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projects ISSN 2595-4245

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O projeto objetiva imprimir fisionomia de restinga ao terreno situado entre o mar e a foz do rio Mambucaba, se preocupando com questões ambientais e educacionais, segurança e conforto aos visitantes, considerando a rusticidade do ambiente de restinga.

how to quote

BARRA, Eduardo. Parque Restinga de Mambucaba. Projetos, São Paulo, ano 14, n. 162.02, Vitruvius, jun. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5207>.


Vila Residencial de Mambucaba, ipês-amarelos (Senna chrysotricha) recém plantados em meio a bromélias e cactos, aproveitando maciço arbustivo existente, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

Em outubro de 2011, fui incumbido pelo biólogo Ricardo Donato de avaliar a situação da área destinada à implantação de um parque de educação ambiental, objeto de esforços conjuntos entre a Eletronuclear e o Laboratório de Ecologia Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas cujo convênio havia terminado antes que o trabalho chegasse ao fim. Após quase dois anos de abandono, era necessário corrigir distorções, incrementar a diversidade de espécies e intensificar o plantio, com o objetivo de imprimir fisionomia característica de restinga a trecho do longo cordão existente entre o mar e a foz do rio Mambucaba.

O curioso é que o terreno, resultado de formação aluvionar e possíveis aterros, nunca havia sido ocupado por mata de restinga, tendo abrigado, no passado, algumas construções, daí a presença de argila e muito entulho logo abaixo da fina capa arenosa que o recobria. O desafio, portanto, consistia em criar naquele ambiente e com aquelas condições edáficas um cenário que representasse a feição das restingas, com suas ilhas vegetadas distribuídas sobre superfície exposta de solo arenoso, onde convivem herbáceas heliófitas e psamófilas, cactáceas e bromeliáceas de diversos gêneros e espécies.

Vila Residencial de Mambucaba, mapa geral da área, parque demarcado como Área 1, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra

A restinga

As restingas possuem origem recente (Quaternário) e são formadas por depósitos de areia resultantes da movimentação marinha e pelo material carreado das encostas pelas enxurradas e pelos rios. Na verdade, o ecossistema apresenta variações fisionômicas de acordo com sua distância do mar, com as características regionais de ventos e marés, e mesmo com as peculiaridades topográficas, indo da vegetação rasteira e esparsa de praias e dunas, nas zonas litorâneas – terrenos de formação mais recente –, a verdadeiras florestas em terrenos interioranos mais antigos, passando por zonas de depressão dominadas por vegetação paludosa. Todos esses fatores modelam paisagens diferentes, em que permanecem expostas largas superfícies de solo arenoso com reduzida capacidade de retenção de água e, consequentemente, de nutrientes, enquanto capões em forma de ilhas vegetadas se definem ao longo de demorado e complexo processo de colonização. Tal processo se inicia com o adensamento de gramíneas, sucedidas por grupamentos de bromeliáceas, que, por sua vez, acumulam água e descartam folhas, formando um "tapete" de biomassa, assim colaborando para a sutil elevação do teor de umidade e o enriquecimento do solo, fatores que estimulam a brotação de cactáceas, conformadoras de verdadeira barreira contra o vento e o acesso de animais de maior porte ao interior da “ilha”, gerando situação favorável ao desenvolvimento de vegetação arbustiva e arbórea.

Como se pode perceber, existe uma ordem bastante lógica no aparente caos da restinga e eu precisava decifrá-lo para poder traduzir em projeto toda essa carga de informações.

Vila Residencial de Mambucaba, representação esquemática da colonização vegetal típica de uma "ilha" de restinga, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra

Primeiros passos

Mostrava-se prioritária a imediata supressão dos exemplares exóticos encontrados no sítio, de pequenas mudas a indivíduos desenvolvidos. Procedimento similar precisava ser estendido aos arbustos e herbáceas invasoras, bem como às plantas que demonstravam crescimento descontrolado, mesmo que nativas. Além disso, era necessário remover a profusão de vestígios das obras que ocuparam o sítio no passado.

A busca da fisionomia de restinga exigiria ainda a eliminação (ou "caotização") das bordaduras de bromélias e cactos plantados nas curvas dos caminhos em campanhas anteriores, assim como o alinhamento militar de alguns plantios e outras manifestações "jardinísticas" preexistentes.

Em paralelo, a área precisava ser preparada para receber os novos plantios. Os caminhos foram delimitados com pequenos troncos de eucalipto, as áreas de plantio capinadas e recapinadas diversas vezes, removidos entulho, lixo de diversas origens e restos de obras. Tratava-se de serviço ingrato, daqueles que, poucos dias depois, parece não ter sido realizado, e que exigia equipe especializada, para que, em uma rotina de capina, por exemplo, a brotação espontânea de determinada espécie nativa pudesse ser identificada e poupada.

Vila Residencial de Mambucaba, plano geral do parque, vendo-se o acesso na extremidade superior esquerda e o mirante no canto inferior direito, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra

O projeto

O tema restinga remete imediatamente aos trabalhos que o arquiteto paisagista brasileiro Fernando Chacel desenvolveu nas últimas décadas, com forte enfoque em princípios ecogenéticos (ação antrópica de recuperação dos componentes bióticos de uma determinada paisagem empregando associações e indivíduos próprios do ecossistema original). Tive a oportunidade de visitar essas obras inúmeras vezes, algumas em companhia do autor, estudei detidamente seus conceitos e projetos, e fui tomando consciência do rigor requerido pela seleção de espécies no caso do projeto de um parque de educação ambiental, considerando não só as características inerentes aos processos de recuperação de áreas degradadas, mas também as relativas às necessidades educacionais.

Vila Residencial de Mambucaba, acesso com pergolado e portão de proteção, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

Um parque de educação ambiental precisa respeitar a feição geral do ecossistema que pretende retratar, pois é a forma paisagística do conjunto que permanecerá na mente do visitante, muito mais que detalhes morfológicos dessa ou daquela planta. E, no caso do cenário de restinga, o caos é desejável. Então, precisávamos conciliar o caos com a beleza, a aparência informal com o compromisso de fornecer a informação correta e objetiva, o aspecto naturalístico com o didatismo. Um parque de educação ambiental não pode ser confundido com uma área de contemplação; por outro lado, não pode pretender exercer o papel de museu ou biblioteca, em que dados selecionados são organizados e exibidos de forma estática e sistematizada.

Vila Residencial de Mambucaba, mirante em construção, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

O acesso ao parque precisava ser valorizado. Para tanto, um pequeno pórtico de aparência rústica foi projetado, com portão de fechamento e pérgula a ser coberta pela trepadeira Arrabidaea conjugata, gerando área de sombra para a recepção dos visitantes.

Após cruzar o pórtico, o visitante é convidado pela riqueza estética da vegetação a percorrer a trilha sinuosa, boa parte exposta ao sol. Algumas árvores e grupos de jerivás (Syagrus romanzoffiana), distribuídos em pontos estratégicos, proporcionarão intervalos de sombra no caminho até o mirante, posicionado no ponto mais elevado do terreno, de onde se pode descortinar tanto a praia quanto o conjunto do parque. Também de aparência rústica, o pergolado coberto por trepadeiras representa um oásis, oferecendo bancos para uma breve pausa, com a intenção de criar ambiente propício para a troca de impressões entre os visitantes.

Em posição diametralmente oposta, na região mais baixa do sítio, escavou-se uma área de cerca de 150 m² com cerca de 80 centímetros de profundidade, cujo solo recebeu tratamento especial para reduzir sua capacidade drenante, destinada ao plantio de vegetação paludosa, predominantemente a pteridófita samambaião-do-brejo (Acrostichum aureum).

Vila Residencial de Mambucaba, depressão destinada às espécies paludosas, com plantio inicial de Acrostichum aureum, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

No conjunto, tentou-se reproduzir a morfologia das “ilhas” vegetadas, com sua volumetria crescente das bordas para o interior, separadas por grandes extensões de solo arenoso nu, buscando diversidade de espécies de todos os estratos.

A lista inicial de espécies selecionadas continha 107 itens, entre árvores, palmeiras, arbustos, herbáceas e forrageiras. Com base em observações de campo em zonas de restinga pouco alteradas, calculou-se o percentual de participação de cada estrato em "ilhas" já formadas, estimando-se um quantitativo de mudas por metro quadrado para cada um deles, com o fim de obter densidade similar à encontrada na natureza. Sobre a planta do terreno de Mambucaba, foi traçada uma série de "ilhas", algumas incorporando parte da vegetação existente e outras ocupando trechos completamente livres, aplicando os critérios de densidade constatados nos estudos mencionados.

Enquanto inventava um método de compreensão quantitativa das áreas vegetadas da restinga, me dava conta de que, no fundo, tentava sistematizar o caos, o que pode parecer um absurdo. Mas, sem criar um método e adotar padrões e modelos, como fazer para saber quantas e quais mudas adquirir? E como distribuí-las no vasto terreno vazio?

Produção pré-plantio

É patente a dificuldade de aquisição de mudas de plantas de restinga no mercado produtor, que não costuma se interessar pelo grupo, uma vez que a população e mesmo os paisagistas desconhecem suas potencialidades ornamentais, gerando um círculo vicioso impossível de ser rompido. Inicialmente, identificamos produtores que talvez pudessem possuir algumas das espécies de nossa extensa lista. O resultado dessa árdua consulta reduziu nossa diversidade a 53 espécies – a metade! –, embora algumas não cogitadas anteriormente tenham sido incorporadas ao rol. Mas apesar da redução, ainda contávamos com boa variedade, tendo em vista que no sítio já haviam sido introduzidas, em campanhas anteriores, o algodoeiro-da-praia (Hibiscus pernambucensis), a aroeira (Schinus terebinthifolius), boa quantidade de guriris (a palmeira Allagoptera arenaria), pitangueiras (Eugenia spp.) e clúsias diversas (Clusia spp.), além de manifestações espontâneas de salsa-da-praia, pinheirinho-da-praia, canavália e outras forrageiras.

Vila Residencial de Mambucaba, biólogo Ricardo Donato dá retoques no plantio recém executado, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

O plantio

Toda a operação descrita acima, de forma resumida, demandou, na verdade, cerca de seis meses intensos de trabalho. Quando conseguimos efetuar a primeira aquisição de mudas, após recorrer a vários fornecedores, tivemos vontade de disparar rojões e logo nos pusemos a plantar, debaixo de chuvas intensas e ininterruptas. Mudas das bromeliáceas Aechmea nudicaulis, Ananas bracteatus e Bromelia antiacantha e das cactáceas Cereus fernambucensis, Piloscereus arrabidae e Brasilopuntia brasiliensis – muitos espinhos, dignos de afugentar boa parte da equipe de jardineiros. Além disso, a forrageira Evolvulus pusillus – a convolvulácea conhecida por gota-de-orvalho, da mesma família da salsa-da-praia (Ipomoea pes-caprae) –, arbustivas como Tocoyena bullata, Sophora tomentosa e Acrostichum aureum, árvores como Cupania oblongifolia, Cordia superba e Tabebuia chrysotricha, entre outras, e mudas de jerivás (Syagrus romanzoffiana).

Vila Residencial de Mambucaba, herbácea Turnera ulmifolia abre suas flores à beira do caminho no período da manhã, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

Ao iniciar os serviços de plantio, me dei conta da inexatidão dos nossos desenhos, afinal, estava lidando com organismos vivos. Onde julgava caber 200 mudas de determinada planta, havia espaço para não mais de 50, pois uma massa arbustiva havia surgido espontaneamente no local ou a salsa-da-praia havia se aproveitado da "limpeza" do terreno para se alastrar pela região. A Canavalia rosea, praticamente desaparecida há muito do sítio, resolvera despontar aqui e ali, bem como o pinheirinho-da-praia (Remirea maritima), e esses trechos tornaram-se verdadeiros santuários. Em contrapartida, áreas que considerara desimportantes na fase de projeto, pareceram bem mais interessantes quando me colocava diante delas. Ouve-se dizer que Roberto Burle Marx costumava desrespeitar seus próprios desenhos quando locava os jardins no campo, modificando o projeto em função da sua vivência do espaço. Lembrando dessa história, nem sei se verdadeira, aproveitei que a chuva insistia em destruir meus papéis e passei a locar a obra intuitivamente, com o auxílio de um cabo de vassoura, desenhando diretamente sobre o solo e sendo acompanhado pela equipe de jardineiros, que imediatamente “atacava” cada mancha desenhada sem dar tempo para mudanças de ideia.

Em seguida recebemos um carregamento das bromélias Neoregelia cruenta e Aechmea blanchetiana, a verbenácea Lantana camara e a turnerácea Turnera ulmifolia, além das árvores Aspidosperma parvifolium, Crateva tapia e Tapirira guianensis, entre outras. Plantávamos em função do que conseguíamos adquirir, sem respeitar a ordem lógica da jardinagem, ou seja, canteiro a canteiro, do maior para o menor porte.

Com o tempo, introduzimos novas mudas das três cactáceas já plantadas, as arbustivas Bougainvillea spectabilis e Senna bicapsularis, entre outras, e novas espécies de bromélias, como Neoregelia compacta, N. johannis e N. correia-araujoi, que, além de fornecerem novos matizes à composição das massas vegetais, enriqueceram o elenco da família Bromeliaceae, talvez a mais importante para a sustentação da vida no ecossistema.

Vila Residencial de Mambucaba, segunda campanha de plantio, ao fundo a colonização espontânea de Ipomoea pes-caprae, Paraty RJ. Paisagismo de Eduardo Barra
Foto Eduardo Barra

nota

NA – Esse trabalho foi selecionado para apresentação oral no 51º Congresso da International Federation of Landscape Architects ocorrido nos dias 5 e 6 de junho de 2014 em Buenos Aires – Argentina.

sobre o autor

Eduardo Barra é arquiteto paisagista ABAP, ex-presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (2005-2008).

ficha técnica

projeto
Parque Restinga de Mambucaba

paisagismo
Arquiteto paisagista Eduardo Barra

colaboração
Arquitetos Anderson Ferreira (desenhos iniciais) e Cláudio Peixoto

cliente
Eletrobras Eletronuclear

localização
Vila Residencial de Mambucaba, Paraty RJ – Brasil

área
7.600 m²

projeto
2011

implantação
2013/2014

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162.02 paisagismo
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original: português

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