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my city ISSN 1982-9922

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português
O artigo enfoca a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo e a preservação de estradas de ferro. Após breve histórico da estrada de ferro no Brasil, é enfocada a a preservação de estradas de ferro e do patrimônio ferroviário.

english
This article focuses the railway Sul do Espírito Santo and discusses the preservation of railways. After a historic of the railways in Brazil, it is focused the railway Sul do Espírito Santo and the preservation of railways and the railway as patrimony.

how to quote

LORDELLO, Eliane. A preservação da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 186.02, Vitruvius, jan. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.186/5877>.


Estação Pedro Nolasco, Vila Velha ES
Foto Eliane Lordello, dez. 2013


Ponta de areia ponto final
Da Bahia-Minas estrada natural
Que ligava Minas ao porto ao mar
Caminho de ferro mandaram arrancar
Velho maquinista com seu boné
Lembra do povo alegre que vinha cortejar
Maria fumaça não canta mais
Para moças flores janelas e quintais
Na praça vazia um grito um oi
Casas esquecidas viúvas nos portais

Milton Nascimento, Ponta de Areia

Introdução

Este artigo enfoca a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo e discute a preservação de estradas de ferro. A abordagem é iniciada por um breve histórico da estrada de ferro no Brasil. Em seguida, é enfocada a estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, e, por fim, discutida a preservação de estradas de ferro e o patrimônio ferroviário.

As estradas de ferro no Brasil

Em Ingleses no Brasil, Gilberto Freyre associa a presença inglesa no Brasil à construção de estradas de ferro. Conforme Freyre, pela relação que a Grã-Bretanha manteve com o Brasil ainda semicolonial do século XIX, “foram, quase todas, obras de inglês”, os seguintes feitos: “as primeiras fundições modernas, o primeiro cabo submarino, as primeiras estradas de ferro, os primeiros telégrafos, os primeiros bondes”. A propósito do impacto da locomotiva, vale a transcrição direta das palavras do sociólogo pernambucano:

“Como, porém, a locomotiva veio a empolgar, no Brasil, a imaginação dos meninos e da gente do povo, mais do que qualquer outra máquina ou engenho inglês, em torno dos engenheiros ferroviários ingleses é que se condensou principalmente a mística brasileira de enxergar na Inglaterra um país de novos mágicos: os engenheiros, os técnicos, os mecânicos, os dominadores do ferro e do aço, do vidro e do cobre” (1).

O historiador Leandro do Carmo Quintão sintetiza os agentes envolvidos na construção da malha ferroviária brasileira nos seguintes termos:

“A presença do Estado à frente do processo de construção da malha ferroviária brasileira não exclui a presença de capitais estrangeiros, geralmente ingleses. A Inglaterra, pioneira no processo da Revolução Industrial tornou-se a maior fornecedora de produtos manufaturados e bens de capital para a América Latina, na medida em que as colônias tornavam-se politicamente independentes, na primeira metade do século XIX” (2).

A construção de ferrovias foi também um grande impulso desenvolvimentista em soluções de engenharia, transformando a paisagem dos locais de passagem das linhas de ferro. A respeito disso, também cabe evocar o pensamento de Freyre:

“Outra marca dos caminhos de ferro sobre a paisagem brasileira, além dos trilhos – trilhos de um brilho tão vivo sob o sol tropical –, foi a das pontes – principalmente as de ferro – e dos viadutos. Mas não devem ser esquecidos os túneis. Em alguns pontos do Brasil, sabe-se que a construção de estradas de ferro se assinalou por notáveis vitórias da técnica sobre a natureza. Basta nos lembrarmos da estrada de ferro de Santos a São Paulo – obra de engenheiro inglês e uma das maravilhas técnicas do Brasil”

Ainda outra marca do complexo ferroviário sobre a face da paisagem brasileira: a estação. Não só a estação metropolitana ou central mais ou menos pretensiosa. Também a estaçãozinha quase perdida no matagal, nos campos, em terras de engenhos e fazendas, perto de cidades do interior” (3).

O que se apreende das passagens acima transcritas é que a criação de ferrovias constitui um  patrimônio edificado, composto por todos elementos construtivos citados pelo sociólogo pernambucano, tais como estações, túneis, pontes.

De grande importância histórica é esse patrimônio. A propósito, resgatando os tempos do Imperador Pedro II, Freyre destaca a importância civilizatória das ferrovias, em especial, de suas estações, nos seguintes termos:

“As estaçõezinhas de estrada de ferro foram evidentemente pequenos centros de civilização europeia, ou norte-americana, no Brasil ainda arcaicamente agrário e pastoril do tempo de Pedro II” (4).

Outro autor que destaca a importação de novas técnicas e formas construtivas pelo advento das ferrovias no Brasil é Nestor Goulart Reis Filho. Suas palavras dão a justa medida das mudanças ocorridas em terras brasileiras durante a segunda metade do século 19:

“As mudanças socioeconômicas e tecnológicas ocorridas durante a segunda metade do século XIX implicaram, no Brasil, em profundas transformações nos modos de habitar e construir. As novas condições de transporte, criadas com a instalação das ferrovias e linhas de navegação fluvial, vieram permitir o aparecimento de um fenômeno completamente novo na arquitetura: os edifícios importados, produzidos pela indústria” (5).

Não se limitavam, as ferrovias, a trazer novos materiais, mas, também, novas técnicas e novas formas de construir foram por elas possibilitadas, inclusive no interior do Brasil, conforme destaca Goulart, citando novas tipologias construtivas favorecidas pelas ferrovias:

“Novas soluções arquitetônicas e construtivas eram assim difundidas pelo interior, influindo sob vários aspectos na arquitetura. Como uma consequência dessas transformações deve ser reconhecido o chalé” (6).

Como se pode concluir dos excertos acima transcritos, as ferrovias não só constituíram um patrimônio por si mesmas, como também contribuíram para a constituição de um patrimônio arquitetônico nas cidades e pequenos municípios brasileiros.

A Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo

Estação Pedro Nolasco, Vila Velha ES
Foto Eliane Lordello, dez. 2013

No Espírito Santo não foi diferente, as estradas de ferro contribuíram para a interiorização dos recursos e técnicas construtivas, bem como para a formação do gosto arquitetônico. Entre os testemunhos dessa interiorização, pode ser citado o conjunto arquitetônico do sítio histórico de Muqui, no sul do estado, claramente influenciado pela presença da linha de ferro em sua formação arquitetônica e traçado urbanístico.

Villa Viana, Muqui ES
Foto Eliane Lordello, abr. 2014

Segundo Quintão, a ligação com a produção cafeeira foi primordial para a viabilidade do sistema ferroviário no Brasil, sendo tal ligação benéfica tanto para a ferrovia, quanto para o setor cafeeiro. Este foi o caso do Espírito Santo, conforme o mesmo autor, que afirma que a implantação de vias férreas no estado deu-se estreitamente ligada ao café.

Conforme esse historiador, as três primeiras ferrovias construídas no estado foram “a Estrada de Ferro Caravellas, o Ramal de Santo Eduardo (pertencente à Leopoldina Railway) e a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo” (7), sendo esta última o objeto deste artigo. Quintão acrescenta que todas essas estradas de ferro se encontravam na região sul do estado, entre os vales dos rios Itapemirim e Itabapoana, a principal região cafeeira do Espírito Santo.

Como um dos principais motivos para a construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, Quintão aponta a centralidade econômica que Cachoeiro do Itapemirim assumira, relegando a Vitória “apenas a centralidade política”.  Esta situação, segundo o historiador, tornava necessária uma ligação férrea entre Cachoeiro e a capital, visando favorecer a transformação de Vitória na praça comercial exportadora de toda a produção centralizada em Cachoeiro.

Estação Cachoeiro do Itapemirim
Foto Eliane Lordello, out. 2013

A construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo foi iniciada em Argolas (Vila Velha – ES) no ano de 1892 (8). Seu primeiro trecho, ligando o Porto de Argolas a Viana, foi inaugurado em 13 de julho de 1895 (9). Em 1º de janeiro de 1900, inaugurou-se a estação de Germânia (atual município de Santa Isabel, sendo o local da estação hoje chamado Vale da Estação). Doze dias depois, inaugurou-se a estação de Marechal Floriano, 9 km adiante da anterior (10). Em maio de 1902, foram inauguradas mais duas estações: Araguaia (hoje distrito de Marechal Floriano), e Engenheiro Reeve (na localidade de Matilde).

Estação Germânia, atual Vale da Estação
Foto Eliane Lordello, set. 2013

A ligação ferroviária entre Cachoeiro e Vitória completou-se oficialmente em 27 de junho de 1910, quando foram inauguradas as estações de Engano, Guiomar, Vargem Alta e Soturno. Porém, ainda não se cumprira a finalidade determinada, de ligar a produção do sul do estado ao porto de Vitória, ressalta Quintão (11).

Segundo o historiador, foi somente na década de 1920 que Vitória se consolidou como o principal porto do estado, para o que foi importante o papel desempenhado pelo Ramal Sul do Espírito Santo, e pela Estrada de Ferro Vitória a Minas, que transportavam café, afirma Quintão (12).

A Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo pertenceu ao Governo do Estado do Espírito Santo entre 1892 e 1907, sendo depois vendida para a empresa Leopoldina Railway. Tendo também pertencido ao Governo Federal desde o fim dos anos 1940 (13), atualmente, o Ramal Sul integra a Ferrovia Centro Atlântica, pertencendo, portanto, a uma companhia particular. Segundo Quintão, seu traçado hoje é inviável economicamente,

“Transformando-se num gargalo, nos trechos em que alcança altitude, em virtude de suas ‘obras de arte’, e naqueles cortados pelas zonas urbanas de Vila Velha e Cariacica, devido aos vários cruzamentos com ruas e rodovias” (14).

Segundo o historiador, o que viabiliza atualmente o Ramal Sul é o transporte de grãos para os avicultores e suinocultores do interior, especialmente da Região Serrana, e projetos turísticos, a exemplo do Trem das Montanhas. O Trem das Montanhas é um projeto criado pela Prefeitura Municipal de Viana em 2007.

Estação Viana
Foto Eliane Lordello, set. 2013

Concluído esses breves históricos da Estrada de Ferro no Brasil e da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, passamos a discutir a preservação patrimonial de estradas de ferro.

A preservação de Estradas de Ferro

A preservação de estradas de ferro insere-se em um caso de patrimônio ferroviário. Estudos neste campo são férteis no Brasil, notadamente em Minas Gerais e São Paulo. Entre os vários artigos a esse respeito, destacam-se: Memória da Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA: Itinerários e conjuntos ferroviários na zona da mata mineira: permanências arruinadas (15) e Em defesa do patrimônio industrial ferroviário de São Paulo: as oficinas da São Paulo Railway na Lapa (16).

O segundo artigo aborda a São Paulo Railway, inaugurada em 1867, para levar a produção de café do Oeste paulista para o porto de Santos, e em sua argumentação faz a seguinte defesa:

“O próprio leito dessa ferrovia e seu entorno imediato, em toda sua extensão de Santos a Jundiaí, assim como o patrimônio material de ordem arquitetônica e tecnológica a ele vinculado, é conjunto de valor cultural inestimável – histórico, artístico, paisagístico e ambiental – carecendo de reconhecimento e proteção nacionais” (17).

Como se vê, o artigo faz a defesa da proteção legal de um leito ferroviário, caso em que se insere o tombamento de um caminho de ferro como a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo.

No catálogo Bens Móveis e Imóveis Inscritos nos Livros do Tombo do Iphan encontram-se casos de tombamentos de patrimônio ferroviário, os quais serão doravante enumerados:

“1. Tombamento de complexo ferroviário (em São João Del Rei – MG):

“Bem/Inscrição: Complexo ferroviário de São João Del Rei, com uma área de trinta e cinco mil metros quadrados, localizado entre as avenidas Hermilo Alves, Antonio Rocha, Rua Quintino Bocaiuva e Praça dos Ferroviários.

2. Tombamento de trecho ferroviário (em Magé – RJ):

“Bem/ Inscrição: Trecho ferroviário Mauá-Fragoso

3. Tombamento de pátio ferroviário (em Porto Velho – RO):

“Bem/Inscrição: Pátio ferroviário da estrada de ferro Madeira-Mamoré, bens móveis e imóveis.

4. Tombamento de 34 edificações ferroviárias (em Jundiaí – SP).

“Bem/Inscrição: Conjunto de edificações da Companhia Paulista de Estrada de Ferro.

5. Tombamento de Vila Ferroviária (em Santo André – SP)

Bem/Inscrição: Vila Ferroviária de Paranapiacaba” (18).

Como se pode depreender das citações acima transcritas, o patrimônio ferroviário é objeto de tutela legal no Brasil, inclusive incluindo trechos ferroviários, caso em que se insere a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo. Portanto, considera-se pertinente a preservação  do trecho ferroviário entre Cachoeiro do Itapemirim e Vitória – Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo.

No trajeto ferroviário entre Cachoeiro do Itapemirim e Vitória já são tombadas pelo Conselho Estadual de Cultura a Estação Ferroviária de Matilde, em Alfredo Chaves (Resolução no 2/1986) e Estação Ferroviária Pedro Nolasco, em Vila Velha (Resolução no 5/1986). O tombamento da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo viria consolidar uma memória ferroviária importante para o estado e seria muito benéfica para o turismo nos municípios cortados por esse caminho de ferro.

Estação de Matilde, Alfredo Chaves ES
Foto Eliane Lordello, out. 2013

notas

NA – Publicação original do artigo: LORDELLO, Eliane. Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo. Série Escritos do Patrimônio: História 2. Vitória, Secult, 2015 <www.secult.es.gov.br/files/upload/112015/102-Documento-1448903565-Estrada-de-Ferro.pdf>.

1
FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. 3a edição. Rio de Janeiro, Topbooks, 2000, p. 62.

2
QUINTÃO, Leandro do Carmo. A interiorização da capital pela Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo. Dissertação de mestrado. Vitória, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, 2008, p. 60.

3
Idem, ibidem, p. 128.

4
Idem, ibidem, p. 128.

5
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2004, p. 156-158.

6
Idem, ibidem, p. 158.

7
QUINTÃO, Leandro do Carmo. Op. cit., nota ii, p. 66.

8
Idem, ibidem, p.12.

9
Idem, ibidem, nota ii, p. 98.

10
Idem, ibidem, p. 104.

11
Idem, ibidem, p. 115.

12
Idem, ibidem, p. 132.

13
Idem, ibidem, p. 133.

14
Idem, ibidem, p.133.

15
LIMA, Fabio Jose Martins de; PORTES, Raquel von Randow; REZENDE, Raquel Fernandes; MONACHESI, Manoel Marcos. Pela memória da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA. Itinerários e conjuntos ferroviários na zona da mata mineira: permanências arruinadas. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 118.02, Vitruvius, maio 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.118/3368>.

16
SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Em defesa do patrimônio industrial ferroviário de São Paulo: as oficinas da São Paulo Railway na Lapa. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 112.03, Vitruvius, nov. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.112/1826>.

17
Idem, ibidem.

18
Bens Móveis e Imóveis Inscritos nos Livros do Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – 1938-2009. 5ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro, Iphan, 2009.

sobre a autora

Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES, 1991), mestre em Arquitetura, na área de Teoria e Projeto (UFRJ, 2003), doutora em Desenvolvimento Urbano, na área de Conservação Integrada (UFPE, 2008).

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