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my city ISSN 1982-9922

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BIANCARDI FILHO, Cidomar. Estação Luz da Nossa Língua: a preservação urbana, a circulação de capital e o arquiteto. Minha Cidade, São Paulo, ano 06, n. 062.03, Vitruvius, set. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.062/1967>.


Estação da Luz no início do século XX [www.estacaodaluz.org.br]


Estação da Luz, projeto do novo hall, arquitetos Paulo e Pedro Mendes da Rocha [Pedro Mendes da Rocha]

Plataforma da Estação da Luz, sentido Santos, no início do século XX [Cem anos luz. São Paulo: Dialeto Latin American Documentary, 2000]

Interior da plataforma da Estação da Luz, que está sendo reformado para receber também o metrô [Cem anos luz]

Saguão de entrada da Estação da Luz, em 1910 [Cem anos luz]

Áreas degradadas no Centro de São Paulo
Foto Cidomar Biancardi Filho

Estação da Luz, estado atual
Foto Cidomar Biancardi Filho

Bairro da Luz: à esquerda, Estação da Luz e o Parque da Luz, com a Pinacoteca do Estado; à direita, a Estação Júlio Prestes [Companhia Metropolitana de Trens Urbanos – CPTM]

Maquete eletrônica do projeto de adaptação da Estação da Luz, arquitetos Paulo e Pedro Mendes da Rocha [Pedro Mendes da Rocha]

Maquete eletrônica do projeto de adaptação da Estação da Luz, arquitetos Paulo e Pedro Mendes da Rocha [Pedro Mendes da Rocha]

Estação da Luz, arquitetos Paulo e Pedro Mendes da Rocha, foto das obras em curso

 

Fomos nós, arquitetos das últimas gerações, “treinados” dentro de preceitos basicamente modernistas, ou seja: de construção e criação a partir do zero.

A tábula rasa de Le Corbusier, a nudez do Planalto Central enfrentada por Niemeyer e Lúcio Costa, o planejamento de cidades inteiras já não fazem parte do cotidiano há muito tempo. São vocábulos de uma língua quase morta, porém erudita, quase como um latim falado somente pelos arquitetos.

A ordem do dia agora é enfrentar vazios urbanos repletos de problemas consolidados, de recuperar áreas centrais degradadas ou mesmo edifícios emblemáticos e carregados de simbologia sem “detonar” nossa recente história já tão machucada e mutilada... Ou seja: lidemos com o construído! Ao contrário da Europa do pós-guerra, dizimada por bombas e batalhas, nosso genocídio arquitetônico vem do descaso, da falta de consciência e da cultura do descartável. Resquícios de um modelo errado de colonização, num primeiro momento, e da importação de um american way of life que foi mal interpretado e erroneamente tropicalizado, banalizado – num momento posterior.

Da necessidade de lidar com esse vasto patrimônio construído da cidade de São Paulo e da conseqüente geração de meios que façam um projeto de arquitetura promover abundantes ganhos financeiros ao seu empreendedor, surge a inquietação que coloco aos colegas para reflexão.

Dentro das teorias arquitetônicas e da beleza do gesto de conceber um projeto através de traços em grafite 6B, num momento de inspiração e evocação da beleza, entra, como uma avalanche, a necessidade latente de gerar lucro, economia de custos, poder e publicidade ao seu empreendedor – e ao arquiteto que a produziu também.

Tomemos como exemplo, nesta discussão, a revitalização do Centro de São Paulo e o projeto de reciclagem da Estação da Luz, com a transformação da mesma em Estação Luz da Nossa Língua (1), pois acredito serem ícones de magnitude visível a todos nós, e que, além do grande destaque que vem recebendo não apenas nos meios arquitetônicos, merecem nossa maior atenção, pois estão em fase executória.

No caso específico da revitalização do Centro de São Paulo, vem até nós a imposição de fazer uma nova arquitetura, a qual nos obriga a tratar “clinicamente” de espaços sufocados, repletos de irregularidades e permissividades. Nos leva a crer também que hoje, mais do que nunca, devemos, enquanto arquitetos e competentes manipuladores do espaço, sermos antes de tudo agentes financeiros promotores de um ganho monetário gigantesco, mas nunca, jamais esquecer a beleza e a missão primeira que nos guia: concepção de espaços para que um ser humano possa – física e psicologicamente – viver da maneira mais plena possível.

Grande dilema!

Explico melhor esta primeira inquietação: analisando (e para isso devemos vestir uma roupagem de advogado) a redação da Operação Urbana Centro, que reza “o estabelecimento de melhorias para a área central da cidade, criando incentivos e formas para sua implantação” (2) chegamos a conclusão que se trata de um contrato de permissividades, de usos e trocas onde a moeda corrente é a onipresente “contrapartida financeira”, quer seja para a municipalidade ou para as partes envolvidas.

Realmente acredito que somente com incentivos seja possível fomentar algum tipo de mudança que rume em direção à tão sonhada e mais do que necessária requalificação. Em cidades como a nossa, a atenção deve ser intensa, porém não exclusiva para o setor imobiliário, que é quem efetivamente constrói a cidade e aplica dinheiro nela; conseqüentemente quem a reciclará também. Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo (3), em 25 de janeiro de 2004, o advogado francês Jean-Luc Poidevin, convidado pela então administração municipal, fala sobre as maneiras possíveis de revitalização do centro de uma cidade das dimensões de São Paulo, enfatizando a implementação de parcerias com o setor privado e investidores particulares, onde deverá, obviamente, haver a contrapartida financeira.

Há edifícios belíssimos por todo o “Centro Velho” de São Paulo e proprietários notadamente e claramente interessados que aguardam uma melhor definição sobre que rumo tomar, sobre como ganhar os incentivos propostos pela Operação Urbana Centro. Nos resta agir! E mais importante: reconquistar o respeito para que nos deixem agir!

Por outro lado, devemos desviar um pouco o olhar do grande incêndio e enxergarmos também as fogueiras isoladas; que são muitas aqui em São Paulo.

Interpretemos as entrelinhas de casos atuais, como as transformações que vem acontecendo em edifícios importantes para a manutenção de nossa história e carregados de simbologia. O mais significativo deles – como já dito acima – talvez seja, nesse momento, a Estação da Luz, que está se transformando em “Estação Luz da Nossa Língua”: um espaço cultural difusor de uma pretensa cultura de massa, que nada mais é do que a manipulação intelectual em detrimento de contrapartidas financeiras.

Partindo de um padrão social e estético que vem sendo estabelecido desde a década de 80, no qual a televisão e meios de comunicação de massa ditam regras comportamentais, de consumo e de beleza, as grandes corporações (como as que patrocinam a “Estação Luz da Nossa Língua”), numa manobra simultânea de aproximação e manutenção do controle dos padrões de consumo das multidões, atrelam-se ao consumo e financiamento da arte. E agora devemos enxergar que a Estação da Luz é considerada, pelos nossos padrões sociais atuais, uma obra de arte!

Bastante conveniente! A arte passa a ser tratada, claramente, como uma mera mercadoria. Uma nova forma de especular e ganhar dinheiro. É aqui que a nova arquitetura mencionada no começo desse texto, que podemos chamar de arquitetura das reciclagens e reconversões atendeu e a inda atende aos grandes investidores privados e também aos governos, numa necessidade absurda de geração de capital que passou a ser, de maneira bastante cômoda, cientificamente embasada desde a aceitação de patrimônio arquitetônico como meio de circulação de divisas, quando da publicação da Carta de Paris, em 1972, pela Unesco (4).

Como pode a Fundação Roberto Marinho investir tanto dinheiro no restauro / reciclagem da Estação da Luz e sua transformação em Museu da Língua Portuguesa sem uma contrapartida financeira? O “acervo virtual” da Estação Luz da Nossa Língua tem um caráter doutrinador bastante forte, uma vez que produzirá gerações que acreditarão em referência de língua portuguesa como sendo sinônimo da produção da Rede Globo, da IBM e de outros patrocinadores corporativos que visam justificar investimentos culturais maciços, travestidos em financiamento de arte, mas que na verdade são investimentos de médio e longo prazo visando a manutenção de hegemonias de pensamento; em outras palavras: doutrinamento.

Acho importante colocar aqui que em nenhum momento questiono a competência dos arquitetos envolvidos no projeto citado, muito pelo contrário. Sempre admirei a plasticidade de Paulo Mendes da Rocha e depois de conhecer o projeto da Estação da Luz em minúcias, admiro a competência do arquiteto e de sua equipe na condução dos trabalhos da Estação Luz da Nossa Língua. Além do mais, projetos desse vulto só poderiam ser conduzidos por profissionais notadamente competentes.

Mas sejamos francos em relação à nossa posição mercadológica nos dias de hoje e sobre a condução dos trabalhos arquitetônicos que as gerações produtoras vem desenvolvendo.

O arquiteto deve ser, hoje, um profissional mais abrangente do que aquele treinado em sala de aula. Deve ser manipulador do espaço, deve ter sensibilidade e competência no trato com o belo, deve ser um pouco advogado, um pouco engenheiro, um pouco psicólogo, e bastante especulador financeiro.

Não seria essa nossa inquietação uma falta de sensibilidade e de resignação em relação ao nosso verdadeiro papel enquanto arquitetos nesse mundo globalizado, “sem fronteiras”, mas guiado pelos fluxos, remessas e produção de capital? Não estaríamos tentando “tapar o sol com a peneira” quando dizemos que nossa arquitetura está acima do dinheiro?

Enquanto profissional gerador de soluções efetivas, competentes e que gerem divisas. Conheço advogados, médicos e engenheiros extremamente competentes que não deixaram de lado suas convicções mais “puras” de trabalho. Apenas não fecharam os olhos diante de um mercado mutante e tentacular, que agarra quem está disponível a ajudar e resolver problemas, convergindo para um final feliz onde todos serão financeiramente beneficiados de acordo com suas competências e habilidades.

Deixo aqui um aviso aos colegas e a mim mesmo: em nome dessa arquitetura que nos é tão importante e motivadora, nos adaptemos ao mercado, sem medo de parecermos simplesmente especuladores, e façamos, dentro de nossas concepções de feio e belo, de certo e errado, uma cidade mais justa, mais bela e menos hipócrita; afinal, somos arquitetos: promotores de uma das profissões mais antigas da humanidade, materializadores de sonhos.

notas

1
Estação da Luz da Nossa Língua. Disponível em: <www.estacaodaluz.org.br> . Acesso em: 21 novembro 2004.

2
SÃO PAULO. Lei nº 12.346 de 6 de junho de 1997. Diário Oficial [do] Município de São Paulo, São Paulo, SP, 06 jun. 1997. Disponível em: <portal.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 25 abril 2005.

3
LEITE, Pedro Dias. Só parceria reformará centro, diz especialista. Folha de São Paulo, 25 janeiro, 2004. Tradução de Nadia Someck. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 25 abril 2005.

4
ONU – Organização das Nações Unidas. Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Paris, 1972. Disponível em: <www.iphan.gov.br>. Acesso em: 15 outubro 2004.

[Este texto é uma compilação de idéias contidas integralmente na dissertação de mestrado “Estação da Luz e Pinacoteca: Pós Modernidade nos Trópicos”, defendida em fevereiro de 2005 no programa de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do Instituto Presbiteriano Mackenzie.]

sobre o autor

Cidomar Biancardi Filho, arquiteto e Urbanista pela UFPR e mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo MACK. Escritório próprio desde 2001, desenvolve projetos e consultoria em diversas áreas, sendo que nos últimos três anos vem desenvolvendo pesquisas e projetos de restauro, reciclagem e renovação urbana.

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