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interview ISSN 2175-6708

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Entrevista com o paisagista Haruyoshi Ono sobre a relação entre Roberto Burle Marx e os arquitetos de São Paulo, em especial Rino Levi, Marcello Fragelli, Hans Broos, Miguel Juliano e Ruy Ohtake.

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GUIMARÃES, Marília Dorador; GUERRA, Abilio. São Paulo na vida de Roberto Burle Marx. Entrevista com Haruyoshi Ono. Entrevista, São Paulo, ano 15, n. 060.01, Vitruvius, dez. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/15.060/5386>.


Projeto paisagístico de Burle Marx para a laje superior do Banco Safra, na Avenida Paulista
Foto Juliana Monferdini

Marília Dorador Guimarães e Abilio Guerra: Existe alguma especificidade nas obras de Burle Marx em São Paulo?

HO: É difícil responder, ele gostava sempre de inventar e fazer coisas novas, colocar um painel em um jardim quando não se pensava nisso, fazer estruturas para plantas, quando não se pensava nisto. Hoje em dia todos fazem murais com jardins verticais. Em São Paulo, ele fez em residências e no Banco Safra, o maior exemplo. Mas ele já fazia antes no Rio. Em 1965, quando eu entrei no escritório, ele já fazia jardins verticais e murais. Depois nos anos 1980 ele fez os jardins da Manchete aqui no Rio. Em São Paulo fez talvez menos, porque tinha menos oportunidade. No inicio de 1960 fez uma série de estruturas para plantas na calçada para o Banco Itaú na Paulista, mas depois a avenida cresceu e as estruturas de metal galvanizado com xaxim que ele colocava bromélia se perdeu com a desapropriação. Você pode ver essa estrutura na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, no showroom da loja de cerâmicas Roca, perto da Avenida Brasil.

MDG: O painel na fachada do Banco Safra, na Avenida Faria Lima em frente ao Museu da Casa Brasileira, não tem assinatura. Ele é de Burle Marx?

HO: É meu. O painel ele não tem assinatura, pois eles não quiseram colocar, para que todos pensassem que é do Burle Marx. É uma adaptação do painel em concreto do Banco Safra na Avenida Paulista. Roberto e eu assinamos este projeto do Banco Safra na Paulista, então eles queriam tirar um pedaço deste e colocar em todos os outros bancos Safra em São Paulo. Eu disse: “não, eu faço outro baseado naquele”. O aspecto inovador está aí: o jardim vertical; ou seja, onde não há substrato (terra), não se pode usar árvores e elas são substituídas por um elemento vertical, um elemento criado artificialmente. Havia também o uso de água, que ele gostava muito, mas que hoje está sendo eliminado por conta do mau uso.

MDG/AG: Nos projetos em questão, o projeto paisagístico foi feito em paralelo com o projeto arquitetônico ou após?

HO: Com Rino Levi e Hans Broos era junto, pois desde o inicio, quando estava se elaborando o projeto arquitetônico, já entrava o projeto de paisagismo. Então, normalmente era isso: eles trabalhavam juntos desde o inicio. Com Fragelli na SEW houve um entrosamento muito grande e no projeto para estação de metrô Vergueiro, também fizemos juntos. Com Miguel Juliano não havia muita relação em termos de projeto, porém foi junto também. São poucos os projetos que entramos depois – uma ou outra reforma –, então quase todos são juntos.

MDG: Mas como funcionava a relação?

HO: Normalmente o arquiteto deixa áreas determinadas para o paisagismo, daí nós fazemos o diálogo com a arquitetura, que não prejudique a fachada. Normalmente o arquiteto comenta o que quer. No caso de Oscar Niemeyer, por exemplo, ele não quer nada. Daí a gente já sabe. Normalmente, o arquiteto sabe o que quer: “aqui eu não quero volume, aqui eu quero volume, uma coisa mais simples...”

MDG: E em relação à criação de um painel?

HO: Em relação ao uso de painéis, quase nunca falam. Ou seja, a gente sugere e vê se cola, mas não é sempre.

Painel de Burle Marx para a Abadia de Santa Maria, do arquiteto Hans Broos
Foto divulgação [Arquivo Hans Broos]

MDG: Há casos em que a proposta foi recusada?

HO: Não pelo arquiteto, mas pelo cliente, quando quer reduzir os custos. Mas no caso do Ruy Ohtake, por exemplo, tenho certa cerimônia para colocar um painel. Se tiver uma piscina para executar eu gosto de fazer e o Ruy também. Fica uma situação delicada mexer ou não mexer, a gente vê quem trabalha junto com ele e já percebe que quer desta forma. Por exemplo, no Blue Tree Towers em Brasília, tem uma forma que é toda recortada, fiz o piso externo e o coloquei também dentro da piscina. Fizemos muitos projetos juntos hoje em dia. Eu sempre tento interferir nos desenhos dele, mas as vezes ele não gosta e bota pé firme! Tem que haver um equilíbrio no trabalho.

MDG/AG: Nos projetos em questão, qual a relação entre a arquitetura construída e os jardins? Como os dois objetos dialogam entre si?

HO: Sempre quando se faz um projeto – e estou falando do Roberto também, pois ele me ensinou assim – você tem que observar e tentar valorizar a arquitetura. Você tem que entrar dentro da arquitetura, como se fosse o ocupante da construção e usufruir a paisagem. Você tem que construir a paisagem de acordo com o que você vai ver no local, se colocar na pele do observador. E esta relação tem que ser uma coisa muito equilibrada, você não pode interferir no campo do outro, pois às vezes “abafa” e o projeto paisagístico passa a chamar mais atenção que o arquitetônico. É possível fazer um jardim sem chamar a atenção, integrá-lo à arquitetura, sem interferir. Mesmo que a arquitetura seja feia, não pode interferir. Esse equilíbrio precisamos procurar manter.

MDG/AG: Qual a concepção estética desses jardins? Quanto contribui os conhecimentos da botânica e quanto participa os conceitos buscados à pintura?

HO: O conhecimento com a concepção estética dos jardins é justamente a procura desse equilíbrio, com as formas, junto com os volumes da vegetação, das texturas que você dá e o conhecimento da botânica é imprescindível. No paisagismo, a base são as plantas, a vegetação. Então você não precisa conhecer botanicamente a planta, mas como ela se adapta, quando ela floresce, a estética da planta, a forma: são estas coisas que você precisa analisar para equilibrar. As regras que ditam a composição artística de uma pintura são as mesmas de quando se compõe um jardim. Mas o jardim é uma coisa bem diferente, porque as plantas são efêmeras, hoje está muito bem, amanhã não está... Depende das condições do clima, da temperatura, da luz, as coisas vão se transformando, pois são coisas imponderáveis da natureza. Se houver uma praga, precisamos cuidar, saber como estas coisas se portam para compor um jardim.

Projeto paisagístico de Burle Marx para o Edifício Promenade, do arquiteto Miguel Juliano [Acervo Burle Marx & Cia Ltda]

MDG/AG: Como Burle Marx entende o papel do paisagismo com relação à arquitetura? A visão do paisagista sobre este papel mudou ao longo do tempo? O senhor nota uma evolução nos projetos de Burle Marx ou os traços são os mesmos desde o inicio de sua processo criativo?

HO: Eu acredito que não, pois o paisagismo tem que estar em equilíbrio com um volume arquitetônico, com a arquitetura. Eu acho que até hoje não mudou, continua o mesmo [o papel do paisagismo com relação à arquitetura]. Em relação à evolução dos traços de Burle Marx, é lógico que eles vão evoluindo, mas têm coisas que vão e voltam, dependendo do conhecimento que você vai adquirindo. Como ele sempre falava, uma composição é o resultado de uma soma de conhecimentos que você vai tendo ao longo da sua vida. Quanto mais experiência, mais você vai se aprofundando. E com esses conhecimentos, você quer simplificar a composição. No inicio você quer colocar tudo o que você sabe numa planta só, fica tipo uma salada, mas com o tempo você vai simplificando; quanto menos coisas melhor, isso valoriza determinadas plantas. Faz parte da evolução de um profissional.

MDG/AG: Quais são as principais distinções na concepção de áreas livres considerando as diferenças de escalas e programas dos projetos arquitetônicos associados aos jardins?

HO: Eu acho que cada composição paisagística vai depender de uma finalidade, para qual fim você está fazendo paisagismo. Se for para uma área esportiva ou uma área recreativa, para qual faixa etária se destina, fatores que condicionam o projeto. A função é essencial, pois tem jardim contemplativo, de lazer, onde você vai descansar e curtir, mas tem jardim que você vai participar, como têm jardins que você vai para sentir. Um cego, por exemplo, não vê, mas há várias maneiras dele usufruir um jardim. Existem fins específicos para compor cada jardim.

MDG/AG: É diferente a criação de um jardim público de um privado?

HO: Tem diferenças sim. Um projeto público você tem que fazer algo mais geral, porque é mais abrangente. Então para cada uso é um tipo de jardim. Por exemplo, se você está dentro do carro, necessita de um tipo de jardim para circular, é um jardim que é observado em movimento. Se você estiver andando não, é outro tipo de jardim, você vai entrando e participando. No caso do Aterro do Flamengo você tem essa idéia. Você consegue ver os agrupamentos de arvores, as florações, você vai vendo quando vai chegando como se fosse só uma arvore, você passa rápido. Então, em um parque você deve colocar muitas árvores para que passando rápido ou devagar você as veja. Então são estas visões que temos que prever na hora de fazer uma composição.

MDG/AG: Como Burle Marx colocava o observador nos seus jardins? Quais sentimentos e/ou sensações ele queria produzir no visitante de seus jardins?

HO: Quando se projeta um jardim, elege-se pontos de vistas; mesmo em um jardim pequeno. Cria-se um obstáculo, coloca-se um anteparo, para em algum momento alguém dizer: “Olha, que coisa bonita, tudo se abre”. Pois se vê no meio das rampas uma fonte d’água e outras referências – um laguinho, um mural. Então, quando Burle Marx criava, ele sempre pensava nisso. Criava caminhos sinuosos, com ou sem elevações, pequenas sinuosidades no terreno.

Jardim com cascata de Burle Marx para o Edifício Macunaíma, do arquiteto Marcello Fragelli
Foto Marília Dorador Guimarães

MDG: Como nos jardins do Pignatari [atual Parque Burle Marx em São Paulo]?

HO: Sim, como em quase todos os projetos. Muita gente não quer ver tudo de uma só vez. Os jardins são para serem desfrutados aos poucos. Vai dando água na boca e devagarzinho dá vontade de ver mais e mais. Mas muitas vezes o cliente não entende.

MDG/AG: Burle Marx tendo o escritório com os sócios, estes participavam de suas criações, dando idéias, opiniões ou até mesmo alterando o processo criativo?

HO: Sempre! Ele dava essa liberdade. Estava sempre aberto a idéias novas. Se aceitava ou não, era outra história.

MDG: E nesses casos que estamos estudando?

HO: Não.

MDG/AG: Vocês que conviveram no cotidiano com Burle Marx, qual a sua opinião sobre o processo criativo do artista? Ele tinha um método de trabalho sistemático? Ele compunha a partir de uma inspiração? Tinha alguém ou alguma coisa que lhe inspirava?

HO: A opinião criativa do artista é impossível definir, pois têm dias que está inspirado ou não está. No caso de Roberto, creio que ele esta inspirado o tempo todo. Eu via ele fazer mil coisas ao mesmo tempo. Se não estava nos projetos, estava desenhando, lendo, vendo plantas... Ele não tinha um método sistemático. Para ele, tudo era lazer: gostava de pintar, cozinhar, desenhar, comer, não era uma pessoa regrada. Se dava vontade de pintar, ele pintava até cansar. Ele era muito observador. Eu lembro que nas viagens de avião, ele sempre sentava na janela e chamava a atenção dizendo “olha aquelas formas” e ficava com aquilo na cabeça. Mas não sabia se um dia ia usá-las. Com as plantas se dava o mesmo; nas viagens ele comentava “olha que beleza esta cor, a luz, as formas”. Tudo era fonte de inspiração para ele, o tempo todo.

MDG/AG: Ele tinha alguma preferência por projetar jardins públicos ou residências?

HO: Ele dizia que tinha mais prazer em fazer jardins públicos do que jardins particulares. Afirmava que muito mais gente usufruía. E isso é verdade, ele sempre tinha mais vontade pelo coletivo. O Parque do Flamengo, não é projeto que mais gostava, mas era o que tinha mais carinho; este e o Parque Del Este, em Caracas. Mas, ao mesmo tempo, eram fontes de grandes aborrecimentos para ele, pois às vezes tinham pessoas que maltratavam as plantas. Quando ele via, ele reclamava, ele falava, pois tinha esta qualidade, de não guardar nada para ele; ele ligava, achava ruim e falava. Eu não tenho esta facilidade, mas deveria!

MDG/AG: Vocês notavam alguma conotação de cunho político quando ele criava os projetos?

HO: Não, só prevalecia esta visão de gostar de fazer jardins para o público. Ele era apolítico, não se envolvia muito com políticos. Teve uma época, mais por amizade, na juventude, em que era socialista, mas depois não tinha esta preocupação. Claro, ele pensava muito na população, nas dificuldades, tanto que ele ajudava muitas pessoas. Em Guaratiba, Rio de Janeiro, onde morava, ele tinha o maior carinho pelas pessoas, ele ajudava muita gente, todos os empregados eram ajudados muito por ele. Toda vez que viajava para fora, a preocupação dele era de sempre trazer uma lembrança para todos os empregados. Roberto ia muito aos Estados Unidos, não era rico, mas tinha um amigo que sabia onde comprar coisas mais baratas. Ia para Miami e comprava camisas e camisetas para todo mundo em outlets, inclusive para as meninas do escritório. Quando ia para Malásia, comprava coisas muito vistosas para o escritório. Ele criou uma profissão que não existia. Lá em Barra de Guaratiba, todos que sabem lidar com plantas aprenderam com ele, foram formados no Sítio como empregados.

MDG: Ele era muito ativo?

HO: Ele vinha para o escritório em Laranjeiras e voltava para o sítio em Guaratiba, acordava cedo, andava o sitio todo, dava as ordens e vinha para cá. Era difícil acompanhá-lo. Nas excursões, ele era o primeiro a acordar e o último a dormir. Às vezes dá muita saudade dele.

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