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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Este artigo relaciona a produção imobiliária brasileira com o conceito de “taxa de utilização decrescente”, cunhado na obra do economista István Mészarós, objetivando uma reflexão sobre a perda de relevância que a Arquitetura vem sofrendo no Brasil.

english
This article relates the Brazilian real estate production with the concept of "decreasing utilization rate", coined in the work of economist István Mészáros, in order to discuss the loss of relevance that architecture has undergone in Brazil.

español
Este artículo relaciona la producción del mercado inmobiliario de Brasil con el concepto de "tasa de utilización decreciente", de István Mészáros, con el objetivo de reflexionar sobre la pérdida de relevancia de que la arquitectura ha sufrido en Brasil.

how to quote

AMIN, Thiago Carneiro. Mercado imobiliário brasileiro na sociedade dos descartáveis. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 183.06, Vitruvius, out. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.183/5774>.


Conjunto habitacional em Campinas SP
Foto Thiago Carneiro Amin


As cidades brasileiras vêm se transformando em uma grande “Las Vegas”, onde tudo é falso e culturalmente irrelevante. As áreas urbanas estão se transformando em “cidades iguais”, onde os edifícios são caracterizados por uma grande falta de personalidade. O fenômeno pode ser explicado a partir da hipótese da perda de relevância do arquiteto como definidor do meio urbano, ou ainda pela decadência, irresponsabilidade e a baixa capacitação dos próprios arquitetos, que se esquecem que sua obrigação fundamental é dar ordem aos espaços que abrigam as atividades humanas, e não usar irresponsavelmente os recursos alheios como veículos de auto-expressão (1).

Mas essas questões podem ser apenas um desdobramento natural da lógica do mercado imobiliário atual. Mészáros, em sua abrangente análise sobre o sistema capitalista global, identificou o fenômeno denominado “taxa de utilização decrescente”, ou seja, a diminuição gradual do “tempo de vida” de uma classe ou categoria de bens de consumo (duráveis ou não):

“em sua tendência geral, o modo capitalista de produção é inimigo da durabilidade e, portanto, no decorrer de seu desdobramento histórico, deve minar de toda maneira possível as práticas produtivas orientadas-para-a-durabilidade, inclusive solapando deliberadamente a qualidade” (2).

Por durabilidade, ou a falta dela, entendemos a deterioração física ou simbólica prematura de um produto de consumo: “os artigos ficam velhos ou pela deterioração propriamente dita ou pelo desgaste de suas partes; por melhorias na maneira de construir; ou por modificações na forma e no estilo, exigidas pelo gosto variável da época” (3).

A “sociedade dos descartáveis” reverteu a lógica do aperfeiçoamento da produtividade, criando um equilíbrio entre produção e demanda baseado em um consumo-e-descarte artificial e de grande velocidade, de uma imensa quantidade de mercadorias, categorizadas até recentemente como bens duráveis.

A taxa de utilização decrescente, porém, não é inerente ao avanço produtivo, como se poderia deduzir. Ela necessita de condições especiais para acontecer: especialização dos produtores e sua alienação das matérias primas e dos meios de produção (4). No caso do mercado imobiliário, podemos identificar os produtores como indivíduos: proprietários de terra, arquitetos, engenheiros, construtores, advogados, agentes públicos, profissionais de marketing, além de gerentes e diretores de empresa. Estes últimos muitas vezes vêm de outros setores do mercado que não o imobiliário, e sua continuidade no cargo dependem de metas de lucratividade, e não da qualidade real do produto imobiliário ofertado pela empresa.

À medida que avançou em direção a um estágio mais ‘avançado’, o mercado imobiliário passou a introduzir técnicas de produção que nada tem (ou tinham) a ver com o seu ramo de atividade. De maneira geral, é possível notar nas incorporadoras e construtoras uma forte orientação em direção ao marketing como definidor das soluções arquitetônicas e estilísticas, em detrimento das soluções geradas a partir de conceitos típicos da arquitetura, como conforto térmico, significado cultural, qualidade de vida, entre outros.

As técnicas de marketing e vendas condicionam o projeto, e o arquiteto se limita a condicioná-lo às tendências do mercado, resultando na pasteurização da paisagem urbana. A arquitetura é tratada como objeto de consumo, com tendências de moda que mudam a cada ano. Dessa maneira, o marketing decreta a obsolescência dos novos edifícios muitas vezes antes de serem construídos. A partir de uma suposta preferência do consumidor, cria produtos novos baseados em conceitos velhos, estimulando o gosto pela inovação constante (5).

As estratégias de marketing relacionam algumas características da habitação humana (abrigo, conforto, segurança e privacidade) à realização do sonho de morar, e é deste sonho e de sua recriação constante que o mercado imobiliário se estrutura, introduzindo periodicamente inovações que tentam satisfazer as expectativas dos consumidores, mas também criam constantemente novas necessidades (6).

Também é notável a apropriação, por parte das empresas do setor imobiliário, de estratégias comerciais e de produção do setor varejista popular, que visam a diminuição máxima do custo de produção. Segundo o portal da revista Exame, a construtora Tenda,

“construtora que prosperou nos últimos anos vendendo imóveis para consumidores de baixa renda [...], decidiu simplesmente copiar as duas companhias brasileiras que considerava modelo no mercado: a Casas Bahia e o Habib's [...]. Do Habib's, rede de fast food de comida árabe, a empresa copia a padronização, uma forma de baixar custos. Todas as casas e os apartamentos seguem o mesmo projeto – o que, apesar de tedioso, diminui em mais de 10% o gasto com engenheiros e arquitetos” (7).

Por outro lado, a avaliação técnica e comparação das novas edificações com empreendimentos feitos em outras épocas, do ponto de vista técnico-construtivo, poderia nos levar à conclusão que a “durabilidade” do ambiente construído está diminuindo, o que confirmaria a teoria de Mészáros aplicada sobre o mercado imobiliário, na vertente mais tradicional do conceito de durabilidade. Obviamente, a comparação de vida útil de edifícios, do ponto de vista construtivo, é difícil de ser feita.

Uma terceira nuance do fenômeno pode ser identificada em respeito à “utilidade” do produto imobiliário em si. Nesse caso, é possível verificar uma ligação entre a especulação imobiliária e a taxa de utilização decrescente: “O ‘capitalismo avançado’ [...] inventa um tipo de produção em relação ao qual o tradicional desafio do consumo (utilidade) só se aplica, se tanto, marginalmente” (8). Muitos dos lançamentos imobiliários tem como público-alvo um tipo de comprador denominado “investidor”. Esse seleto grupo normalmente adquire mais de uma unidade por empreendimento, e as reserva na busca de uma valorização futura; outras vezes, somente as vêem como aplicações financeiras de baixo risco, especialmente em épocas de economia turbulenta.

Assim, a “utilidade” do produto imobiliário, especialmente o residencial – moradia, abrigo - se coloca em segundo plano. Segundo Raquel Rolnik, em entrevista cedida à Manoel Lemes da Silva Neto em 26 de agosto de 2008: “Como nós, que temos no Brasil 6 milhões de casas e apartamentos vazios e 7 milhões de favelados!” (9). Grande parte dos imóveis residenciais produzidos no Brasil recentemente não tem a finalidade de abrigar pessoas, mas de serem “consumidos” com outras finalidades, às vezes totalmente avessas à ocupação real. Conforme demonstra Mészáros, sua utilidade se aplica, na melhor das hipóteses, marginalmente.

A lógica da taxa de utilização decrescente, ao ser aplicada ao mercado imobiliário, gera produtos que seriam descartáveis, se não fossem eles os elementos construídos que compõem o ambiente urbano:

“Como se pode tratar um edifício como objeto de consumo, adotando a última moda ou ‘tendência’ e tratando sua organização e aparência de maneira leviana? Uma roupa de corte fora de moda pode ser descartada facilmente, um carro já é mais difícil, um edifício é impossível. O projeto arquitetônico que segue a moda pode até ser o sucesso de hoje, mas com mais certeza será o embaraço de amanhã, e o ridículo de depois de amanhã. Tratar a arquitetura como algo passível de ser consumido termina por tornar a própria disciplina obsoleta, enquanto seus produtos permanecem como monumentos à estupidez humana” (10).

notas

NA – O presente artigo foi produzido para a disciplina “Territórios e Poder”, ministrada pela professora Laura Machado de Mello Bueno no curso de Mestrado em Urbanismo da PUC-Campinas, em 2011.

1
MAHFUZ, Edson. A arquitetura consumida na fogueira das vaidades (editorial). Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 012.00, Vitruvius, maio 2001 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.012/886>.

2
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo, Boitempo Editorial, 2002, p. 636.

3
GABBAGE. Apud MÉSZÁROS, István. Op. cit., p. 637.

4
MÉSZÁROS, István. Op. cit., p. 641.

5
CLARO, José Alberto Carvalho dos Santos; DAMANTE Mariana Mazzariello. Marketing e a estratégia usada na produção arquitetônica: uma crítica à produção imobiliária. Revista Gestão & Regionalidade, vol. 25, n. 75, set./dez. 2009.

6
VILLA, Simone Barbosa. O produto imobiliário paulistano: uma crítica a produção de apartamentos ofertados no mercado imobiliário a partir de 2000. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2006, p. 14.

7
MEYER, Carolina. O Avanço na baixa renda - Portal Exame, São Paulo, 05.01.2007 <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0884/negocios/ m0119837.html>. Acesso em 08 jun. 2010.

8
MÉSZÁROS, István. Op. cit., p. 640

9
ROLNIK, Raquel. O direito à moradia no Brasil e no Mundo. Entrevista por Manoel Lemes da Silva Neto. In Oculum Ensaios, n. 7/8. Campinas, PUC-Campinas, 2008, p. 151.

10
MAHFUZ, Edson da Cunha. Op. cit.

sobre o autor

Thiago Carneiro Amin é arquiteto e urbanista com graduação e mestrado pela PUC-Campinas. Possui ampla experiência na área de desenho urbano, paisagismo, planejamento e infraestrutura urbana. Atualmente é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, e arquiteto titular do escritório de projetos Alameda Urbanismo, de Campinas SP.

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