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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Esta entrevista com Rodrigo Brotero Lefèvre foi realizada em junho de 1974, na Residência Marietta Vampré. A entrevista foi disponibilizado em Vitruvius em março de 2000

english
This interview with Rodrigo Brotero Lefèvre was made in june 1974 inside Marietta Vampré's house. The interview is available in Vitruvius since march 2000

español
Esta entrevista con Rodrigo Brotero Lefèvre fue realizada en junio de 1974 en la casa Marietta Vampré. La entrevista está disponible en Vitruvius desde marzo del 2000

how to quote

MAIA, Renato de Andrade. Rodrigo Lefèvre. Entrevista, São Paulo, ano 01, n. 001.01, Vitruvius, jan. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/01.001/3352>.


 

Residência Carlos Ziegelmeyer, Guarujá. Rodrigo Lefèvre, Ronaldo Duschenes e Geni Y. Uehara

Renato Maia: A que grupos políticos os arquitetos se vinculavam nessa época?

Rodrigo Brotero Lefèvre: Essa questão da política que você está me perguntando é importante, porque faz-se muita confusão sobre isso.

Não é, de jeito nenhum, qualquer vinculação política que possa vir trazer reflexos na concepção da arquitetura diretamente. É mais um problema da visão do mundo que os arquitetos tem ao fazerem arquitetura. Quer dizer, os arquitetos como pessoas que são, tem uma determinada visão de mundo e, ao fazerem arquitetura ou ao participarem da política, podem ter posições correlatas. É importante que se entenda que o termo correlato que não tem nada que ver com causa e efeito nem com relação direta.

RM: É uma certa ideologia, quando você fala em visão de mundo?

RBL: Não. Eu prefiro continuar usando o termo visão de mundo.

Quer dizer, o que qualquer pessoa tem como perspectiva da sua vida particular e da vida do conjunto da sociedade na qual ela trabalha e atua.

Para exemplificar: você pode ter uma pessoa com uma visão de mundo toda ela voltada para o seu problema individual, refletindo isso no fato de que basta ganhar dinheiro para estar se satisfazendo em termos do mundo em que ela está vivendo.

Isso é reflexo de uma visão de mundo. Quer dizer, ela vê o mundo como um monte de pessoas que estão pretendendo ganhar dinheiro e, com esse dinheiro, elas se protegem, se garantem e se asseguram do futuro. Não interessa propriamente o que está acontecendo em geral na sociedade, desde que se mantenham as condições para ela ganhar dinheiro e ficar tranqüila.

RM: Essa questão de visão de mundo é bastante polêmica. Alguém já disse: o que todas as filosofias fizeram não foi mais do que interpretar o mundo. O que nós precisamos agora é transformá-lo.

RBL: Será que é isso mesmo?

Porque eu já ouvi dizerem isso da filosofia, mas já ouvi dizerem também que isso era da filosofia do século XIX, e que a filosofia do século XX tem se colocado como uma filosofia para o futuro. Não para explicar o mundo passado, mas para pensar o mundo futuro.

Podemos voltar um pouco para a arquitetura de quinze anos atrás e dizer que a preocupação fundamental dos arquitetos naquela época era o resultado final do processo de construção. O que interessava para eles era o resultado final do Palácio da Alvorada. Não sei se você chegou a reparar na última Bienal, em um detalhe que o Joaquim Cardoso fez da ferragem necessária para fazer aquelas cúpulas de Brasília. Não sei se você já teve aula de estrutura?

RM: Não.

RBL: Se voltarmos para aquele desenho, ele é um desenho muito bonito, que está ligado à própria forma daquelas meias laranjas que tem lá no Congresso Nacional. Mas se nós tentarmos imaginar um operário colocando aqueles ferros, um ao lado do outro, um dentro do outro, tentando amarrar um ferrinho no outro, pegando aqueles vergalhões de uma polegada, de uma polegada e meia, tentando encaixar dentro de outros ferros que já estavam montados... e depois de toda a ferragem montada, o pedreiro tem que trazer o concreto para cima, e começar a jogar o concreto ali, dentro daquela trama de ferro, mais fechada que uma peneira dessas de cozinha, e tendo que jogar o concreto lá dentro e socar o concreto...

Se você olha isso pensando no processo de produção, em como realmente o operário vai trabalhar para conseguir fazer aquilo, você começa a pensar que talvez existam algumas coisas na nossa arquitetura que são "fogo".

Tem uma série de exemplos que são assim malucos. Esse tipo de análise pode nos levar a pegar projetos de arquitetura que foram feitos, às vezes nem chegaram a ser construídos, ou alguns que estão construídos por aí, nós vamos perceber umas coisas malucas que são bem típicas do arquiteto que só se preocupa com o produto final do processo de construção.

Eu vi no SESC um projeto de uma escola que eram umas abobadazinhas, e entre cada uma delas existia uma calha, que tinha mais ou menos 1m20 de altura, e a parte interna da calha tinha apenas 5 cm de largura. Para fazer essa calha aí dentro precisava de uma fôrma de madeira, com 5cm dentro, livre entre o concreto. Para conseguir fazer o concreto você precisava colocar uma fôrma do lado de cá e outra fôrma do lado de lá. Depois de retirada essa fôrma, existia o detalhe feito no projeto, essa calha precisava ser impermeabilizada. O operário precisava atingir 1m20 de profundidade e 5cm de largura com um pincel com asfalto. Você pode imaginar a aberração que pode levar um tipo de arquitetura que é feita tendo em vista apenas o seu resultado final, ou seja, como é que ela vai ficar e não como é que ela vai ser feita.

Isso sem levar para o plano mais complexo que é o do processo de produção global, que eu prefiro não abordar. Nós estamos falando do metodozinho construtivo mais "mixuruca", dos gestos que um operário tem que fazer para conseguir produzir uma coisa que foi desenhada por um arquiteto. Só estou falando disso. Não estou falando num processo de produção global, e as relações de produção, porque aí "embanana" muito.

Existem as obras mais significativas, cujo exemplo razoável é essa casa que você está vendo aqui, tendo em vista aquele problema da industrialização da construção, a tentativa de fazer certas experiências de laboratório, e uma industrialização a curto prazo, nós precisávamos nos preparar do ponto de vista da coordenação modular; entender o que é modulação; entender o que é processo construtivo; isolar certas tarefas que são feitas na obra e que naquele tempo eram misturadas. Tinha-se vários operários especializados, trabalhando ao mesmo tempo na obra, então a concretagem de uma viga dependia do encanador e do eletricista que coloca o cano dentro da viga e dependia também do ferreiro, que tinha feito a ferragem. Era uma interdependência de artesãos, um processo de manutenção do artesanato. Nós tínhamos que pensar um processo diferente para obter um resultado final diferente, para poder racionalizar a produção, sob certos aspectos, separando certas atividades que eram congêneres.

Por exemplo, esta casa aqui, todo o seu concreto e toda a sua alvenaria, que é de concreto, foram feitos sem a intervenção de um eletricista ou de um encanador. Isso era uma coisa mais ou menos rara na época.

Depois que todo o concreto e toda a alvenaria estavam feitos é que os eletricistas e os encanadores entraram na obra e, em um mês de trabalho, fizeram toda a sua parte de produção e de montagem. Os caixilhos, pela modulação que nós adotamos, e por certos ajustes de modulação, que em toda a modulação nós temos que adotar, nós conseguimos mandar fazê-los antes da obra existir. Nós mandamos fazer os caixilhos antes de existir esta laje de concreto e esta alvenaria de blocos de concreto. Coisa que nunca era feita, porque no processo artesanal aconteciam tais e quais erros que o caixilho precisava ser feito depois da obra pronta, porque ele era medido em função daquele vão que estava lá pronto.

Nesta casa, nós adotamos um módulo de caixilho que mandamos fazer. Depois, o processo de construção tinha que adotar certos ajustes, que permitissem vir com os caixilhos prontos de fora e colocá-los aqui. E assim várias experiências pelas quais nós não tínhamos passado ainda, e que eram importantes exatamente tendo em vista o futuro da industrialização da construção.

Então, de 1965 a 1969, houve uma segunda etapa em que nós fizemos pouca coisa, mas fizemos algumas obras que são, por assim dizer, o inverso daquela posição inicial da industrialização da construção.

Nós fomos retomar um outro tipo de arquitetura que utilizava, por exemplo, a construção em tijolo de barro, exatamente porque o sistema construtivo que adotava o tijolo de barro era importante para nós na medida em que era um sistema construtivo muito utilizado pelas nossas populações.

Não sei se você sabe, por volta de 1967, nós podíamos ter alguns dados sobre a quantidade de produção de edifícios em São Paulo, e nós ficamos sabendo que setenta, oitenta por cento dos edifícios construídos em São Paulo não tinham nenhuma intervenção, nem de um engenheiro, nem de um arquiteto, nem de um empreiteiro, que tivesse pelo menos como profissão o construir. Setenta, oitenta por cento dos edifícios da periferia de São Paulo, que hoje em muitos casos nem é mais periferia, foi auto-construída, construídas pelos próprios moradores.

Nesse processo de estudarmos os problemas da auto-construção, nós estávamos voltados para uma situação que poderia acontecer, uma retomada do desenvolvimento, deixando de lado esses processo de modernização. Nós achávamos que devíamos nos preparar para uma situação em que se retomasse o desenvolvimento, mas com uma participação fundamental e massiva do povo, uma retomada que implicaria na redefinição de muitas coisas. Redefinição, talvez, até do que seja a cidade para nós, do que seja a habitação, do que seja a moradia, do que seja o trabalho, e eu não sei até que ponto a nossa condição de formados, em grau superior numa situação de modernização, era suficiente para nós entendermos o que deveria ser este processo.

Então nós começamos a tentar voltar as nossas preocupações para as próprias potencialidades do povo, na medida em que começamos a achar que eram nessas potencialidades que estariam os germes de um desenvolvimento correto. Achávamos que essas potencialidades seriam a matéria prima fundamental para retomarmos um desenvolvimento que fosse mais nosso, e não um processo de modernização que não nos convém.

Desse tipo de preocupação derivaram algumas obras nossas que estavam procurando adotar um sistema construtivo muito simples. Basicamente, nós usávamos a construção com laje pré fabricada, que na época era a laje Volterrana, e que hoje não existe mais, só que esta laje era construída em curvas, dando as abóbadas.

Nós pretendíamos partir para um tipo de construção ultra-simples, que utilizasse os mesmos sistemas construtivos usados por esse pessoal que constrói na periferia: utilizando parede de tijolo e chegando a fazer caixilho, por exemplo, a partir de peças de madeira que são normalmente utilizadas para fazer telhado; caixilhos feitos com caibros e peças muito simples de serem encontradas; parafusos que existem em qualquer lugar, etc.

Então a nossa pretensão era ainda um estudo, uma obra que tinha um caráter de experiência de laboratório, tendo em vista algo que não veio a acontecer; que era uma outra situação, não de modernização, mas de desenvolvimento. Isso causou muita confusão, mais ou menos em 1967, 1968.

Na medida em que nós falávamos em auto-construção, na medida em que nós falávamos em mutirão, na medida em que nós falávamos do sistema construtivo do povo, isso foi confundido, pelo menos pelas pessoas que nos cercavam. Elas não chegaram a perceber que nós estávamos nos preparando para uma situação futura. Houve e até hoje há ainda uma grande confusão achando que as nossas propostas eram para a utilização da auto–construção, do mutirão, na situação em que nós estamos hoje. Nós temos motivos de sobra para dizer que não era isso, pelo contrário, a utilização do mutirão, da auto-construção hoje é um processo bem explicado pelo Francisco de Oliveira, e que, resumidamente, podemos dizer o seguinte: a pessoa auto construindo a sua casa está rebaixando os salários. Esquematicamente é isso, na medida em que ele está produzindo algo e portanto diminuindo a demanda de mão de obra. Provavelmente se todo mundo resolvesse adotar essa linha de auto-construção, que possibilidade daria? Simplesmente não se precisava produzir mais nada, simplesmente o custo da mão de obra baixaria a zero. Essa é uma situação radical, só para nós entendermos.

Num certo sentido, nós poderíamos dizer que a posição de vida adotada pelos hippies tem este mesmo caráter, na medida em que eles reduziram bastante as suas necessidades mínimas de sobrevivência, vivem basicamente do lixo da sociedade do desperdício, e, vivendo desse lixo, eles fazem com que as pessoas que ganham os menores salários continuem ganhando salários cada vez menores, pelo fato de que eles, os hippies, conseguem sobreviver sem ganhar salário nenhum. Nada mais justo do que um operário que ganha um salário mínimo, deixe de ganhar um pouco menos, porque assim ele também conseguirá sobreviver, e assim por diante.

O processo de auto-construção, de mutirão, quando vinculado a um processo de modernização tal como nós temos assistido no Brasil, ele não leva a nada. Quer dizer, o que nós temos pensado sobre auto construção é a tentativa de relacionar melhor as pessoas à margem do processo de produção, da vida urbana, para que elas se integrem na vida urbana, ainda com um certo equilíbrio em termos da sua personalidade.

Existem pólos de desenvolvimento, pólos de modernização que vão espalhando as suas zonas de influência. Vamos pegar um caso particular do litoral norte paulista, que vai desenvolvendo as suas zonas de influência até certos trechos, certos setores em que existe, por exemplo, um núcleo de habitantes e que tem uma economia fechada, não ligada ao mercado brasileiro. Eles vivem de pescar, de comer o que pescam e vivem ali mesmo, totalmente fechados.

O processo de modernização e de crescimento inchado do litoral norte paulista tem levado essas pessoas a se transformarem em marginais, ao invés de incluí-las no processo de urbanização geral. Marginais de vários tipos; marginais em termos de cultura, marginais econômicos, políticos etc.

O sistema de pesca deles é o cerco do peixe, que precisa de muita gente para conseguir pescar, então todos pescam em conjunto e a divisão do resultado da produção é dividindo o peixe em conjunto. Eles adotam várias formas sociais e econômicas de caráter coletivo, de caráter socialista.

O que tem acontecido é o seguinte. Nas praias que já chegaram a se tornar propriedade de várias pessoas, ou de uma só pessoa, o processo é simplesmente a expulsão dos caiçaras ou sua absorção num tipo de atividade que nada tem a ver com isso, um tipo de atividade, que é a do biscateiro. Então o sujeito perde a integridade da sua personalidade.

Eu conheci um sujeito que comprou um terreno em uma praia dessas. Os filhos dos pescadores de lá hoje fazem surf, e são os maiores surfistas da praia, por isso eles chegam a ter alguma relação de amizade com os filhos dos proprietários dos terrenos. Eles se afirmam junto aos rapazes de classe mais elevada pela sua capacidade de ser surfista. Na medida em que o surf deixa de ser a motivação principal desses rapazes que são os donos dos terrenos, os que ficaram surfistas por excelência passam a não ter absolutamente nada o que fazer na vida.

A afirmação deles, que era, num certo momento, a do surf, passa a não ser mais nenhuma. A pequena relação que eles tiveram com os filhos dos proprietários de terreno não foi suficiente, nem nunca seria suficiente, para os colocarem no complexo de vida urbana que nós temos. Com o tempo, eles começam a ter insatisfações incríveis, do ponto de vista sexual, com os seus próximos que moram na praia, com os seus familiares. A grande maioria vira biscateiro, bêbado, uma grande quantidade de pessoas que estão ali na beira da estrada para roubar, ou outros tipos de vida marginal que são adotadas.

Nesses processos de modernização nós podemos falar que esse sujeito está "estrepado", deformado em sua personalidade.

Mas em cada área de influência dessas, isso pode acontecer sob outros aspectos. Vamos dizer que isto aqui seja um polo de modernização. Isto aqui não está dentro de outras ondas em relação a outros centros?

Nós podemos citar casos engraçados. De vez em quando, uma empresa adota o computador para fazer certos cálculos de faturamento, de pagamento de funcionário, etc. A empresa, até o dia em que usou gente que fazia isso na unha, pagava direitinho, nunca tinha erro de cálculo nos salários, mas quando entrou no computador ficou tudo "embananado". Eles tiveram que refazer tudo, porque o uso do computador é simplesmente um processo de modernização, e tem sido basicamente assim.

Nós estávamos pensando a auto-construção, tendo em vista o futuro no qual as classes mais desprevilegiadas, digamos assim, tivessem uma participação mais concreta nas decisões e na elaboração de conceitos sobre a habitação, sobre o urbano, sobre as nossas cidades etc.

Era uma visão bastante ligada a uma visão de mundo, se você quiser, bastante ligada a uma utopia. Não utopia no sentido pejorativo que ela tem tido, mas utopia como algo necessário do ponto de vista filosófico. A utopia identificada com a filosofia para o futuro. Para nós, tudo isso era trabalhar sobre uma utopia, tendo em vista a preparação para uma outra situação. Isso deu muita confusão e tem pessoas fazendo propostas de mutirão, de auto-construção, muitas vezes dizendo que a gente é favorável.

Os dois aspectos pelos quais nós somos contra o mutirão e a auto-construção hoje são os seguintes: 1) O problema econômico, da redução do custo da força de trabalho e da redução dos salários; 2) favorecer o processo de modernização que tem esse caráter de desvio da personalidade.

Não tem problema o sujeito vir para a cidade. Ele vem sem nada, sem dinheiro, mas não tem problema, pois ele constrói a sua casinha, arranja um empreguinho. É a adoção de soluções, de tal forma, que esse sujeito também entre no processo de modernização.

O que vocês defendem hoje? Que o sujeito entre no processo de modernização?

RM: Não, esse é um dos argumentos ao qual nós somos contrários.

RBL: Entre 1969 e 1970, eu fiz poucas obras de arquitetura e, logo depois, em 1971, eu entrei para uma empresa de projeto, que é por assim dizer, um dos principais agentes de modernização no Brasil, que é a Hidroservice. O que se faz lá são projetos que deveriam estar sendo feitos em países super-desenvolvidos, e eu estou participando desses projetos.

No início de 1969, começaram a aparecer conceitos que talvez já existissem subjacentes aqui embaixo, mas foram muito discutidos nessa época. Em 1968, 1969, foi a época que nós fizemos dois fóruns na faculdade sobre o problema da profissão do arquiteto e sobre como deveria ser o ensino da arquitetura, etc. Nós começamos a nos colocar com certa clareza, que o fazer arquitetura não era necessariamente produzir obras de arquitetura. Fazer arquitetura não era necessariamente trabalhar numa prancheta fazendo desenhos, e esses desenhos indo para a obra e a obra sendo construída e virando um objeto, uma casa, um edifício, etc.

Ser arquiteto não era necessariamente isso, que sempre nos colocaram. Talvez o arquiteto pudesse participar de certas atividades, que criassem condições para se produzir os objetos da arquitetura corretamente.

Quando se chega numa situação em que cada um, individualmente, começa a perceber a total impossibilidade de uma atuação correta do ponto de vista profissional, talvez tenhamos que retornar para uma outra atividade, para fazer com que a atividade profissional possa ser cumprida com bastante tranqüilidade.

RM: Não entendi.

RBL: Nessa época, 1968, 1969, apareceu uma corrente de pessoas que pensavam que fazer arquitetura não era necessariamente você sentar numa prancheta, rabiscar e mandar esse desenho para a obra. Era uma atividade profissional, que, num certo momento, estava comprometida com a situação geral do Brasil, e que nós não tínhamos muita saída para produzir alguma coisa de bom, de razoável. Apareceram outras pessoas, uma outra corrente, que achava que produzir projetos de arquitetura era a única possibilidade do arquiteto.

Essa corrente achava que a atividade devia retomar, por exemplo, um processo de desenvolvimento concreto, real, em vez de um processo de modernização, que era o que nós estávamos fazendo e do qual nós estávamos participando. Em termos de conjuntura talvez fosse o mais razoável, em um certo momento, em termos de atividade do arquiteto não de atividade profissional, mas de uma atividade cultural mais geral.

Isso causou também muita confusão. Algumas pessoas começaram a ser dedadas, começaram a falar que existiam arquitetos que achavam que os mesmos não deviam trabalhar na prancheta e que não deviam produzir desenho. Não era nada disso, também. Simplesmente nós achávamos que talvez fosse importante, em um certo momento, pensar um pouco e aprender a pensar um pouco, antes de fazer alguma atividade profissional. E mais: pretendíamos criar condições concretas de realização em termos profissionais. Realização concreta, de objetos em termos profissionais, mas aí vieram as confusões.

Hoje eu estou na Hidroservice fazendo exatamente aquilo que eu achava que não deveria fazer.*

* Nota de Ana Paula Koury: Essa afirmação deve ser entendida no contexto da posição política que Rodrigo Lefèvre assumiu, contra o que ele mesmo denomina de processos de modernização do país, em oposição ao que ele aponta como desenvolvimento concreto do país. Sobre essa frase deve-se evitar a confusão de interpretá-la como uma reprovação de Rodrigo Lefèvre ao tipo de trabalho realizado na Hidroservice. Isto é, ao trabalho em equipe, ou ao trabalho do arquiteto assalariado dentro de uma grande empresa, ou ainda, ao trabalho do arquiteto inserido em uma cadeia produtiva maior. Também não deve ser interpretada como uma reprovação direta ao trabalho realizado pela empresa. Essa afirmação refere-se unicamente ao fato que o arquiteto reprovava um tipo de modelo de modernização global do Brasil, do qual a empresa de certo modo participava. Em outra oportunidade o arquiteto irá defender a empresa afirmando: "No caso da Hidroservice, onde trabalho há 9 anos, empresa de capital inteiramente nacional, aparece, com grande ênfase, a defesa do reconhecimento e do desenvolvimento de uma tecnologia nacional de construção e de um conhecimento nacional"- LEFÈVRE, Rodrigo B. - "O arquiteto assalariado" em revista Módulo no 66 , setembro 1981; p. 68.

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