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PORTAL VITRUVIUS. Rudimentos. Ou: paralisia do movimento urbano. Projetos, São Paulo, ano 14, n. 163.01, Vitruvius, jul. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.163/5246>.


As vigas da Perimetral são espécies de “ready-mades industriais” (1). Deslocadas de seu contexto original podem dar origem a novos mecanismos em outros lugares e cumprindo funções diferenciadas mantendo, contudo seu desenho original, sua potencialidade íntegra.

Puro aço corten com 40 metros de comprimento e peso de 20 toneladas. No total, perfazem 26 mil toneladas ao longo dos 7.326 metros de via. Em valores atuais de mercado, estima-se um valor de R$ 208 milhões, caso venha a ser simplesmente leiloado.

Não somente pelo valor monetário, mas pelo valor cultural, na medida em que ali se condensam investimentos e raciocínios que constituem a expressiva história da técnica e da engenharia no Brasil, de grande mérito, embora inexplicável e injustamente não valorizada. A rigor, quase nada se conhece da história da técnica no Brasil, especialmente, do rico patrimônio de estruturas de concreto armado.

Fico imaginando a mobilização técnica acionada na época para gerar peças de tamanho poder, capazes de suportar cargas elevadíssimas por até 4 séculos, pelo menos. Fabricadas nas instalações da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o primeiro trecho foi inaugurado em 1960 e sua finalização ocorreu apenas em 1979, portanto em data bastante recente. Podemos dizer que, em termos cronológicos, as vigas da Perimetral nem teriam saído da mais tenra infância, tendo ainda virtualmente uma longa vida útil.

Diante de tal potencialidade, seria absurdo e irresponsável considerá-las apenas material de refugo, mera sucata, para ser fatiada ou simplesmente derretida para outro fim.

Contudo, o caso da Perimetral expõe de modo dramático aquilo que é comum aos períodos de surtos construtivos: a contraface da destruição. Na cidade do Rio de Janeiro dos Grandes Eventos, uma série de transformações está em curso, afetando diretamente a vida da população. Em tais momentos, não há como separar o discurso da construção do da destruição, ambos fazem parte da mesma dialética, mas o argumento oficial que os legitima, via de regra, é o mesmo: a retórica do progresso.

Em nome do progresso – na década de 1960 –, diante do crescimento exponencial da metrópole, foi construído o elevado da Perimetral na orla do centro da cidade, cortando a vista da paisagem deslumbrante da baía de Guanabara. Acima e abaixo do extenso viaduto, como era de se esperar, formou-se uma área inóspita e degradada, típica de faixas que favorecem o automóvel, cristalizando a separação entre o centro do Rio e a baía.

Em nome do progresso – na abertura do novo século – argumenta-se ser importante reconectar o centro com a zona portuária, novo foco de investimentos, fazendo uma costura que trará a orla de volta à população, devolvendo a paisagem e favorecendo o pedestre. A barreira exclusivista do elevado da Perimetral era o obstáculo a ser extirpado. Contudo, com o planeta na iminência de sua própria aniquilação, causada pela exploração irracional de seus recursos naturais, o progresso se torna um valor relativo e, até mesmo para muitos, fator de desconfiança. Mas na retórica dos empreendedores (públicos e/ou privados) ele é reiteradamente invocado em razão das melhorias e benefícios que proporcionará à população e isso tem nome: “legado”. Claro, a sustentabilidade – com sua bandeira “verde” – emerge como causa, dada a consciência do “nada se perde, tudo se transforma”. Por isso, o entulho será reaproveitado, e as vigas reutilizadas. Colocadas no devido contexto da época, as razões alegadas poderiam ser até aceitáveis, no entanto, o problema é que qualquer moção em favor do progresso supõe a ação articuladora do projeto e do planejamento. E nesse nível, ou seja, daquilo que envolve mudanças estruturais na cidade, que libera um volume avassalador de investimentos públicos, a discussão com a sociedade civil sobre as responsabilidades e caminhos a seguir deveria ser a condição a priori necessária.

O que constatamos é que a ideia de “progresso” é evocada na fase da destruição, justamente para justificá-la, contudo no momento de projeto e implementação, toda e qualquer discussão é escamoteada, não sem que paire a suspeita de que tais discursos não passam de retórica para ocultar os reais beneficiados desse processo. O que poderá ocorrer com a área liberada após a implosão da Perimetral ou qual o destino das vigas é algo que ainda se encontra na obscuridade (2). O canhestro e patético episódio do roubo de 6 vigas, resultantes da primeira implosão, ocorrido em meados de julho de 2013 demonstra o quanto o destino delas não aparece nas preocupações das autoridades.

Não obstante, encontrando-se em estado de pura disponibilidade, podem por causa disto serem objetos de mais pura especulação. Um concurso de ideias – REPERIMETRAL – que aponte novos ou outros potenciais e possibilidade das vigas da Perimetral foi o que se deu. Promovido pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio (3), e encerrado em abril de 2014, o concurso direcionou-se aos estudantes de arquitetura e aos recém-formados. O projeto vencedor da equipe formada por Ana Altberg, Beni Barzellai, Mariana Meneguetti e Manuela Müller (todos oriundos da PUC-Rio) optou por assumir um partido crítico conceitual, em detrimento da força tectônica inerente à peça estrutural. Diga-se de passagem, nenhuma das equipes premiadas tiveram tal partido (fico imaginando que se houvesse algum grupo paulista, essa condição seria imediatamente explorada).

Essa opção por parte do projeto vencedor, a meu ver, deve-se à adoção de uma postura crítica em relação ao perverso processo de transformação urbanística que vem ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro. Daí conceber a arquitetura não como técnica que soluciona problemas, antes a aproximando da arte como forma de colocar problemas. Portanto, menos expectativa construtiva e mais condição metropolitana, eis o foco adotado. E condição metropolitana quer dizer experiência urbana, com sua excitação, frenesi e vivacidade, mas também com seus traumas, agorafobias, segregações e neuroses.  Mobilidade ininterrupta, porém descontínua.

A proposição ateve-se à manutenção das vigas conectada à ideia de dispositivos de transitividade urbana, convertendo-as enfim em passarelas urbanas. Contudo, muito mais do que mero canal de passagem, reta a unir dois pontos, caminho mais rápido de um percurso imposto pela lógica coercitiva do produtivismo e do consumo desenfreado, tais passarelas assumem um estado de ser de contestação crítica em relação ao automatismo alienado do metropolitano que se move induzido por condicionantes perversos que tendem a administrar a vida cotidiana.

Passarelas de permanência, vias do encontro inesperado, labirintos de estância, cercos de reflexividade, nada enfim que remeta ao utilitarismo vigente que impõe a lógica imediata do rendimento maximizado. Em realidade, tomam a pretensão de se constituírem como espécies de espaços de latência onde o tempo pode ser suspenso, a utilidade desconsiderada, a premência da ação abolida. Paira certo espírito crítico dadaísta/surrealista, devidamente atualizado pelas derivas situacionistas, pelo fun palace do Archigran,  pelos terrain vague de Sola-Morales, pela lógica do “prisioneiro voluntário da arquitetura”, pelos espaços limites de Bernard Tschumi.

Este “habitar” das estruturas assume também uma disposição fenomenológica ao deflagrar experiências elementares, ou seja, o contato sensorial com matérias construtivas fundamentais (água, terra, areia e pedra) que se dá ao se percorrer tais caminhos. Ao acessar estes corredores cegos ao entorno, apenas dois planos são ativados: o chão de elementos e o céu aberto. Tanto espécies de nirvanas flutuantes, quanto espaços de confinamento claustrofóbico, ante a expectativa de um conforto aguardado ou de uma ameaça iminente. Este estar à parte, pode tanto significar privação e segregação como liberação e apropriação. Nada, enfim, diferente do nosso sôfrego cotidiano das metrópoles.

Recuperando o caráter industrial e serializado, as vigas são tomadas em sua literalidade: como secção geométrica uniforme, são genéricas, como composto que obedece à carga definida para cumprir função portante determinada, são específicas. As variações são inúmeras, mas 4 situações foram apresentadas no projeto: linha de fuga, encruzilhada, cerco e labirinto. Há em decorrência um deslocamento de lógica de arranjo: de estrutura linear para articulações ortogonais, conformando com a mesma sintaxe, novas combinatórias.

Não há como não relacionar as estratégias minimalistas. As possibilidades de arranjo, fundadas em definições claras e objetivas (ortogonalidade e integridade) remetem diretamente às proposições de Sol Le Witt e Carl Andre (4). Sem origem ideal, tampouco fim ideal, perfazem articulações virtualmente abertas declarando sua operatividade infinita. O partido conceitual sugeriria independência do sítio, mas a localização das alternativas selecionadas indica uma razão de tipo site-specific. Estas “estruturas primárias” se instalam em vias estruturais da cidade (Av. Brasil, Av. Pres. Vargas, Linha Amarela e Av. Airton Senna/Av. Abelardo Bueno). Tais como a própria Perimetral, essas vias encontram-se no centro das prioridades dos investimentos públicos, dado que a questão da mobilidade se tornou a principal exigência dos órgãos gestores dos grandes eventos que o Rio sediará nos próximos anos. Pela lógica das grandes corporações, em parceria com os governos, garantir a mobilidade da massa de consumidores de esportes e de turismo no período dos jogos é o que importa. Os investimentos concentram-se por isso em sistemas de transporte público, vias, terminais modais, obras de infraestruturas (pontes, viadutos, passarelas) e seguem transformando o espaço e a paisagem da metrópole carioca num grande canteiro de obras.

Espalhadas pelas vias da cidade, estas “improdutivas” estruturas se colocariam como legítimos dispositivos críticos metropolitanos, verdadeiros campos de forças em movimento, nos quais as certezas mostram-se momentâneas; as dúvidas, produtivas; os medos, estimulantes; o banal, atrativo; o monótono, belo...

É por isso que, a meu ver, a proposta desses jovens arquitetos incluiu a forma literária como outro modo de linguagem ante a pluralidade de situações do urbano, já que era isto que o projeto enfatizava. Ao invés de invocar os tradicionais (e enfadonhos) memoriais descritivos para apresentar os casos – os 4 arranjos e suas localizações - com sua pretensa objetividade, o projeto optou por apresentar ficcionalmente a fala dos “usuários”. Claramente confessionais, os “depoimentos” dão um tom de vivência do lugar, assinalam dramas, mazelas, tragédias, melancolias, desalentos e surpresas daqueles que vivem a metrópole, que vivem as consequências dos mitos do progresso.

Adendo

A iniciativa do concurso, a meu ver, é extremamente louvável sob dois aspectos: incita os jovens arquitetos a se posicionarem frente os processos urbanos e oferece a oportunidade de ouvir suas vozes.

A única ressalva é que, na minha convicção, um concurso de idéias, mais que apresentar propostas inéditas, deve ter como horizonte abrir, propor, incentivar, provocar discussões, caso contrário não se diferencia de um concurso outro qualquer.

Um concurso de ideias, como sabemos, quer dizer colocar-se na expectativa de dar chance ao incomum, ao inesperado, àquilo que foge à convenção. Logo, incentiva uma prática experimentalista, sobretudo, no plano da linguagem. Por isso, penso que o próprio formato deve ser propositivo e imaginativo, seu modo de apresentação igualmente. Mas, um concurso, para tanto, também deve explicitar regras que assegurem, sobretudo, de um ponto de vista ético e legal, equanimidade de condições aos seus participantes bem como das condições de seu julgamento.

Pareceu-me que a restrição do formato a pranchas de papel A1 foi um tanto limitador, já que todas as eventuais ideias deveriam a ele se reduzir. Na minha perspectiva, deste que agora aborda o resultado na qualidade de “crítico”, o concurso de ideias deve se prolongar como horizonte de possibilidades, incluir tanto aquilo que antecedeu às pranchas de apresentação, como seus eventuais desdobramentos ou alternativas que não couberam no formato delimitado, acrescentado de espaços de debates para discutir as repercussões das proposições concorrentes. E isso não tanto por um gosto pessoal, mas porque as vigas ainda continuam sem destino, ou seja, com sua construtividade em aberto. A demolição da Perimetral pode ter ocorrido (ou estar em curso), mas não há nenhuma manifestação ou debate sobre o destino das peças. Destruição e construção mantêm-se em tensão dialética e irresolvida.

notas

1
Para Rosalind Krauss  a nova escultura americana, isto é, o minimalismo fazia uma releitura do ready-made duchampiano, tomando-o não como imagem desgastada como na POP Art, mas como unidade abstrata sintática. Não estavam, portanto, interessados na discussão sobre o significado dos objetos do consumo, mas nas qualidades estruturais dessas unidades básicas, nas suas características físicas intrínsecas, como repetição, materialidade e possibilidade de manipulação. Ver KRAUSS, R. Passages in Modern Sculpture. The MIT Press – Cambridge, Massachusetts and London, England, 1994, pp.- 243-288.

2
Enquanto escrevia este texto, soube de matéria na imprensa em que a prefeitura da cidade divulgou (de modo muito superficial)o  desenvolvimento de um projeto de reurbanização da área, ao que parece um parque linear indo do centro à zona portuária do Rio. Ver jornal O Globo de 23/03/2014.

3
Para se ter maiores detalhes do edital do concurso, bem como do júri e premiação e dos resultados, ver o link http://reperimetral.com/).

4
O conceitualismo de Le Witt e a materialidade de Andre representam duas faces do minimalismo, mantendo a tensão entre a resistência física do material e a sua possibilidade de estruturação. Talvez a proposta, caso fosse possível continuar, devesse dar um pouco mais de atenção à física das vigas – as situações de peso, vão livre e apoio – para desse modo incluir-se de modo enfático no contexto da situação.

sobre o autor

João Masao Kamita é arquiteto, doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e professor da PUC-Rio nos cursos de graduação em História e de Arquitetura, e atua no programa de pós-graduação em História Social da Cultura na mesma universidade.

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