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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Abilio Guerra entrevista o arquiteto paisagista José Tabacow, que fala de sua formação e trabalho com Burle Marx, de sua experiência como diretor do Museu de Biologia Professor Mello Leitão em Santa Teresa/ES e sobre ecologia e meio ambiente no Brasil

english
Abilio Guerra interview landscape architect José Tabacow, who talks about his training and work with Burle Marx, from his experience as director of the Museu de Biologia Professor Mello Leitão in Santa Teresa/ES and on ecology and environment in Brazil

español
Abilio Guerra entrevista al arquitecto paisajista José Tabacow, que habla de su formación y trabajo con Burle Marx, de su experiencia como director del Museo de Biología Profesor Mello Leitão en Santa Teresa/ES y sobre ecología y medio ambiente en Brasil

how to quote

GUERRA, Abilio. José Tabacow. Entrevista, São Paulo, ano 07, n. 028.02, Vitruvius, out. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.028/3299>.


Primeiras ravinas na região do Monte Roraima. No vale, as linhas verdes mais escuras marcam o início de veredas de buritis ao longo dos córregos
Foto Luiz Cláudio Marigo

Abílio Guerra: Você acaba de voltar de viagem pelo Brasil, aonde pôde constatar a situação de parques e reservas nacionais. Essas regiões merecem ainda a denominação de “Santuários Ecológicos” ou a ação humana já as violou de forma significativa? O que tem que ser feito nessas áreas e o que cabe ao governo e à sociedade?

José Tabacow: Viajar pelo interior do Brasil é uma das experiências mais gratificantes que um paisagista pode querer. Aprendi a olhar as paisagens brasileiras com Burle Marx desde muito jovem e mantenho meu interesse aceso, pois sempre há o que descobrir. Este ano estive em Roraima, ajudando o fotógrafo Luiz Cláudio Marigo a fazer um levantamento fotográfico dos ecossistemas associados à água, na bacia do rio Branco. Chegamos às fronteiras com a Venezuela e a Guiana, nas cabeceiras dos rios formadores, onde tudo começa com algumas pequenas ravinas, aquelas primeiras aguinhas que vão ter ao rio Negro e juntar-se ao Amazonas.

Estivemos também no Jalapão, em Tocantins, local de beleza indescritível, com fantásticas dunas amarelo-avermelhadas contidas por um coleante riacho de água cristalina. Fomos a São Félix do Araguaia, em frente à grande ilha do Bananal, cuja paisagem, pelo menos no local, acha-se seriamente alterada. Estivemos na Chapada dos Veadeiros, também com paisagens que palavras não conseguem descrever.

Contornamos a Chapada pelas encostas do divisor de águas entre o Tocantins e o São Francisco e ainda fizemos uma rápida escala na Estação Ecológica das Águas Emendadas, nas imediações de Brasília. Em todos esses lugares fotografamos fartamente, em especial, águas e palmeiras. Mas também paisagens e detalhes, vegetação e rochas, veredas e campos.

Ainda existe muito por descobrir e cada novo local é uma revelação distinta, uma emoção diferente. Sugiro aos que me lêem que considerem a possibilidade de visitar locais como estes mais freqüentemente. Se assim fizerem, verão que não há exagero em minhas palavras. Ao contrário, há um frustrante sentimento de não conseguir mobilizar as pessoas a partilhar tanta beleza comigo.

Acho que ainda há muita natureza em bom estado, no Brasil. As unidades de conservação têm suas dificuldades, decorrentes de nossa formação sócio-cultural. Falar da falta de verbas, ausência de planos de manejo e outros seria redundante. Todos sabemos o que está faltando. Prefiro tentar mostrar que há algo pelo qual ainda vale a pena lutar, guardar e usufruir. E posso afirmar que há gente que luta! É emocionante ver que há pessoas, muitas vezes humildes funcionários que vestem a camisa, que se dedicam, que sofrem e que se entregam. Lutam contra a burocracia instalada nos gabinetes e contra os que aceitam cair de pára-quedas em áreas que não as suas, apenas pelos postos e gostos do poder. Lutam contra a falta de recursos e contra os anos eleitorais. Mas continuam acreditando.

É importante também mencionar que as comunidades que vivem nas proximidades de reservas e parques têm hoje, uma consciência diferente. Percebem que, nas paisagens de suas regiões, há toda a carga natural e cultural subjacente que forma sua própria identidade, algo que deve e merece ser guardado, ainda que sob a forma de fragmentos.

Muitas áreas apresentam sinais de alterações. Alguns alarmantes, outros, nem tanto. Otimistamente entretanto, prefiro continuar acreditando nas palavras de Thiago de Mello: “Apesar do próprio homem, ainda é tempo!”.

AG: Eu estive recentemente na cidade de Morretes, no Paraná. Pude observar lá e nas imediações uma paisagem maravilhosa, com uma preservação do meio ambiente surpreendente para uma área com urbanização significativa. Riachos e cachoeiras com água limpa, vegetação exuberante, permeabilidade muito grande do solo, construções respeitosas dos lugares... O fenômeno turístico é bem presente, o que torna ainda mais significativa a preservação ambiental. Eu acredito que há algum segredo aqui. O que você pensa da preservação ambiental de áreas com urbanização significativa, aonde os mecanismos legais que pressupõem uma maior separação homem-natureza não fazem sentido? Você conhece bons exemplos no Brasil de uma relação minimamente harmoniosa entre comunidade e meio ambiente?

JT: É interessante estabelecer o que entendo por relação harmoniosa, já que se trata de um conceito subjetivo. Por isso, começo minha resposta pela parte final da pergunta: se um caboclo mata um animal para se alimentar, considero o fato uma relação harmoniosa. Aquele mesmo animal poderia matar outra espécie qualquer, pelos mesmos motivos. Trata-se da relação natural predador-presa. Se um caçador esportivo mata um animal por prazer, então não existe harmonia. Existe uma deformação que consiste em sentir prazer com o sofrimento inútil e o desaparecimento de outro ser vivo. Estes exemplos estão na escala do varejo. Infelizmente, no atacado acontece o mesmo, porém com resultados mais perturbadores. Como exemplo: a população do Jalapão desenvolveu uma cultura artesanal que usa as hastes florais do capim-dourado (uma sempre-viva do gênero Singonantus) produzindo peças de grande beleza e de forte identidade regional. A produção e comercialização são feitas localmente. Entretanto, os produtos já começam a aparecer em algumas cidades maiores, e a preços que podem ser quatro vezes superiores aos das fontes. Em algum momento do desenrolar deste processo, com o aumento da produção, tende-se a um ponto de reversão em que a harmonia se converte em predação, aquela espécie entra para o rol das ameaçadas e pode desaparecer, pois os processos de reprodução são sistematicamente interrompidos pela coleta maciça das flores. Entretanto, no caso do Jalapão, a legislação impede que o capim saia do estado em estado bruto, garantindo a produção local e limitando a coleta à capacidade da comunidade de processamento. Em uma viagem na década de 80, vi venda de hastes florais de Paepalanthus, outra sempre-viva, por quilo no portão de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Eram fardos e mais fardos de flores que eram coletadas e vendidas. Não havia um beneficiamento, uma atividade qualquer que as utilizasse como ponto de partida, agregando-lhe valor e fazendo baixar naturalmente o ritmo de coleta, como acontece no Jalapão. Acaba-se a sustentabilidade quando a velocidade de exploração do recurso é maior do que a possibilidade de reprodução da espécie, levando-a à extinção local. Por isso, é fundamental definir qual a capacidade de tolerância do recurso à exploração. Só assim se pode garantir a continuidade da exploração sem aquela conotação autofágica da cobra que engole o próprio rabo.

Esta e muitas outras atividades com convivência saudável entre as comunidades e seu meio são extremamente sensíveis a fatores exógenos. Mas, de maneira geral, a relação não predatória ou mesmo sustentável, se isso existir, costuma decorrer de suas características intrínsecas e não propriamente de uma preocupação ou objetivo primário de conservação. Muitas destas culturas subsistem há bastante tempo. Os caiçaras de uma grande extensão da costa sudeste, em especial, a região de Peruíbe, Iguape, muitas pequenas colônias de pescadores espalhadas pelo litoral de Paraná e Santa Catarina, os seringueiros e muitos outros grupos que, pela natureza de suas atividades, não esgotam os recursos que exploram, têm sua contrapartida nos garimpeiros, que destroem as margens e poluem as águas, caçadores clandestinos de peles, coletores de palmito, alguns colecionadores de orquídeas e bromélias, entre outros.

Um caso digno de menção é Mamirauá, na região de Tefé – AM. Há um acordo entre os pescadores e os pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Mamirauá-MCT, a Sociedade Civil Mamirauá e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá pelo qual, a cada ano todos se reunem e discutem em quais das dezenas de lagos existentes haverá pesca naquela temporada. São interesses conflitantes (exploração x conservação) em longas discussões, às vezes com grandes dificuldades para se chegar a um acordo. Mas, uma vez este estabelecido, as partes respeitam. Isso vem acontecendo há alguns anos, sendo importante mencionar que a pesca do pirarucu, antes proibida, é feita de forma controlada, com benefícios como o aumento de sua população em razão da rotatividade da pesca nos lagos, dando tempo para que os níveis de viabilidade populacional se mantenham.

Existem  estes e diversos outros exemplos de convivência saudável entre homem e ambiente. Certamente há muitos outros de que sequer tenho notícia. Mas seria uma omissão injusta não mencionar o papel que o IBAMA e muitos órgãos estaduais de proteção ambiental vêm tendo, no sentido de melhorar, implantar  e incrementar estas ações. Desde a formação e treinamento de criadores das borboletas azuis (Morpho sp.), no Rio de Janeiro, que baixou a pressão sobre a população das espécies, hoje recuperadas na natureza, até o visível aumento da eficiência fiscalizadora que, nos mais remotos pontos do território inibe, nas suas mais diversas modalidades, as ações predatórias do ambiente.

Completando agora a resposta, a região de Morretes, a serra da Graciosa, algumas encostas da serra dos Órgãos, do Itatiaia, do litoral sul do Rio de Janeiro e norte de São Paulo são paisagens de exceção. Por alguma circunstância, elas permaneceram com sua cobertura vegetal íntegra, mas correspondem a menos de 10% da floresta atlântica primitiva. Foi o que restou por razões como fortes declividades, acesso difícil, ocupação lenta do território e mais recentemente, implantação de unidades de conservação. Felizmente, o valor destes remanescentes foi percebido a tempo e medidas de proteção eficientes foram tomadas. Temos, assim, não apenas amostras e testemunhos do que foi a mata atlântica, como também bancos de germoplasma que podem fornecer matéria prima destinada à recolonização de áreas degradadas. Vamos tomar emprestados alguns conceitos de ecologia da paisagem para constituir um quadro em que tanto estes restos de floresta atlântica quanto as áreas urbanizadas são olhados como fragmentos de paisagem com origens, formas, tamanhos, quantidades e configuração espacial próprios e interagentes. Como estamos avaliando aspectos ecológicos, o que entra em jogo são as relações entre estes fragmentos, ou seja, como se dá a interação entre as áreas urbanizadas e os remanescentes florestais, considerando-se ainda outros fragmentos que os permeiam, como pastagens, reflorestamentos homogêneos, áreas agrícolas e os corredores – estradas, linhas de transmissão e rios, para exemplificar alguns. É a compreensão destas relações e sua aplicação quando identificadas como benéficas que explica resultados positivos de convivência entre as cidades e as florestas, como no caso de Morretes. A evolução da consciência ambiental nos deu instrumentos como os EIA-RIMA e os EIV que, em última análise, procuram compatibilizar as necessidades de acomodar a crescente população e concentração humana nas cidades com a importância de se manter remanescentes que significam as últimas oportunidades de reconstruirmos ambientes mais próximos de suas qualidades originais. A compreensão destas relações tem ainda mostrado aos habitantes e administradores que o valor de ambientes em bom estado de conservação ou regeneração são também fontes de recursos quando trazem turistas atraídos não apenas pelos valores culturais e naturais, mas adicionalmente pelo benefício conjunto que deles resulta.

José Tabacow no Vale da Lua, na Chapada dos Viadeiros. Erosão provocada pela água sobre a rocha facilmente friável pela riqueza em carbonato
Foto Luiz Cláudio Marigo

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