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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O ensaio de Rafael Baldam trata de três modos de enxergar a cidade: através do cotidiano, através das forças políticas e através da construção subjetiva dela. Assim, existem diversas cidades sobrepostas.

english
This text is na essay about three ways of seeing the city: through everyday life, through political forces and through its subjective construction. This way, various cities exists overlapping themselves.

español
Este texto es un ensayo sobre tres modos de ver la ciudad: a través de lo cotidiano, a través de las fuerzas políticas ya través de la construcción subjetiva de ella. Así, hay varias ciudades superpuestas.

how to quote

BALDAM, Rafael. A cidade sob três lentes. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 225.02, Vitruvius, abr. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.225/7313>.


Protesto de ciclistas com nudismo noturno na Avenida Paulista, São Paulo
Foto Abilio Guerra


Há certo mistério na forma com que ancoramos certos sentimentos a certos lugares. Um espaço construído é feito à revelia das sensações e histórias individuais que ali se desenrolarão. Até porque, considerar essa infinidade de subjetividades geraria um desenho impossível. O mistério reside no fato de que os espaços existem para todos que tem acesso a eles, no entanto cada um que os vive, os toma para si, colocando neles sua história, suas percepções. Se preferir, cada um constrói seu próprio lugar sobre o espaço dado. Proponho uma leitura da cidade em três aproximações, para entendermos como essas relações se constroem ou se ocultam.

A primeira aproximação se dá na cidade cotidiana. Se entendermos o espaço da cidade como um cenário, por onde transitamos, usamos certos espaços, onde a maioria das coisas não nos importa, veríamos a cidade como um pano de fundo, uma paisagem de passagem. Moramos em uma casa, pegamos o metrô ou carro para o trabalho, almoçamos em um restaurante, o sinal vermelho demora a ficar verde, um mendigo cruza o caminho. A maior parte do tempo vivemos essa cidade, aquela que se restringe à nossa realidade, como um círculo não muito grande desenhado ao nosso redor. Essa é a cidade da crônica. Nela importa viver aquele dia, o trabalho, a escola. Não importa a profundidade dos problemas urbanos, não há tempo para eles. A vida passa rápido. Nessa esfera as relações construídas com o espaço urbano são passageiras, superficiais.

“O urbanista de SP é o capital”, pichação na entrada da Biblioteca Mario Lobato, Vila Buarque, São Paulo, série “A cidade fala”
Foto Abilio Guerra

A segunda aproximação acontece em um salto para dentro. Quando observamos os mecanismos ocultos que movimentam as cidades, percebemos que existem forças que a moldam. Economia, política, movimentos sociais, são pressões que direcionam o que acontece nas cidades. No entanto são forças ocultas. A parte visível delas nos encara nas ruas, nos protestos, nas câmaras municipais, nos bancos. E é justamente esta parte visível que dificulta o acesso ao entendimento dos movimentos submersos que acabam por moldar a cidade. É difícil superar a visibilidade das coisas. É preciso se afastar. Assim, percebemos que empreendimentos imobiliários são financiados por certos políticos, uma reintegração de posse é feita em nome de um banco que detém o terreno ocupado, que uma ocupação de um edifício por um movimento social é resultado de uma história de não-financiamento de moradia popular. Por baixo dos panos do visível a história se movimenta. Nessa esfera, as relações feitas com os lugares são obscuras, elas aparecem apenas para quem as procura.

Protesto de ciclistas com nudismo noturno na Avenida Paulista, São Paulo
Foto Abilio Guerra

A terceira aproximação acontece no indivíduo. Ao percorrer a cidade cada um a filtra através da experiência subjetiva. Assim cada lugar se faz diferente para cada um que o apreende. Não há outra alternativa, já que a história de cada um molda o modo de ver o presente. É como se cada um nomeasse a cidade a sua maneira: para um, é uma praça onde foi assaltado, para outro é onde deu o primeiro beijo. São dois lugares diferentes, num mesmo espaço. A memória faz o lugar. Essa relação criada liga algo imaterial (nossa memória) ao material (o lugar), passando pelo nosso corpo, que deve estar presente para que a ligação aconteça. Uma das pontas dessa linha, então, seria a construção mental que fazemos e que nos faz; o imaginário. Ao contrário do que possa parecer, mergulhar no imaginário não significa abraçar o escapismo de uma realidade áspera e de difícil apreensão. O caminho é mais complexo. É no imaginário que residem as construções mentais sobre as coisas, lugares, pessoas; é lá que são tecidos os significados das coisas e, consequentemente, nossa relação com elas.

Todo dia, a pressão do relógio nos molda, as pressões político-econômicas moldam o espaço urbano. Atento para uma construção de cidade que não nasce de pressões, mas de sensações e memória, edificada aos poucos sob a mão do tempo, orgânica. Dentro da gente essa cidade se faz. Ela é como uma lente colocada entre nossos olhos e a cidade material; é uma leitura individual do urbano, uma sobreposição de imagens. A cidade “real” não é a antítese dessa imaginária. Elas são a mesma. Na esfera do subjetivo imaginário se dão conexões profundas de significado entre o indivíduo e o espaço, a construção de lugares profundos: aqueles que resistem ao tempo subjetivo, permanecem na memória mesmo quando se desfazem no tempo material.

Estas não são camadas da cidade, não se colocam sempre uma sobre a outra, não estabelecem hierarquia. São irmãs. Se sobrepõem, justapõem, convivem ao mesmo tempo, se entrelaçam. São formas de ver a cidade, de tentar alcançar a complexidade inalcançável que é o espaço urbano vivido. No fundo, a cidade se faz a partir da retina. A força que molda a cidade é, no fim, a visão.

sobre o autor

Rafael Baldam é urbanista arquiteto pela Unicamp, mestrando em Arquitetura e Urbanismo pelo IAU USP; editor da Revista Rasante – intersecções entre Arte e Cidade; possui trabalhos em ilustração, quadrinhos e poesia.

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