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my city ISSN 1982-9922

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O atual movimento social “Ocupe Estelita”, no Recife, demonstra que o poder de aglutinação por trás de objetivos concretos, que permitem consolidar consciências sociais ligadas a benefícios comuns.

how to quote

GHIONE, Roberto. Ocupe Estelita. Idade Média, ontem e hoje. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 167.02, Vitruvius, jun. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.167/5193>.


Ocupe Estelita, movimento de resistência popular contra o projeto Novo Recife
Foto Keila Vieira


As considerações acerca da Idade Média a caracterizam pelo domínio filosófico da escolástica e a organização social baseada no sistema defensivo de vassalagem. Os vassalos ofereciam fidelidade, trabalho e pagamento de taxas aos senhores feudais em troca de proteção e de um lugar no sistema de produção baseado na agricultura. A nobreza feudal (senhores, cavaleiros, condes, duques, viscondes) era detentora da terra (feudos), arrecadava impostos dos súditos e concentrava todos os poderes jurídico, econômico e político. O clero (poderoso e terratenente) oferecia proteção e orientação espiritual. Na base da pirâmide social encontravam-se os camponeses, servos e pequenos artesãos, analfabetos e submissos à nobreza.

Esse período da humanidade, considerado obscuro, teve, contraditoriamente, a luminosidade artística e poética das grandes catedrais, detentoras da expressão da técnica construtiva da pedra levada aos extremos da imaginação e da inventividade, primeiras edificações de estrutura independente das envolventes, cuja racionalidade é admirada nos dias de hoje. No campo do urbanismo, os maiores legados desse tempo são as praças, espaços abertos de encontro social que se destacam do tecido emaranhado de ruelas e becos, ainda hoje persistentes como elementos de qualificação das cidades.

Ocupe Estelita, movimento de resistência popular contra o projeto Novo Recife
Foto Keila Vieira

Comportamentos aparentemente anacrônicos derivados daquele período, superados pela razão da modernidade a partir do Século 15, persistiram ao longo da história e hoje, em pleno Século 21, sob domínio da tecnologia digital, insistem em permanecer na consciência social contemporânea através de novas formas.

Nas configurações das cidades brasileiras, as estruturas defensivas persistem intramuros, fragmentadas em unidades de neovassalagem, que submetem os habitantes aos interesses dos donos da terra e do capital mediante um sistema de segurança convenientemente vendido, para proteger os súditos das condições de insegurança geradas pelo próprio sistema. Fugir dele significa arriscar a vida própria e familiar, entregue aos inimigos internos que o poder gestor não consegue ou não quer controlar.

Ocupe Estelita, movimento de resistência popular contra o projeto Novo Recife
Foto Keila Vieira

Os novos senhores feudais (hoje travestidos de empreiteiros e empresários de serviços públicos e privados) são detentores, como outrora, do poder político, econômico e jurídico, comprado através do financiamento de campanhas eleitorais. O sistema perverso está convenientemente amarrado por interesses que permitem a permanência de uma elite dominante, cujo poder surge da lógica capitalista baseada no consumo e da lógica política baseada na troca de favores.

O clero, em decadência, é substituído pela mídia, que participa e pactua com o poder econômico e político através da manipulação ideológica que garante a permanência do sistema. O bombardeio midiático, seja para desinformar, confundir ou idiotizar, neutraliza a consciência dos súditos e alinha posturas e decisões na obediência devida aos ditados dos interesses dominantes.

Os instrumentos da libertação (educação, acesso à informação qualificada, dignidade urbana, integração social) são proclamados da boca para fora, porém assegurados no momento de assumir as grandes decisões em benefício do interesse geral. Pão e circo, recursos ainda mais antigos que as persistências da Idade Média, são convenientemente utilizados para hipnotizar e orientar multidões.

Ocupe Estelita, movimento de resistência popular contra o projeto Novo Recife
Foto Henrique Vaz

As persistências da Idade Média atrelam uma nação ao subdesenvolvimento e promovem as penúrias de muitos para benefício e privilégio de poucos. As redes sociais constituem sistemas alternativos de informação e vivência da realidade, que possibilitam organizações em defesa do interesse geral. De ampla difusão, tem demonstrado a capacidade de promover movimentos efetivos, porém insuficientes ainda para contrabalancear os interesses instalados. Os movimentos sociais de junho de 2013, assim como o atual “Ocupe Estelita” no Recife, são demonstrações do poder de aglutinação por trás de objetivos concretos, que permitem consolidar consciências sociais ligadas a benefícios comuns. Eles abrem a esperança nas transformações sociais e urbanas merecidas, expõem as contradições da ordem conservadora e instalam, no debate público, as utopias que provocam o desenvolvimento natural de uma sociedade.

A cidade manifesta os jogos de poder e as reações dos grupos esclarecidos. A configuração do espaço urbano expressa, ainda hoje, a persistência de situações anacrônicas: neo-medievalismos e neo-coronelismos travestidos de arquitetura moderna, sob argumentos de obediência aos interesses estabelecidos. O Recife, assim como muitas cidades brasileiras, ainda se constrói sob ideologias provenientes da Idade Média, só que sem o esplendor das grandes catedrais nem a magnificência das praças e espaços públicos aptos para celebrar a vida em comunidade.

Ocupe Estelita, movimento de resistência popular contra o projeto Novo Recife
Foto Henrique Vaz

sobre o autor

Roberto Ghione, arquiteto formado pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Pós-graduado em Planejamento Urbano, Crítica Arquitetônica e Preservação do Patrimônio pela Universidad Católica de Córdoba. Titular do escritório Vera Pires Roberto Ghione Arquitetos Associados, Recife PE.

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