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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão a respeito dos fenômenos estruturais que levaram às segregações socioespacial e étnico-racial, atualmente presentes em megacidades, grandes cidades e cidades globais da África Subsaariana.

english
The purpose of this work is to present a reflection on the structural phenomena that led to socio-spatial and ethnic-racial segregations, currently present in megacities, large cities and global cities in Sub-Saharan Africa.

español
El propósito de este trabajo es presentar una reflexión sobre los fenómenos estructurales que condujeron a las segregaciones socioespacial y étnico-racial, actualmente presentes en megaciudades, grandes ciudades y ciudades globales de África Subsahariana.

how to quote

COSTA, Thiago Augusto Ferreira da. Cidades africanas e segregação. Minha Cidade, São Paulo, ano 20, n. 235.02, Vitruvius, fev. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/20.235/7632>.


Ikoyi, subúrbio de classe alta, Lagos, Nigéria
Foto Reginald Bassey [Wikimedia Commons]


Nove países responderão por metade do crescimento da população mundial até 2030, dentre esses, Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, Tanzânia e Egito, segundo as Nações Unidas (1). E, como definição, podemos afirmar que “Megacidades” são as aglomerações gigantes em termos populacionais, “grandes cidades” são aquelas com muita população, porém não chegam a dez milhões, e “cidade global” é quanto ao grau de influência sobre outros centros urbanos mundiais (2).

Resgate das origens

As sociedades africanas pré-coloniais eram hierarquizadas, centralizadas, baseadas na cobrança de impostos e comandadas por famílias. A pobreza estrutural pode ser explicada pelo tráfico de pessoas, a maior imigração forçada e dispersão da Terra, a Diáspora (3). Colonialismo e imperialismo sustentaram a segunda revolução industrial europeia, dividindo africanos entre nações e sem territorialidade étnica. Duas grandes guerras mundiais também exploraram forças de africanos na causa das metrópoles. No pós-guerra, capitalistas e socialistas disputavam influência, até a independência dos países da África. A base da dominação foi o racismo, onde o africano, desumanizado na escravidão, depois inferiorizado como humano, gerou Estados frágeis, dependentes e de exceção (4).

Apresentados os pressupostos, podemos agora comentar algumas questões relativas às megacidades, grandes cidades e cidades globais africanas.

Nigéria, o “Gigante da África”

Lagos, na Nigéria, é uma megacidade. No século 19, o neocolonialismo colocou o país sob o jugo inglês, de governo indireto e segregação étnico-racial (5). A independência, em 1960, fez alternarem-se eleitos e ditadores, até 2011 (6). Atualmente o país conta com grandes investimentos ingleses e norte-americanos.

Vizinha à Lagos, Lekki abriga residenciais fechados, terras agrícolas, Zona de Livre Comércio, aeroporto e um porto marítimo. Sob o título de “ambiental”, essa cidade global terá milhões de pessoas de classe média e alta, além de milhões de trabalhadores flutuantes (7). A primeira fase foi implantada sobre Maroko, um bairro todo demolido.

Lekki, Lagos, Nigéria
Foto T. Obi [Wikimedia Commons]

Outra cidade global nigeriana, também na borda da capital, é Eko Atlantic. A “Dubai da África Ocidental” foi criada em um aterro na foz do canal lagoa-oceano, para “minimizar os efeitos da maré”. Novamente é um reduto da classe média e alta, hightech e tecnológica.

Perto dali está Makoko (o que restou de Maroko), com pessoas vivendo na “Veneza da África”, no centro financeiro de Lagos. Makoko se separa espacialmente (poucos acessos), socialmente (menor renda) e étnico-racialmente (fuga de conflitos da etnia Ogum).

Já Abuja, capital da Nigéria desde 1991, tem custo de vida elevado, com muita segurança antiterrorismo. Por isso, é na Capital Federal que fica Centenary City, um projeto ambicioso para construir uma “cidade global inteligente”.

República Democrática do Congo (RDC)

Kinshasa é a megacidade congolesa, com milhões vivendo abaixo da linha da pobreza (8). A RDC pré-independência sofreu a mais violenta colonização da África, quando o belga Leopoldo II tomou o território congolês e governou com extrema brutalidade, inclusive amputando trabalhadores (9). No pós-independência, uma longa ditadura (quando o país se chamou Zaire) foi apoiada pelos Estados Unidos, gerando uma guerra civil-étnica, em um território outrora idealizado pela Bélgica. A riqueza mineral da RDC acabou por financiar milícias e contrabando, enquanto o povo, empobrecido nas minas, foi confiscado em 10% na produção agrícola (10).

Kinshasa, República Democrática do Congo
Foto Garcia-Pavilion [Wikimedia Commons]

Apesar disso, um empreendimento da classe média está sendo construído, excluído de Kinshasa. La Cité du Fleuve está em uma ilha do rio Congo, driblando o conflito de terras, mas desapropriando as margens do rio para a construção de acessos. Esse novo padrão de habitação, com empreendedores franceses, indianos e chineses, oferecerá uma “cidade global inteligente”. Uma nova imagem de RDC é construída, longe da guerra étnica, da fome e das doenças, mas quem a enxerga de Kinshasa, não há mais do que segregação.

Tanzânia, na África Oriental

Tanganica, a parte continental da Tanzânia, foi uma colônia alemã e inglesa. Zanzibar, a parte insular, se tornou britânica. Tanganica se emancipou em 1962 e uniu-se ao Zanzibar para criar a Tanzânia.

Dodoma é a capital, fundada por alemães, foi construída segregada à aldeia nativa. Hoje seus princípios seguem o modelo cidade-jardim corbusiana, com cinturões verdes separando zonas de média e alta renda, comércio e indústria. Inspirado em Brasília, isso foi repetido como identidade de independência na Nigéria (Abuja), Botsuana (Gaborone), Malaui (Lilongue) e Mauritânia (Nouakchott), diz Luce Beeckmans (11).

Sede do Banco da Tanzânia, Dar El Salaam, Tanzânia
Foto Muhammad Mahdi Karim [Wikimedia Commons]

A antiga capital e maior cidade da Tanzânia, Dar El Salaam preza pelo turismo. O planejamento urbano em centralidades beneficiou poucos e expulsou assentamentos tradicionais. Kigamboni City é uma cidade global tanzaniana, dentro de Dar El Salaam. As atividades são bem definidas, como indústria, esporte, turismo, residência e educação. Como em Eko Atlantic e Cité du Fleuve, Kigamboni City segrega-se da maior cidade do país. O safári foi trazido ao litoral, esperando-se a venda no mercado internacional de imóveis, reassentando as pessoas para longe do mar. A divisão étnico-racial (antes em bairros europeus, indianos e asiáticos), atualmente é pela renda e pelos lugares onde migrantes se estabelecem (12).

Arusha é uma cidade no interior da Tanzânia, a “capital turística verde”, localizada nas savanas e perto do Kilimanjaro. Espera-se um grande investimento no setor turístico, vindo do Banco Mundial, EUA e China, causando especulação imobiliária (13). Empreendimentos estão ocupando as terras, tirando espaço para construir, pois nas bordas estão as áreas rurais exploradas comercialmente. Com isso, há diversos conflitos e, ao invés de dialogar, segundo Kathryn Owens (14), o próprio governo compete com o privado.

É nessa região que se planeja construir a cidade global Safari City. Destinada à média e alta renda, as ruas convergem ao centro, onde a volumetria enquadra o pôr do sol. No entanto, o acesso ao “veraneio de estrangeiros” é restrito ao carro.

Quênia, na África Oriental

O Quênia é formado por 47 povos. Foi protetorado britânico, disputado com povos tradicionais até a independência (1963). Nairóbi é a capital, fundada no caminho da ferrovia. A cidade excluiu a população de menor renda, deixando de lado Kibera, um bairro que é a maior ocupação irregular africana. Sua formação se deu quando britânicos autorizaram soldados retornados a ocuparem áreas da ferrovia.

Centro de Nairobi, Quênia
Foto Sanderfligh [Wikimedia Commons]

Konza Technological City é uma das cidades globais quenianas, “Vale do Silício da África”. O capital norte-americano, europeu e chinês adquiriu um terreno a caminho do porto de Mombaça. No entanto, os investidores ignoraram a disputa étnica, o que atrasou a obra e frustrou o projeto pela competição com Kigali, capital de Ruanda. Konza City é afrofuturista, “inteligente”, com pôr do sol no eixo, contemporânea, hightech e ecológica, porém inclui uma zona de bloqueio verde, com o fim de coibir a formação de novos assentamentos.

Tatu City é outra cidade global queniana. Com capital queniano, neozelandês, britânico e americano, essa cidade busca atrair a elite do agronegócio. Bairros pequenos e com segurança privada, reserva ambiental e estilo arquitetônico rígido, põem à mostra a fuga da elite.

Maurício, no Oceano Índico

Entre África e Índia, estão localizadas as ilhas Maurício, no passado colonizadas por franceses e britânicos. Port Louis é a capital, com milhares de habitantes chineses e indianos. Essa cidade busca, na especulação imobiliária, uma imagem europeia caricata. Em Le Caudan Waterfront, local de desembarque de indianos escravizados (século 19) fez-se um parque de diversões. O aumento do preço das terras forçou habitantes da costa a migrarem ao interior. Muitos desses, veganos hindus e islâmicos, foram obrigados a criar porcos e peixes.

Agência do Mauritius Commercial Bank, Ebene Cybercity, Ilhas Maurício
Foto Jean François Koenig [Wikimedia Commons]

Ebene Cybercity é a cidade global mauriciana, com intuito de integrar o comércio entre África e Ásia, de investimentos indianos e sul-africanos. Ebene possui uma ocupação comercial, não prevendo residências. Por isso está sendo criada Côte d’Or City, um grande condomínio de luxo fechado.

Gana, “Estrela Preta” na África

Marcus Garvey idealizou a companhia “Estrela Preta”. Comprometido com a independência financeira dos afro-americanos, ele lançou a Black Star Line (ligação naval entre América do Norte e África), idealizando a volta da Diáspora. Seu esforço foi homenageado, na bandeira de Gana, com uma estrela preta.

Inspirado no garveísmo, o ganês N’Krumah não poupou esforços até que sua nação se tornasse independente do Reino Unido. Em 1956, ele estabeleceu um governo, mas foi deposto em 1966, quando se alternaram golpes de Estado, até 1992.

Acra é a capital, congestionada, alagada, poluída, mas com empreendimentos financiados por capital nacional e estrangeiro, principalmente britânico. Dentre esses, os edifícios Villaggio Vista e Gold Coast City, o bairro Marina Drive, e cidades, como Aerotropolis e Ningo-Prampram. Em contraposição, Acra tem grandes assentamentos de grupos étnicos, ocupações irregulares e áreas de regularização.

Aeroporto da Cidade, Acra, Gana
Foto divulgação [Wikimedia Commons]

Essa segregação é de interesse da classe média e alta de se isolarem (30% da população nacional), enquanto isso, a exclusão da menor renda (70%), vulnerável aos conflitos, gerou áreas de homogeneidade étnica.

O desejo de fugir da cidade inspirou dois outros empreendimentos, Hope City e Appolonia. O primeiro, um centro tecnológico que imita a formação aldear tradicional. O segundo, uma cidade global da classe média, ambos com grande investimento privado nacional e europeu.

África do Sul e o pós-apartheid

A África do Sul, segunda maior economia do continente, não sofreu golpes de Estado. Porém deu lugar ao pior regime de segregação racial do mundo, o apartheid (1948-1994), que só terminou quando um nobre, Nelson Mandela, se tornou o primeiro presidente negro do país.

No neocolonialismo, a África do Sul foi dominada por britânicos e holandeses. Então 30% da população (branca) ficou com 83% das terras, enquanto 70% (negra) ficou com 13%. Em 1948, sob narrativa racista, espaços públicos, residenciais, comerciais e industriais foram segregados. Em 1970, na fase mais radical, a cidadania sul-africana foi retirada dos negros. Subjugada a viver em terras definidas, onde lhe era exigido passaporte para as “áreas brancas”, a população negra ficou empobrecida.

Distrito Central de Negócios, Joanesburgo, África do Sul
Foto Evan Bench [Wikimedia Commons]

Nos subúrbios de luxo de grandes cidades sul-africanas estão as cidades globais. Entre Pretória e Joanesburgo, estão Waterfall State, Steyn City, Hazeldean, Menlyn Maine e Modderfountain. São empreendimentos de milionários sul-africanos, europeus, japoneses, norte-americanos e chineses. Centros comerciais, hotéis, edifícios, indústrias de ponta, além de vastas áreas de residenciais de luxo fechados. Em Pretória, apenas um plano urbanístico está sendo executado em área de população negra, o Central Business District – CDB.

Em Joanesburgo, o maior resquício da segregação é o bairro negro de Soweto, concentrando metade dos moradores da cidade. No entanto, é totalmente desconectado da malha urbana.

A Cidade do Cabo, no sul do país, possui planos para diminuir a segregação, com comunidades em rede e inclusão de moradores de menor renda. No entanto, bairros valorizados do Atlântico são de maioria branca. No “miolo” estão os bairros coloured (miscigenados brancos e asiáticos). Nas periferias, como era no apartheid, estão os bairros de população negra. Dentre esses, Nyanga, onde falta estrutura, emprego e tem HIV, criando um dos bairros mais violentos da África (15).

Considerações finais

Em cidades africanas, o colonialismo deixou profundas modificações. Antigas rotas comerciais e núcleos urbanos foram destruídos. A cultura dos povos foi modificada, somada à Diáspora, que dispersou o africano no mundo. Principalmente na África Subsaariana, onde o Islã não fez persistir a cultura tradicional, as cidades pós-independência tomaram o rumo das antigas metrópoles. A superpopulação engrossou os processos de segregação socioespacial e étnico-racial. A partir dos anos 2000, com a maioria das nações africanas dependendo do capital estrangeiro de antigos colonizadores, e de China, Estados Unidos, Índia e Rússia, as cidades começaram a despontar. “Inteligentes”, “sustentáveis”, hightechs e neofuncionalistas, voltadas às classes média e alta, seguindo a lógica da disputa de mercado. Empreendimentos-cidades nascem da valorização da savana, do pôr do sol e das “formas tradicionais”. A nova identidade africana, dissociada da fome e da pobreza, busca atrair os olhares do mundo. No entanto, com as amarras do colonialismo do capital, as cidades africanas mostram que o novo espaço urbano não pertence a todos.

notas

1
NAÇÕES UNIDAS. Perspectivas da população mundial: Rev. 2017. Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU. In: ONU diz que população mundial chegará a 8,6 bilhões de pessoas em 2030. Internacional. Ag. EFE. Nova York, 21 jun. 2017 <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-06/onu-diz-que-populacao-mundial-chegara-86-bilhoes-de-pessoas-em-2030>.

2
DECICINO, Ronaldo. Cidade global e megacidade – conceitos definem tipos diferentes de centros urbanos. Geografia. UOL. Atual. 03 jan. 2014 <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/cidade-global-e-megacidade-conceitos-definem-tipos-diferentes-de-centros-urbanos.htm?cmpid>.

3
MACEDO, José Rivair. Desvendando a história da África. Porto Alegre, Editora UFRGS, 2008.

4
Idem, ibidem.

5
KHAPOYA, Vicent B. A experiência africana. Tradução Noéli C. de M. Sobrinho. 2ª edição. Petrópolis, Vozes, 2008.

6
NOSSITER, Adam. Nigerians vote in presidential election. The New York Times, Nova York, 16 abr. 2011. <www.nytimes.com/2011/04/17/world/africa/17nigeria.html?pagewanted=1&_r=1&hp>.

7
BALDWIN, Eric. Masterplan do SOM na Nigéria começa a ser construído. Archdaily. 15 fev. 2019. Tradução V. Libardoni <www.archdaily.com.br/br/911176/masterplan-do-som-na-nigeria-comeca-a-ser-construido>.

8
NAÇÕES UNIDAS. Banco Mundial: quase metade da população global vive abaixo da linha da pobreza. 17 out. 2018 <https://nacoesunidas.org/banco-mundial-quase-metade-da-populacao-global-vive-abaixo-da-linha-da-pobreza>.

9
UNESCO. História geral da África, VIII: África desde 1935. Editado por Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. Brasília, Unesco, 2010.

10
CARRANCA, Adriana. Congo: a maior guerra do mundo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 out. 2013. <https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,congo-a-maior-guerra-do-mundo-imp-,1087710>.

11
BEECKMANS, Luce. A arquitetura de construção de nação na África como um projeto de ajuda ao desenvolvimento. Progress in Planning, v. 122, mai. 2018, p. 1-28 <https://doi.org/10.1016/j.progress.2017.02.001>.

12
MOSHI, Irene; MSUYA, Ibrahim R.; TODD, Gemma. Tanzania: National Urban Policies and City Profiles. Ifakara Health Institute. Glasgow, CSHLCN, 2018.

13
OWENS, Kathryn E. Negotiating the City: Urban Development in Tanzania. Diss. for the degree of Doc. Philosophy (Urban and Regional Planning). University of Michigan, 2014.

14
Idem, ibidem.

15
SA NEWS, South Africa News. Nyanga, Western Cape, is still the murder capital of South Africa. 11 set. 2018 <https://www.thesouthafrican.com/news/most-murders-in-south-africa-nyanga>.

sobre o autor

Thiago Augusto Ferreira da Costa é arquiteto e urbanista (UTFPR, 2017) e bacharel em Segurança Pública pela APMG (2009), trabalhou no IBGE (2010) e foi Pesquisador no Observatório de Conflitos Urbanos de Curitiba (2012-2014). Além disso, estagiou em Planejamento Urbano no IPPUC-Curitiba (2016) e, em 2019, iniciou o Mestrado em Urbanismo na UFBA.

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