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my city ISSN 1982-9922

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JAMARDO FAILLACE, Tania. Parque, sim – espigão, não. Defesa da orla do Guaíba. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 098.04, Vitruvius, set. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.098/1875>.


Zona portuária, centro antigo
Foto César Cardia


Vista do Everest Roof até a orla e zona sul
Foto César Cardia

Pôr-do-sol no Guaíba
Foto Eduino Mattos

Zona portuária, centro antigo
Foto César Cardia

Manifestação contra o projeto na Câmara
Foto Thais Brandão / Jornal JÁ

Manifestação contra o projeto na Câmara
Foto Ramon Nunes / CMPA

Manifestação a favor projeto na Câmara
Foto Ramon Nunes / CMPA

Manifestação contra o projeto na Câmara
Foto César Cardia

Protestos no Pontal, 27 set. 2008
Foto César Cardia

Grande Cruzeiro, hipódromo no Guaíba
Foto Tania Faillace

Usina do Gasômetro, centro antigo
Foto César Cardia

Orla proxima à área do pontal
Foto César Cardia

Beira Rio, orla e centro ao fundo
Foto Eduino Mattos

Orla do Pontal
Foto César Cardia

Orla do Guaíba, Porto Alegre
Foto César Cardia

Orla do Guaíba, Porto Alegre
Foto César Cardia

Orla do Guaíba, Porto Alegre. Ao fundo, o trapiche do antigo Estaleiro Só
Foto Eduíno de Mattos

Trapiche do antigo Estaleiro Só, orla do Guaíba, Porto Alegre
Foto César Cardia

Trapiche do antigo Estaleiro Só, orla do Guaíba, Porto Alegre
Foto César Cardia

Orla do Guaíba, Porto Alegre
Foto César Cardia

Orla do Guaíba, Porto Alegre
Foto Eduíno de Mattos

 

1. Parque, sim – espigão, não

São estas as palavras de ordem do movimento em defesa da orla do Guaíba, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, lançado pelo Fórum Municipal de Entidades () da cidade, que reúne associações de bairros, entidades profissionais e entidades ambientalistas, contra a pretensão de um grupo de edis da Câmara de Vereadores que querem alterar a legislação ambientalista vigente para atender aos interesses de um único proprietário-investidor.

Este proprietário-investidor arrematou em leilão uma área de preservação permanente sabendo de sua condição legal, e se dispôs a afrontar a legislação para auferir lucros superiores a 2.342%, na construção daquilo que estava expressamente proibido no local: um super-condomínio com seis prédios em forma de muralha, cor branco neve e 43 metros de altura.

2. A história

Há mais de vinte anos, quebrava o Estaleiro Só, sito na Ponta do Melo, zona Sul de Porto Alegre, levando ao desabrigo centenas de funcionários e suas famílias. O processo de falência foi demorado, e apenas em 2005 foi feito o leilão da área do antigo estaleiro, arrematada em leilão com modestos 7 milhões de reais, pela BM PAR Empreendimentos, dirigida por Rui Carlos Pizzato. O baixo preço levantado pela massa falida devia-se justamente às restrições de uso daquela área, nível I de preservação ambiental.

Apesar disso, o empreendedor tratou de encomendar seu projeto construtivo proibido, denominado de Pontal do Estaleiro, e ideado pelo arquiteto Jorge Debiagi, cuja volumetria obstrui completamente a vista do morro que lhe fica atrás.

O entrave legal existente não intimidou o empreendedor: procurou ele a Câmara Municipal de Porto Alegre, e conseguiu que 17 vereadores assinassem um projeto de lei destinado a quebrar a legislação em benefício de sua empresa.

O Fórum de Entidades, responsável pela análise e emendas ao Plano Diretor como porta-voz da comunidade, entendeu perfeitamente que esse único projeto abriria um precedente que deitaria por terra toda a legislação ambiental para a orla, e possivelmente para outras regiões da cidade.

3. Porto Alegre, o cenário

Com mais de 200 anos de existência, mas menos de 300, Porto Alegre é uma caçula entre as capitais brasileiras de formação espontânea, isto é, não planejada.

Ocupa a margem esquerda do Guaíba, é cercada por morros baixos e graníticos, de formação muito antiga, por todos os lados. Dizem dela ter uma extensão igual a quatro vezes Paris, com uma população três vezes menor (1,5 milhão de habitantes), devido aos vazios urbanos provocados pela estocagem dos terrenos da especulação imobiliária. Apesar de existir, desde o regime autoritário, a possibilidade de implantação urbana do imposto territorial progressivo para impedir esse tipo de especulação, Porto Alegre nunca fez uso dessa prerrogativa, e, em conseqüência, os pobres da cidade foram obrigados a mudar-se para cada vez mais longe do Centro original – uma espécie de ponta ou funil  avançando sobre a água, e dividindo a cidade em Norte (cais e ligação com outras cidades metropolitanas) e Sul, uma extensão de praias em curvas amplas.

Entre seus muitos paradoxos e contradições, Porto Alegre abastece-se de água num espaço hídrico tomado como rio em seus inícios, recentemente reclassificado como lago, e mais recentemente ainda, reconhecido como uma hibridação de rio e lago: lago que recebe a junção dos muitos rios da bacia do Jacuí (Oeste – Leste) e adjacentes, ou rio que atravessa um lago coalhado de ilhas aluvionais e inundáveis.

Após ver seu Centro atravancado de espigões que substituíram construções históricas (a iconoclastia patrimonial é também uma marca registrada da capital gaúcha) e avançaram em bairros tradicionais, provocando contrastes de terrível mau gosto entre o neo-clássico, o eclético, o art-nouveau floral e o “modernoso”, a cidade agora vê ameaçado também o bucolismo de sua lenta, suavemente sinuosa e alongada margem fluvial-lacustre, pela ganância de uns e outros e a complacência de seu legislativo.

4. Planos Diretores sucessivos e opostos

Em 1979, Porto Alegre ganhou de presente seu mais avançado Plano Diretor, em termos de urbanismo racional e equilibrado, com preservação do meio ambiente, zoneamento de atividades, ordenação viária, e opção pela qualidade de vida, com respeito ao ambiente e à vizinhança. Esse plano diretor foi elaborado por várias equipes técnicas ligadas a entidades das categorias com formação urbanística, e à Universidade. Posteriormente, a pressão do poder econômico foi fatiando esse plano, mediante um balcão de negociações em que o empreendedor poderia pagar um determinado preço dentro de um leilão e assim adquirir o direito de burlar as diretrizes do Plano Diretor, construindo em locais inadequados, recuando menos do que devia, ou adensando a ocupação do terreno, mediante o recurso de ir empilhando os andares, com o que conseguia (e consegue) um respeitável superávit ocupacional, e uma não menos notável sobrecarga dos serviços urbanos (água, esgotos, energia elétrica, recolhimento de lixo).

Em 2008, deveria ter lugar uma nova revisão desse Plano Diretor, referente à edição de 2004, e que, do Plano de 1979, já quase nada conservava desde a existência dos tais leilões de índices. A Câmara Municipal chegou a convocar um Fórum de Entidades para colaborar na revisão. Entidades de classe, ambientalistas, associações de moradores, apresentaram-se e cadastraram-se para participar do trabalho.

O resultado de meses de reuniões semanais, grupos de trabalho de tipo técnico, jurídico e outros, elaboraram um elenco de 85 emendas de fundo, ampliaram a preocupação com a preservação ambiental, o impacto ambiental e de vizinhança (inclusive o fator sombra, ventilação, ruído, etc.), a regularização fundiária para as populações de áreas invadidas, a criação de zonas de interesse cultural ou social, etc.

Convém dizer que, no dia de hoje, Porto Alegre conta com mais de 700 núcleos de habitações informais, que alojam cerca de 400.000 moradores, constituídos não apenas por migrantes rurais, como por pessoas que foram expulsas de seus bairros e residências de origem pela pressão da especulação imobiliária, os altos aluguéis, a redução de seu poder aquisitivo e a situação precária do emprego provocada pela pós-modernidade neo-liberal.

Isso tudo representa uma carência de 90 a 100 mil unidades habitacionais, a qual, se encarada seriamente, poderia resultar em grande atividade para a construção civil, criação de milhares de empregos, e ajustamento das necessidades habitacionais com a preservação do ambiente, a partir dos projetos.

Não é isso o que vem acontecendo.

5. Boom imobiliário

Porto Alegre atravessa um boom do mercado imobiliário para as classes abonadas, com projetos sofisticados, de alto custo, e usando o recurso ao empilhamento construtivo.

Uma das preocupações do Forum de Entidades, justamente, era pôr um cobro a tais distorções que estão descaracterizando mais e mais a área urbana do município, piorando a qualidade de vida dos moradores, e destruindo os restos da vegetação nativa do município, inclusive com ameaças diretas a seus espaços verdes, praças, parques, e arborização de ruas.

Desde o ano passado, falava-se, mas não se mostrava, que estavam em andamento projetos mirabolantes para revirar toda a cidade, cavar túneis em avenidas radiais para evitar que os pontos de ônibus atrapalhassem o trânsito dos carros particulares, propiciar a instalação de camelôs em projeto particular, pré-fabricado (e quase pronto) e... mexer na orla do Guaíba, como foi ameaçado uma vez faz vinte anos.

Pois eis que chegam as notícias atuais: uma enfiada de projetos construtivos altamente impactantes na orla do Guaíba, em aterros hidráulicos de estabilização recente e não consolidada.

Pior, projetos (ou indicativos coloridos de projetos) que deverão (deveriam) ser localizados nas áreas de preservação ambiental permanente tipo I.

6. A audiência

A resistência demonstrada pelos setores da sociedade organizada comprometida com o ambiente, motivou a realização de uma audiência pública para discutir um assunto pontual: a questão do Pontal do Estaleiro, antes da votação da lei para beneficiário único.

Plenário lotado, estabeleceu-se a divisão: de um lado, ambientalistas e moradores contra o projeto impactante; de outro, uma claque que vaiava os oradores do primeiro. Uma bela claque, diga-se de passagem, formada por jovens bem vestidas e bem maquiadas.

Em quatro horas de discussões exaustivas e 25 pronunciamentos, tornou-se evidente que a maioria dos presentes repudiava o projeto de lei proposto, com argumentos de ordem legal, urbanística, ambiental e social; enquanto os apoiadores se esmeravam em dizer que tal condomínio seria uma segurança contra a pressão dos favelados sobre a comunidade não-favelada. Chegou-se ao extremo de haver manifestações contra essa vizinhança por razões estéticas e olfativas, e até a acusação de que as casinhas pobres e sem saneamento são as responsáveis pela poluição do Guaíba, comprovando que Porto Alegre está-se tornando um reduto da exclusão social do tipo racista.

Bom, sendo o resultado da audiência desfavorável aos promotores da alteração legislativa, alguns dias mais tarde, era desativado o Fórum das Entidades sob o pretexto do período eleitoral.

Esse Fórum, porém, pressentindo que a própria revisão do Plano Diretor estava ameaçada, resolveu continuar reunindo-se sob o nome de Fórum Municipal de Entidades (mesmo nome que usou durante a elaboração da Lei Orgânica do Município), e centrar sua luta na questão do projeto do Pontal do Estaleiro, para informar a população do que estava (está) acontecendo.

7. Antecedentes: ações comunitárias

Há vinte anos houve uma tentativa semelhante: a privatização da orla do Guaíba a partir da ponta do Centro, prevendo-se marinas privadas e hotéis de alto luxo, demolindo-se monumentos históricos (Prefeitura velha, Mercado Público, Casa de Correção, Usina do Gasômetro). Uma intensa mobilização popular e das entidades de preservação do patrimônio histórico-artístico, assim como de grupos ambientalistas, – inclusive uma espetacular escalada da chaminé do Gasômetro (mais de 40 metros) pelo pessoal da Agapan (2) – , conseguiu sustar a ânsia demolidora e privatista, embora não tenha sido ágil o suficiente para salvar a Casa de Correção, que deveria constituir um centro histórico-cultural junto com a Usina do Gasômetro.

Em 2002, um grupo de movimentos de bairro, chamados Vive, junto com várias ONGs ambientalistas reuniu-se sob o nome de Porto Alegre Vive, durante o processo de discussão prévio à reavaliação do PDDUA (3). Nesse momento, verificou-se não só uma convergência das propostas diretrizes para a cidade de Porto Alegre, como a inclinação dos grupos para as ações conjuntas, quando se elaborou uma pauta de pontos a serem revistos no Plano Diretor, inclusive com respeito aos licenciamentos construtivos, além da preocupação com o déficit habitacional existente entre as populações de baixa renda, e sugestões de uma política a esse respeito.

A partir de então, travaram-se várias lutas pela preservação das características de bairros centrais da cidade, como Independência, Moinhos de Vento, Petrópolis, inclusive o tombamento do arvoredo da rua Gonçalo de Carvalho, que deu origem a um blog comunitário, e a outros movimentos de preservação, que, este ano abrangeram todo o bairro Moinhos de Vento e suas árvores centenárias, tornadas patrimônio público. O Movimento mantém hoje dois blogs: o dos Amigos da Gonçalo de Carvalho, e o POA Vive, que recebem visitas inclusive do Exterior.

Hoje, POA VIVE está integrado e identificado com o movimento de preservação da orla do Guaíba, nascido como conseqüência de lutas anteriores pela preservação da memória e da identidade urbana.

8. Parque ecológico

Ao reconhecimento de que a orla do Guaíba está realmente degradada pela própria poluição hídrica, agravada pelas novas bocas-de-lobo de Porto Alegre, concebidas nesta gestão municipal para direcionarem o lixo das ruas diretamente ao rio-lago, o Forum Municipal de Entidades responde com a proposta do Parque Ecológico, com reposição da vegetação nativa do município.

Esse Parque funcionaria como um regulador climático e protetor para  a cidade, envolvendo-a no quadrante Oeste/Sul/Sudeste com um cinturão com funções termostáticas complementares ao próprio meio hídrico.  Não seria, porém, um parque estático, porque contemplaria projetos de cunho social e educativo,  compatíveis com o local, e dedicados especialmente à infância e juventude em situação de risco social – embora abertos para todos os interessados – valendo como instrumentos de promoção social, e formadores de cidadania.

Três linhas estão propostas: educação ambiental ativa, isto é, compreendendo não apenas a informação e a conscientização, como a aprendizagem do manejo do ambiente natural, com cultivo de viveiros e repovoamento da área com pássaros, peixes, e espécies aquáticas controladoras da poluição. Iniciação esportiva adequada ao ambiente (lembramos nossa participação melancólica nas últimas Olimpíadas), com natação, remo, canoagem, vôlei de praia, pedestrianismo, ciclismo, ginástica (poderiam ser incluídas modalidades para adultos e terceira idade); educação artística (foto, desenho, música, dança, etc.)

Tal parque, a ser construído paulatinamente, seria um indutor da valorização social e humana da área, e poderia alavancar projetos integrados de habitação popular, em harmonia com a preservação ambiental, regularizando áreas decaídas, e remanejando espaços, de maneira a garantir uma melhor qualidade de vida aos portoalegrenses geralmente esquecidos pela especulação imobiliária.

9. Concurso nacional

Quem construiria o tal parque? com que recursos? Que tal um concurso de âmbito nacional?

Acreditamos que entidades nacionais e internacionais ligadas ao urbanismo e à compatibilização do habitat humano com o ambiente natural, teriam aí uma grande oportunidade de executar na prática tais ideais, e provar que a recuperação ambiental é possível, desde que o ser humano e não o mercado, se torne a medida das coisas.

notas

1
O Fórum Municipal de Entidades de Porto Alegre RS. Ainda não tem página na internet. Para maiores informações sobre o projeto Pontal do Estaleiro acesse os blogs "Porto Alegre Vive" e "Amigos da Rua Gonçalo de Carvalho".

2
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - fundada por José Lutzemberger.

3
São previstas revisões a cada quatro anos.

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O GUAIBINO / TANIA JAMARDO FAILLACE

sobre o autorTania Jamardo Faillace, jornalista, escritora, delegada da RP1 – Fórum Regional de Planejamento 1 – de Porto Alegre

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