonitas para decoração e fachadas de revista para obras ocas. Essa falha epistemológica serve como respaldo muito conveniente ao abuso mercadológico da arquitetura, e miopia de muitos arquitetos. “A comercialização do estético e suas reduções ao kitsch estão entre as características prioritárias das culturas economicamente mais ricas” (Steiner). Um ciclo vicioso perigoso, afinal, estamos falando sobre o espaço onde as pessoas existem.

É um grau de imersão grande e talvez esse aprofundamento não fosse necessário até agora. Mas com a complexidade que hoje conseguimos compreender, tanta informação e a mudança contínua da sociedade nos oferecem novas possibilidades de abordagens formais para além da euclidiana, para além da positiva. Há uma sorte de arquitetos e teóricos do final do século 20 com esse trato, mas ainda são poucos e longe da prática arquitetônica doméstica, cotidiana.

Há uma demanda por novas abordagens além da euclidiana, além da positiva. Possível com o avanço conceitual, técnico e histórico-factual alcançável hoje. Não uma oratória utópica da perfeição, mas uma abordagem arquitetônica possível. E hoje é possível transcender o ponto onde a arquitetura parece ter estacionado. Por isso é importante que as reflexões em arquitetura saiam da retórica e caminhem para uma pegada mais refinada, socialmente, tecnicamente, economicamente etc. A lacuna com a prática é ainda mais atrasada, vide as nossas cidades. É o problema epistemológico que a tantos neurastênicos incomoda.

sobre o autor

Gabriel Ferreira Canabarra é administrador, arquiteto e mestrando em Estratégia.

 

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