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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Este artigo delineia um panorama das transformações edilícias ocorridas no Centro Histórico de Crato/CE, onde se destacam a falta de uso e conservação dos imóveis e a substituição das edificações, que ocorrem principalmente pelo uso comercial

english
This article outlines an overview of the changes occurring in Historic Centre of Crato/CE, which stand out the lack of use and conservation of buildings and replacement of the constructions, which occur mainly by commercial use

español
En este artículo se describe un panorama de los cambios que se producen en lo Centro Histórico de Crato/CE, en el que destacan la falta de uso y conservación de edificaciones y la sustitución de los edificios, que se producen principalmente por el uso com

how to quote

GURGEL, Ana Paula C.. Crato. A cidade que não quer ter patrimônio. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 148.02, Vitruvius, nov. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.148/4567>.



Este trabalho (1) ressalta a importância do estudo e preservação do patrimônio urbano-arquitetônico como dimensão física para a salvaguarda da memória de uma sociedade. O município do Crato localiza-se no Cariri, região sul do Ceará, ao sopé da Chapada do Araripe, a 516 quilômetros da capital Fortaleza. Do ponto de vista histórico, o Crato foi uma das primeiras povoações fundadas no estado, quando ainda no século XVII foram catequizados os índios que habitavam o vale de terras férteis onde hoje está sediada a cidade. Com o passar dos anos e com as transformações inerentes ao desenvolvimento urbano sem controle rigoroso, o conjunto arquitetônico do centro histórico foi sendo gradualmente descaracterizado. Muitos prédios encontram-se em mau estado de preservação de suas características arquitetônicas originais. Principalmente nas ruas comerciais placas de dimensões exageradas encobrem ou até destroem platibandas de edificações de valor histórico. Esta poluição visual pode também ser percebida pela falta de conservação física dos edifícios (Figura 1). O descuido de alguns proprietários com relação à pintura de fachadas, como à conservação de esquadrias, telhados e manutenção em geral, acaba por gerar uma degradação visual do conjunto arquitetônico.

Em linhas gerais, no caso brasileiro a desvalorização do patrimônio histórico pode ser apontada, em parte, como fruto do descaso ou desconhecimento de uma parcela da população da importância sociocultural que esse representa para a cidade, seja em sua dimensão histórica ou simbólica. Acredita-se que a desvalorização do centro histórico do Crato siga a mesma lógica. Seja por parte dos proprietários e usuários dos imóveis, que não zelam pelos prédios (tanto no sentido físico quanto no sentido estético); seja pela falta de políticas públicas que visem à valorização do patrimônio, a cidade do Crato vem perdendo ao longo dos anos parcela significativa de sua herança cultural.

A figura 2 representa o uso do solo do pavimento térreo, onde se percebe a divisão do centro em duas porções: a norte, uma de uso predominantemente comercial e de serviços (nas proximidades Rua Dr. João Pessoa/Miguel Lima Verde); e, ao sul, outra de dominância do uso residencial unifamiliar. Destacam-se ainda edificações institucionais que se espalham por toda a fração urbana. O uso comercial representa 27% dos lotes (um total de 495 estabelecimentos). O comércio varejista do centro do Crato é bastante diversificado: gêneros alimentícios; artigos do vestuário; peças e acessórios para veículos automotores; produtos farmacêuticos; lojas de variedades de pequeno e médio porte; artesanato; móveis e eletros domésticos; etc.

Foi feita a opção de se anotar também o uso por pavimento, com a finalidade de se identificar as edificações onde os usos se alteram ao longo dos seus andares. Tendo em vista que predominam na área edificações de um ou dois pavimentos, foram catalogados o uso do pavimento térreo, ao nível da rua, e traçou-se uma média dos pavimentos superiores (quando mais de um pavimento acima do nível da rua). Estes dados estão representados na Figura 3. A maioria dos imóveis apresenta uso residencial, unifamiliar (243 imóveis ou 41%) ou multifamiliar (109 imóveis ou 18%). É interessante destacar que, enquanto as edificações unifamiliares distribuem-se na mesma porção já anteriormente predominante de uso residencial, os prédios multifamiliares são encontrados também na área comercial. Isto se deve a um tipo construtivo muito recorrente no centro: edifícios de três ou quatro pavimentos, onde o térreo abriga lojas ou serviços e os pavimentos superiores destinam-se a pequenos apartamentos.

Foram destacados 351 imóveis (19% do total) nos quais foi possível identificar características estilísticas originais ou não tão severamente modificadas e que, portanto, tem sua preservação recomendada. A espacialização do uso do solo destas edificações está representada na Figura 4. A predominância de usos residenciais nos imóveis que ainda guardam características antigas condiz com o que demonstram estudos correlatos: imóveis destinados à residência apresentam melhor estado de conservação física e de preservação estilística, bem como contribuem pra a vitalidade do centro.

Quanto aos dados anotados quanto ao uso do solo dos pavimentos superiores para os imóveis destacados como merecedores de incentivo à conservação tal qual ocorre no centro como um todo, a forte presença de imóveis que possuem seus pavimentos superiores fechados (23% dos imóveis em destaque e 16% do total de imóveis do centro). Esta subutilização dos prédios mostra-se deletéria sobre o patrimônio histórico edificado, pois se reflete também no seu estado de conservação e preservação.

Pode-se também analisar a questão pelo viés de que os imóveis de uso comercial e de prestação de serviços só geram fluxos no período de seu funcionamento (diurno) e que falta de uso dos pavimentos superiores implica muitas vezes na demolição da edificação (se apenas a área do térreo é suficiente para o desenvolvimento da atividade, a existência do segundo pavimento gera despesas extras, podendo ser substituído por uma construção de único pavimento). Assim, o incentivo ao uso residencial nos pavimentos superiores pode contribuir para a vitalidade do centro fora os períodos de movimento pendular.

Buscando traçar um detalhamento do uso do solo para os imóveis indicados à conservação de acordo com seu estado de preservação, foi confeccionado o mapa temático da Figura 5. Percebe-se que a maioria das edificações preservadas tem uso residencial (99 ou 57% dos imóveis preservados), confirmando-se assim o que foi sugerido anteriormente de que o uso residencial mostra-se favorável à preservação estilística. Da mesma maneira, os imóveis de uso institucional também apresentaram maior índice de preservação, representado 11% dos imóveis destacados neste cruzamento. Foi também relevante o número de edificações fechadas (19, cerca de 11%) de onde surge uma preocupação: estarão estes imóveis sem uso, porém preservados, na iminência de substituição? Uma hipótese é que estes imóveis fechados mantém bom estado de preservação porque foram recentemente abandonados e, de acordo com a dinâmica de uso comercial intenso do centro, estarão sujeitos em breve a obras de reuso/reforma com consequentes descaracterizações. Embora a predominância de imóveis preservados seja com os usos institucional, fechado e residencial unifamiliar; para as edificações modificadas tem-se preponderância das atividades comerciais e de serviço. Isso reflete o que já foi verificado em estudos anteriores: os usos comerciais, de serviços e fechados mostraram-se mais nocivos à manutenção estilística do centro.

Os edifícios destacados como representativos do patrimônio arquitetural do Crato foram selecionados tendo em vista sua integridade física e estilística. Entretanto, existem no centro diversas construções nas quais é possível ainda reconhecer características da arquitetura antiga, mas em decorrência das sucessivas alterações sofridas se mostraram não merecedoras de incentivo à preservação. Por sua mistura de elementos arquitetônicos de diversas épocas chamou-se estes imóveis patchworks.

Ao longo do inventário, percebeu-se que estas transformações apresentavam três variações mais recorrentes: 1. a colocação de revestimento cerâmico nas fachadas; 2. a substituição de esquadrias a partir da década de 1970; e, 3. a modificação total dos vãos e demais elementos a altura visual do pedestre, restando da fachada antiga apenas a platibanda. As transformações sobre o patrimônio edificado acentuam-se especialmente devido às pressões impostas pelos interesses comerciais Ou seja, segundo os princípios do movimento natural definido por Hillier (2), maior acessibilidade viária traduz-se em maior movimento, o que por sua vez atrai usos que se beneficiam dessa animação, o que significa frequentemente, o setor terciário. No Brasil, o edifício histórico tende a ser visto como incompatível ou é considerado “desatualizado” para abrigar as funções comerciais. Daí as reformas, atualizações estilísticas, substituições e demais transformações de desmonte do patrimônio edificado, principalmente quando há muita valorização econômica na área. Estas modificações são claras na comparação entre fotos antigas e registros atuais da mesma área (Figura 6).

Quatro anos depois, esse levantamento precisa ser refeito, pois muito já se perdeu. Edificações foram demolidas por completo, outras continuam a sofrer com reformas desastrosas para a arquitetura antiga. As perdas são irreparáveis e trazem à necessidade de refletir acerca de formas de controlar as transformações. Deixa-se ao final, duas questões para debate: o que estar se perdendo? Qual a qualidade da arquitetura que está sendo produzida em seu lugar?

O Crato necessita da criação de políticas públicas em caráter urgencial para a efetiva salvaguarda do seu patrimônio – como posturas que regulem as modificações impostas sobre o ambiente construído e que incentivem o uso e conservação dos imóveis – pois caso os questionamentos se mostres verdadeiros, tais transformações acarretarão perda significativa da sua memória cultural.

notas

1
Ver também: GURGEL, Ana Paula C. Crato: formação e transformações morfológicas do seu centro histórico. Trabalho Final de Graduação (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.

HILLIER, Bill. Centrality as a process: accounting for attraction inequalities in deformed grids. In Urban Design International, 1999, 4 (3&4), p.107-127. Tradução livre do original: “Live centrality means the element of centrality which is led by retail, markets, catering and entertainment, and other activities which benefit unusually from movement”.

sobre a autora

Ana Paula C. Gurgel é arquiteta e urbanista pela UFRN (2008.2) e mestre em arquitetura e urbanismo pelo PPGAU-UFRN (2012) onde esteve vinculado ao grupo de pesquisa MUsA - Morfologia e Usos da Arquitetura. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Católica Rainha do Sertão, onde coordena o grupo de pesquisa NInPHAS – Núcleo de Interesse sobre o Patrimônio Histórico e Arquitetônico dos Sertões.

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