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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Este artigo pretende discorrer sobre as questões abordadas por Paulo Mendes da Rocha e Bia Lessa no processo de criação do espaço cenográfico de Grande sertão: veredas, em conversa que aconteceu dentro do cenário do espetáculo.

english
This article aims to discuss the issues addressed by Paulo Mendes da Rocha and Bia Lessa in the process of creating the scenography for Grande sertão: veredas, based on a conversation that took place on the set of the show.

español
El artículo pretende analizar los tópicos abordados por Paulo Mendes da Rocha y Bia Lessa en el proceso de creación del espacio escenográfico para la obra Grande sertão: veredas, a través de la conversación ocurrida en el escenario del espectáculo.

how to quote

FERREIRA, Fernanda S.. Nonada. As veredas de Paulo Mendes da Rocha e Bia Lessa. Drops, São Paulo, ano 18, n. 124.08, Vitruvius, jan. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.124/6851>.


Bia Lessa e Paulo Mendes da Rocha no cenário de Grande sertão: veredas, Sesc Consolação, São Paulo, 18 out. 2017
Foto Fernanda Ferreira


Em 2017 a APCA premiou Bia Lessa e Paulo Mendes da Rocha em diferentes categorias. Bia foi eleita a melhor diretora de teatro pela montagem do clássico literário de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas e o arquiteto recebeu o prêmio pela urbanidade do recém-inaugurado Sesc 24 de Maio.

O que talvez poucos saibam é que a peça que premiou a Bia Lessa teve o cenário criado por Paulo Mendes da Rocha (1). E mais, foi a diretora que em 1990 introduziu o arquiteto no mundo da cenografia e com ele estabeleceu relevante produção por cerca de quase uma década.

Ao todo Paulo Mendes da Rocha projetou quatro cenários para Bia Lessa: Sour Angélica, que foi encenado no Teatro Municipal de São Paulo em 1990 e 1992 e no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1995; O homem sem qualidades e Futebol, ambos em 1994 e mais de vinte anos depois, em 2017, uniram-se novamente por Grande sertão: veredas.

Os caminhos de Guimarães Rosa, Paulo Mendes da Rocha e Bia Lessa já haviam se cruzado em 2006, quando a diretora foi a responsável pela museologia da exposição comemorativa do cinquentenário da primeira edição do romance de Rosa, para inauguração do Museu da Língua Portuguesa.

Para quem se recorda da história, no livro o jagunço Riobaldo conta as pelejas, medos e amores de sua vida a um desconhecido que não exerce nenhum papel na trama que não o de ouvinte. E apesar do livro girar em torno de suas memórias, o foco da narrativa é encantamento de Riobaldo por Diadorin, um jagunço que só se revela mulher travestida de homem no momento de sua morte.

A montagem de Grande sertão: veredas, em São Paulo, foi um enorme sucesso e já tem estreia marcada no Rio de Janeiro para 28 de janeiro de 2018. No Rio a montagem será na rotunda do Centro Cultural Banco do Brasil, com o espaço cênico adaptado às especificidades do lugar.

A versão paulistana de Grande Sertão: Veredas teve como abrigo a área de convivência da unidade do Sesc Consolação. Ali, vimos emergir uma estranha gaiola de aço de cerca de 15 metros de comprimento por 9 metros de largura e 5 metros de altura, que era a um só tempo cenário e espaço expositivo. Durante o dia era possível andar pela estrutura, além de assistir aos vídeos dos ensaios da peça.

O Sertão criado por Paulo Mendes da Rocha para Bia Lessa é uma estrutura metálica estéril – uma espécie de andaime – o piso é um tablado preto e o céu é o forro metálico do Sesc.

Bonecos de feltro estão espalhados por toda parte reiterando a ambientação ressequida. O público está inscrito dentro deste espaço, mas separado por uma segunda gaiola, onde os atores encenam por mais de duas horas a versão de Bia Lessa para o universo de Rosa.

Pode parecer contraditório mas, apesar da ideia de confinamento transmitida por esta gaiola, o que é proposto por este cenário é a destruição de fronteiras: a eliminação de limites entre o início e o fim do espetáculo. “Quando o espetáculo termina, abrimos as cortinas e a exposição continua” (2), explica Bia Lessa.

A montagem propõe ainda romper com a distinção entre artes cênicas e as artes plásticas; entre espaço cenográfico e espaço público. Ideias reforçadas pelo caráter expositivo do cenário e pelo fato dele estar instalado em uma área de livre acesso do Sesc.

Além disso, discute-se o fim da distinção de gêneros. Nenhum ator sai de cena durante todo o espetáculo e todos fazem os mais variados tipos de personagens: homens, mulheres, pássaros ou plantas. Ao falar sobre gênero, Judith Butler afirma que “o gênero não deve ser constituído por uma identidade estável” (3); pelo contrário, a questão de gênero é constituída no tempo e embora haja corpos individuais que encenam estas significações em uma configuração binária, os atributos do gênero são performativos, ou seja, são a maneira como o corpo mostra ou produz uma significação cultural.

Em outubro de 2016 Bia Lessa e Paulo Mendes da Rocha conversaram sobre o processo de criação do espetáculo com um grupo de sessenta pessoas, dentro do cenário onde a peça foi encenada. Segundo Bia Lessa,

“o conceito do confinamento é a ideia de você criar um universo próprio em que se está contando para o outro. Então eu acredito que ficaria mais clara a ideia do visitante, de que há um outro que vem de um outro universo. Como Guimarães diz, ‘o senhor é um homem circunspecto; a sua inteligência vai me ajudar. Então, esta primeira ideia do confinamento veio do Paulo (Mendes da Rocha). [...] Aos poucos a gente foi vendo que não, que era importante que a plateia estivesse muito perto porque queríamos que aquela violência estivesse na cara de cada um, mas que tivéssemos a ideia de universos separados. Então por isso o confinamento. É separado mesmo.  Por mais que seja uma separação de uma pequena gaiola que dificulte o olhar. As pessoas precisavam se abaixar para desviar das travessas e ver. [...] e isso foi rico pois a ideia de confinamento, é essa sociedade que não está dentro da sociedade e que é vista por nós de tão perto e ao mesmo tempo tão protegida. Podemos ver como expectador ou podemos entrar nela e ver. Mire veja! O Paulo uma vez me disse: a gente não pode ver vendo senão a gente enlouquece. A gente tem que ter alguma defesa” (4).

A visão de mundo da cenografia revela que o espaço necessário para o desenvolvimento de um espetáculo teatral deve estar ligado a seu tempo em cena. Segundo Pamela Howard, “pensamos no espaço em ação [...] no que precisamos para criar o espaço certo e como ele pode ser construído com forma e cor no sentido de aprimorar o ser humano e o texto” (5). Na visão de Paulo Mendes da Rocha, trata-se de uma recriação:

“Porque as coisas surgem com uma exuberância muito grande e de um modo inesperadamente novo. Uma nova interpretação. O que eu quero dizer é que o que fica como extraordinário é o que se deu: Uma obra nova. Eis um novo discurso sobre a questão de Grande sertão: veredas como o Guimarães Rosa pôs para o mundo. É uma versão, fruto de um trabalho que pode ser reproduzido quantas vezes quiser. Essa é que é a graça.

Portanto, isto que está aqui é um modo de ocupar o espaço com a perspectiva de contar aquilo que se sabe do Guimarães Rosa. Não é um percurso meticuloso do texto dele, mas a partir da totalidade da questão que ele colocou, que é a história do Brasil, de ocupação da América, do sertão, cercada de inúmeros acontecimento e fatos correlatos necessários para percorrer o território e conhecer o lugar onde está. E realizar as coisas no espaço. A história é maravilhosa, é infinitamente discursiva e tem que ser revista sempre, inclusive a luz da situação atual. Está aí a história do nosso Rio São Francisco novamente posta como questão. Estão aí as questões do masculino e feminino da humanidade. Isso é um tipo peculiar de nova edição da obra do Guimarães Rosa” (6).

O cenário possui uma linguagem carregada de questões humanas e sociais importantes, porém a contribuição mais significativa, a nosso ver, é a apreensão do mundo que é tomado por alvo e é isto que proporciona uma experimentação espacial que transcende o teatro e ampara as mais complexas questões humanas.

Em tempos estranhos Bia Lessa e Paulo Mendes da Rocha nos mostram que Grande sertão: veredas continua atual, discutindo a questão de gênero, a dificuldade do sertanejo e bandos sem lei dominando a parte central do nosso país.

E o balanço final de Paulo Mendes da Rocha:

“O que interessa é que esta peça, o Grande sertão: veredas, feita pela Bia Lessa é um fato novo na literatura, no mundo das artes, no mundo do teatro. E pode ser repetido quantas vezes se fizer necessário. É um trabalho feito. É uma nova edição muito oportuna e útil de um trabalho interessantíssimo que é a saga deste homem desamparado no sertão. Que é o que está aí até hoje” (7).

notas

1
Com colaboração da arquiteta Camila Toledo, responsável pelo desenvolvimento do projeto técnico para o cenário.

2
Bia Lessa dentro do cenário da peça, no Sesc Consolação, 18 out. 2017.

3
BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 200.

4
Bia Lessa dentro do cenário da peça, no Sesc Consolação, 18 out. 2017.

5
HOWARD, Pamela. O que é cenografia? São Paulo,  Edições Sesc São Paulo, 2015, p. 27.

6
Paulo Mendes da Rocha dentro do cenário da peça, no Sesc Consolação, 18 out. 2017.

7
Idem, ibidem.

sobre a autora

Fernanda S. Ferreira é Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie. É titular do escritório Opera Quatro Arquitetura, em sociedade com Pablo Chakur, e juntos foram vencedores do Concurso para o Teatro Municipal de Londrina e para o Edifício Sede da FATMA/FAPESC, além de terem sido premiados em outros concursos públicos nacionais.

Croqui do cenário de Grande sertão: veredas
Desenho de Fernanda Ferreira

Cenário de Grande sertão: veredas
Foto Fernanda Ferreira

 

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