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interview ISSN 2175-6708

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Veja a entrevista de Antônio Agenor Barbosa e Juliana Mattos com o arquiteto Marcos Konder, cujo mais conhecido projeto é o Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, no Aterro da Glória, Rio de Janeiro

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Vea la entrevista de Antônio Agenor Barbosa y Juliana Mattos con el arquitecto Marcos Konder, cuyo más conocido proyecto es el Monumento a los Muertos de la II Guerra Mundial, en el Aterro de la Gloria, Río de Janeiro

español
Read the interview of Antonio Agenor Barbosa and Juliana Mattos with architect Mark Konder, whose best known project is the monument to the dead of World War II, in aterro Gloria, Rio de Janeiro

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BARBOSA, Antônio Agenor; MATTOS, Juliana. Marcos Konder. Entrevista, São Paulo, ano 08, n. 029.02, Vitruvius, jan. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/08.029/3297>.


Monumento aos Mortos da 2ª Guerra. Arquitetos Marcos Konder e Helio Ribas Marinho
Foto Antônio Agenor Barbosa

Antônio Agenor Barbosa e Juliana Mattos: Gostaria que o senhor falasse a respeito dos seus anos de formação universitária. Como foi o seu processo de escolha pela Faculdade de Arquitetura e as características mais marcantes daquele período? Como era o contexto político e social do Brasil na época da sua formação?

Marcos Konder: Bom,voltando ao assunto da minha formação, tive outros amigos importantes além do Newton Mendonça e do Tom Jobim. Por exemplo, tive a amizade de um homem que hoje é um conhecido pintor, renomado artista plástico, o Eduardo Sued. Também nos formamos na mesma época. O caso dele é interessante. Ele entrou para Engenharia, e quando estava no terceiro ano, decidiu que queria ser pintor. Foi uma decepção para a família dele, que é de sírio-libaneses, depois que o Eduardo já tinha enfrentado o vestibular para Engenharia, que era um dos mais difíceis na época. Eu tenho umas pinturas dele da época em que ele começou a se desenvolver nas artes plásticas. Éramos um grupo de jovens interessados em arte.

Certa ocasião, caiu em nossas mãos um livro chamado: “Pintura quase sempre”, nós líamos aquilo com uma atenção, sobre todos os movimentos estéticos principalmente os modernos, mas também o impressionismo, expressionismo. Então, durante a faculdade de arquitetura, eu comecei a me interessar também muito por pintura, por arte, quase virando a casaca para a pintura (risos). Devo revelar para vocês que quando comecei a faculdade, eu não era tão interessado por arquitetura. No primeiro ano eu nem ia muito às aulas. Havia uma matéria na época, matemática, que era lecionada pelo Professor Júlio César de Mello e Souza, o famoso Malba Tahan. Ele é o autor do livro “O Homem que Calculava”, que conta a história de um árabe que usa a matemática para resolver qualquer tipo de problema e esta obra dele foi até premiada pela Academia Brasileira de Letras. Mas, na minha época, ele era o terror dos estudantes de arquitetura, pois estes não tinham uma boa formação. Eu e o Tom Jobim éramos exceções, devido aos nossos intensivos estudos em matemática antes de entrarmos na faculdade.

Para vocês terem uma idéia, eu até nem freqüentava regularmente as aulas do Prof. Mello e Souza e, ainda assim, passei por média. Homem muito inteligente, ele sabia que arquiteto não gosta de matemática, e assim não se aprofundava tanto, mesmo dando o mais superficial, muitos dos meus colegas do curso de arquitetura tinham dificuldades nas aulas dele. Eu achei tranquilo o curso, fiz as provas e passei. Mas nesse primeiro ano eu não estava ainda muito certo do que queria realmente. Tudo começou quando eu estava assim na dúvida o que é arquitetura, qual é a relação da arquitetura com a arte, por que o Arquiteto projeta e qual a sua motivação ao projetar. Enfim, eu não estava achando muita graça nisso até que um dia houve uma palestra do Oscar Niemeyer na ABI, Associação Brasileira de Imprensa.

E aqui eu faço uma observação que é a de que nós éramos privilegiados, pelo fato de estudarmos em frente a dois dos maiores ícones da arquitetura mundial que são a ABI e o Ministério da Educação. E o Oscar fez uma palestra muito bonita, onde ele explicava o porquê de determinadas formas nos projetos dele. E foi aí que eu pude associar o que ele falava às idéias e aos projetos do Sullivan, onde “a forma segue a função”. Então eu percebi que a função está relacionada com a forma e a partir daí o arquiteto tira a sua motivação para conceber a forma dos seus projetos. Naquele momento eu comecei a encontrar um sentido e achei interessante esta idéia de que o arquiteto, ao projetar, nem faz uma forma gratuita ou aleatória e nem faz um edifício meramente utilitário. Então o papel do arquiteto era fazer alguma coisa que mesclasse a utilidade, a tecnologia e a beleza. E depois nós passamos a tomar conhecimento da arquitetura moderna brasileira através das idéias e dos projetos de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e também de Affonso Eduardo Reidy. E esta turma era, na verdade, composta por arquitetos nitidamenteinfluenciados pelas idéias de Le Corbusier. E aí descobrimos também, por tabela, o Le Corbusier que passou a ser o nosso Deus. Eu tenho até hoje cinco álbuns do Corbusier. O Le Corbusier era danado pois ele de tantos em tantos anos fazia uma espécie de álbum e vendia para o mundo inteiro. Na verdade, ele vivia disso e não de arquitetura. Ele era um ótimo escritor, um desenhista excepcional. E então um livro de Corbusier passava a ser uma espécie de Livro Sagrado dos Arquitetos. E quando fazíamos prova na Escola era com o livro de Corbusier aberto na nossa frente. Copiávamos direto e sem a menor vergonha. E ficávamos procurando nos livros de Le Corbusier qual o projeto mais parecido com o que o professor havia nos solicitado. E olhávamos a história do brise-soleil, da estrutura independente, fachada cortina, proteção solar, terraço jardim, pavimento livre, pilotis... os postulados de Corbusier passaram a ser sagrados, como já mencionei.

Evidentemente que nossos projetos iniciais, copiados de Corbusier, eram ainda muito esquemáticos e simplificados e, aos poucos, fomos superando e adaptando aquelas idéias à nossa realidade tropical. Então essa geração anterior à nossa, com uma distância de aproximadamente duas décadas, foi o nosso referencial. O Oscar, para minha geração, era um cara já velhíssimo naquele tempo, já tinha uns quarenta e poucos anos (risos). Ele ainda não tinha projetado os edifícios de Brasília, mas já tínhamos as referências da Pampulha. Hoje, na verdade somos dois velhinhos, eu e o Oscar.

O Oscar teve uma ascensão muito rápida. O Lúcio deu um impulso inicial em sua carreira, ao chamá-lo para compor a equipe do Ministério da Educação. E mais tarde houve um episódio muito interessante em que o Lúcio Costa foi convidado para projetar o Pavilhão do Brasil em Nova Iorque. Primeiramente houve um concurso em que Lúcio obteve o primeiro lugar e o Oscar Niemeyer a segunda colocação. Lúcio era uma pessoa excepcional e uma figura acima da média. E quem me contou essa história que vou mencionar foi o João Carlos Vital, que foi Prefeito do Rio e coordenou a organização do Concurso. Então ele me contou que o Lúcio, chegou para ele e disse que o melhor projeto não era o dele e sim o do Oscar Niemeyer. Então o João Carlos Vital sugeriu que refizessem, juntos, um novo projeto. E este novo projeto que eles fizeram foi muito mais baseado no projeto anterior do Oscar que no projeto do Lucio. E o Oscar foi subindo como um foguete, pois ele ainda teve a sorte de encontrar um “Juscelino Kubitscheck”, na época Prefeito de Belo Horizonte, que era um visionário e que tinha idéias de modernização urbana e arquitetônica para novas áreas da cidade de Belo Horizonte. Nesta época eu estava me formando e acompanhava tudo isto com atenção e interesse.

Então seu eu puder resumir tudo isto, eu digo que não só para mim como para toda a minha geração, nascida nos anos 30, estas pessoas foram fundamentais.

Já no final da faculdade, eu comecei a me sentir um pouco tolhido por estas idéias e foi aí que eu descobri, por conta dos muitos livros que adquiria, o gênio de Frank Lloyd Wright. Eu estava sempre interessado em artes, nos movimentos de vanguarda daquela época, estava sempre lendo e estudando muito sobre estes temas. De maneira que eu considero que eu até tenho um bom conhecimento de artes plásticas, em função deste meu interesse pessoal pelo tema. Cabe dizer que a faculdade não estimulava muito a nossa curiosidade por estes temas da arte, infelizmente. E aí, eu posso dizer que me entreguei de corpo e alma à arquitetura e à arte e fui resolvendo, paulatinamente, a minha dicotomia interna entre ser pintor e arquiteto.

AA / JM: Quais foram os seus principais mestres? Como era o ambiente acadêmico na faculdade e a sua relação com os colegas e professores? Em quais disciplinas o senhor se destacava?

MK: A Faculdade na minha época era dominada por professores de duas linhas bem distintas que eram: os “engenheiros” e os da linha “acadêmica” ou tradicionalista, digamos assim. Este segundo grupo, nós os desprezávamos solenemente, mas agora que eu sou mais velho eu percebo que eles eram bons arquitetos – dentro daquilo que se propunham a fazer – mas o fato é que nós os desprezávamos. E eles davam temas de trabalho tais como: um castelo, algo no estilo românico ou gótico e o nosso interesse já era pela arquitetura moderna. Mas cabe dizer que estes professores não nos perseguiam e até reconheciam o talento destes jovens alunos. E eu por exemplo, só vim a reconhecer o Archimedes Memória como um bom arquiteto e professor algum tempo depois de formado. E os melhores alunos, inegavelmente, eram os que já estavam engajados nas idéias da arquitetura moderna. Na minha turma tinham três alunos que se destacavam que eram o Flávio Marinho Rego, meu grande amigo de projetos e de noitadas, o Ulisses Burlamaqui, que era uma figura muito engraçada por que era todo “certinho”, todo almofadinha, e era ótimo em apresentação de projetos e eu. O Ulisses era conhecido tanto por que caprichava muito nas suas apresentações da faculdade com maquetes muito bem feitas e também pelo fato de copiar nitidamente as idéias do Oscar Niemeyer.

Tem até uma história engraçada do Ulisses. Por ocasião de uma exposição que organizamos pelo NEDAB (Núcleo de Estudos e Divulgação da Arquitetura Brasileira) que foi um órgão criado pelos alunos de arquitetura, e que foi realizada no Ministério. Lá havia projetos de alunos, inclusive do Ulisses. Aí contam que o Oscar esteve na exposição e, ao se deparar, com o projeto do Ulisses, exclamou que não havia mandado nenhum projeto par a exposição. Ele não era mau arquiteto, mas também não era dos mais criativos. Cabe dizer que ele tinha muito bom gosto, se vestia muito bem e ficou logo rico com a arquitetura, andava de carro conversível e etc. E o outro aluno, dentre os que mais se destacavam era eu.

Fora do âmbito da faculdade eu recebi uma grande influência do Valério Konder e do Victor Konder, ambos meus tios, como já mencionei. E como eles eram comunistas, eu logo também me tornei comunista e entrei para o Partido. Aliás, o Valério Konder, meu tio, era um médico sanitarista e pai do filósofo Leandro Konder, meu primo, que era pequenininho nesta época. A minha avó morava na Rua Nascimento Silva em Ipanema e o Leandro e o Rodolfo Konder, meus primos, moravam ao lado. Como eles eram bem mais novos que eu, nós não tínhamos muito contato. E uma informação curiosa é que o Leandro era muito amigo do arquiteto Alfredo Brito.

Então como eu dizia, eu passei a pertencer ao Partido Comunista e fiz parte de uma célula do Partido. Tínhamos uma atuação política muito engajada nas causas que o Partido defendia. E eu me lembro que na ocasião em que eu passei no vestibular, fui ao Partido e numa reunião eu pedi a palavra e disse aos companheiros que agora não poderia me dedicar tanto às causas do Partido, pois iria estudar Arquitetura. O que é curioso é que o Partido passou por uma reestruturação destas células e acabou criando uma nova célula dentro da Faculdade de Arquitetura. E eu, obviamente, fazia parte desta célula junto com alguns outros alunos e também funcionários e até os serventes da escola.

Mas aos poucos eu fui me desiludindo com o Partido por conta de seu dogmatismo e das idéias associadas ao Stalinismo que eu não concordava muito. Eu não concordava com o “centralismo democrático” preconizado pelo partido. No Socialismo eu acreditava, mas sempre associado à democracia. Então eu continuei sendo de esquerda, mas com uma visão crítica da política.

AA / JM: Quando e com quem o senhor começou efetivamente a trabalhar com arquitetura e como arquiteto? O senhor sentiu-se seguro ao sair da faculdade para o mercado ou esta segurança somente foi sendo adquirida com a realização dos seus primeiros trabalhos? Havia no tempo da sua formação um ambiente propício e favorável à crítica de arquitetura e aos debates fora da faculdade?

MK: Quando eu estava no terceiro ano da faculdade, aquele grupo Flávio Marinho Rego, Ulysses Burlamaqui, eu, e outros de turmas mais adiante como o Acácio Gil Borsoi, que era um ano na minha frente, o Almir Gadelha, que já faleceu, nós formávamos um grupo dos melhores alunos da turma “na parte que interessa”: projeto. E o Instituto de Arquitetos, que era ali na Cinelândia, numa sobreloja, fez um concurso para estudantes de arquitetura, uma espécie de embrião do concurso Arquiteto do Amanhã. O objeto do concurso era o projeto de um centro cultural, algo assim. Como o Flávio tinha o escritório dele, ele havia alugado uma sala no Centro, ou melhor, no Castelo, pois ele trabalhava com o Oscar Niemeyer, ele empreitava desenhos do Oscar. Então ficávamos, esse grupo de alunos, preparando individualmente os trabalhos para o concurso na sala cedida pelo Flávio. Então entregamos os trabalhos e o júri era composto por arquitetos como o Maurício Roberto e outros medalhões da arquitetura.

Resultado: 1º lugar o Ronaldo Esteves que é um arquiteto até de bom nível mas que depois a gente não ouviu mais falar dele. Eu sei que ele era radicado em Brasília. 2º lugar: Acácio Gil Borsoi que era um ano na minha frente como eu já mencionei. E eu fiquei em 3º lugar. Fiquei maravilhado, pois eu ainda estava no terceiro ano da faculdade e era um dos mais novos de todos os concorrentes. E eu me lembro de um fato curioso que foi um comentário que o Maurício Roberto fez para mim e disse: “olha você tem um projeto muito bom mas a sua apresentação ainda está muito fraca, você tem que melhorar muito pois este é um item importante num trabalho de arquitetura”.

E a partir desta premiação no concurso, nós começamos a ter alguma projeção no cenário arquitetônico mesmo que eu ainda fosse um estudante. De repente, o nosso nome ficou meio na moda, e a gente começou a aparecer na mídia e por aí vai. Nesse tempo o Sérgio Bernardes freqüentava muito a escola pois, apesar de já estar trabalhando profissionalmente como arquiteto, ele ainda devia algumas matérias do terceiro ano e, veja você, não tinha ainda recebido o seu diploma. Um boato que existiu naquele tempo era o de que o Sergio Bernardes pagava ao Ulisses Burlamaqui para fazer alguns trabalhos da faculdade pra ele. O Ulisses era danado e, por outro lado, o Sergio era um arquiteto já com muitos trabalhos no seu escritório e que, certamente, não tinha tanto tempo assim para se dedicar a trabalhos de faculdade. E depois de muito tempo, o Sérgio Bernardes, que já era um arquiteto conhecido e renomado, finalmente, conseguiu ter o seu diploma. Cabe dizer que o Sergio, nascido em 1919, era de uma geração intermediária entre a geração do Oscar e do Lúcio Costa e a minha geração. E desta geração o Sergio era, de fato, o mais conhecido, como eu já falei. Aí eu me formei e logo em seguida o Sérgio Bernardes me convidou para trabalhar no escritório dele.

A gente se encontrava com freqüência pois esta turma toda costumava se encontrar ali no Bar “Vermelhinho”. Era um bar de artistas e intelectuais tais como Vila Lobos, Carlos Drummond de Andrade. E naquele tempo a gente só andava de paletó e gravata. E um dia eu estava parado na porta da faculdade quando o Sérgio Bernardes passou e falou assim: “Aí Marcos, você que trabalhar no meu escritório”. E ele precisava de alguém que fosse bom de desenho e de perspectiva e acho que foi por isto que ele me convidou para trabalhar com ele. Ele precisava de alguém que também o ajudasse a refletir no processo criativo, pois os outros arquitetos da equipe eram muito bons na parte de detalhamento e execução e não na parte de criação.

E quando eu disse, todo feliz, aos meus colegas que ia trabalhar com o Sérgio Bernardes, muitos me alertaram me dizendo assim: “você está louco, o Sergio não paga a ninguém que trabalha com ele”. Ele tinha esta fama realmente de não pagar aos seus colaboradores e eu me lembro que o escritório dele era num edifício projetado pelos Irmãos Roberto, ali na esquina da Rua Senador Dantas com Evaristo da Veiga. Então o Sérgio me disse assim: “Olha Marcos, você aqui vai ser o meu braço direito no escritório”.

E eu comecei a ajudá-lo na parte de criação dos projetos. Fazia perspectivas e etc. E então eu disse pro Sérgio: isto é o que eu quero mesmo. Aí comecei, foi ótimo porque o Sérgio dava desenhos mirabolantes, mas aí ele mesmo empacava nas suas idéias. Dizia o Sérgio: “Marcos, aqui eu não sei mais o que faço.” Eu dizia: “Deixa comigo Sérgio, eu vou tentar resolver pra você.” E então eu desenvolvia muitas das idéias originais do Sérgio Bernardes. Eu me lembro de uma Igreja sobre a qual o Sérgio disse: “Eu quero que ela seja redonda” e deu outras pistas mas questionou por exemplo como seria o acesso da tal Igreja. E então eu sugeri um acesso por baixo, por uma espécie de rampa, como mais tarde o Oscar Niemeyer fez na Catedral de Brasília. Ficávamos até altas horas da noite, discutindo idéias, projetos. O Sérgio tinha uns clientes “picaretas”, a maioria de São Paulo, que vinham com umas idéias mirabolantes, que era tudo pra ganhar dinheiro, pra “vender papel”.

Mas mesmo com este tipo de clientela não muito confiável, o Sérgio me deu uma lição muito interessante de vida. Uma vez estava com ele, nós dois sozinhos no escritório, trabalhando no projeto de um cara, já eram 11 horas da noite. Eu disse: “Sérgio, isso aqui é uma picaretagem. Você não está vendo que esse cara não vai fazer nada disso. Nós estamos aqui, virando a noite, perdendo nosso tempo. O Sérgio me respondeu: “Marcos, eu tenho a seguinte filosofia: quando me pedem um projeto, eu não quero saber se vai ser feito ou não. Para mim ele vai ser feito e então eu levo a sério até o fim.” Foi um período interessante da minha vida profissional. Trabalhei por 1 ano com o Sérgio Bernardes, o que poderia ser considerado uma raridade, ninguém ficava tanto tempo, porque ele não pagava ninguém. O meu caso era um pouco diferente. O Sérgio dependia muito das minhas perspectivas, de toda parte de desenhos que eu fazia para ele. Então, todo mês eu pressionava o Sérgio e ele me pagava. Mas para os outros ele costumava dizer que já havia gasto o dinheiro todo. Quando ele ia receber o pagamento de algum projeto ficava todo mundo rodeando ele.

Quando eu resolvi me casar, comuniquei ao Sérgio. Ele estava me devendo um dinheiro. Eu disse: “Sérgio, você está me devendo, você vai me pagar, não é mesmo?” E ele respondeu que não só me pagaria como me daria um bom presente de casamento. Bom, o presente ficou só na promessa. E quanto à dívida aconteceu o seguinte: Logo que me casei, comprei um carro de segunda mão. Fui até o Sérgio e combinei com ele que todo mês ele me daria uma quantia para que eu pagasse a mensalidade do carro. O Sérgio cumpriu o combinado e depois consegui quitar minha dívida. Depois do Sérgio, fui trabalhar com o Affonso Eduardo Reidy. Foi uma sugestão do Hélio Ribas Marinho, que depois viria a ser meu sócio. Um dia encontrei o Hélio, que me perguntou: “Marcos, você não quer vir trabalhar com o Reidy no Departamento de Urbanismo?” O Reidy havia assumido um cargo no departamento de Urbanismo e feito o plano do Morro de Santo Antônio. Enfim, era um dos arquitetos da geração do Oscar Niemeyer e muito conhecido por alguns de seus projetos. O Reidy, como todo mundo sabe, também tinha participado da equipe do MEC e feito o projeto do Pedregulho. Fomos os 3 trabalhar com o Reidy: eu, o Hélio Ribas Marinho e o Flávio Marinho Rêgo, que era extremamente alto tendo o apelido de “pé-direito” e que depois fez um conjunto habitacional aqui no Rio bem parecido com os projetos do Reidy e mais tarde foi um dos autores do Projeto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em parceria com o arquiteto Luiz Paulo Conde.

Mais tarde, o Flávio se interessou cada vez mais por pintura e foi passar uma temporada na Europa. Eu e o Hélio continuamos mais um tempo no Reidy, onde participamos de vários projetos importantes. Infelizmente o Hélio Marinho faleceu em 2004. E essa minha transição do escritório do Sérgio Bernardes para o do Reidy se deu num momento importante da minha vida: me casei e precisava de mais segurança e estabilidade, o que eu não tinha enquanto trabalhava com o Sérgio. Mas mesmo com o Reidy, eu fui trabalhar com um contrato temporário, inicialmente de apenas 6 meses. E o Reidy era um cara bacana que gostava muito de delegar tarefas e responsabilidades nos seus projetos, o que para um jovem arquiteto como eu era muito importante, dava muita experiência. E eu comecei a admirar o Reidy, dada a sua seriedade e competência. Eu gostava muito dele e estou certo de que ele também gostava muito de mim. Eu era muito amigo do Reidy e ele me dizia que eu era, dos jovens arquitetos, o que ele mais admirava e respeitava.

Com as mudanças políticas o Reidy foi transferido e passou a trabalhar com a engenheira Carmen Portinho, com quem ele, supostamente, já teria um romance. Eles eram duas figuras curiosas porque não gostavam de demonstrar no ambiente de trabalho esta relação mais íntima que possuíam. Cabe dizer que o Reidy era um solteirão e a Carmen, na época, era uma mulher separada, o que não era tão comum. Além disso ela ocupava um cargo importante que era a diretoria de habitação popular, o DHP. Ela foi uma das primeiras mulheres engenheiras do Brasil. E fomos todos trabalhar com a Carmem, o Hélio Marinho, o próprio Reidy, como eu já mencionei, e eu também fui. Nesta época o Flávio Marinho Rego, que era do nosso grupinho de arquitetos, já tinha se mandado para a Europa. E ali trabalhamos sob a coordenação do Reidy por algum tempo. Naquele momento eu presenciei o nascimento das primeiras idéias do Reidy para o Projeto do Museu de arte Moderna (MAM) que foi construído ali no Parque do Flamengo. O Reidy era uma pessoa que não tinha soberba e, além disso, ele gostava muito de ouvir opiniões das pessoas que o cercavam, inclusive nós que éramos arquitetos mais jovens que ele. Era uma figura muito interessante, eu gostava muito dele. O Reidy, na verdade, parecia um lorde inglês. E cabe dizer até que ele realmente tinha uma ascendência inglesa na família. Era muito alto, elegante, muito bem educado, magrinho e com um “bigodinho” do tipo inglês e bem cortadinho. Uma ocasião, quando o Reidy foi fazer a Escola Brasil Paraguai e teve que visitar o Paraguai para fazer uma visita ao terreno, o único arquiteto que ele levou fui eu. Passamos lá uns três ou quatro dias e ele me levou para que eu também pudesse opinar sobre o local e também sobre as idéias que ele já tinha para a Escola. Eu aprendi muito nesta minha convivência com o Reidy. Tanto na parte pessoal como na parte profissional. Destacava-se a sua seriedade e grande preocupação que ele tinha com os detalhes.

Aliás, aqui eu faço um corte para relatar um episódio que eu considero que foi muito traumático na vida do Reidy. Naquele tempo, antes de eu chegar para trabalhar com ele, houve um concurso que era o do Centro Técnico da Aeronáutica, ali em São José dos Campos. Foi um concurso fechado em que foram convidados cinco dos mais importantes escritórios do Brasil na época. O Oscar Niemeyer, os Irmãos Roberto, o Reidy e outros. E os arquitetos modernistas do Rio, naquela época, trabalhavam todos juntos numa grande sala em um edifício no centro da cidade. Os ambientes de trabalho de cada arquiteto eram divididos apenas por algumas baias que separavam os espaços. De maneira que cada um circulava livremente pelas pranchetas dos outros e podiam conhecer os projetos e as idéias dos demais colegas.

E o Oscar que, inegavelmente, é um arquiteto muito talentoso, mas que nunca foi de se aprofundar muito nas coisas, ao contrário do Reidy que, talvez até tivesse menos talento que o Oscar, mas que era muito estudioso. O Reidy então se dedicou com o seu tradicional profissionalismo a estudar de maneira muito aprofundada o programa, os organogramas e outras questões sobre o projeto do CTA. O Oscar ficou muito interessado nas idéias e nos estudos do Reidy e, vez por outra, passava nas pranchetas do Reidy para observar e também fazer perguntas ao Reidy sobre determinadas questões que ele havia estudado.

Depois cada um foi pro seu canto desenvolver os seus projetos individualmente. Mas, talvez devido àquele convívio tão próximo entre os principais concorrentes do concurso, o fato é que os projetos realmente ficaram muito semelhantes, principalmente nos critérios de implantação. O Júri desclassificou a proposta do Reidy alegando que, de certa maneira, havia influências em relação à proposta apresentada pelo Oscar que, já naquele tempo, gozava de muito mais prestígio do que o Reidy. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Não estou dizendo que o Oscar tenha plagiado o Reidy, mas que ele conheceu toda a sistematização do projeto que o Reidy tinha proposto. E muitas coisas ele usou deste estudo na proposta que ele apresentou ao concurso do CTA.

Na verdade esta história era meio que um tabu na vida do Reidy e ele, na sua sempre discreta elegância, ele era um gentleman, nunca ficava remoendo estes fatos. Mas, até onde eu sei, isto contribuiu muito para o gradativo afastamento do Oscar e do Reidy a partir daquele momento. Ao que sei eles nunca brigaram mas, este episódio foi um divisor de águas na relação que os dois passaram a ter dali em diante.

A Carmem Portinho era uma espécie de anjo da guarda do Reidy. Eles saiam do DHP praticamente na mesma hora. Primeiro a Carmen ia embora e, alguns minutos depois saía também o Reidy. Todo mundo sabia que eles viviam juntos, mas eles faziam questão de sair separados do ambiente de trabalho.

Bem, aqui eu só retomo um aspecto importante. Naquele tempo as minhas possibilidades de me desenvolver como arquiteto diminuíram muito, pois o Reidy já estava totalmente envolvido com os trabalhos no MAM. E a parte toda de habitação popular tinha um arquiteto de muita qualidade, que ainda está vivo, que é o Francisco Bolonha. O Bolonha era um arquiteto diretamente ligado à Carmem Portinho. Eu fui ficando, aos poucos, meio deslocado.

E aí eu relato também para vocês como eu me tornei funcionário público, mesmo sem ter esta ambição no início da minha carreira. Foi uma casualidade, posso dizer assim. Acontece que nós trabalhávamos como contratados por um pequeno período no DHP e ficamos cerca de quatro meses sem receber nenhum pagamento. Certa ocasião, o Reidy foi falar com o Prefeito o João Carlos Vital, que foi até o nosso departamento e ali ficou muito entusiasmado com a nossa produção. Aí o Reidy, sabiamente, aproveitou este entusiasmo do Prefeito e disse: “pois é Dr. Vital, esta garotada é muito competente, mas o fato é que eles não recebem seus salários há cerca de quatro meses”. Aí logo nos dias seguintes saiu uma publicação no Diário Oficial e o Prefeito nos nomeou como funcionários públicos, agora em caráter definitivo. Era um cargo “Letra O” que era um dos mais altos cargos do funcionalismo público naquele tempo. Fui nomeado como arquiteto do Departamento de Estradas e Rodagens e foi aí que me tornei funcionário público. E o Hélio Marinho também foi nomeado junto comigo e, aos poucos, ficou mais ligado à parte administrativa da Prefeitura, coisa com a qual eu nunca me interessei.

Insatisfeito com as minhas tarefas de natureza mais burocrática no DHP eu parti, paralelamente, para uma sociedade com dois colegas numa sala que tínhamos ali na General Justo, bem próximo à sede do DHP. A nossa sociedade tinha como objetivo fazer empreendimentos comerciais, incorporações e etc. Isto já era no final dos anos 50. Eram dois sócios judeus e a sociedade, infelizmente, não durou muito tempo e eu depois me separei destes colegas. Foi aí que surgiu o concurso do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra em meados dos anos 50. Eu comecei a esboçar muita coisa e desenvolvi as questões centrais do Projeto. Quando já tinha muita coisa avançada e uma idéia já bem alinhavada eu procurei o Helio Marinho para colaborar comigo, pois os prazos estavam muito apertados e eu tive receio de não dar conta sozinho. O Hélio Marinho topou colaborar comigo e nós entramos como sócios. Na verdade, aqui cabe esclarecer que, embora nós tivéssemos entrado como parceiros no Projeto do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra, eu não tenho nenhum pudor e nem falsa modéstia de dizer que era, na verdade, um projeto da minha autoria em que o Hélio foi meu colaborador em função das questões que já mencionei.

Cabe dizer que foi um concurso em que tinham cerca de trinta equipes participando, e na primeira eliminatória ficaram seis equipes, entre elas, a do Francisco Bolonha. Nesta última etapa é que seria escolhido o vencedor. Além do nosso projeto e do Bolonha eu me lembro que tinha um arquiteto grego que morava no Rio, tinha o Almir Gadelha, um arquiteto que morreu prematuramente, e tinha também uma equipe de Pernambuco. E o resto da história todo mundo sabe, pois nós vencemos o concurso e o Monumento foi construído.

Para mim foi uma excelente notícia já que eu era ainda um jovem arquiteto, tinha menos de trinta anos, e ganhar um concurso daquele porte foi muito bom para alavancar a minha carreira.

AA / JM: Como foram recebidos os seus principais trabalhos pela crítica especializada? Alguma crítica mais contundente que o senhor discorda? Em quais arquitetos (brasileiros e estrangeiros) o senhor se espelhou no início da sua carreira?

MK: Na verdade o meu primeiro grande projeto foi o do Monumento. E mesmo tendo vencido o concurso houve sim, muitas críticas desfavoráveis ao projeto. Houve por exemplo um crítico de arte chamado Jaime Maurício que era muito ligado à velha guarda dos arquitetos. Ele escrevia muito bem e a coluna era publicada no Correio da Manhã. Os arquitetos em geral até que gostaram muito, mesmo por que era tudo muito diferente das formas que estavam acostumados a ver na cidade. O Monumento fugiu à rotina visual da cidade.

Nós ganhamos algum dinheiro e eu comprei um carro e o Hélio também comprou um carrinho para ele. Eu estava também recém casado e do ponto de vista pessoal também foi muito bom para mim.

Mas cabe dizer que certa ocasião com o Monumento já construído, o Le Corbusier esteve no Brasil e você acredita que as pessoas que estavam guiando o Corbusier não iam levá-lo para conhecer o Monumento? Mas o fato é que ao passar de carro ali pelas pistas do Aterro do Flamengo o Le Corbusier fez questão de descer e de ver e passear pelo Monumento. Pois saibam que ele ficou uma hora e gostou muito do que viu. De maneira que para mim isto foi também um fato muito importante, pois é como se eu tivesse sido legitimado por um grande mestre. Naquela ocasião eu recebi um telefonema do Lúcio Costa narrando este episódio e dizendo que o Corbusier gostaria de conhecer os arquitetos responsáveis pelo Projeto do Monumento. O fato é que ao saber disto eu logo depois tomei um porre de felicidade (risos).

E, ao que sei, o Le Corbusier deixou também isto por escrito em uma carta que ele enviou ao Lúcio Costa agradecendo pela receptividade na sua última viagem ao Brasil. Nesta carta ele elogiava, entre outras obras, o Projeto do Monumento. E o Lúcio Costa me deu uma cópia desta carta que eu a tenho guardada até hoje.

Agora eu devo dizer para vocês que, mesmo tendo um “padrinho” como o Le Corbusier, eu fui, aos poucos, me desencantando com aquele tradicional racionalismo Europeu. Foi aí que tomei conhecimento de arquitetos como Frank Lloyd Wright e, principalmente, Alvar Aalto. A arquitetura orgânica, aberta e digamos, mais “humanista” talvez, desses mestres e que não tem aquela rigidez do racionalismo ao qual me referi anteriormente. Inclusive, durante a minha trajetória escrevi diversos textos, sendo um deles, um artigo sobre a arquitetura do Alvar Aalto.

Cabe dizer que na essência da minha produção e pensamento permaneci um racionalista, pois tal vertente parece que já estava entranhada em minha visão de mundo.

Monumento aos Mortos da 2ª Guerra. Arquitetos Marcos Konder e Helio Ribas Marinho
Foto Antônio Agenor Barbosa

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