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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
A ausência de uma unidade cultural, ideológica e acadêmica foi uma característica da arquitetura brasileira no século 20, com a presença do dualismo modernidade e tradição. A Chácara Wolff é um exemplar de obra arquitetônica com essas características.

english
The absence of a cultural, ideological and academic unity was a feature of Brazilian architecture in the 20th century, with the presence of dualism modernity and tradition. Chácara Wolff is an example of architectural work with these characteristics.

español
La ausencia de una unidad cultural, ideológica y académica fue una característica de la arquitectura brasileña en el siglo 20, con la presencia del dualismo modernidad y tradición. La Chácara Wolff es un ejemplar de arquitectura con esas características.

how to quote

FARACO, André Frota Contreras. Chácara Wolff. Entre modernidade e tradição. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 216.02, Vitruvius, jul. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.216/7054>.


Sede da Chácara Wolff, 2016
Foto André Frota Contreras Faraco


O século 20, no Brasil, foi marcado por um rico debate no meio artístico e cultural e na arquitetura o dualismo modernidade e tradição se fez presente. Essa ausência de uma unidade cultural, ideológica e acadêmica foi uma característica da arquitetura não oficial brasileira, podendo ser observada na pluralidade da produção arquitetônica nas cidades dos estados com ascensão econômica mais recente, como é o caso de São Paulo e as cidades do seu interior. Isso se confirma nas edições da Revista Acrópole, revista que circulou de 1938 a 1971. Não houve unanimidade para se afirmar a modernidade em edifícios e em paisagens urbanas, sendo esta atribuída a edifícios em estilo eclético, art déco, art nouveau, neocolonial etc., e não somente aos edifícios protomodernos ou puramente modernos.

O dualismo se acirra pelo fato de ser comum encontrar obras arquitetônicas modernas com incorporação de elementos tradicionais e também obras tradicionais com incorporação de elementos modernos e por isso é necessário um estudo mais detalhado sobre essa produção arquitetônica coletiva, compreendendo suas características e qualidades. Localizada em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, a Chácara Wolff – objeto deste estudo – é um edifício residencial com composição estilística atribuída ao estilo neocolonial, mas que apresenta uma série de características que merecem atenção e uma análise mais aprofundada. Devido às suas qualidades arquitetônicas, o debate se estende para a questão da preservação, já que esses edifícios de arquitetura não-oficial que compõem a paisagem urbana de cidades como Santa Bárbara d’Oeste, além do testemunho histórico, garantem o aspecto típico do local.

Desenvolvimento

Este trabalho é resultado de diversas pesquisas realizadas com diferentes objetivos entre os anos de 2014 e 2017, nas áreas de história da arquitetura e urbanismo, teoria da arquitetura e urbanismo e preservação do patrimônio cultural. Em síntese compreendeu-se, a partir do estudo das características da produção arquitetônica e urbanística de Santa Bárbara d’Oeste nas décadas de 1930 e 1940, o patrimônio como um conjunto de contextos e como representam importantes e relevantes testemunhos históricos de uma época, de conceitos na arquitetura e urbanismo e das transformações pelas quais a cidade passou.

Uma publicação local denominada Álbum Ilustrado de Santa Bárbara d’Oeste, de 1941 (1), despertou a atenção para o dualismo na arquitetura do século 20 entre a modernidade e a tradição, uma vez que conviviam mutuamente na cidade, edifícios ecléticos neocoloniais e art déco, e todos recebiam significações modernas. O estilo neocolonial mereceu destaque nas pesquisas por ser um marco na arquitetura brasileira sendo a primeira iniciativa de valorização de suas raízes e de uma identidade nacional que busca inspiração na arquitetura do período colonial, e também por se opor ao classicismo hegemônico, como destaca Maria Lucia Bressan Pinheiro (2).

O estilo foi vinculado à Semana de Arte Moderna de 1922, como destaca Yves Bruand (3), e foi adotado por Lúcio Costa nos primeiros anos da sua carreira, de acordo com Pinheiro (4). Durante a pesquisa sobre o neocolonial nos arquivos da Fundação Romi, na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, foram encontrados registros fotográficos da Chácara Wolff, edifício com composição estilística neocolonial, reproduzidas da revista Acrópole nº 169, de 1952 (5).

Em consulta direta ao acervo digitalizado da revista – disponível no sítio digital da FAU USP (6) –, além da Chácara Wolff foi possível observar a pluralidade da produção arquitetônica brasileira no período, que nem sempre esteve atrelada ao que podemos definir como arquitetura oficial.

Resultados dessa pesquisa podem ser apreciados neste estudo com as abordagens supracitadas, tendo a Chácara Wolff como um estudo de caso.

A revista Acrópole

A revista Acrópole foi um periódico mensal sobre arquitetura, urbanismo e decoração que circulou entre os anos de 1938 e 1971, com a colaboração de arquitetos-construtores e compôs um importante testemunho de época. Como ressalta Hugo Segawa, a revista era de caráter comercial, sem unidade cultural, ideológica ou acadêmica e, portanto, tratava da arquitetura não oficial, aquela que se multiplicava nas cidades (7). Assim, a revista se tornou indispensável aos arquitetos e estudantes de arquitetura nos anos 1950 e 1960, sendo um meio de conhecer o que realmente era construído no Brasil.

O projeto da Chácara Wolff, aqui descrito, foi publicado em uma matéria de três páginas na edição nº 169 da revista Acrópole de 1952, definindo a residência como “atraente bangalow colonial”, com planta, cortes, elevação e fotografias internas e externas.

Histórico da propriedade

O Sr. Antonio Wolff era representante da média burguesia barbarense, tendo notável papel para o desenvolvimento do município no período das décadas de 1930 e 1940 quando exercia a chefia da Estação Ferroviária (8). Durante o trabalho na estação, o Sr. Wolff e família moravam em uma residência que fazia parte do complexo da estação ferroviária e era destinada ao chefe desta. Quando se aposentou atribuiu ao seu filho, Fábio Wolff – que na época frequentava o curso científico em Piracicaba – um projeto residencial em sua chácara, rodeada pelos dez alqueires de plantação de cana de açúcar próxima à cidade (9).

A sede da Chácara Wolff

A sede da Chácara Wolff, construída em 1949, é uma residência isolada no terreno e é um registro do modo de morar da burguesia na primeira metade do século 20. A adoção do neocolonial simplificado é um reflexo do gosto dessa média burguesia e, consequentemente, do seu estilo de vida. A composição estilística tradicional pode ser caracterizada em alguns aspectos, como a construção em alvenaria de tijolos e o telhado com telhas de barro bastante movimentado, principalmente pelas duas “torres” salientadas na fachada, com largos beirais, soluções amplamente utilizadas na arquitetura neocolonial, como explica Carlos Lemos (10).

Sede da Chácara Wolff, 1952
Foto Zanella e Moscardi [Revista Acrópole, v. 15, n. 169, 1952]

Os detalhes construtivos e a transformação da linguagem arquitetônica

Além da harmoniosa composição estilística, os detalhes construtivos merecem destaque. De acordo com Vittorio Gregotti, a transformação da linguagem arquitetônica durante a transição do modo de concepção arquitetônica artesanal para o industrial ocasionou uma crise do detalhe, com a perda da capacidade qualitativa da obra arquitetônica e defende a importância da habilidade do autor da obra arquitetônica na concepção dos detalhes construtivos, já que o detalhamento é responsável pela qualificação tectônica da obra por meio do desenho criativo do autor e a relação que ele estabelece entre as partes do projeto (11).

Janela curva em ferro, em funcionamento perfeito até os dias de hoje
Foto André Frota Contreras Faraco

Os detalhes construtivos da sede da Chácara Wolff são exemplos expressivos de sua importância em uma obra arquitetônica, e respondem com satisfação a transição da tradição artesanal da execução dos objetos para uma produção industrial demonstrada na incorporação de elementos modernos, como a opção por construir a casa em um embasamento, para diminuir os efeitos da umidade, nas janelas em ferro, principalmente a janela curva do escritório, uma satisfatória exploração do potencial técnico e estético do material industrializado, a segmentação das aberturas na torre do antigo jardim de inverno para privacidade e a saliência nos parapeitos das janelas, que não permitem o acúmulo de água da chuva, além das torres mais altas que o restante do volume do edifício para minimizar o uso de calhas.

Torre do antigo jardim de inverno. Notar a segmentação das aberturas, a altura da torre, e as saliências nos parapeitos das janelas
Foto André Frota Contreras Faraco

A modernidade e a tradição

A residência, apesar de ter sido construída como uma casa rural, é dotada de todo o conforto das residências urbanas da mesma época. A situação da residência em relação ao norte proporciona a boa insolação, princípio fundamental de salubridade. Esse fator é aliado da disposição, da quantidade e da proporção das janelas em relação aos espaços e as áreas das paredes, tornando a construção bastante clara.

Casinha, planta, projeto de Vilanova Artigas, São Paulo, 1942. 1) terraço; 2) hall; 3) sala de estar; 4) sala de jantar; 5) cozinha; 6) banheiro; 7) dormitório; 8) ateliê; 9) serviços
Redesenho de André Frota Contreras Faraco [Base: desenho publicado em KAMITA, João Masao. Vilanova Artigas. São Paulo, Cosac Naify, 2]

Some-se a isso, os detalhes construtivos evidenciam o dualismo presente na época – modernismo versus tradicionalismo: apesar da estética do projeto estar vinculada ao movimento neocolonial, o seu programa está ligado ao modernismo, como pode ser observado comparando a planta da residência que o arquiteto modernista João Batista Vilanova Artigas construiu para ele mesmo, em 1942, em São Paulo com a planta da residência da Chácara Wolff.

Planta da sede da Chácara Wolff, 1949
Redesenho de André Frota Contreras Faraco [Base: desenho publicado na revista Acrópole, v. 15, n. 169, 1952]

No projeto de sua residência, Artigas libera o programa do invólucro gerado pelo volume do projeto mediante as mobilizações a partir do interior, pela intercomunicação fluida entre os ambientes de estar, jantar e cozinha e pelo deslocamento do setor íntimo (dormitório e ateliê) do perímetro quadrangular do volume, como afirma Masao Kamita (12).

Assim como no projeto de Artigas, onde o volume do edifício se dá pela fluidez dos ambientes internos, o acesso à residência da Chácara Wolff se dá por um terraço e a distribuição é feita através do hall para os ambientes de estar, jantar e cozinha intercomunicados com fluidez, e para os ambientes de escritório e dormitórios. O setor íntimo (dormitórios e o escritório) também é deslocado do volume formado pelo quadrilátero terraço / hall / sala de estar / sala de jantar / jardim de inverno, assim como o setor de serviços, sendo separado pela garagem. Esta tem acesso direto para a residência, o que já mostra o protagonismo do automóvel na época.

Considerações finais

A Chácara Wolff é uma obra característica da arquitetura não oficial brasileira na transformação desta durante o fim da primeira metade e o início da segunda metade do século 20 e, portanto, assume importância como relevante testemunho histórico de um processo de transformação na arquitetura – o dualismo entre tradição e modernismo. É evidente que, por trás de uma aparência tradicional, no projeto da Chácara Wolff foram incorporados os conceitos da arquitetura modernista.

Sede da Chácara Wolff, 1952
Foto Zanella e Moscardi [Revista Acrópole, v. 15, n. 169, 1952]

Também vale ressaltar que a Chácara Wolff não sendo o único exemplar da arquitetura não oficial em Santa Bárbara d’Oeste e no estado de São Paulo e, considerando o volume de obras que se enquadram nesta classificação, é de suma importância uma análise crítica dessas obras, uma vez que, como afirma Max Dvořák (13), a arte civil antiga (este termo abrange a arquitetura não oficial), pode ser funcional e produto do bom trabalho local, como é o caso da Chácara Wolff. Além disso, como defende Gustavo Giovannoni (14), o aspecto típico das cidades interioranas, caso de Santa Bárbara d’Oeste, e o seu valor de arte e de história residem na manifestação coletiva, na vida arquitetônica expressa nas obras menores, ou seja, na arquitetura não oficial.

notas

NA – Publicação original do texto: FARACO, André Frota Contreras. Chácara Wolff: entre a modernidade e a tradição. Anais do 6º Encontro Senac de Conhecimento Integrado: criatividade e colaboração. Piracicaba, Senac, v. 1, 2017, p. 708-715.

1
Ver: Álbum ilustrado de Santa Bárbara. Santa Bárbara d’Oeste, Tipografia Rocha, 1941.

2
PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Neocolonial, modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo, Edusp, 2011, p. 16-17.

3
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Tradução Ana Maria Goldberger. São Paulo, Perspectiva, 2012, p. 61-63.

4
PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Op. cit., p. 183-190.

5
WOLFF, Fábio. Residência do Snr. Antonio Wolff. Acrópole, v. 15, n. 169, 1952 <www.acropole.fau.usp.br/edicao/169>.

6
Para ver o acervo digitalizado da revista, ver o website da revista Acrópole disponibilizado em: <www.acropole.fau.usp.br>.

7
SEGAWA, Hugo. Apresentação: Acrópole eletrônica. São Paulo, FAU USP, 2014 <www.acropole.fau.usp.br>.

8
FUNDAÇÃO ROMI. Recordando. Santa Bárbara d’Oeste. Disponível em: <http://www.fundacaoromi.org.br/fundacao/cultura.php?l=ah_recordando>. Aceso em 23 novembro 2014. 17h35’.

9
WOLFF, Fábio. Op. cit.

10
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Alvenaria burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café. 2a edição revisada e ampliada. São Paulo, Nobel, 1989, p. 160-200.

11
GREGOTTI, Vittorio (1983). O exercício do detalhe. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). 22a edição revisada. São Paulo, Cosac Naify, 2013, p. 536-538.

12
KAMITA, João Masao. Vilanova Artigas. São Paulo, Cosac Naify, 2000, p. 11; p. 48-49.

13
DVOŘÁK, Max. Catecismo da preservação de monumentos. Tradução Valéria Alves Esteves Lima. Cotia, Ateliê Editorial, 2008, p. 83-84.

14
GIOVANNONI, Gustavo. Textos escolhidos. Organização Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, Ateliê editoria, 2013, p. 66-67.

sobre o autor

André Frota Contreras Faraco é arquiteto e urbanista graduado pela Universidade Metodista de Piracicaba (2016). Adquiriu experiência em Preservação do Patrimônio Cultural atuando como aluno pesquisador na pesquisa “Patrimônio Cultural em Santa Bárbara d’Oeste: origens, usos e problemas” (2016). Com especialização em andamento em Design de Interiores pelo Senac com previsão de término em 2018.

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