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minha cidade ISSN 1982-9922

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Reflexões de um Arquiteto e Urbanista paulistano sobre a cidade de São Paulo e seus muros, suas divisões e sua urbanidade. O desenvolvimento da cidade e a sociedade nela representada.

como citar

OLIVEIRA, Luis Fernando Correa Santos de. A queda do muro e os muros da cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 179.04, Vitruvius, jun. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.179/5577>.


Edifícios comerciais na Rua Kleiststr
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira


Recentemente foi publicada uma reportagem sobre roubos de bicicletas na ciclovia da Marginal Pinheiros em Sao Paulo (1). Uma placa foi colocada no local alertando para o risco de assalto na área. Segundo a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), responsável pela ciclovia, devido a uma obra “foi necessária a construção de uma pista auxiliar, não murada, o que torna o local mais vulnerável“. Isso me levou a uma pergunta: Seria então o resto da ciclovia murada?

No dia 09 de Novembro 2014 se comemorou os 25 anos da queda do muro de Berlim. O muro, mais do que dividir uma cidade, dividiu uma época. O muro dividiu ocidente e oriente, leste e oeste, nós e eles.

A queda do muro abriu, entre muitas outras coisas, a possibilidade de (re)construção sobre uma cicatriz física no tecido urbano que esta divisão ocasionou. O muro era na verdade composto por dois muros paralelos e entre eles um vazio, cuja função era dificultar as fugas de um lado para o outro. Esse vazio era chamado de “faixa da morte“, pois a ordem era impedir a qualquer custo, qualquer tentativa de fuga. A ordem era atirar para matar.

Eu moro hoje onde há 25 anos passava a faixa da morte. O prédio recém-construído é um típico quarteirão europeu: sem recuos laterais, sem recuo frontal, sem muros. Gosto sempre de contar que tudo aqui é novo. Uma pessoa mais desapercebida poderia passar e achar que os prédios estão ali há décadas.

Anúncio de novo empreendimento onde ficava o vazio da “faixa da morte“, na Rua Kommandantenstr. com a Rua Beuthstr
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

A cidade de São Paulo, onde eu nasci, cresci, estudei e trabalhei, também tem seus quarteirões cujos prédios não têm recuos. Mas com um gabarito bem maior do que o que vejo aqui em Berlim. 10, 12, 15 ou 30 andares, como do Edifício Martinelli, contudo ali, direto na rua, sem muros.

Porém essas áreas, esses prédios, ao longo do tempo se deterioraram. A arquitetura brasileira abraçou o modernismo corbusiano, o edifício solto no parque. A partir de 1972, a lei de uso e ocupação do solo passou a exigir recuos para os edifícios na maior parte da cidade. Recuos laterais, de frente e de fundos, procuravam soltar o edifício das amarras do terreno, das amarras da rua. Surgiram assim os condomínios com ampla área livre. E então vieram os muros.

“Plattenbau“ na Avenida Karl-Marx-Allee
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

A cidade de Berlim, dividida por um muro, se desenvolveu no pós-guerra de duas maneiras distintas, cada um com seu modelo econômico, social e urbano.

O lado oriental, socialista, construiu bairros inteiros baseados no modelo do edifício solto no parque. Blocos padronizados, pré-fabricados, os aqui chamados de „Plattenbau“ – edifícios de placas – não só resolviam a necessidade de se construir rápido, devido ao problema de escassez de moradia num país destruído pela guerra, mas também, para uma nova sociedade que se queria criar, era mister um novo modelo de cidade.

Edifícios comerciais junto aos residenciais na Karl-Marx-Allee, destaque para o cinema a esquerda em primeiro plano
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

No lado ocidental, capitalista, grande parte da cidade se reconstruiu como era, seguindo o modelo do bulevar hausmaniano. O urbanismo modernista aparece nas áreas comerciais e em projetos em áreas originalmente destinadas á população de menor renda.

Edifícios comerciais na Rua Kleiststr
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

Traço comum a ambos os lados: ausência de muros. A cidade famosa pelo seu muro era – e é – aberta para a rua.

São Paulo foi para o caminho inverso, foi se fechando cada vez mais em pequenos enclaves. Quando criança eu tinha os amigos do prédio, não os amigos da rua. Menino de rua é sinônimo de maloqueiro, pobre, marginal. Há 30 anos já não se brincava na rua, se brincava no prédio. Não que a cidade não tivesse muro antes. Talvez a construção deles seja apenas a materialização do muro que sempre dividiu nossa sociedade.

Edificios residencias no bairro de Kreuzberg, antiga Berlim Ocidental
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

O que mais me impressiona nesta experiência de morar em Berlim, falando como arquiteto e urbanista, é exatamente ver projetos urbanos executados – e que funcionam – que na faculdade me pareciam muito utópicos. Coisas simples, como uma passagem de pedestres no meio de um quarteirão, pareciam impossíveis de se implantar em São Paulo. Passando no meio de prédios residenciais então, duplamente impossível. Essas tentativas sempre acabariam na „arquitetura de zelador (2)“. Numa cidade do tamanho de São Paulo, quantos exemplos desses nós temos? E aqui, é mais do que comum. É o óbvio!

Passagem de pedestres no meio do quarteirão, entre edifícios residenciais no bairro do Mitte, antiga Berlim Oriental
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

O novo Plano Diretor procura reverter essa lógica que nos levou a esta cidade murada. Procura trazer uma integração maior entre o espaço público e o privado. Mas e as pessoas? A pergunta que eu faço é: as pessoas constroem a cidade ou a cidade constrói as pessoas? Nós vimos nas últimas eleições uma polarização muito grande. Os muros foram mostrados, exacerbados. São muros que precisam cair.

O muro de Berlim começou a cair quando o grito de ordem na Alemanha Oriental mudou de „wir sind das Volk“ (nós somos o povo) para „wir sind ein Volk“ (nós somos um povo). Para derrubarmos os muros da cidade, precisamos também derrubar nossos outros muros. Precisamos dizer que somos um povo.

Passagem de pedestres sob edifício residencial no bairro de Kreuzberg, antiga Berlim Ocidental
Foto Luis Fernando Correa Santos de Oliveira

notas

1
Placa avisa sobre risco de roubo na ciclovia da Marginal do Rio Pinheiros. Postado em 01/05/2015 por VEJA SÃO PAULO. http://vejasp.abril.com.br/blogs/cidade/placa-avisa-sobre-risco-de-roubo-na-ciclovia-da-marginal-do-rio-pinheiros/

2
Arquitetura de zelador: Termo cunhado por um professor na faculdade de arquitetura, quando falava de um projeto bonito, com um jardim aberto para a rua, por exemplo. Ele dizia: „na primeira reunião de condomínio, os moradores já mandam o zelador construir um muro para fechar esse terreno“.

sobre o autor

Luis Fernando Correa Santos de Oliveira é arquiteto e urbanista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e Mestrado pela mesma universidade, passou pelo escritório Apiacás Arquitetos e por diversos órgãos da prefeitura Paulistana, ao mesmo tempo que lecionava sobre o desenvolvimento da Cidade de São Paulo, seu Plano Diretor e Legislação de Uso e Ocupação do Solo no curso de especialização lato sensu na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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