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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Ruas que servem como área de lazer e podem ser penetradas por carros com velocidade reduzida

how to quote

AZEVEDO, Henrique Oliveira de. Carro intruso em rua de gente. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 147.06, Vitruvius, out. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.147/4521>.



A pauta do momento é mobilidade urbana. Todos os prefeituráveis de Salvador têm o que falar sobre o tema, embora o discurso se repita quase sempre nos mesmos aspectos e propostas de solução. Superficialmente se fala em transporte de massa eficiente, sinaleiras sincronizadas, passarelas elevadas. Os mais ousados falam em ciclovias. Metrô até ali ou acolá, inteligência de tráfego, entre outras faces do mesmo problema.

Não entrarei aqui no mérito de cada uma dessas propostas, mas na relevância da discussão do tema nesse momento. Ele merece realmente nossa atenção porque trata do dia-a-dia de todos nós e o caos está se mostrando cada dia mais presente no trânsito. Se transitar hoje já é um suplício, imagine daqui a quatro anos e se nada for feito!

Por isso, o momento exige mudar o foco e ampliar a visão para outro prisma, que é o do cidadão, antes de tudo. Porque antes de entrar no carro, no ônibus, no metrô, no barco ou em qualquer outro meio, o cidadão também se desloca a pé. O trânsito está caótico, as ruas esburacadas, os congestionamentos enormes, mas como andam nossas calçadas? O que fazer para possibilitar que a pessoa use como alternativa o caminhar?

Nem falo da acessibilidade universal, das adaptações necessárias para o cadeirante, o carrinho de bebê, o deficiente visual, pois esses só podem andar em pouquíssimos lugares de cidade. Falo em atender o cidadão pleno de suas capacidades físicas. Pois nem mesmo estes são contemplados hoje pelas condições de nossas calçadas.

Mesmo nos bairros mais nobres da cidade, elas são descuidadas, sujas, irregulares, cheias de obstáculos que nos obrigam a deixá-la em alguns trechos para nos aventurar no meio das ruas, no perigo do caudaloso rio de máquinas andantes. São postes, árvores, buracos, orelhões, lixo.

Feios e mal cuidados, os passeios não merecem esse nome, pois são poucos os que nos promovem realmente a satisfação e o deleite de neles caminhar de forma descontraída num passeio de fim de tarde.

Tampouco tenho visto alguém falar em políticas que reduzam as necessidades dos grandes deslocamentos, como estimular as pessoas a morar perto do trabalho e colocar os filhos nas escolas da vizinhança, diminuindo a migração pendular diária entre os vários bairros da cidade.

Nos bairros mais periféricos, a tragédia dos calçamentos se agrava. Às vezes, eles até inexistem. O “passeio” é tão exíguo que as pessoas têm que andar pelo meio das ruas. As ruas comerciais dos bairros são tão carentes de espaço para o trânsito de pessoas como de carros.

Outro aspecto muito presente nos bairros mais populares é a falta de espaço de convívio, a rua como ponto de encontro. Há ruas sem calçadas, casas pequenas, falta de praças e de áreas de lazer.

Há poucos dias, uma quase tragédia me alertou para isso. Estava a caminho de uma escola, em um bairro periférico, guiado por meu GPS. Ao chegar perto da escola, entrei em uma rua igual às outras – no caso a rua Limite, próximo ao largo do Retiro em Salvador – Igual para mim, que não conhecia o local. Isso aconteceu em torno das 16h30. Havia algumas pessoas conversando amistosamente numa lateral da rua e isso chamou minha atenção. As pessoas estavam na rua. Na rua mesmo, a rua estava sendo usada como área de convívio, não simplesmente para ir e vir, mas descontraidamente conversando.

Mas há monstros barulhentos que espirram fumaça e se consideram os donos das ruas. Isso dá a errônea impressão de que os pedestres são intrusos. Mas, na verdade, o invasor é o carro. Quando eu dirigia perto do grupo de pessoas que conversavam no meio da rua, ouvi gritos e me dei conta de que quase havia atropelado uma pequena criança que saíra de repente detrás de um carro estacionado. Graças a Deus, foi só um susto que me alertou para algumas coisas.

Aquela era uma rua sem saída, de acesso local. Por isso, era usada pelos moradores como uma extensão da própria casa. No fim de tarde, na rua de casas pequenas e sem quintal, nada mais aprazível que um passeio ao ar livre, aproveitando a brisa e o convívio com os vizinhos. É o uso social da rua, que existe antes do carro. Aliás, antes de existir o primeiro carro, já havia ruas. E antes de existirem as ruas, já havia pessoas para nelas transitar.

Quem teve a oportunidade de jogar baba na rua brincar de pega-pega, esconde-esconde, baleado, pular corda. Quem viveu no interior ou tem um pouco mais de vivência sabe do que estou falando, da rua como extensão da casa, da rua como espaço para viver e se relacionar.

Pois aquela rua, que à primeira vista me pareceu uma rua qualquer, uma rua prioritariamente para o automóvel, depois daquele quase acidente enxerguei que a rua possui outro uso do qual estamos nos esquecendo. A rua como ponto de encontro, espaço de convívio e de lazer. Aquela, como muitas ruas de nossa cidade, merece um tratamento especial.

Ao entrar pela primeira vez naquela rua de periferia, eu devia ter sido avisado de que aquela era uma rua de gente, não de carro. O carro poderia nela entrar, mas a rua era para caminhar. O carro é que deveria circular por ela com cuidado redobrado, pois ele ali era o intruso.

Toda rua deveria ser calçada, como um grande passeio. Com jardim, equipamentos de uso das pessoas, como bancos e brinquedos, postes baixos para a iluminação. Pinturas no chão, marcando as casas da amarelinha, do garrafão e outros jogos infantis. O carro não seria de todo proibido, mas se se aventurasse naquelas bandas, certamente saberia que ali não é o seu espaço. Andaria devagar e mais atentamente.

sobre o autor

Henrique Oliveira de Azevedo é arquiteto, urbanista e construtor, graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 1999.

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